Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25911/19.6T8LSB-D.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
DIMINUIÇÃO DE GARANTIA PATRIMONIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O grau de fundamentação da declaração de resolução de negócio operada pelo administrador da insolvência basta-se com a indicação sintética dos pressupostos que a fundamentam desde que, ainda que não pormenorizada, de modo percetível dela se depreendam as razões da resolução.
II - Grosso modo, a exigência de um maior ou menor grau de fundamentação da declaração de resolução e suficiência da mesma estará em correlação e/ou dependerá da natureza e efeitos típicos do próprio ato objeto da resolução e das presunções judiciais que do mesmo é ou não possível extrair.
III – Expressões como ‘diminuição da garantia patrimonial dos credores’, ‘satisfação dos créditos dos credores, e ‘património’, ainda que correspondam a termos jurídicos, são também palavras de uso corrente na linguagem comum, portadoras de um sentido corrente, não normativo, cuja apreensão exige apenas aquisição de conhecimentos já radicados no saber de qualquer entidade que lide com conceitos de ativo e de passivo e detenha contabilidade organizada.
IV - O pressuposto da prejudicialidade de negócio de transmissão de bens que as próprias partes qualificaram como gratuito tem-se por suficientemente concretizado com a alegação da diminuição da garantia patrimonial dos credores causada pelo ato, que surge reforçada pela alegação de que os bens transmitidos constituíam os únicos no património da insolvente com a virtualidade de satisfazerem em maior medida os créditos dos seus credores e, esta, pela alegação do reduzido valor dos restantes bens da insolvente.
V – A impugnação da resolução pode passar: ou pela impugnação direta dos fundamentos invocados na declaração, através da negação da realidade dos factos ou da atribuição de valoração jurídica distinta da que lhes é imprimida pelo administrador da insolvência; ou pela impugnação motivada, traduzida na alegação de um contexto fáctico novo suscetível de densificar e/ou circunstanciar os fundamentos de facto da resolução e de neutralizar o respetivo sentido e relevância jurídica e, por essa via, afastar a valoração de que per si são suscetíveis de lhes ser imputada.
VI – A impugnação motivada não se confunde com a impugnação por exceção (designadamente, impeditiva do exercício do direito) pelo que, visando descaracterizar os factos fundamentos da resolução, é sobre o impugnante, interessado na manutenção do negócio, que recai o ónus de alegação e de prova daquela factualidade para contraprova dos fundamentos da resolução.
VII – À transmissão, em benefício de uma Associação, de bens com os quais os associados ‘concorrem’ para o património social dessa mesma Associação, não corresponde a aquisição do direito a uma qualquer participação ou quota ideal sobre o património que a integra ou passa a integrar, nem tão pouco um direito à distribuição dos rendimentos que pela atividade e/ou património da Associação sejam gerados (como o é o direito dos sócios à distribuição de lucros no âmbito das sociedades).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I – Relatório:
1. Por apenso ao processo de insolvência de ‘Associação… Em liquidação’ (AL), apresentada em 29.11.2019 e declarada por sentença proferida em 17.12.2019, veio a Associação… (AU), com sede na Rua…, Lisboa, instaurar ação contra a massa insolvente para impugnação de resolução de negócio realizada pelo Sr. administrador da insolvência (AI) em benefício da massa insolvente através de carta registada de 21.02.2020, tendo por objeto alegada doação de fração autónoma correspondente ao 1º andar do prédio sito na Rua…, Lisboa, e de alvarás de estabelecimentos de ensino titulados pela insolvente.
Em fundamento a autora alegou que foi constituída em 10.04.2018 com sede em Rua…, Lisboa na sequência de assembleia geral da insolvente de 04.01.2018 no âmbito da qual os seus associados aprovaram autorização para a constituição de (outra) associação e transmissão para a mesma, a título de entrada para o património associativo da autora, i) dos estabelecimentos de ensino do Colégio ‘…’ (creche e jardim de infância) e ‘Primária’ (1º ciclo do ensino básico) incluindo a transmissão de todas as posições jurídicas associadas ao Colégio, nomeadamente os contratos de trabalho do pessoal docente, a marca e dos demais direitos de propriedade intelectual, os alvarás e o direito ao arrendamento do imóvel da Rua…; e ii) da propriedade daquele imóvel, sito na Rua….
À bondade da resolução operada pelo AI opõe, em síntese:
i) apesar de na escritura da sua constituição constar que a transferência do imóvel da AL para a autora é a título gratuito essa transmissão não foi gratuita porque a título de contrapartida esta comprometeu-se a liquidar o montante de €180.000,00 e assumiu outros encargos da responsabilidade da AL que, se assim não fosse, não seriam cumpridos e aumentariam o passivo desta;
ii) a carta de resolução é nula por falta de fundamentação suficiente porque se limita à transcrição genérica da lei, não indica a data de início do processo de insolvência nem a data em que os atos foram praticados, limita-se a referir “diminuição da garantia patrimonial dos credores” sem a concretizar, sem indicar os valores dos bens transferidos e das responsabilidades da AL que foram transferidas para a AU, nem o valor das contrapartidas do negócio e, sobre a má fé, limitou-se a referir que ambas as associações tinham conhecimento da insolvência iminente da AL;
iii) caso assim não se entenda, não se verificam os pressupostos da resolução em benefício da massa insolvente – alega que o ónus da prova dos mesmos compete à massa insolvente, a carta não refere os elementos que fundamentam a resolução, a transferência dos bens não foram prejudiciais para a generalidade dos credores da AL - que seriam mais caso não tivessem sido praticados os atos em questão - nem foi realizada em benefício de um credor em detrimento dos demais, dos elementos contabilísticos e demais documentação da insolvente resulta que as transferências de valores entre as associações foram favoráveis à AL, o que a lei considera prejudicial não é o ato que diminua o valor ou a garantia patrimonial da massa mas sim que diminua a satisfação dos credores e um ato pode envolver diminuição da massa mas em termos contabilísticos não implicar diminuição da satisfação dos interesses dos credores; mais alega que o art.º 120º, nº 4 do CIRE dispensa a prova dos pressupostos da má fé porque no ato em questão intervieram pessoas especialmente relacionadas e que conheciam a situação da insolvente, mas que ilide a presunção de má fé que daquele ato resulta porque os atos não foram praticados com o propósito de prejudicar a generalidade dos credores mas para garantir a sobrevivência do projeto ‘MU…’ através da transferência das valências e respetivos alvarás da AL para prestação de ensino nas áreas do Primeiro Ciclo do Ensino Básico e da Educação Pré-Escolar (‘…’ e ‘…’) para uma nova entidade, a aqui autora, como a única forma para manter a salvo trabalhadores, alunos e comunidade educativa no seu todo, com transmissão de posições jurídicas associadas àquelas atividades com impacto financeiro, que identifica com a transferência de trabalhadores, dos encargos com os respetivos salários, direitos relativos à respetiva antiguidade, e assunção da obrigação de realização de obras no imóvel conforme notificação da Câmara Municipal de Lisboa para realização compulsiva de obras de conservação.
Arrolou testemunhas e juntou documentos.
2. A ré massa insolvente contestou a impugnação e concluiu pela improcedência da ação.
Alegou que sendo a autora e a insolvente a mesma pessoa coletiva - a presidente e a vice presidente daquela pertenciam ao ultimo conselho diretor da AL, os membros dos órgãos sociais da autora são na sua grande maioria ex-membros dos órgãos da insolvente nos triénios de 2015-2017 e 2018-2020, o imóvel onde é desenvolvida a atividade, os funcionários, os bens móveis e o equipamento são os mesmos da insolvente -, aquela teria que assumir os contratos de todos os funcionários da associação e respetivos encargos, e impugnando a alegada contrapartida para a AL pela transferência do imóvel que, conforme consta da escritura de constituição da autora, foi feita a título gratuito - o valor de €180.000,00 não entrou na contabilidade da insolvente, a determinação dos valores que a autora alega constituírem contrapartida da transferência do imóvel corresponde a decisões arbitrárias e discricionárias dos órgãos de gestão de acordo com os interesses que melhor se adequavam à constituição da nova associação, mantendo o pessoal detentor do know how do funcionamento e dinâmica da associação e evitando custos com a sua formação; não é verdade que são contrapartidas a assunção de antiguidade e direitos dos trabalhadores, que houve antecipação de receitas de mensalidades e inscrições de alunos dos colégios ou compromisso da autora de liquidar direitos dos trabalhadores e retenções na fonte, além de tratar-se da atribuição de caráter monetário com base num acontecimento hipotético. Mais alega que o valor dos alvarás transmitidos à autora é superior aos €2.500,00 alegados pela autora e que, pela forte valorização do mercado imobiliário nos últimos anos, o valor real do imóvel é de pelo menos €1M, muito superior ao da sua avaliação em 2016 invocada pela autora; que a criação da autora teve como exclusivo propósito receber por doação o património e a atividade lucrativa da AL, ficando esta com as responsabilidades/dívidas e em situação de inviabilidade financeira e entrada em liquidação. Mais alega que se verificam todos os requisitos da resolução, está em causa doação realizada meses antes da apresentação da devedora à insolvência e quando já se encontrava em situação deficitária, conforme é reconhecida pela autora, encontrando-se aquela em falência técnica desde pelo menos 2017, beneficiando a autora em detrimento de todos os restantes credores e prejudicando a satisfação igualitária dos direitos destes e que, por ter como objeto todo o património do devedor, incluindo o local onde exercia a sua atividade, não é conforme os usos dos negócios por constituir uma liquidação antecipada e instantânea do património da insolvente e inviabilizar  a continuidade da sua própria atividade, e representa uma manobra fraudulenta que resulta na impossibilidade de a autora satisfazer os créditos de que é devedora, de valor superior a €700K, e, ao mesmo tempo, prosseguir a sua atividade com parte dos seus bens e ativos sob a capa de outra associação. Mais opõe que os factos alegados na carta de resolução são os suficientes e foram entendidos pela autora, conforme se constata da sua petição, impugnou especificadamente artigos da petição inicial e o valor de prova que a autora quis dar aos documentos que juntou.
Requereu depoimento de parte e declarações de parte, arrolou testemunhas e juntou documentos.
3. Frustrada a tentativa de conciliação, foi proferido saneador sentença, com a seguinte decisão:
Pelo exposto, julgo procedente a presente ação e, em consequência, declaro inválida e ineficaz a resolução em benefício da massa insolvente operada pelo Sr. Administrador de Insolvência, por carta datada de 21-02-2020, da transferência para o património da Autora da fração autónoma “E” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o nº …e inscrito na matriz sob o artigo … e dos alvarás nºs 1/… CRSS Lisboa; nº 1… (ME) e nº 1… (ME), relativos aos estabelecimentos “Nosso Jardim”, creche, jardim infantil e ensino básico, incluindo a transmissão de todas as posições jurídicas associadas, nomeadamente direitos de propriedade intelectual e direito ao uso do nome “Colégios …”, titulada por escritura pública de constituição de associação datada de 10-04-2018.
4. Inconformada a ré massa insolvente apresentou o presente recurso, requerendo a revogação da decisão “e, consequentemente, ser a ação interposta pela Autora AU julgada totalmente improcedente, por não provada, com as devidas e legais consequências, como são a manutenção da resolução do negócio legitimamente operada pelo Senhor Administrador de Insolvência, devendo ser declarada válida e eficaz a Resolução em benefício da massa insolvente.”
Apresentou alegações que reproduziu em sede de conclusões e que, em resposta a convite ao seu aperfeiçoamento/sintetização, veio a formular nos seguintes termos:
“1 - Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença que julgou a ação procedente e, em consequência, declarou inválida e ineficaz a resolução em benefício da massa insolvente, realizada aqui pelo Sr. Administrador de Insolvência.
2 – O Tribunal recorrido entendeu que os autos reuniam todos os elementos necessários para procede-se à prolação de despacho saneador, pelo que que decidiu que: “Nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 591.º, n.º 1, alínea d), e 595.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil, passo a conhecer de imediato do mérito da presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente”.
3 - Para tanto, entendeu que, na carta de resolução, o Administrador de Insolvência não alega qualquer facto constitutivo do direito de resolução, limitando-se a resolver o negócio e a identificar o mesmo, ainda que de forma insuficiente, efetuando meras indicações de carácter genérico e conclusivo.
4 - Salvo o devido respeito, a Sentença recorrida não se encontra correta, pois a Carta de Resolução enviada pelo Administrador Insolvência (AI), contém todos os elementos essenciais, necessários e suficientes para que possa operar a resolução condicional do ato/doação, nos termos do Artº 120 do CIRE.
