Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8919/12.0TBCSC-B.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS A MENOR
INCUMPRIMENTO
DESCONTO NO VENCIMENTO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Os subsídios de Natal e de férias (arts. 263º, nº 1, e 264º, nº 2, do Código do Trabalho), enquanto prestações anuais que acrescem à retribuição habitual dos trabalhadores podem, à semelhança daquela, e nas mesmas condições, responder por dívida concernente a alimentos devidos a filhos menores, e, assim, ser alvo de desconto nos meses em que respetivamente sejam pagos, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 48º do RGPTC, e em acréscimo ao desconto feito mensalmente no salário do devedor para pagamento da mesma dívida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


Relatório


L. E. B., divorciada, residente em (…), Suiça, instaurou incidente de incumprimento do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, contra P.A.S.L., solteiro, residente na Rua (…), em Azeitão, alegando para tanto, em síntese, que:
Por sentença proferida em 17 de janeiro de 2013 foi homologado o acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais referente às filhas de ambos, mediante o qual o Requerido contribuiria a título de alimentos com a quantia de € 200,00 (€ 100,00 para cada criança) até começar a auferir algum rendimento, passando a partir de então o valor mensal global da pensão para € 700,00 (€ 350,00 para cada filha);
O Requerido raramente cumpriu com o valor estipulado pagando apenas o que entendia;
Em maio de 2019, Requerente e Requerido chegaram a acordo, homologado pelo Tribunal, nos termos do qual a Requerente aceitou baixar a pensão de alimentos para a quantia de € 300,00 (€150,00 para cada criança);
Está presentemente em dívida, a título de pensões de alimentos, o valor de € 17.500,00.
Termina, pedindo seja declarado o incumprimento do Requerido relativamente ao que foi fixado pela sentença de Regulação das Responsabilidades Parentais e pelo acordo subsequentemente realizado em 2019, homologado pelo Tribunal, e que se ordene o cumprimento do disposto no artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
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A Requerente foi convidada a concretizar os incumprimentos alegados, com indicação dos meses em que o Requerido incumpriu a obrigação de alimentos/pagamento das despesas e respetivos montantes (referência citius 134098086).
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Nessa sequência, veio a Requerente esclarecer que pretende apenas o pagamento das quantias fixadas a título de pensão de alimentos e apresentou tabela descriminando os valores que se encontram em dívida, no sobredito total de € 17.500,00 – requerimento com referência citius 20021864.
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Após foi proferido o seguinte despacho:
“Uma vez que o incumprimento em questão versa integralmente na não entrega por parte do Requerido da obrigação alimentícia devida às suas Filhas, afere-se (pelo menos por ora) desnecessária a realização da conferência de pais, atentas as regras do ónus da prova nesta sede (cabendo ao Requerido demonstrar o pagamento da dívida alegada, nos termos do disposto no artigo 342º nº 2, do Código Civil) e ausência de matéria que cumpra conciliar, considerando a sua relevância restringida a uma mera disponibilidade material.
Desta forma, notifique o Requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41º nº 3, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, sendo que nada alegando se entenderá como confessado o não pagamento das quantias invocadas como estando em dívida.
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Atento que o incumprimento em causa versa integralmente na obrigação alimentícia, averigue junto das bases de dados disponível, diligenciando (também) junto da Segurança Social para o efeito e junto do Centro Nacional de Pensões da situação laboral e rendimentos do aqui Requerido, bem como de quaisquer subsídios, rendas, pensões, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes.
Subsistindo notícia de atividade laboral remunerada, notifique a respetiva entidade patronal para, no prazo de 10 dias, informar os autos sobre a situação laboral do Requerido, incluindo o seu vencimento mensal (devendo remeter cópia do último recibo de vencimento emitido), com vista à eventual aplicação do mecanismo ínsito no artigo 48.º/1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.” – referência citius 134922605.