5 – Essa carta, considerada o instrumento de resolução do ato em benefício da massa insolvente, pode resolver os atos praticados dentro dos 2 anos anteriores à data do início do processo de insolvência, onde se expõe os factos e as razões em que baseia a prejudicialidade e a má fé do terceiro, de forma a que o seu destinatário os possa, querendo, impugnar.
6 - Ora, estamos certos de que a Carta de Resolução enviada pelo AI cumpre escrupulosamente esses requisitos, nos termos do Artº 120º do CIRE.
7 - Este primeiro requisito está verificado, uma vez que a AL se apresentou à insolvência a 29 de novembro de 2019 e a transferência deste património foi aprovada em 04 de janeiro de 2018, em Assembleia Geral Extraordinária da AL, e a AU foi constituída por Escritura Pública de 10 de abril de 2018.
8 - Por outro lado, o AI cumpriu a exigência do requisito formal, utilizando a carta registada com aviso de receção, dentro dos 6 meses seguintes ao conhecimento do acto, conforme preceitua o nº 1 do Artigo 123º do CIRE.
9 – Cumpriu ainda a verificação dos dois restantes requisitos da resolução, pois referiu a condição de o ato poder considerar-se ou presumir-se prejudicial à massa insolvente, e por outro, referiu a existência da má-fé por parte da Autora.
10 - Destarte, para além da identificação do ato a resolver, indicou a respetiva fundamentação, o prazo de impugnação e as consequências da atitude resolutiva.
11 - Na Carta de Resolução, o Senhor Administrador indica então os atos que declara resolúveis em benefício da massa insolvente, através da resolução das doações a favor da AU.
12 - Por outro lado, na Carta de Resolução, o Senhor Administrador indicou a respetiva fundamentação, referiu a prejudicialidade destes atos, e que porque praticados de má-fé, são prejudiciais à massa insolvente.
13 – Revelaram-se assim mais do que suficientes, pois foram entendidos pela Autora, conforme se constata pela sua petição apresentada, sendo que a Lei não especifica o grau de fundamentação ou até mesmo se ela deve existir (cfr. Artigo 123º do CIRE).
14 - Ademais, nos termos legais, entende-se que o Legislador não quis transformar o AI em jurista, exigindo que aquele emita Cartas Resolutivas com fundamentação de peças processuais.
15 – A este propósito, vide Acórdão do STJ de 12/03/2019, in www.dgsi.pt e o Ac. R.C. de 4-4- 2017, in www.dgsi.pt.
16 - Na ótica do Tribunal a quo, a carta de resolução padece ainda de contradições, contudo, com a devida vénia não podemos partilhar de semelhante entendimento!
17 - Estando os requisitos da prejudicialidade e da má fé indubitavelmente preenchidos, foram explanados os contornos do negócio em crise, que despoletaram a presente ação.
18 – Apesar de as partes, no ato de constituição do negócio terem declarado que se tratava de uma transmissão gratuita, tentaram convencer o Tribunal de que houve contrapartidas para a massa insolvente, superiores ao valor das transferências efetuadas, o que não é verdade.
19 – Conforme se verifica pelos documentos juntos nos autos, a Insolvente e a Autora são exatamente a mesma “pessoa”, pois foi constituída por Escritura Pública de 10 de Abril de 2018, com número de Identificação Fiscal 514 ….  e sede no edifício que receberam por doação da AL, na Rua…, em Lisboa.
20 - Refira-se que a Presidente e Vice-Presidente da nova associação pertenciam ao último Conselho Diretor da “AL”, bem como os membros dos órgãos sociais da beneficiária das doações, são na sua grande maioria ex membros dos órgãos da Insolvente nos triénios de 2015 a 2017 e de 2018 a 2020.
21 – Verifica-se também que, para além do imóvel onde a Autora desenvolve a sua atividade, os funcionários, os bens móveis, o equipamento, etc. são exatamente os mesmos que os da Insolvente, pois na realidade trata-se da mesma associação.
22 – Sobre a alegada contrapartida de 180.000,00€, que a “AU” se comprometeu a pagar à Insolvente, desconhece-se a entrada desse valor na contabilidade e o seu fundamento, já que, conforme resulta da escritura de constituição, a transferência do imóvel foi feita “a título gratuito”!
23 – A determinação desses valores, tem por base decisões arbitrárias e discricionárias dos órgãos de gestão, tendo apenas como escopo os interesses que melhor se adequavam à constituição da nova associação (AU).
24 – Carece de verdade que houve contrapartidas transferidas para a AU, ao assumir a antiguidade, os direitos e os retroativos dos trabalhadores, ou por antecipações de receitas de mensalidades e inscrições de alunos dos Colégios ‘…’, pois uma e outra associação são exatamente a mesma entidade.
25 – Para além disso, os alvarás incluem a transmissão de todas as posições jurídicas associadas, nomeadamente direitos de propriedade intelectual e direito ao uso do nome “Colégios …” que, conforme bem refere a Autora, “realiza formações de educadores há mais de 60 anos, pelo que nunca poderia ter como contrapartida o montante irrisório de 2.500,00€.
26 – Também não se aceita que os critérios de valiometria sejam os da data da avaliação do imóvel realizado em 2016, pois na área Metropolitana de Lisboa, nos últimos anos, os valores dos imóveis têm vindo a sofrer uma forte valorização no mercado imobiliário, pelo que o imóvel valerá, nunca menos de um milhão de Euros.
27 – Com o devido respeito, que é muito, na Douta Sentença, foi feita uma interpretação errada quando refere que os negócios resolvidos não configuram verdadeiras doações, na medida em que, para determinar que se tratou de um negócio oneroso, o Tribunal “a quo” considerou o Valor Patrimonial Tributário.
28 – Nessa senda, então nunca a doação de um imóvel poderá ser considerada um negócio gratuito, pois como é domínio da cognoscibilidade, a todos os imóveis em Portugal é atribuído esse valor para permitir que a Autoridade Tributária possa avaliar os ativos imobiliários, sendo que o VTP (Valor Patrimonial Tributário) representa o valor fiscal de um imóvel e não o seu valor comercial! 29 - Ademais, sendo a Autora uma Associação, composta por vários Associados, foi exigido à Autora a entrega/transferência de determinados bens como contrapartida da entrada da insolvente na Associação, mas não exigiu nada aos outros Associados.
30 - Analisada a escritura de constituição da Associação adquirente, conclui-se que a criação da AU, teve exclusivamente o intuito de receber, por via da doação, o património e a atividade lucrativa da “AL”, ficando a insolvente apenas com as responsabilidades/dívidas.
31 - Aliás, se as referidas transações tivessem sido favoráveis à “AL”, como defende a Autora, aquela não teria ficado numa situação de grande vulnerabilidade da qual resultou a sua inviabilidade financeira e consequentemente a entrada em liquidação!
32 – Assim, existem factos bastantes para preencherem os requisitos das presunções estabelecidas pelo CIRE, para justificarem a resolução aqui em causa.
33 – Por outro lado, a Douta Sentença refere que por se tratarem de contrapartidas, não se trata de atos enquadráveis na alínea b) do Artigo 121º do CIRE, pelo que o seu enquadramento no Artigo 120º deste diploma impõe a alegação de concretos factos suscetíveis de preencher os pressupostos legais de admissibilidade da resolução.
34 – Conforme já se explanou, não houve nenhuma contrapartida, uma vez que se tratou de uma escritura de doação do edifício e alvarás a título gratuito, e por esse motivo é manifesto que o acto impugnado pôs em perigo a satisfação dos Credores da Insolvência quando este negócio foi celebrado, pelo que não poderia ignorar a sua prejudicialidade.
35 – É humilde convicção da aqui exponente que também este pressuposto de que depende a Resolução em Benefício da Massa – Artigo 120°, n° 5 do CIRE - está aqui indubitavelmente preenchido.
36 - No caso da resolução incondicional, a que se refere o artigo 121.º do CIRE, os requisitos gerais da resolução são dispensados, pois os actos aí referidos são resolúveis, independentemente de quaisquer outros requisitos, para além dos previstos nesta mesma disposição legal.
37 - Como tal, cremos que, não obstante estar provada a prejudicialidade, o presente caso também poderá ser subsumível na previsão normativa das alíneas b) do n.º 1 do artigo 121º do CIRE.
38 - Sem olvidar que, “…é à parte que impugna a resolução que cabe alegar e provar todos os factos extintivos do direito de a transferência resolução invocado pelo administrador de insolvência” - cfr. GRABATO MORAIS, Resolução em Beneficio da Massa Insolvente, Almedina, 2008, pág. 167, e Acórdão TRL, de 24.09.2009, Proc. 725/06.7TBTVD-I.L1-8, disponível em www.dgsi.pt, ou seja, é à Autora que compete alegar e demonstrar que o negócio não foi prejudicial à massa insolvente, e que não existiu má-fé da sua parte, o que de todo não logrou fazer!
39 - Quanto à prejudicialidade do ato ou omissão em relação à massa insolvente, a mesma consiste, de acordo com o n.º 2 do art.º 120.º do CIRE, no facto de estes diminuírem, frustrarem, porem em perigo ou retardarem a satisfação dos credores da insolvência.
40 - Desde logo, é inequívoco que o negócio aqui objeto de resolução aconteceu dentro do período temporal previsto no nº1 do artigo 120º do CIRE, pelo que tal negócio constituiu um prejuízo para a massa insolvente, nos termos previstos no nº2 do citado Artigo 120º do CIRE.
41 - Além disso, à data da Escritura de constituição da “AU” e transmissão do referido imóvel, já a sociedade insolvente estava em incumprimento por parte dos seus credores, tendo estranhamente beneficiado apenas a Autora, em detrimento de todos os restantes credores, que assim ficaram prejudicados.
42 - Para Gravato Morais, ob. Loc. Cit., pág. 50, “a lei acaba por dar uma larguíssima amplitude ao conceito de ato prejudicial ao abranger qualquer ato que enfraqueça (qualitativa ou quantitativamente) a garantia patrimonial, pois, nesse caso, pode (e deve) ser atacado”; E tal critério está de acordo com o objetivo do processo de insolvência, que visa a satisfação igualitária dos direitos dos credores.
43 - No caso dos autos, está em causa a resolução de uma doação realizada a título gratuito, efetuada apenas alguns meses antes da apresentação da insolvência, numa altura em que esta já se encontrava em situação deficitária
44 - Ora, a doação de todo o património afeto à valência do “…”, ou seja, o imóvel sito na Rua…, em Lisboa, bem como marca e os demais direitos de propriedade intelectual e alvarás, é, per si, um ato prejudicial à massa.
45 - Aliás, essas doações, porque constituem todo o património do devedor, no circunstancialismo provado, não é evidentemente conforme aos usos dos negócios (Ac. do STJ, de 07/10/2014, Proc. 1393/11.0TBPMS-C.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.)
46 – Sendo a fração em causa, a marca e os demais direitos de propriedade intelectual e os alvarás, os únicos bens de que a Insolvente era proprietária, as doações desses bens constituem uma liquidação antecipada e instantânea de todo o património da Insolvente, o que não é normal nem admissível, ainda mais tratando-se do imóvel onde a AL inclusivamente exercia a sua atividade, pois essa liquidação inviabilizaria a continuidade da sua própria atividade, que constitui o objeto social da Insolvente.
47 - No caso concreto, a separação de uma Associação “boa” – para onde transferiram todos os ativos e atividades lucrativas da associação – e de uma associação “má” – onde ficaram todas as dívidas e responsabilidades tóxicas, representa uma manobra fraudulenta que resulta na impossibilidade de a insolvente satisfazer os créditos de que é devedora, sob a “capa” de outra associação.
48 - Esta separação, nos termos em que foi concretizada, frusta, de forma dolosa, a satisfação dos credores da insolvência, pelo que, o esvaziamento dos bens da insolvente com a doação de um dos seus principais ativos (o imóvel), foi realizado para favorecer apenas a AU.
49 - Deste modo, não se verifica existir qualquer elemento que permita afastar o caráter prejudicial do ato praticado pela Insolvente; antes pelo contrário, é manifesto que a Insolvente, por intermédio dos seus administradores, praticou atos destinados a empobrecer o património da Associação “AL” ao realizar as doações aqui objeto de resolução.
50 - Pelo que se depreende do exposto, que existia uma situação de especial relação entre a Sociedade Insolvente e a Autora, uma vez que esta não podia desconhecer o estado de insolvência da “AL”.
51 - Aliás, é a própria Autora que reconhece esse facto no artigo nº 169º e 170º da P.I. e também na petição inicial de apresentação à insolvência, na qual confessa um conjunto de factos com relevância para essa verificação – Conforme P.I., constante do processo principal.
52 - Por outro lado, na sequência da realização da assembleia de apreciação do Relatório do Senhor Administrador de Insolvência, foi aberto INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA COMO CULPOSA, que deu origem ao apenso A) destes autos.
53 - Dos factos apurados no processo de insolvência, é manifesto que esta já tinha problemas financeiros desde o ano de 2014, sendo que estava numa situação de falência técnica, pelo menos, desde 2017, conforme o Relatório supra referido, mas, não obstante, a Associação AL apenas se apresentou à insolvência a 29 de Novembro de 2019, ou seja, quase três anos depois.
54 - E quando a Associação se apresentou à insolvência, já não era proprietária de qualquer bem imóvel ou móvel sujeito a registo, tendo apenas ativos de valor insignificante e uma dívida acumulada a trabalhadores no valor superior a setecentos mil Euros.
55 - Em 2016 e 2017, a insolvente vendeu terrenos e um edifício que serviram para amortizar a totalidade da dívida bancária, sendo que já estava numa situação de falência técnica. Porém, a venda desses imóveis, causaram um prejuízo sério e irreparável para os restantes credores, tendo objetivamente favorecido as entidades bancárias, que viram a totalidade dos créditos satisfeita, e não necessitarem de reclamar qualquer crédito no referido processo de insolvência.
56 - Assim sendo, é evidente que os factos supra descritos, diminuíram, frustraram, dificultaram e colocaram em perigo a satisfação dos credores da insolvência, sendo manifesto que o acto impugnado pôs em perigo a satisfação dos credores da insolvência. 57 - Nesse sentido, no caso concreto, tendo em conta que aquando da realização daquela escritura, 10/04/2018, ambas as partes tinham conhecimento do caráter prejudicial do ato e de que a Insolvente se encontrava em situação de insolvência iminente, claramente se vê que a circunstância prevista na alínea b) do n.º 5 do art.º 120.º do CIRE se verifica, pelo que a Autora aquando da celebração desse negócio estava de má-fé, sendo que tal presunção não foi ilidida pela Autora.
58 - Em suma, atento tudo quanto se explanou, é modesto entendimento da Recorrente que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou os indicados normativos dos artigos 120º, 121º e ss, do CIRE, impondo-se a sua substituição por outo aresto que considere que a impugnação de resolução instaurada pela Autora deve improceder e, em consequência, deve manter-se a resolução operada legitimamente pelo AI, em defesa dos interesses que o regime de resolução visa proteger.
59 - Pois mostram-se verificados todos os pressupostos de que depende a aplicação do regime de resolução em benefício da massa insolvente, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 120° e ss. do CIRE.
60 - Exigir-se que a Carta de Resolução contenha mais elementos do que aquilo que a própria Lei exige, seria fazer incidir sobre um ato extrajudicial uma obrigação mais exigente que aquela, o que seria considerado desproporcionado, ilegal e totalmente injusto!
61 - In veritas, esta Sentença/Saneador, carrega um pendor incomensuravelmente injusto, por ter obstado a que as partes pudessem litigar em juízo, com o propósito de alcançar a devida e acostumada justiça, última ratio dos Tribunais.
62 - Por fim, note-se que a Carta de Resolução aqui em causa é o modelo comumente usado por estes profissionais no seu exercício, sendo o único caso em que o Senhor Administrador vê a sua validade posta em causa!
63 - Pelo que, deve a Sentença que julgou a ação procedente ser declarada nula e, consequentemente, declarar VÁLIDA e EFICAZ a Resolução em Benefício da Massa Insolvente, operada aqui pelo Sr. Administrador de Insolvência. Assim se fazendo inteira e sã Justiça!
5. A autora apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:
1. Apesar de as partes no acto de constituição da AU terem declarado que se tratava de um acto gratuito, referem que o mesmo património serve de contrapartida à entrada da AL na referida associação.
2. De acordo com o artigo 238.º, do Código Civil “Não pode a declaração valer com o sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respetivo documento ainda que imperfeitamente expresso”.
3. Na declaração negocial (no caso, a escritura pública de constituição da AU), atribui-se determinados valores aos bens doados, sendo que tais valores são relevantes para a entrada da AL para o património associativo da AU.
4. Assim sendo, apesar de na escritura constar a expressão “título gratuito”, a verdade é que foi vontade das partes que os bens transmitidos o fossem a título oneroso, diga-se, de entrada num património.
5. Para além deste argumento, a verdade é que a transmissão do edifício da Rua …, do arrendamento da Rua … e dos alvarás teve contrapartidas da AU para a AL.
6. Tais contrapartidas e assunção de responsabilidades por parte da AU foram superiores ao valor das transferências da AL para a AU, não sendo admissível a qualificação de transmissão gratuita incluída na escritura de constituição da AU.
7. Quanto aos valores de cada transmissão e assunção de responsabilidade – da AL para a AU e da AU para a AL – existem diversas valorizações e cuja análise remetemos para a Petição Inicial, sistematizando-se aqui da seguinte forma: (…)
8. A análise dos valores apresentados não deixa qualquer margem para dúvidas. Mesmo no cenário mais baixo a assunção de responsabilidades da AL por parte da AU é francamente superior ao valor das transferências da AL para a AU.
9. Foi, também, esta a conclusão do “Relatório de avaliação das transacções realizadas entre AL e a AU, realizado em Maio de 2020, pela Clearwater International (cfr. doc. 17, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). 
10. Refira-se, ainda e como se descreve no quadro infra, que a AU assumiu, também, os valores com as obras de cariz obrigatório e efectuadas após intimação da CML do edifício da Rua e que ascenderam a 147.997,55 euros (cfr. quadro supra e docs. 19 e 20 juntos com a PI, que aqui se dão por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
11. A AU assumiu, ainda, no seu quadro de pessoal 37 trabalhadores vindos do quadro de pessoal da AL, com a consequente responsabilização por toda a antiguidade, incluindo direito a indemnização no caso de despedimento, férias e subsídios e outros créditos laborais.
12. O saldo favorável à AL oscila entre os entre os 230.228,10 euros e os 791.296,10 euros, respectivamente no cenário em que os valores transferidos pela AL são valorizados de forma mais e menos positiva.
13. É falso que se tenha verificado uma diminuição da garantia patrimonial dos credores e que a transmissão, qualificada como gratuita, mas que efectivamente teve contrapartidas, do imóvel da Rua … tenha prejudicado a satisfação dos créditos dos credores.
14. Tal libertou a AL de inúmeras responsabilidades que, não tivessem sido assumidas pela AU, fariam agora parte dos créditos a serem satisfeitos no processo de insolvência da AL.
15. De salientar, que nenhuma destas transacções foi feita com má fé, mas antes com o intuito de salvar o projecto MU na sua totalidade.
16. A alegação por parte da Recorrente de desconhecimento da entrada da contrapartida de 180.000 euros nos cofres da AL e do não reconhecimento do valor da antecipação de receitas de mensalidades e inscrições de alunos do “…” demonstram má fé processual da Recorrente, uma vez que o Administrador de Insolvência teve acesso (e tem a obrigação) a todas as contas da AL.
17. Estas alegações de desconhecimento de factos que constam das contas da Insolvente demonstram a má fé processual que tem ditado toda a postura da Recorrente neste assunto e que, atenta a responsabilidade atribuída ao Administrador de Insolvência pela Lei é, ainda, mais gravosa!
18. Sendo a acção de impugnação de resolução em benefício da massa uma acção de simples apreciação negativa, ao abrigo do disposto no n.º 1, do art.º 343º do CC, seria ao Administrador de Insolvência, aqui Recorrente, a quem competiria fazer prova dos factos que invoca como fundamento da resolução.
19. É no Recorrente que recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito resolutivo que invoca – o que não fez!
20. Recaindo o ónus da prova dos factos constitutivos do direito de resolução sobre a Recorrente, impunha-se, consequentemente, que da declaração resolutiva constasse um composto factual mínimo que permitisse, não só à parte visada exercer o seu direito de defesa, como ao declarante oportunamente fazer prova dos factos constitutivos do direito de resolução que invoca.
21. Ora, no caso concreto, a Recorrente limita-se a de uma forma repetitiva a alegar que estamos perante actos gratuitos, quando na realidade tinha em seu poder documentação que comprova exatamente o contrário.
22. A Recorrente deveria, não só ter alegado, como provado a prejudicialidade dos actos por ela visados, mas nada fez.
23. Não se extraindo da comunicação de resolução, factos fundamentadores do alegado prejuízo para a massa, resultantes do acto impugnado, é a mesma ineficaz e como tal inoponível aos seus destinatários. (Ac. TR Guimarães, 636/14T8VVD-FG.1 de 27.04.2017).
24. De referir ainda que na carta de resolução remetida pelo Administrador de Insolvência, deve este especificar os factos que são fundamento da resolução para legitimar o exercício desse direito, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação da respetiva ação de impugnação e muito menos em alegações de recurso.
25. “(…) a declaração de resolução, efetuada pelo Administrador da Insolvência, deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo, não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação da respetiva ação de impugnação” (cfr. Ac. STJ, 10.03.2014, in www.dgsi.pt).
26. No caso concreto o Administrador de Insolvência, na carta de resolução remetida à AU a 20.02.2020, limita-se a identificar os atos cujos efeitos pretende sejam revertidos, colocando-os temporalmente como tendo ocorrido “pouco tempo antes da apresentação à insolvência”, a identificar as partes e o objeto mediato dos mesmos, invocando genericamente o disposto no artigo 120.º e seguintes do CIRE.
27. Nada fundamenta na carta remetida, assim como nada prova ao longo sua contestação à ação de impugnação da resolução em benefício da massa, razão pela qual a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, não poderia ser outra, contrariamente ao que a Recorrente pretende fazer crer.
28. No entanto para além do requisito formal, nenhum outro requisito se encontra preenchido.
29. A carta de resolução não refere a data de início do processo de insolvência, nem a data em que os actos em causa foram praticados. Apenas em sede de Contestação foram alegadas datas. 30. Também não logrou provar a alegada prejudicialidade dos actos praticados pela AU. Na carta em apreço, refere a “diminuição da garantia patrimonial dos credores”, mas não concretiza explicitamente, em que consiste essa diminuição, não indica quais os valores dos bens transacionados, das responsabilidades da AL que foram transferidas para a AU, nem tão pouco o valor das contrapartidas do negócio, sendo certo que se tivesse sido feita, pelo AI uma análise exaustiva aos elementos contabilísticos ao em seu poder, nunca se poderia ter concluído pela gratuitidade do negócio em causa.
31. Tão pouco fundamentou em que se concretiza a alegada má-fé da AU.
32. A declaração de resolução é uma declaração negocial unilateral receptícia, isto é, para ser eficaz tem de chegar ao conhecimento do destinatário, produzindo os seus efeitos logo que recebida por este (cf. art.º 224.º n.º 2 do CC).
33. Atentos os seus efeitos (cfr. art.º 434.º do CC) e, no âmbito do processo de insolvência, os vertidos no art.º 126.º do CIRE - é uma forma de cessação do contrato que carece de motivação, isto é, não basta, para que produza os seus efeitos, a mera declaração de intenção, mas sim a invocação da factualidade que lhe está subjacente.
34. Padece assim a carta de resolução de vício de forma, por falta de fundamentação. A decisão do Administrador de Insolvência que, nos termos do art.º 123.º, CIRE, resolve um contrato sem que explique concretamente as razões de tal decisão, é nula!
35. A carta de resolução padece de contradições graves, já que o próprio Administrador de Insolvência, apesar de qualificar os actos a resolver como sendo doações – que conforme atrás se comprova não são - posteriormente, na mesma carta, não fundamenta a resolução dos mesmos por recurso ao disposto na al. b) do n.º 1, do art.º 121º do CIRE, onde a doação vem taxativamente descrita, mas opta por fundamentar a resolução dos mesmos ao abrigo do disposto no n.º 1 e 2 do art.º 120º daquele diploma.
36. Considerando que o caso concreto se afasta das situações consagradas no art.º 121º do CIRE, ou seja, estamos perante um caso de resolução condicional e, consequentemente, dependente da verificação cumulativa de três requisitos: temporalidade, prejudicialidade e má-fé.
37. Requisitos esses não preenchidos, nem concretizados na carta remetida à AU.
38. Tratando-se de resolução condicional, terão que ser concretizados na carta de resolução, os factos que traduzem a prejudicialidade para a massa e o circunstancialismo que envolve a má fé do terceiro, o que não aconteceu.
39. Não basta ao Administrador da insolvência invocar a prejudicialidade do negócio, tem que alegar os factos que consubstanciam o direito à resolução. De acordo com Gravato Morais, “a resolução em benefício da massa insolvente deve ser mediana ou suficientemente fundamentada, contendo os factos que a concretizam” (Gravato Morais, 2014, p. 169).