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Por consulta à base de dados da Segurança Social, apurou-se que o Requerido trabalha por conta da sociedade (…) – Sucursal em Portugal” – referência citius 135071908.
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Devidamente notificado para os efeitos e com a cominação acima indicados, o Requerido nada disse.
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O Ministério Público teve vista dos autos e promoveu o seguinte:
-Se profira decisão declarando verificado o incumprimento no montante de 17,500,00, condenando-se o Requerido a pagar à Requerente as prestações vencidas e não pagas até à presente data;
-Se condene o Requerido nas custas do incidente;
-Se profira decisão, considerando inviável o pagamento das pensões por qualquer uma das formas previstas no art. 48º do RGPTC e se notifique a Requerente em conformidade.
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Foi proferida decisão final nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgo procedente por provado o vertente incidente e, em consequência, declaro verificado o incumprimento por parte do aqui Requerido (…) da obrigação de alimentos atinente às suas filhas (…), nascida a 26 de agosto de 2010 e (…), nascida a 1 de outubro de 2008, no montante de 17.500€, referente ao período compreendido entre janeiro de 2014 e dezembro de 2021, condenando-o no pagamento desta importância à aqui Requerente, (…).
Mais determino, em face do exposto e ao abrigo das citadas disposições normativas, que se oficie à entidade patronal do Requerido para proceder de imediato ao desconto mensal da importância de 400€ (quatrocentos euros) sobre o rendimento auferido pelo Requerido, sendo 300€ respeitantes às pensões de alimentos vincendas e 100€ atinentes à quantia em dívida, esta até perfazer o montante de 17.500€ (momento em que o desconto será feito no montante mensal de 300€), a título de alimentos devidos às filhas menores, o qual deverá ser diretamente depositado na conta bancária da Requerente (artigo 48º nº 1 al. b) e 2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível), a indicar por esta pelos meios mais céleres.
Custas pelo Requerido, porquanto vencido na presente ação / incidente, ao abrigo do vertido no artigo 527.º/1/2, do Código de Processo Civil, fixando-se o valor do incidente em 17.500€, nos termos do disposto nos artigos 304º nº 1, 2.ª parte, 297º nº 1 e 306º nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
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Inconformada parcialmente com a decisão, dela veio a Requerente recorrer, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
1.Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida em  9/03/2022, por não se conformar a Requerida, ora Recorrente, com a mesma, e que determinou que, “que se oficie à entidade patronal do Requerido para proceder de imediato ao desconto mensal da importância de 400€ (quatrocentos euros) sobre o rendimento auferido pelo Requerido, sendo 300€ respeitantes às pensões de alimentos vincendas e 100€ atinentes à quantia em dívida, esta até perfazer o montante de 17.500€ (momento em que o desconto será feito no montante mensal de 300€), a título de alimentos devidos às filhas menores”;
2.O Requerido não logrou demonstrar ter efectuado o pagamento da dívida alimentícia, pelo que é devedor (por referência a Dezembro de 2021) da quantia 17.500,00€, o que se deve consignar;
3.Foi declarado verificado o incumprimento por parte do Requerido, (…), da obrigação de alimentos atinente às suas filhas (…) e (…), no montante de 17.500,00€, referente ao período compreendido entre Janeiro de 2014 e Dezembro de 2021, condenando-o no pagamento daquela importância à Requerente;
4.Ora, decidiu o douto Tribunal A QUO que o Requerido pagará o que deve no prazo de 175 meses, ou seja, 14 anos e meio;
5.Decidiu o douto Tribunal A QUO que a dívida ficará sanada quando a menor (…) tiver 30 anos e a menor (…) tiver 24 anos!;
6.Ora, com o devido respeito, a sentença de que agora se recorre, em nenhum momento contempla o superior interesse destas Crianças, contemplando sim o superior interesse do Pai das Crianças!