40. Não é por o Administrador de Insolvência não ser jurista, que não se exige que fundamente as suas decisões, antes pelo contrário.
41. “I- As decisões de operadores judiciários, que não o Juiz, devem ser fundamentadas, nos termos do art.º 268.º, n.º 3, da Constituição, aplicando-se o disposto no art.º 125.º, Cód. de Procedimento Administrativo. II- As decisões do Administrador de Insolvência que prejudiquem os seus destinatários devem conter uma fundamentação sucinta, suficiente, clara e congruente. III- Padece de vício de forma, por falta de fundamentação, a decisão do Administrador de Insolvência que, nos termos do art.º 123.º, CIRE, resolve um contrato sem que explique concretamente as razões de tal decisão.” (cfr. Ac. TR Évora, 01.10.13, Proc. 10/12.5TBOLH-J.E1; sublinhado nosso).
42. Face à Constituição e à Lei, atenta designadamente a natureza das funções do Administrador de Insolvência, legalmente equiparado ao agente de execução, não podem deixar de fundamentar as decisões por si tomadas no referido âmbito.
43. Nestes termos torna-se por demais clarividente que o conteúdo da missiva da resolução em benefício da massa insolvente aqui em causa, deixa transparecer uma falta de rigor por parte do seu autor, falta de rigor essa que não pode ser justificada pelo facto de o Administrador de Insolvência não ser jurista, nem tão pouco pelo facto de, conforme a Recorrente alegar que a Carta de Resolução em causa, ser o modelo comumente utilizado pelo Administrador de Insolvência, sendo este o único caso em que a validade da mesma terá sido posta em causa.
II – Objeto do recurso – Questões a apreciar:
Nos termos dos art.ºs 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto desta, tal qual como surge configurado pelas partes de acordo com as questões por elas suscitadas, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a analisar e a criar soluções sobre questões que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas, ficando vedado, em sede de recurso, a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido ou da defesa, bem como de conhecer de questões que não foram oportunamente submetidas a apreciação, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha nos temos do art.º 662º nº 2 e 608º, nº 2, este, ex vi art.º 663º, nº 2, ambos do CPC. Acresce que o tribunal não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações das partes, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, contidas nos elementos da causa, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo livre na apreciação de direito (cfr. art.º 5º, nº 3 do CPC).
Assim, considerando o teor das conclusões de recurso e da decisão recorrida, o objeto do recurso restringe-se à apreciação da (in)validade da declaração de resolução realizada pelo Sr. administrador da insolvência por referência aos fundamentos nela contidos e, estes, por referência aos pressupostos da resolução extra judicial de negócio nos termos dos art.ºs 120º e ss. do CIRE.

III – Fundamentação de Facto
A. O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
III.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa, baseados em documentos juntos aos autos e que não foram impugnados:
1) Por escritura pública, denominada de “Associação”, datada de 10-04-2018, celebrada no Cartório Notarial de …., perante a respetiva Notária, em substituição, …., da qual constam como outorgantes: Primeiro: - MJS (…) e § - ATN (…); que outorgam ambas por si e ainda como membros do Conselho Director e em nome e representação da Associação denominada “AL”, Pessoa Colectiva de Utilidade Pública, com o NIPC 50…., (…). Segundo: - LNA, (…); Terceiro: - RM, (…); Quarto: - VE, (…); Quinto: - EMS, (…); Sexto: - PPV, (…); Sétimo: - MCS, (…); Oitavo: - LLX, (…); Nono: - CSB, (…); Décimo: - PSM, (…).
Pelos outorgantes, nas respectivas qualidades, foi dito: Que, pela presente escritura, eles outorgantes e a associação representada pelas primeiras outorgantes, constituem uma associação sem fins lucrativos, com duração por tempo indeterminado, que adopta a denominação, Associação… (AU), que terá sede na Rua…, em Lisboa, freguesia de Misericórdia, código postal: - 1200-…. Que a Associação tem por fim as actividades de ensino-creche, pré-escolar, primeiro e segundo ciclo do ensino básico, entre outras actividades de apoio à infância e adolescência, solidariedade e beneficência no âmbito da formação e desenvolvimento. Que a título de entrada para o património associativo, a referida associação fundadora AL, transfere a título gratuito para a Associação agora constituída, o seguinte património de que é titular: a) Fracção autónoma designada pela letra “E”, que corresponde ao primeiro andar – estabelecimento de ensino, com entrada pelo número …, através de escada interior, sótão ligado por escada interior e logradouro, com duzentos e vinte e quatro metros quadrados, do prédio urbano sito na Rua…, e Rua…, lugar e freguesia de…, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número …, afecto ao regime de propriedade horizontal, nos termos da apresentação vinte, de…, registada a dita fracção a seu favor, pela apresentação três, de …, inscrito na matriz da freguesia de Misericórdia, sob o artigo …, com o valor patrimonial correspondente à fracção de €279.470,00, a que é atribuído para efeitos deste acto valor igual ao patrimonial; Que sobre esta indicada fracção incide ainda um arresto, registado pela apresentação três mil quatrocentos e oitenta e nove, de dois de Março de dois mil e dezoito, em que é exequente MM… (…), em resultado do processo executivo nº …/14.0T8LSB-B, que corre termos do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa – Juiz Três.
b) O direito ao arrendamento do imóvel sito na Rua…, em Lisboa, freguesia da …, inscrito na matriz da freguesia da Estrela, sob o artigo …, (antes artigo …da freguesia da Lapa-Extinta), em resultado do contrato celebrado em 29 de Outubro de 2009, a que é atribuído para efeitos deste acto o valor de trinta e nove mil trezentos e quarenta e oito euros;
c) Os alvarás nºs 1/…CRSS Lisboa; nº 1… (ME) e nº 1.. (ME), relativos aos estabelecimentos “…”, creche, jardim infantil e ensino básico, incluindo a transmissão de todas as posições jurídicas associadas, nomeadamente direitos de propriedade intelectual e direito ao uso do nome “Colégios MU”, a que é atribuído para efeitos deste acto o valor de dois mil e quinhentos euros, transmissão que pelas primeiras outorgantes, em nome da associação sua representada efectivam neste acto, passando estes bens a integrar o património da associação agora constituída.
Que a associação reger-se-á pelos estatutos constantes do documento complementar que fica a fazer parte integrante desta escritura, (…)” – cfr. Doc. 8 junto com a petição inicial, constante de fls. 63 verso e seguintes do suporte físico dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) AL – ASSOCIAÇÃO DE … foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 19-12-2019, no âmbito dos autos de insolvência de pessoa coletiva (Apresentação) que tiveram início por requerimento remetido a juízo no dia 29-11-2019 – cfr. sentença inserta nos autos principais dos quais os presentes constituem apenso e respetiva petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3) Por carta datada de 21-02-2020, o Sr. Administrador de Insolvência nomeado nos autos principais dos quais os presentes constituem apenso, comunicou à autora, sob o assunto “Resolução”, o seguinte:
“Por Sentença Judicial, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da AL – Associação de …, Em Liquidação, com número de identificação fiscal 500…, sede na Rua…, na freguesia de Alcântara, no concelho e distrito de Lisboa, tendo o signatário sido nomeado administrador de insolvência.
Analisado o processo de insolvência, e alguns documentos, o A.I. tomou conhecimento de factos relativos às doações, a seguir descriminadas, realizadas pela insolvente a favor de V.Excias., onde se verificam que houve diminuição da garantia patrimonial dos credores, nomeadamente devido à:
1º - Doação da fração autónoma designada pela letra “E”, que corresponde ao primeiro andar – estabelecimento de ensino, com entrada pelo número …, através de escada interior, sótão ligado por escada interior e logradouro, com duzentos e vinte e quatro metros quadrados, fração esta que faz parte integrante do prédio urbano sito na Rua…, e Rua …, lugar e freguesia de…, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, da dita freguesia e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … da atual freguesia da Misericórdia.
2º - Doação dos alvarás números 1… CRSS Lisboa, 1… (ME) e 1… (ME), relativos aos estabelecimentos “…”, creche, jardim infantil e ensino básico, os quais incluem a transmissão de todas as posições jurídicas associadas, nomeadamente direitos de propriedade intelectual e direito ao uso do nome “Colégios …”.
Estes factos, que foram praticados pouco tempo antes da apresentação à insolvência, prejudicam de forma clara e evidente a satisfação dos créditos dos credores, uma vez que, atendendo ao reduzido valor dos restantes bens da insolvente, constituem verdadeiramente o único património com potencialidade de, pelo menos, satisfazer parcialmente o crédito dos credores, os quais, com estas doações, veem frustradas e mesmo em perigo as hipóteses de verem satisfeitos os seus créditos.
Tais doações foram feitas com o intuito de favorecer a AU … em detrimento dos credores, sabendo bem ambos, V. Excias. e a insolvente que esta estava, pelo menos, em situação de insolvência iminente.
Foram assim praticados de má-fé, pelos fundamentos supra expostos, e porque considerados prejudiciais, e terem ocorrido nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, é resolúvel a favor da massa insolvente nos termos do artigo 120º. Nº 1 e 2 do CIRE.
Assim, na qualidade de administrador de insolvência, de AL – Associação …, Em Liquidação, nos termos do disposto no artigo 120º e seguintes do CIRE, declaro, em benefício da massa insolvente, a resolução das doações a favor de AU …, supra referidas.
Em suma, porque praticados de má-fé, são prejudiciais à massa insolvente, sendo que, não se reconhecendo tais actos, são os mesmos ineficazes relativamente à massa insolvente. (...)” – cfr. carta junta a 06-03-2020 (Refª 25760581) aos autos principais de insolvência, constante de fls. 181 a 183 do seu suporte físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4) Esta carta foi enviada por via registada com aviso de receção, tendo o respetivo aviso sido assinado a 02-03-2020 - cfr. carta junta a 06-03-2020 (Refª 25760581) aos autos principais de insolvência, constante de fls. 184 do seu suporte físico, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
III. 2. Factos não provados
Inexistem quaisquer outros factos provados com relevância para a decisão da causa.
III.3. Motivação da decisão da matéria de facto
A convicção do tribunal relativamente à decisão fáctica supra exarada baseou-se no teor dos elementos documentais constantes dos autos e não impugnados, designadamente a aludida escritura pública e a cópia da carta remetida pelo Sr. Administrador de Insolvência e respetivo aviso de receção.

B. No uso do poder dever previsto pelo art.º 662º, nº 1 do CPC, à descrição contida no proémio do ponto 3 adita-se segmento contido na carta ali descrita – identificação do processo de insolvência -, que se insere a itálico na redação daquele ponto, e aos factos assentes mais se adita a descrição do teor da lista de créditos reconhecidos apresentada pelo AI e autuada como apenso de Reclamação de Créditos (apenso A), a descrição dos bens apreendidos (apenso E) e estado da liquidação (apenso F). Assim:
3. Por carta datada de 21-02-2020, o Sr. Administrador de Insolvência nomeado nos autos principais dos quais os presentes constituem apenso, comunicou à autora, sob o assunto “Resolução//Processo de insolvência nº 25911/19.6T8LSB – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 7”, o seguinte: (…)
5. Da Lista de créditos elaborada e apresentada nos autos pelo AI nos termos do art.º 129º do CIRE constam reconhecidos 23 créditos, dos quais 20 correspondem a créditos salariais no montante total de € 727.658,63, parte dos quais sob condição de verificação de despedimento, um a crédito do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, CRL a título de prestação de serviços no montante de € 131.121,03, e outro a crédito de CERB-Contabilidade e Gestão, SA a título de prestação de serviços de contabilidade no montante de € 1.499,79.
6. Em 21.10.2020 o AI juntou auto de apreensão dos seguintes bens móveis:
VERBA UM
-----Lote constituído por: 1 armário de madeira de duas portas de vidro; 1 armário de madeira largo; 2 banquinhos; 25 cadeiras almofadadas de cores; 2 cadeiras de madeira; 30 cadeiras de madeira de braços; 2 cadeiras de PC; 13 estantes; 1 estante de madeira (mais estreita); 2 estantes de madeira altas; 2 estantes estreitas de madeira altas; 1 mesa de apoio; 1 mesa de apoio madeira; 4 mesas de madeira, 8 mesas de madeira redondas; 1 módulo baixo de duas portas; 4 módulos de três gavetas, com rodas; 1 modelo de quatro gavetas (madeira antigo); 2 módulos de madeira para livros + 1 pequeno; 1 móvel baixo de duas portas de correr; 1 móvel; 1 móvel madeira com portas de correr; 1 móvel pequeno de duas portas de correr, 1 Nossa Senhora; 1 quadro de cortiça pequeno; 3 secretárias; 1 secretária antiga com duas gavetas; 3 sofás de madeiras – dois de um lugar e um de dois lugares ------------------------------------------------------ 150,00€.
Em 09.02.2021 juntou aditamento ao auto de apreensão de bens, com descrição dos seguintes bens:
VERBA DOIS
-----Lote constituído por livros ---------------------------------- €2.500,00.
Em 29.11.2021 juntou novo aditamento ao auto de apreensão de bens, com descrição dos seguintes:
VERBA TRÊS
____Lote de equipamento informático constituído por dois monitores de marca "ASUS", um monitor de marca "HP L1706", um monitor de marca "ASUS VW193D-B", um monitor de marca "MIRAI", duas CPU de marca "HP", uma CPU marca "DELL", duas CPU sem marca visível, teclados, ratos e cabos, ao qual se atribui o valor de 125,00€. _______________________________
VERBA QUATRO
____ Saldos bancários no valor global de 8.185,96€, que se encontravam retidos nas seguintes contas bancárias da insolvente: contas D.O. n.º 0030 7903 0003, D.O. n.º 0012 … e D.O. n.º 0181…., domiciliadas no Novo Banco, S. A. e conta D.O. n.º 265…., domiciliado no Banco Montepio, S. A. _______
7. Em 09.02.2021 o AI relatou que os bens descritos sob as verbas um e dois foram vendidos pelo valor de € 6.000,00 e em 29.12.2021 relatou que o bem descrito sob a verba três foi vendido por €135,30.
8. Em 18.08.2022 o AI informou os autos que as diligências de liquidação aguardam apenas o desfecho da presente ação de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente.

IV – Fundamentação de Direito
(Enquadramento e definição geral)
1. Como é consabido, o processo de insolvência liquidatário traduz-se em processo de execução universal e concursal, que tem como finalidade primeira a satisfação dos interesses patrimoniais dos credores através da liquidação do património para afetação do respetivo produto na satisfação dos direitos dos credores. Execução universal porque, conforme definição de massa insolvente que consta do art.º 46º do CIRE, com exceção dos bens isentos de penhora, abrange todo o património do devedor à data da declaração da insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. Concursal porque, conforme art.ºs 90º, 128º e 146º do CIRE, visando a liquidação do passivo global do devedor, procede-se para o efeito à citação de todos os credores do devedor para concorrerem ao produto que resulte da liquidação dos bens que integram o património do devedor, na medida das forças deste e em função da hierarquia/graduação dos créditos de acordo com a respetiva natureza. Para cumprimento desse fim, a declaração da insolvência do devedor determina a apreensão material de todos os bens que integram a massa insolvente, incluindo o produto da venda desses bens, ainda que arrestados, penhorados, apreendidos ou por qualquer outra forma detidos, dos quais o AI, na qualidade de representante legal da massa insolvente, fica administrador, liquidatário e, em regra, depositário (cfr. art.ºs 46º, 149º, 150º, 81º, nº 1, 55º, nº 1 e 158º do CIRE).     
Para salvaguardar a garantia patrimonial dos credores e o cumprimento da universalidade da insolvência liquidatária, conforme consta do Preâmbulo do Dec. Lei nº 53/2004 de 18.03 que aprovou o CIRE, neste diploma Prevê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico – a «resolução em benefício da massa insolvente» -, que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património”. Instituto cuja ratio legis resulta perfeitamente esclarecida pela nota preambular 41 daquele diploma: “a finalidade precípua do processo de insolvência – o pagamento, na maior medida possível, dos credores da insolvência – poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de actos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente. Importa, portanto, apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvesse sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos, que se mostram prejudiciais para a massa”.
Com o assinalado objetivo legal, a resolução de negócios por efeito da ‘mera’ declaração do AI constitui um instituto jurídico específico e expedito do direito falimentar para, com dispensa do recurso à via judiciária, permitir a célere reconstituição do património do devedor com os bens ou direitos que, declarada a insolvência, deveriam integrar a massa insolvente (para máxima satisfação dos créditos verificados sobre a insolvência), mas que a não integram por terem sido alienados ou por qualquer forma onerados ou retirados do acervo patrimonial nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência do devedor. Juridicamente configura-se como direito potestativo atribuído à massa insolvente e ao universo dos credores da insolvência representados pelo AI, enquanto instrumento específico do regime falimentar para recuperação das atribuições patrimoniais que, naquela situação, foram concedidas com prejuízo para o património do devedor e, assim, com prejuízo das garantias patrimoniais dos respetivos credores. Subjacente à previsão e faculdade legal de resolução de atos de caráter patrimonial pelo AI estão dois princípios estruturantes do processo falimentar: a garantia patrimonial dos bens e direitos dos credores dada pelo património do devedor, e a satisfação igualitária dos direitos dos credores (par conditio creditorum). A resolubilidade funda-se na quebra desses princípios e visa destruir ou tornar ineficaz a concessão de vantagens especiais pelo insolvente a terceiros ou a qualquer dos seus credores a partir do momento em que, durante o período suspeito (dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência), é conhecida a situação de insolvência – atual ou iminente - do devedor. A resolução permite à massa insolvente a recuperação das atribuições patrimoniais que nesse contexto foram concedidas com prejuízo para os credores da insolvência.
(Pressupostos)
2. O exercício da faculdade de resolução extra judicial de negócios legalmente reconhecida ao AI não é discricionário, depende da verificação em concreto de requisitos materiais - por referência aos pressupostos constitutivos do direito de resolução previstos pelos art.ºs 120º ou 121º -, e obedece a requisitos formais dessa declaração - por referência aos termos da sua comunicação aos respetivos destinatários, previstos pelo art.º 123º. A declaração resolutória corresponde ao ‘conteúdo’ – objeto materialmente relevante; a forma como é comunicada, corresponde à ‘embalagem’ – via e formalismo da ‘entrega’ daquele objeto.
Prevê o art.º 120º, nº1 do CIRE que Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência. Esta norma, por contraposição com a resolução prevista pelo art.º 121º, prevê a resolução condicional dos atos prejudicais praticados no período ‘suspeito’. Para além do pressuposto temporal, comum a ambas as modalidades de resolução (dois anos anteriores ao início do processo), são factos constitutivos do direito potestativo de resolução condicional de negócios pelo AI o caráter prejudicial do negócio - requisito de caráter objetivo -, e a má fé da contraparte da insolvente no negócio prejudicial - requisito de caráter subjetivo. Os nº 2 e 3 do preceito em análise definem e concretizam o conceito de ato prejudicial à massa insolvente: aqueles que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência. O nº 3 tem a particularidade de considerar sempre prejudiciais os atos previstos pelo art.º 121º, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados, estabelecendo assim presunção inilidível da prejudicialidade de tais atos. O conceito de má fé enquanto pressuposto da resolução dos negócios da insolvente é fornecido pelo nº 5 do art.º 120º, entendendo-se como tal o conhecimento, pelo terceiro e à data do ato, de qualquer das seguintes circunstâncias: a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência; b) Do carácter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente; c) Do início do processo de insolvência. Também quanto à má fé o legislador estabeleceu uma presunção, agora ilidível, quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com a insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.[1]
Nas várias alíneas do nº 1 do art.º 121º, nº 1 constam previstos os atos que, sem dependência de quaisquer outros requisitos que não seja o timing em que cada um deles foi praticado/celebrado, são passíveis de resolução, a dita incondicional. ‘Incondicional’ significa então que, para além do pressuposto ou requisito da temporalidade previsto em cada uma das respetivas alíneas, a resolução não está condicionada - e por isso não exige - a verificação ou concreta demonstração da prejudicialidade do ato nem da má fé da outra parte no negócio prejudicial celebrado pelo devedor, que o legislador presumiu iuris et de iure prejudicial à massa insolvente, prescindindo da prova - e da alegação - da prejudicialidade do ato e da má fé do terceiro.
(Exercício dos direitos, de resolução e de impugnação da resolução)
3. Prevê o art.º 123º, nº1 do CIRE A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.
Assim, dependendo a existência do direito de resolução da verificação em concreto de requisitos materiais, os correspetivos factos constitutivos carecem de ser alegados na declaração resolutória para cumprimento do dever de fundamentação[2] e enquanto corolário do princípio da defesa e exercício do contraditório, considerando que a contraparte no negócio pretendido resolver tem o direito de impugnar a resolução. Constituindo oposição/contestação à resolução extra judicial de negócio operada pelo AI - sobre o qual recai o ónus de alegar e demonstrar a verificação dos pressupostos constitutivos do direito -, a impugnação da resolução configura ação declarativa de apreciação negativa. Esta ação, que tem como objetivo mediato pôr termo à situação gerada pela resolução do ato a favor da massa insolvente com vista a que a mesma seja revogada e deixe incólume o ato/negócio por ela visado, pode ter como objeto imediato, ou a declaração da extinção do exercício do direito de resolução (por caducidade), ou da invalidade formal ou ineficácia da declaração resolutória (seja quanto ao seu conteúdo, seja quanto à sua comunicação), ou da inexistência do direito da resolução declarada pelo AI (por não se verificarem os requisitos materiais de que depende)[3].
O exercício dessa reação judicial pressupõe o conhecimento dos fundamentos de facto que a determina, quer seja para infirmar a realidade e/ou valoração dos mesmos, negando-os, quer seja para, sem impugnar/negar os factos alegados pelo AI, deduzir impugnação motivada traduzida na alegação de um contexto fáctico novo – portanto, não necessariamente de natureza excetiva – suscetível de densificar e circunstanciar os fundamentos de facto da resolução e de neutralizar o respetivo sentido e relevância jurídica e, por essa via, afastar a valoração de que per si eram suscetíveis e lhes vinha por aquele imputada, seja ao nível do prejuízo, seja da má fé presumida[4] [5].
Onerado que está com a alegação da causa de pedir da resolução na declaração através da qual a executa, a massa insolvente fica impedida de, na ação de impugnação dessa resolução, invocar factos constitutivos essenciais distintos dos indicados na comunicação resolutiva, competindo-lhe provar os factos que comunicou à contraparte e que, para vingarem, se impõe por si só sejam suscetíveis de gerar o direito de resolução, firmando assim o princípio da imutabilidade da causa (de pedir) de resolução – ao AI não é permitido alegar causa de pedir estranha à contida na carta resolutiva em sede de contestação à impugnação e, a suceder, não pode ser tida em conta como fundamento da decisão[6].
4. Neste pano de fundo, ao nível do grau de fundamentação ou densificação dos fundamentos de facto vislumbram-se na jurisprudência duas orientações. Uma mais rigorosa, conforme a adotada por acórdão do STJ de 17.09.2009[7], que impõe ao AI a indicação de todos os concretos factos fundamento da resolução por considerar que só dessa forma o impugnante está em condições de impugnar a resolução, vedando-se a possibilidade da deficiência de fundamentação ser suprida em sede de contestação à ação de impugnação. Outra mais moderada, adotada por acórdãos do STJ de 25.02.2014, proc.º 251/09.2TYVNG-H.P1.S1, e de 29.04.2014, proc. n.º 251/09.2TYVNG-R.P1.S1[8], a reconhecer plena eficácia à declaração resolutória que, ainda que não contenha uma justificação completa que esgote todos os fundamentos, contenha “os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução”, remetendo para a análise casuística a ponderação dessa suficiência.
De acordo com esta última posição, a que perfilhamos, o grau de fundamentação da declaração de resolução basta-se com a indicação sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução desde que, ainda que não pormenorizada, de modo percetível dela se depreendam as razões da resolução, o porquê da decisão tomada pelo AI. Grosso modo, e conforme infra se aprofunda, a exigência de um maior ou menor grau de fundamentação e a suficiência da mesma está em correlação e/ou dependerá da natureza e efeitos típicos do próprio ato e das presunções judiciais que do mesmo é ou não possível extrair. A título de exemplo, identificar uma doação ou um contrato de compra e venda e afirmar que o ato em questão prejudica a massa insolvente porque diminui a satisfação dos direitos dos credores, permite facilmente extrair e identificar o prejuízo – constituindo os bens do devedor garantia geral dos seus credores, o prejuízo decorre direta e imediatamente do ato de transferência de um ativo do património do devedor e, assim, da redução da garantia patrimonial dos créditos em linha direta com a redução ou supressão dos bens que a compunham. O mesmo não sucede se o ato pretendido resolver for, por exemplo, um contrato promessa[9] ou a constituição de garantia real sobre os bens, desde logo porque estes não têm efeito translativo do direito de propriedade e o impacto da sua celebração na esfera patrimonial do devedor não decorre diretamente do negócio em si mesmo, antes pressupõe vicissitudes atinentes com a sua execução ou com as pretensões que com fundamento nos mesmos sejam reclamadas sobre a insolvência. Com efeito, colocando-se os seus efeitos no plano meramente obrigacional, o contrato promessa só poderá afetar os demais credores se os direitos dele emergentes forem exercidos na insolvência, seja pela reclamação da sua execução específica (caso se verifiquem os pressupostos de que depende a inadmissibilidade de recusa de cumprimento do contrato, previstos pelo art.º 106º, nº 1 do CIRE), seja pela reclamação de créditos. O mesmo quanto aos efeitos da constituição de uma garantia real sobre bem(ns) do devedor, que será sempre em benefício de um credor, em detrimento dos demais.