7.O princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do superior interesse das Crianças;
8.O artigo 36, n.º 3 da CRP estabelece o princípio da igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção dos filhos;
9.Aquilo que visa tal princípio é que sobre ambos impende a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, aquilo que for necessário ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor;
10.Este conceito de sustento, nos termos do artigo 2003.º do CC, ultrapassa a simples necessidade de alimentação abrangendo igualmente a saúde, transportes, segurança, educação e instrução;
11.Por outro lado, a obrigação de sustento dos pais para com os menores é mais vasta do que a existente nos restantes casos de direito a alimentos definidos na lei, como nos ensina o art. 2009º, do CC;
12.No presente caso, as Crianças sempre moraram com a Progenitora e foi ela que arcou com todas as despesas que deveriam ter sido sempre compartilhadas com Pai;
13.A Progenitora não querendo nunca entrar em conflito com o Progenitor, com medo de possíveis represálias, aguentou esta situação de incumprimento todos estes anos;
14.Mas não tinha que o ter feito e não tem que o fazer;
15.Apesar de ter constantemente informado o Requerido que iria recorrer a Tribunal se ele não pagasse aquilo que se comprometeu a pagar, por acordo de ambos!;
16.A Requerente necessitava naquela altura e necessita hoje da pensão de alimentos para fazer face às despesas das suas filhas;
17.O desprezo pelas necessidades reais e básicas das Crianças tem sido uma constante!;
18.Sempre que foi questionado sobre o não pagamento o Requerido respondeu com “Não consigo” e “Não posso”;
19.O incumprimento do Progenitor é – e sempre foi! - deliberado, não decorrendo de qualquer dificuldade económica, não pagando porque não quer pagar, não se coibindo de passar férias onde bem entende e de gastar o seu dinheiro naquilo que acha que são as suas prioridades;
20.O Tribunal A QUO optou por não convocar a conferência de pais, e podia tê-lo feito de modo a tentar obter um consenso relativamente aos valores que não foram pagos e às prestações vincendas;
21.Realizando a conferência prevista no n.º 3 do art. 41.ºdo RGPTC, o Tribunal A QUO poderia ter conseguido alcançar uma solução que fosse razoável para ambas as partes e que não colocasse em risco, quer a subsistência das menores, quer do progenitor obrigado a prestar alimentos;
22.No entanto, sem qualquer outra diligência, ordenou o desconto no salário do Progenitor, quer os valores em dívida, quer as prestações vincendas;
23.Ora, o que poderia ter sido uma decisão favorável à Requerente, na medida em que deu como provado que o Requerido realmente devia o valor de 17.500,00€ inicialmente peticionado, resultou numa decisão altamente desproporcionada uma vez que a Requerente apenas daqui a 14 anos e meio verá a sua pretensão satisfeita!
24.Na fixação da pensão de alimentos, há que atender aos rendimentos que o obrigado aufere, para que seja possível identificar o montante razoável a ser prestado ao alimentado;
25.Neste caso o Requerido é trabalhador por conta de outrem da entidade empregadora (…), auferindo a remuneração ilíquida mensal no montante de 1.448,29 €;
26.Não se compreende como, com uma divida de 17.500,00€, o Tribunal A QUO entende que o mesmo deve pagar apenas 100 euros por mês!!;
27.O fim da pensão de alimentos é garantir a subsistência dos menores!;
28.Aos 24 anos e aos 30 anos, há muito que aquelas crianças deixaram de ser menores;
29.A Requerente não pretende ver o património do Requerido executado uma vez que não pretende prejudicar o mesmo;
30.Só quer fazer valer e ver os direitos das suas filhas assegurados, e em tempo útil!!
31.Se o Requerido aufere 1448,29€ mensais, pelo menos 400,00€ euros relativos à quantia em dívida, a acrescer aos 300,00€ devidos a título pensão de alimentos, deveriam ser descontados mensalmente;
32.Mais deveria ser descontado o 13.º e o 14.º meses de ordenado;
33.Só assim estará assegurado o interesse superior destas Crianças;
34.A ora Recorrente, Mãe destas Crianças, não pode aceitar esta decisão e, como tal, dela vem recorrer na esperança de que as Seus filhas obtenham, ainda em tempo útil, o sustento que necessitam para um saudável desenvolvimento e para que o Pai seja obrigado a contribuir economicamente e esteja envolvido nas suas vidas;