5. Numa outra perspetiva, ao AI só cabe alegar factos, não se lhe impõe que os qualifique juridicamente porque, na realidade, o AI não tem que ser um jurista, sendo que a declaração resolutória corresponde a ato extra judicial contido no leque das competências funcionais do AI a executar por não própria, pelo que não existirá deficiência de fundamentação preclusiva da validade da declaração se o AI  não fizer a indicação das normas jurídicas ou o enquadramento jurídico dos factos numa ou outra modalidade da resolução, condicional ou incondicional[10]. Mais não seja porque, ainda que invoque o enquadramento jurídico, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, pelo que nada obsta a que conclua por diferente qualificação, designadamente, ao nível dos fundamentos da resolução incondicional, bem como da natureza da resolução, desde que se fundamente nos factos alegados na declaração e observe o princípio do pedido. Esse é o regime e consequência que decorre do princípio geral processual previsto pelo art.º 5º, nº 3[11] do CPC.
(O caso)
6. Na petição de impugnação da resolução a autora arguiu que a carta padece de falta de fundamentação. Alegou em fundamento que a carta se limita à transcrição genérica da lei, não indica a data de início do processo de insolvência nem a data em que os atos foram praticados, não concretiza a “diminuição da garantia patrimonial dos credores”, não indica os valores dos bens transferidos e das responsabilidades da AL que foram transferidas para a AU, não indica o valor das contrapartidas do negócio, e não concretizou a alegada má fé limitando-se a referir que ambas as associações tinham conhecimento da insolvência iminente da AL.
A sentença decidiu pela invalidade da resolução no pressuposto de que “é manifesto que não se encontra devidamente fundamentada”. Em fundamento considerou que na carta o AI “não alega qualquer facto constitutivo do direito de resolução” e dela constam “meras indicações de carácter genérico e conclusivo”, e que aquela padece de “contradições graves” porque apesar de apresentar como fundamento da resolução a circunstância de se tratar de ato gratuito, enquadrou juridicamente a resolução no artigo 120º, nºs 1 e 2 do CIRE” e “os atos gratuitos são resolúveis, se verificados os restantes requisitos, nos termos do artigo 121º, nº 1, alínea b), do mesmo diploma.” Mais acrescentou que tais atos não são enquadráveis no art.º 121º porque, apesar de na escritura publica constar que a transmissão daqueles bens é a título gratuito, “deve atender-se a que se atribui para efeitos desse ato determinado valor, no caso da fração autónoma “E” o montante de € 279.470,00 e, no caso os alvarás, o montante de €2.500,00, e que refere que a transferência ocorre a título de entrada para o património associativo.” Neste pressuposto, da onerosidade dos atos, concluiu pela ausência de factos que permitam considerar a resolução incondicional e, por referência ao art.º 120º, mais entendeu que na carta “não foram alegados factos suscetíveis de preencher os pressupostos do carácter prejudicial do ato e da má fé da Autora.
A recorrente defende que a carta de resolução contém todos os elementos essenciais, necessários e suficientes para que possa operar a resolução do ato e, conforme se constata pela petição da autora, foram por esta entendidos; e que, apesar de preenchido o pressuposto da prejudicialidade, sempre o caso seria subsumível à al. b) do nº 1 do art.º 121º do CIRE por tratar-se de doação, reiterando o que a esse respeito alegou na contestação à impugnação e refutando os fundamentos com suporte nos quais a sentença recorrida afastou a gratuitidade do ato em questão.
7. Importa antes de mais salientar que a questão objeto do recurso não se confunde com a apreciação de mérito dos fundamentos da resolução ou da impugnação, ou seja, se os mesmos se verificam e, na positiva, se são ou não suscetíveis de preencher os pressupostos de qualquer um dos fundamentos legais de resolução extra-judicial de negócio pelo AI. Com efeito, a decisão recorrida não concluiu pela manifesta improcedência do pedido, mas sim pela ‘ineptidão’ da declaração de resolução para o fim a que tende, pelo que cumpre apenas aferir se, conforme alega a autora-recorrida, aquela se limita a alegação em abstrato da facti species configurada nas normas jurídicas que invoca (art.ºs 120º e ss. do CIRE) ou se, conforme entendeu a sentença recorrida, a mesma se limita a alegação genérica ou conclusiva que não permita a individualização da factualidade (do concreto pedaço de vida) a que se reporta, ou se, considerando tratar-se de causa de pedir complexa, está em falta algum dos seus elementos estruturantes e necessários à procedência da ação.
Assim, da mera leitura da declaração resolutória, cujo teor foi conduzido aos factos assentes, constata-se que nela constam identificados:
i) o processo de insolvência (nº 2591/19.6T8LSB) e a entidade que nele foi declarada insolvente (AL – Associação …, Em liquidação);
ii) os atos objeto de resolução, que o AI descreveu como doações (“doação da fração (…) estabelecimento de ensino (…) integrante do prédio urbano (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o numero (…)” e “doação dos alvarás números (…) relativos aos estabelecimentos ‘…’, creche, jardim infantil e ensino básico, os quais incluem a transmissão de todas as posições jurídicas associadas, nomeadamente, direitos de propriedade intelectual e direito ao uso do nome ‘Colégios MU….”);
E consta alegado que aqueles atos:
iii) foram “praticados pouco antes da apresentação à insolvência”, “nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência”;
iv) relativamente aos mesmos verifica-se que houve “diminuição da garantia patrimonial dos credores”, “prejudicam a satisfação dos créditos dos credores, uma vez que, atendendo ao reduzido valor dos restantes bens da insolvente, constituem verdadeiramente o único património com potencialidade de, pelo menos, satisfazer parcialmente o crédito dos credores, os quais, com estas doações veem frustradas e mesmo em perigo as hipóteses de verem satisfeitos os seus créditos”;
v) foram praticados com má fé, “com o intuito de favorecer a AU… em detrimento dos credores, sabendo esta e a insolvente que esta estava, pelo menos, em situação de insolvência iminente”;
vi) e são resolúveis a favor da massa insolvente “nos termos do artigo 120.º n.º 1 e 2 do CIRE”, e “nos termos do disposto no artigo 120º e seguintes do CIRE
Da alegação descrita resulta que o AI concretizou de forma suficiente e claramente percetível os factos em que suportou a decisão de resolução, desde logo, através da cabal identificação do ato e dos bem e direitos dela objeto, correspondente à transmissão de imóvel e de alvarás realizada pela insolvente em benefício da autora, ato que no articulado da impugnação esta reconheceu e confirmou ter celebrado e ao qual reportou a oposição que deduziu à resolução. Da carta de resolução mais consta referência ao requisito temporal ‘suspeito’ previsto pelo art.º 120º, nº 1 do CIRE, corporizado na alegação da prática do ato nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, sendo ademais certo que a data da celebração do ato – abril de 2018 – corresponde a facto do conhecimento pessoal da autora e que, à data da emissão da declaração de resolução – fevereiro de 2020 -, sobre aquela ainda não tinham decorridos dois anos; circunstância objetiva que, independentemente de qualquer alegação, garantia inexoravelmente a verificação daquele pressuposto temporal e o seu conhecimento pela destinatária da declaração, outorgante no ato sob resolução. A prejudicialidade do ato surge concretizada pela alegada “diminuição da garantia patrimonial dos credores” por ele causada e que, para além do que decorre da alegada natureza do próprio ato – doação – o AI mais justificou com o facto de os bens transmitidos constituírem os únicos no património da insolvente com a virtualidade de satisfazerem em maior medida os créditos dos seus credores, de tal forma que podem até ver completamente frustrada essa satisfação, o que o AI mais justificou com o reduzido valor dos restantes bens da insolvente (e que os autos confirmam). A má fé consta perfeitamente concretizada pela alegação de que autora e insolvente sabiam que esta estava “pelo menos, em situação de insolvência iminente”, e circunstanciada pela alegação de que o ato objeto de resolução visou favorecer a autora em detrimento dos credores da insolvente, alegação que concretiza o conhecimento da prejudicialidade do ato exigido pelo pressuposto da má fé nos termos previstos pelo art.º 120º, nº 5, al. b). Acresce que as expressões usadas pelo AI – tais como diminuição da garantia patrimonial dos credores”, “satisfação dos créditos dos credores”,  e “património” -, ainda que correspondam a termos jurídicos, são também palavras de uso corrente na linguagem comum, portadoras de um sentido corrente, não normativo, cuja apreensão exige apenas aquisição de conhecimentos já radicados no saber de qualquer entidade que lide com conceitos de ativo e de passivo e detenha contabilidade organizada, como urge ser o caso da autora no âmbito da atividade, de cariz empresarial que, conforme confessadamente alega, se propôs exercer e exerce através do recurso ao imóvel, a direito ao arrendamento e aos alvarás da insolvente, e a contratos de trabalho com esta celebrados. De resto, e nas palavras do acórdão da Relação do Porto de 29.09.2009, “Não pode exigir-se à administradora de insolvência que emita cartas resolutivas com fundamentação como se de decisões judiciais se tratasse. São os tribunais que estão vinculados, por virtude de exigência constitucional, a fundamentar devidamente as suas decisões (fundamentação de facto e fundamentação de direito) e não os administradores de insolvência.
8. Quanto ao que demais vem alegado pela autora-recorrida para sustentar a falta de fundamentação da declaração de resolução – ausência de referência aos “valores dos bens transacionados”, às “responsabilidades da AL que foram transferidas para a AU”, e às “contrapartidas do negócio” – respeita a factualidade que a própria alegou na impugnação que através da presente ação deduziu à resolução e que, por isso e como parece ser óbvio, não foram nem tinham que ser alegados na declaração resolutória, tanto mais que, como se constata, a valoração ou enquadramento jurídico que o AI deles faz é diametralmente oposta à valoração que a recorrente deles pretende extrair.
Neste âmbito, e conforme acima se referiu, o impugnante pode contestar através da negação dos factos invocados pelo AI para sustentar a inexistência de prejuízo ou de má fé. Mas também pode impugnar a resolução e arguir a inexistência dos pressupostos de que esta dependa através da alegação de factos novos, com o propósito de trazer à lide um novo contexto fáctico e conduzir à descaracterização dos factos alegados pelo AI como factos constitutivos/pressupostos do direito à resolução que, assim, sequer se chega a constituir. Factos novos que, de acordo com a valoração jurídica que deles é feita pelo impugnante, são alegados com o propósito de neutralizar o sentido e relevância jurídica dos factos alegados na declaração resolutória. Caso aqueles se provem e detenham a virtualidade preconizada, não obstam apenas à produção ab initio dos efeitos jurídicos próprios do direito de resolução constituído, antes contendem com o próprio nascimento do direito em apreço. Não se trata por isso de uma exceção perentória impeditiva do (exercício do) direito, mas sim de impugnação motivada que, sem contrariar a realidade dos factos alegados pelo AI, densifica-os, integrando-os num novo contexto fáctico que retira a valoração que àqueles factos, considerados isoladamente, seria possível assacar-lhes enquanto pressupostos dos juízos conclusivos de direito do prejuízo e/ou da má fé. Sendo essa a sua finalidade, é sobre o impugnante, interessado na manutenção do negócio através da revogação da resolução, que recai o ónus de alegação e de prova daquela factualidade para contraprova dos fundamentos da resolução[12]. Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, em comentário aos acórdãos da Relação do Porto de 07.11.2016 e 23.01.2017[13] e discordando da orientação por estes assumida quanto ao âmbito dos factos constitutivos do direito de resolução e do correspetivo ónus da prova, “Ainda que se admita que a acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente possa ser qualificada como uma acção de apreciação negativa, não se pode aceitar que o ónus da prova caiba ao administrador de insolvência demandado naquela acção.//A repartição do ónus da prova nas acções de apreciação negativa não pode replicar o regime próprio das acções de jactância medievais, nas quais competia ao demandado provar a veracidade das suas afirmações. O disposto no art.º 343.º, n.º 1, CC tem de ser interpretado à luz desta realidade, devendo entender-se – aliás, de acordo com o próprio sentido literal do preceito – que o ónus da prova só cabe ao réu quanto aos factos constitutivos que ele alegar (mas já não quanto aos factos invocados pelo autor e que ele impugnar).//Aliás, se, como se diz no acórdão, a acção de impugnação visa a “demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência”, não se percebe como é o que o ónus da prova pode competir ao administrador da insolvência, porque então o que este pode provar é a existência ou a verificação dos pressupostos legais da resolução por ele declarada. Sendo assim, é indiscutível que aquelas “inexistência ou inverificação” só podem ser provadas pelo autor impugnante.” Assim, cabe ao impugnante ou a negação dos factos alegados pelo AI ou a alegação de factos novos que abalem os pressupostos em que assenta a presunção legal da prejudicialidade ou de má fé, mas também dos que abalem a aparência e consequente presunção judicial que per si os factos fundamento da resolução permitam extrair, designadamente e a título de exemplo, no caso de resolução de contrato de transmissão de bens do insolvente, através da alegação e prova da afetação do produto da venda em novos bens de valor e exequibilidade equivalente[14].
Ainda no âmbito das presunções judiciais com reflexo no grau de exigência de fundamentação da declaração resolutória, veja-se acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2018[15] sobre declaração de resolução que, para além da identificação do contrato de compra e venda e da alegação da relação de parentesco entre os seus outorgantes (relevante apenas para o requisito da má fé), se ‘limitou’ a consignar que a venda implicou para os credores uma diminuição da garantia patrimonial do crédito que detêm sobre a insolvente. Considerou-se ali que “a noção de prejudicialidade estende-se e inclui as situações em que, na sequência de acto negocial, se verifica uma saída do património do devedor de um bem de valor equivalente ao bem que nele ingressou, desde que se verifique uma “perda qualitativa” quanto à exequibilidade do património” e que “em face da especificidade do caso, a prejudicialidade (a diminuição da garantia patrimonial) está estampada na sua mera descrição factual (…): na circunstância da insolvente ter “trocado” (com a filha) um prédio/fracção por numerário (€50.000,00) e passados 8/9 meses (quando foi feita a apreensão no processo de insolvência) não se ter encontrado sequer um cêntimo. Sendo-se rigoroso, dir-se-á que era fácil concretizar o prejuízo (bastava dizer que a venda foi um instrumento para “descaminhar” valor, estando aí a prejudicialidade) e a AI nem o fácil fez; ao que se objectará que, mais do que fácil, se trata duma ilação que (sem uma explicação aceitável para o “sumiço” dos €50.000,00) é imposta pelos factos (que já resultavam, “ostensivos”, do processo de insolvência), pelo que era dispensável uma concretização adicional.[16]
A tudo isto acresce a possibilidade de, cumprida na declaração a alegação dos factos essenciais nucleares constitutivos do direito de resolução, serem considerados na decisão factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, para além daqueles que são de conhecimento oficioso, desde logo, os que com relevo ao caso resultem do demais processado na insolvência (em sentido lato), com enfoque para os apensos de reclamação de créditos, apreensão de bens, e liquidação (cfr. art.º 5º, nº 2 als, b) e c) do CPC).
9. De resto, e agora por referência aos fundamentos da decisão, para além de não se vislumbrar qualquer contradição na alegação contida na carta resolutória - que, além do mais, invoca a resolubilidade do ato com fundamento nos artigos 120º e seguintes[17] do CIRE -, o sentido da decisão recorrida, de invalidade da declaração resolutória, assenta no pressuposto da onerosidade do ato e, esta, num pressuposto jurídico, erróneo – que sequer foi oportunamente invocado pela autora no âmbito da sua pretensão de convencer da onerosidade da transmissão[18] -, a saber, que os bens entregues a Associação pelos seus fundadores ou constituintes correspondem a contrapartida – que o mesmo é dizer, à contraprestação ou sinalagma – da ‘entrada’ na associação e consequente aquisição da qualidade de seu associado, fundamentação à qual estará subjacente eventual confusão entre ‘pessoa coletiva Associação’ e ‘pessoa coletiva Sociedade’ em que o tribunal recorrido terá incorrido, quiçá, sugestionado pelo facto de a autora-recorrida se apresentar como titular de estabelecimento de ensino – correspondente ao que lhe foi transmitido pela insolvente – e, através dele, desenvolver atividade económica na área educacional que, até àquela transmissão, era por esta exercida, mas olvidando a natureza de organização sem fins lucrativos da aqui autora, à qual, por natureza, está vedada a distribuição de rendimentos ou bens do património social aos seus fundadores ou a quem as controle ou financie posto que, contrariamente ao que sucede com as sociedades, não tem por fim o lucro económico, nem da associação nem dos seus associados[19].
Efetivamente, da natureza e do regime jurídico geral das associações sem fins lucrativos previsto pelos art.ºs 157º e ss. do Código Civil[20] decorre que os bens com os quais os associados ‘concorrem’ para o património social da associação não corresponde a aquisição do direito a uma qualquer quota ideal sobre esse mesmo património nem, tão pouco, um direito a comungar nos rendimentos (líquidos, excedentários) que por ele sejam produzidos (como é o direito dos sócios à distribuição de lucros no âmbito das sociedades comerciais). Ainda que de acordo com os seus estatutos a pessoa coletiva sem fins lucrativos possa dedicar-se a uma atividade económica lucrativa, será sempre com o objetivo de angariar fundos destinados à prossecução do seu fim estatutário, sendo que só através da realização deste fim[21] os associados poderão beneficiar do património social daquela. Nas palavras de Andrade e Franco[22], “No sector não lucrativo não existe a noção de propriedade, ao contrário do que sucede com as empresas, e qualquer excedente gerado não pode reverter para os seus membros, dirigentes ou gestores. Qualquer excedente gerado por uma organização do terceiro sector deverá ser reinvestida na organização, no investimento nos recursos humanos, na melhoria de infraestruturas, etc”. A transmissão de bens dos associados em benefício da associação poderão conferir-lhe prorrogativas na fruição dos serviços por esta oferecidos[23], mas nem por isso deixam de consubstanciar pura liberalidade. Nas palavras de Cátia Lopes Antunes, “Quanto aos bens e serviços com que os associados concorrem para o património social, o mais comum é ser estabelecido o pagamento de uma joia ou de quotas. No entanto, conforme (Antunes, et al., 2018). referem, no caso de os associados contribuírem com determinados bens, valores ou serviços, estes devem constar no ato de constituição de forma a clarificar quanto à titularidade desses mesmo bens."[24] Sobre as fontes de financiamento das associações sem fins lucrativos mais refere que “o financiamento por capital próprio inclui doações de mecenas e de particulares e através de subsídios. Quanto ao financiamento por dívida diz respeito ao financiamento junto de instituições financeiras. No entanto é de referir a importância das receitas próprias como fonte de liquidez. Assim podemos identificar três fontes de liquidez ou fundos: receitas próprias, a filantropia e subsídios (Lucas, 2014). Em Portugal, no que respeita a recursos financeiros, as organizações sem fins lucrativos, dependem em grande medida do financiamento de entidades externas, nomeadamente, doadores e/ou contratualização estatal mediante subsídios e outros apoios do Estado (Andrade & Franco, 2007; Fernandes, 2016).” (…) “Fruto da sua complexidade, nas organizações do setor não lucrativo, não existe uma sujeição direta perante a regulação do mercado, do Estado ou dos cidadãos enquanto eleitores, uma vez que, por um lado, quem adquire os serviços não paga a sua totalidade, uma vez que são em parte ou na sua totalidade suportados pelos financiadores e/ou doadores. Como por outro lado, os financiadores e doadores não são os beneficiários diretos dos bens e serviços prestados, obtêm, no entanto como contrapartida, o cumprimento das suas obrigações enquanto Estado, no caso de financiadores públicos, ou satisfação de necessidades de autoestima, no caso de financiadores privados.” (subl. nosso) [25] Este cenário jurídico-legal, no qual se enquadram a insolvente e a impugnante, permite concluir que, no mínimo, a insolvente foi utilizada como financiador privado da impugnante através da transferência, em beneficio da constituição e da atividade desta, dos estabelecimentos de ensino privado e alvarás da insolvente nas áreas do Primeiro Ciclo do Ensino Básico e da Educação Pré-Escolar[26] por recurso aos quais ela própria exercia a dita atividade e que, a partir daí, deixou de exercer.
 A sentença recorrida mais parte de outro pressuposto cujo valor jurídico não alcançamos no âmbito da apreciação da natureza gratuita ou onerosa do ato, a saber, que para efeitos do ato celebrado a insolvente e a autora atribuíram um valor aos bens - no montante de €279.470,00 a fração, e de €2.500,00 os alvarás -, declaração negocial que, por si, não infirma e é perfeitamente compatível com a natureza gratuita do ato, a significar tão só isso mesmo, a atribuição de um valor aos bens, cuja relevância e pertinência se vislumbra para efeitos contabilísticos – designadamente, para abate do bem/direito no ativo da insolvente e inscrição no ativo da autora -, para determinação dos emolumentos devidos pela transmissão dos bens que por aquele ato (constitutivo da autora) foi também celebrada e, eventualmente, para efeito de atribuição ou reconhecimento de benefício fiscal que, conforme prevê o art.º 61º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), abrange donativos, correspondendo estes a entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, previstas nos artigos seguintes, cuja atividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional [27]. Mas, independentemente do efeito prático visado – exterior ao conteúdo ou efeitos da declaração de transmissão -, a declarada atribuição de valor aos bens ‘para efeito daquele ato’ não significa, e a semântica das declarações objetivadas na escritura não o consente, que as outorgantes declararam que, por causa da transmissão daqueles bens, a autora, beneficiária da mesma, ficava obrigada a pagar ou a entregar aqueles valores à insolvente ou a quem quer e a que título fosse, sendo certo que ‘gratuito’ - qualificação atribuída pelas outorgantes à transmissão dos bens -, significa ‘de graça’, ‘dado’, ou ‘dado de graça’, em suma, ausência de contrapartida.
10. Em síntese, e independentemente da bondade dos fundamentos da resolução e dos demais fundamentos da oposição contra aqueles deduzida, de que ora não se cura, concluímos pela aptidão e inteligibilidade factual e jurídica da declaração resolutiva e, assim, pela validade e eficácia da mesma e, consequentemente, pela procedência do recurso com consequente revogação da sentença recorrida e prosseguimento dos autos para apreciação do mérito da ação.

V – Decisão
Em conformidade com o exposto, as juízas desta secção acordam em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e ordenando o prosseguimento dos autos para apreciação de mérito dos fundamentos da resolução e dos demais fundamentos da impugnação.
Vencida nesta instância, as custas da apelação são a cargo da recorrida (cfr. art.º 527º, nº 2 do CPC).

Lisboa, 28.02.2023
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
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[1] Nas palavras de Gravato Morais, em “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, p. 164, referindo-se a ato passível de resolução condicional, "para além da invocação do acto em concreto (…) há ainda que enunciar, quando não funcionar a presunção inilidível do art.º 120º nº 3 do CIRE, a causa que leva a considerar aquele acto como prejudicial, assim como o circunstancialismo que envolve a má fé, quando não funcione a presunção iuris tantum do art.º 120º nº 4 do CIRE".
[2] Nas palavras do acórdão desta secção de 28.04.2020 (proc. nº 23994/16.0T8LSB-K.L1), não publicado “(…) não basta alegar a existência de um ato ou negócio jurídico para fazer valer o direito à resolução (com a notável exceção dos atos gratuitos celebrados nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, exceção que não se aplica no caso concreto por estarmos ante um ato oneroso) sendo a causa de pedir sempre complexa e integrando ou os factos que permitem concluir pela prejudicialidade e má-fé, ou pelo preenchimento dos requisitos do art.º 121º nº1 do CIRE.” (subl. nosso).
[3] Nesse sentido, entre outros, acórdão do STJ de 25.02.2014, disponível na pagina da dgsi, como todos os demais aqui citados sem outra indicação.
[4] No dizer do acórdão de 24.09.2019 desta seção (proc. nº 201/12.9TYLSB-D.L1), “Tratando-se de uma acção de apreciação negativa, incide sobre o administrador da insolvência alegar e provar os factos em que fundamenta a resolução, para que o impugnante exerça a sua contraprova.