Face ao exposto, e muito que será suprido por vossas excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e:
- revogar a douta sentença que na parte que decidiu que “que se oficie à entidade patronal do Requerido para proceder de imediato ao desconto mensal da importância de 400€ (quatrocentos euros) sobre o rendimento auferido pelo Requerido, sendo 300€ respeitantes às pensões de alimentos vincendas e 100€ atinentes à quantia em dívida, esta até perfazer o montante de 17.500€ (momento em que o desconto será feito no montante mensal de 300€), a título de alimentos devidos às filhas menores”;
- manter o ofício à entidade patronal mas para proceder ao desconto imediato de 300€ respeitantes às pensões de alimentos vincendas e 400€ atinentes à quantia em dívida, esta até perfazer o montante de 17.500€ (momento em que o desconto será feito no montante mensal de 300€), a título de alimentos devidos às filhas menores;
- mais se oficiar à entidade patronal para proceder ao desconto do 13.º e 14.º meses de ordenado atinentes à quantia em dívida, esta até perfazer o montante de 17.500€ (momento em que o desconto será feito no montante mensal de 300€), a título de alimentos devidos às filhas menores.”
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Não foram apresentadas respostas ao recurso.
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O recurso foi admitido e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.

II.Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, cabe decidir da adequação do valor mensal fixado para liquidação de dívida concernente a alimentos devidos pelo progenitor às duas filhas menores.

III.Fundamentação de Facto

Os factos atender, e para além dos que constam do Relatório deste acórdão, são os seguintes:

A)-Dos que resultaram assentes na sentença de 1ª instância (e que não foram objeto de impugnação):
1.M. B. L. nasceu no dia 26 de agosto de 2010 e é filha da Requerente e do Requerido.
2.V. B. L. nasceu no dia 1 de outubro de 2008 e é filha da Requerente e do Requerido.
3.A 8 de janeiro de 2013 foi homologado por sentença o acordo a que os progenitores chegaram no que respeita à regulação das responsabilidades parentais das menores M. e V., tendo o Requerido ficado obrigado a contribuir a título de alimentos com a quantia de 100€ (cem euros) mensais a cada menor até recomeçar a trabalhar, passando a partir dessa altura a proceder ao pagamento da quantia de 350€ (trezentos e cinquenta euros) a cada menor.
4.Este regime veio a ser alterado por sentença homologatória proferida a 22 de maio de 2019, tendo a partir de então o Requerido ficado obrigado a contribuir com a quantia mensal de 150€ para cada menor.
5.O montante em dívida a título de alimentos referente ao período compreendido entre janeiro de 2014 e dezembro de 2021 ascende a € 17.500,00.

B)Facto provado por documento, e que se adita, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 607º, nº 4, aplicável “ex vi” art. 663º, nº 2, do Código de Processo Civil:
6.P.A.S.L. trabalha por conta da sociedade (…), mediante a retribuição mensal de € 1.448,29.