[5] Com interesse, vd. acórdãos da RL de 16.07.2013, proc. nº 1048/12.8TBPDL-C.L1, de 07.11.2016 (proc. nº 581/12.6T2AVR-G.P1),  e de 23.11.2017 (proc. nº 1208/16.2T8BRR-C.L1),  da RP de 07.11.2016 (proc. nº 581/12.6T2AVR-G.P1), e de 19.06.2017, proc. nº 11401/13.0TBPNF-B.P2, da RC de 06.03.2018 (proc. nº 3582/13.3TJCBR-C.C2), da a RG de 27.04.2017 (proc. nº 636/14.2T8VVD-F.G1), do STJ de 12.03.2019 (proc. nº 493/12.3TJCBR-H-P2.D1) e de 27.11.2019 (proc. nº 3327/10.0TBST-J.P1.S2).
[6] Nesse sentido, entre outros, acórdãos da RG de 16.03.2017, proc. 37/11.4TBBGC-D.G1, e de 13.02.2020, proc. 554/19.8T8VNF-E.G1.
[7] No mesmo sentido, acórdão da RC de 04.04.2017, proc. nº 104/14.2TBCDR-F.C1.
[8] Conforme ali foi sumariado, “Será excessivo exigir que a declaração de resolução contenha uma exaustiva indicação de todos os factos que a justificam; mas essa declaração há-de integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação.” No mesmo sentido, acórdão da RP de 07.03.2022, proc. nº 3318/18.2T8STS-F.P1.
[9] Como era o caso do ato objeto do acórdão do STJ de 25.02.2014 acima referido.
[10] Nesse sentido, acórdão da RG de 02.05.2016, proc. nº 1960/13.7TJVNF-F.G1 – “III – A caracterização do acto prejudicial à massa insolvente como oneroso ou gratuito não afecta a validade do acto de resolução, uma vez que os factos integrantes da resolução são os mesmos.” Em sentido contrário, acórdão da RL de 16.07.2013, proc. nº 1048/12.8TBPDL-C.L1-7 – “Se a resolução impugnada tiver consistido numa resolução condicional, não é lícito ao tribunal, oficiosamente, convolar aquela resolução para os fundamentos da resolução incondicional, que nem tão pouco foi desencadeada pelo administrador da insolvência.
[11] Dispõe que O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
[12] O facto de não consubstanciar alegação de matéria excetiva não afasta o critério da imputação do ónus de alegação e prova dos factos à parte a quem os mesmos aproveitam, conforme posição assumida no acórdão do STJ de 21.05.1998 (Revista nº 98, p. 459), tirado no âmbito de ação de condenação/dívida com fundamento em prestação serviços-manutenção equipamento - “III – As regras sobre ónus de prova não excluem a possível conveniência de ser levada ao questionário ou à base instrutória a versão alegada pelo réu em defesa por impugnação motivada.// IV – A falta da sua averiguação pode traduzir insuficiência da matéria de facto apurada, susceptível de levar o STJ a ordenar a ampliação da matéria de facto.
[13]  Processos 581/12.6T2AVR-G.P1 e 4058/12.1TBGDM-B.P1, comentários disponíveis em blogipcc.blogspot.com
[14] Nesse sentido, acórdão da RP de 05.12.2013, proc. nº 2041/10.0TJPRT-C.P1, tirado em ação de impugnação de resolução de contrato de compra e venda de imóveis que, apesar da prova do pagamento do preço e da ausência de prova da sua afetação, qualificou como ato prejudicial à massa insolvente assente no pressuposto de, salvo circunstancialismo excecional, a venda ser per si prejudicial à massa pela saída de um bem do património do devedor e substituição por outro de valor equivalente – dinheiro – mas de difícil exequibilidade, e de caber ao impugnante alegar e demonstrar factos que infirmem a aparência/presunção por aquele criada. No mesmo sentido, acórdão da RP de 29.09.2009, que concluiu caber ao impugnante demonstrar a ausência de prejuízo que, em princípio resulta do próprio negócio de compra e venda. Posição que partilhamos.
[15] Processo nº 3582/13.3TJCBR-C.C2.
[16] No mesmo sentido, acórdãos do STJ de 23.10.2018 (proc. 2252/14.0T2SNT-D.L2.S1), que em sede de fundamentação admite a irrelevância da equivalência de valores – coisa/preço acordado – na aferição do prejuízo para a massa, e de 12.03.2019 (proc. 493/12.3TJCBR-H.P2.S1), que, não obstante o ato tratar-se em si mesmo de um contrato oneroso e relativamente ao qual não foi invocada simulação, admite que para efeitos de resolução seja considerado como gratuito e subsumível na al. b) do nº 1 do art. 121º do CIRE por ausência de apuramento do pagamento de qualquer quantia a título de preço por parte da adquirente; acórdão da RL de 04.10.2018 (proc. 13039/14.0T2SNT-G) e acórdãos da RP de 18.02.2014 (proc. 2452/07.9TBPVZ-C.P1), de 29.04.2014 (proc. 535/10.7TBSTS-E.P1), reconhecendo-se no texto deste ultimo a fonte do que a recorrida alega sob o art.º 160º da petição, mas para fazer valer resultado diametralmente oposto ao ali alcançado, conforme logo se colhe da parte inicial do trecho do acórdão de onde aquela alegação foi extraída: “(…) a venda a que os autos se reportam é prejudicial à massa. E isto porque teve por efeito eliminar do património da devedora um bem imóvel sem a correspondente entrada neste, à data da venda, do preço ou de outro qualquer bem de valor equivalente assim tornando mais difícil a satisfação dos interesses dos credores genericamente considerados. É que, não obstante, se haver provado que o preço mencionado na escritura é superior ao valor real de mercado do prédio [22. dos factos provados] e até se poder admitir, como afirma a recorrente, que os pagamentos parciais do preço da venda, que se prova haverem ocorrido, se destinaram a satisfazer os interesses de credores da insolvente, designadamente dos seus trabalhadores [25.], tal não é suficiente, salvo melhor opinião, para afastar a natureza do venda como prejudicial à massa.//Em primeiro lugar porque, em bom rigor, o acto prejudicial à massa para efeitos de resolução não pressupõe necessariamente que o acto implique uma diminuição – contabilística - do valor da massa insolvente; a lei não considera prejudicial o acto que diminua o valor da massa, prejudicial é o acto que diminua a satisfação dos credores e se é certo que esta última ocorre como consequência necessária daquela, já a inversa não é verdadeira, pois pode haver actos que não envolvam, em termos contabilísticos, uma diminuição do valor da massa e impliquem uma diminuição da satisfação dos interesses dos credores, basta que um determinado bem do património do insolvente seja substituído por um outro cuja natureza seja dificilmente penhorável, como é o caso, do dinheiro.
[17] Sendo que, no que ao fundamento legal de resolução incondicional previsto pelo art.º 121º, nº 1, al. b) especificamente respeita, os pressupostos deste são um minus relativamente os pressupostos da resolução condicional previstos pelo art.º 120º na medida em que, como já referido, aquela não exige mais do que o período temporal de dois anos e a identificação do ato gratuito objeto de resolução. Assim, exercida a resolução tão só com alegação dos pressupostos de que depende a incondicional, a sua manutenção pode resultar prejudicada se se concluir que o ato não enquadra na alçada daquela alínea do art.º 121º; mas o contrário já não sucederá, ou seja, declarada a resolução com fundamento na prejudicialidade do ato e má fé da contraparte, ainda que qualquer um destes pressupostos não vingue a manutenção da resolução não dependerá mais do que da demonstração da natureza gratuita do ato.
[18] Surge alegado na resposta ao recurso, na senda e para corroborar o que nesse sentido foi considerado pelo tribunal a quo, e por corresponder ao esteio que suporta o sentido da decisão recorrida que pretende seja confirmado.
[19] Nas palavras de Carlos A. Mota Pinto, “as associações são pessoas coletivas de substrato pessoal que não tenham por fim a obtenção de lucros para distribuir pelos sócios”, incluindo-as no rol das “corporações de fim desinteressado e as de fim interessado, ideal ou económico não lucrativo”, em contraposição com as sociedades, que “prosseguem uma finalidade económica lucrativa, nos termos do artigo 980º do Código Civil (…). (Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3ª ed., p. 291)
[20] Neste particular aproveita-se para anotar que não se vislumbra fundamento legal ou enquadramento jurídico para a qualificação da constituição da autora (AU), com simultânea transmissão de bens/direitos da insolvente em seu benefício, como um ato de “separação jurídica entre a AL e a AU”, como surge bastas vezes referido pela autora-impugnante e pela insolvente, quando do que se tratou foi da desagregação/separação e alineação de áreas de atividade/estabelecimentos da insolvente com recurso à constituição de uma nova pessoa coletiva (que juridicamente não se confunde com a insolvente) para a qual foram transmitidos estabelecimentos da insolventes (aqui sim, verifica-se a identidade, não entre as titulares dos estabelecimentos, conforme erroneamente vem alegado pela recorrente, mas dos próprios estabelecimentos, que são os mesmos e correspondem aos que eram titulados pela insolvente). Conforme, de resto, vem alegado pela própria autora e referido em vários documentos juntos aos autos, designadamente, no apresentado com a petição epigrafado de ‘Relatório de Avaliação das transações realizadas entre a AL.. e a AU…”, no qual, salienta-se, consta relatado que das várias áreas de atividade desenvolvidas pela insolvente, a única que que a partir de 2009 manteve contas de exploração positivas corresponde à área associada aos colégios infantil e primária, precisamente, os que foram objeto de transmissão em beneficio da autora, sendo que em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa ou da titularidade da exploração do estabelecimento transmissão, por efeito legal e independentemente de acordo das partes nesse sentido, é legalmente acompanhada da transmissão da posição de empregador dos trabalhadores afetos ao estabelecimento para o adquirente, incluindo os créditos dos trabalhadores vencidos até à data da transmissão, conforme dispõem os art.ºs 285º a 287º do Código de Trabalho, precisamente, para evitar que os trabalhadores sejam afetados na sua posição contratual por mero efeito da transmissão da empresa ou estabelecimento... Mais se salienta que, de entre os três valores documentados para o imóvel e disponibilizados para elaboração daquele relatório - €279.470 correspondente ao valor tributário, €469.711 correspondente ao valor pelo qual constava inscrito na contabilidade da insolvente, e €621.000 correspondente ao da avaliação realizada pelo Novo Banco em 2016 – foi este ultimo o valor considerado para efeitos do dito relatório por – no universo dos valores disponibilizados, reitera-se – conforme ali consta, ser o que “mais se aproximará” do valor real ou de mercado do imóvel (imóvel que, conforme é revelado pela certidão predial junta com a petição, surge onerado com duas hipotecas que a autora constituiu sobre o imóvel em dezembro de 2018 – então desonerado - para garantia de empréstimos nos montantes de capital de €400.00,0 e €50.000,00 e até aos montantes máximos de €560.000,00 e €70.000,00, sendo certo que a entidade beneficiária das hipotecas surge como terceiro ‘transmissário’(termo aqui impropriamente utilizado, mas apenas por facilidade de expressão) em relação à transmissão operada entre a insolvente e a autora objeto da resolução, sendo que não se vislumbra que aquelas tenham sido também elas objeto de resolução, o que, como é óbvio, exigiria a existência de fundamentos para o efeito).
[21] Que normalmente corresponde a oferta de bens e serviços quase públicos, no sentido de serem prosseguidos objetivos comuns de bem estar da sociedade, em substituição ou cumulativamente com o papel do Estado.
[22] Apud Cátia Lopes Antunes, “Aspetos Particulares das Associações Sem Fins Lucrativos”, Relatório de estágio no âmbito de mestrado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, outubro 2020 p. 32 e s., disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/94666/1/Relato%cc%81rio%20de%20Esta%cc%81gio%20Final_Ca%cc%81tia%20Lopes%20Antunes.pdf
[23] E neste campo, considerando a natureza de pessoa coletiva da insolvente e a finalidade estatutária da autora-impugnante, não se vislumbra sequer que aquela pudesse beneficiar dos serviços por esta prestados.
[24] Texto citado, p. 62.
[25] Texto citado, p. 64-65.
[26] Regulado e vinculado ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior, aprovado pelo Decreto Lei nº 152/2013 e 04.11.
[27] As entidades sem fins lucrativos (ESFL), como o são a insolvente e a autora, enquanto beneficiárias dos donativos estão obrigadas ao cumprimento de algumas obrigações acessórias estabelecidas pelo art.º 66º do EBF, nomeadamente:
• Emitir documento comprovativo dos montantes recebidos dos mecenas, com a indicação do seu enquadramento, bem como a menção de que o donativo é atribuído sem contrapartidas;
• Possuir registo atualizado das entidades mecenas, do qual constem, nomeadamente, o nome, o NIF, bem como a data e o valor de cada donativo que lhes tenha sido atribuído; e
• Entregar à Autoridade Tributária, até ao final do mês de fevereiro de cada ano, a declaração modelo 25, referente aos donativos recebidos no ano anterior.