Fundamentação de Direito
O dever de alimentos aos filhos recai sobre os pais nos termos do art. 36.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa[1]; do art. 27.º da Convenção dos Direitos da Criança[2]; e do art. 1878º, nº 1, do Código Civil, nos termos do qual, e entre outros, compete aos pais, no interesse dos filhos, prover ao seu sustento, só ficando desobrigados de tal dever, assim como do pagamento das despesas relativas à sua segurança, saúde e educação  na medida em que os mesmos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, os ditos encargos (art. 1879º, do Código Civil), sendo que mesmo depois da maioridade dos filhos e enquanto estes não completarem a sua formação profissional, mantém-se o sobredito dever dos pais, na medida em que seja razoável exigir-lhes o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete (art. 1880º, do Código Civil).
Tendo presente o disposto no art. 2003º, do Código Civil, os alimentos compreendem tudo quanto se revele imprescindível para a satisfação das necessidades básicas do menor, que compreendem a alimentação, o vestuário, a habitação, a educação, a saúde, mas também tudo o que as crianças necessitam em função da sua idade, de molde a promoverem as suas aptidões, a sua integração social, o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral.
Na determinação da medida dos alimentos deve atender-se aos rendimentos disponíveis do obrigado a alimentos, e aos encargos com as suas necessidades fundamentais e outras pessoas a seu cargo (cf. art. 2004º, do Código Civil).
Regressando ao caso em apreço, o Requerido obrigou-se a prestar alimentos às duas filhas nos termos das decisões supra referenciadas.
E como se provou, incumpriu a obrigação a que estava vinculado, remontando o incumprimento a janeiro de 2014, que se protelou no tempo, cifrando-se a dívida de alimentos em dezembro de 2021 no valor global de € 17.500,00.

Sob a epígrafe Meios de tornar efetiva a prestação de alimentos, dispõe o art. 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC):
1- Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte:
a)-Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respetivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública;
b)-Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário;
c)-Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.
2- As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las.”

Estamos perante um mecanismo destinado a assegurar, de forma célere, o cumprimento coativo das obrigações alimentícias em caso de relapso do obrigado a alimentos, tendo o legislador prevenido, por esta via, que o alimentando não veja afetada ou protelada no tempo a satisfação das suas necessidades básicas, mormente, a própria subsistência.
Os interesses das crianças só podem ser salvaguardados ao abrigo de tal disposição legal se quem tem legitimidade para as representar, der notícia pronta e atempada do  incumprimento, o que no caso manifestamente não sucedeu, como não podemos deixar de salientar e sem que para tanto encontremos razões objetivas nos autos, nomeadamente, para que só em 22 de novembro de 2021 (cf. referência citius 199923642), volvidos já mais de sete anos sobre o incumprimento do Requerido, tenha sido exigido o  cumprimento coercivo da prestação de alimentos no interesse das duas crianças.
Mas posto isto, verificado e decidido o incumprimento, a Mmª juíza do tribunal a quo providenciou pelo cumprimento coercivo da obrigação de alimentos, ao determinar, nos termos do disposto no sobredito art. 48º, nº 1, al. b), o desconto do valor das pensões de alimentos no salário do Requerido, a efetivar pela sua entidade patronal.
Por isso, neste momento, mostra-se acautelado o direito e o interesse superior das crianças no que tange ao pagamento mensal da pensão de alimentos que respetivamente lhes é devida.
O que está em causa, neste recurso – ponderadas as conclusões e o pedido concretamente formulado a final -, é tão só o pagamento da quantia que em dezembro de 2021 estava em dívida a título de alimentos, e em concreto, o tempo do respetivo pagamento.
Diz a recorrente, que na fixação da pensão de alimentos, há que atender aos rendimentos que o obrigado aufere, para que seja possível identificar o montante razoável a ser prestado ao alimentado; que a pensão de alimentos deve garantir a subsistência das menores; que por isso o pagamento fracionado da dívida a título de alimentos, em prestações mensais de € 100,00, não acautela o interesse superior das crianças; que dívida deve ser paga em tempo útil; que por isso o valor mensal a descontar do salário do requerido com vista à satisfação da dívida deve fixar-se em € 400,00; e que tal valor deveria também ser descontado da remuneração referente aos 13º e 14º meses.
Cabe dizer, em primeiro lugar, que a prestação de alimentos é determinada, efetivamente, e como salientámos anteriormente, com recurso aos critérios enunciados no art. 2004º, do Código Civil.
No caso, porém, a prestação de alimentos está fixada, encontrando-nos nesta fase já no âmbito da sua cobrança coerciva, nomeadamente, da dívida existente a título de alimentos.
Deste modo, saldo devido respeito por opinião contrária, na determinação do pagamento da dívida – modo e tempo – não cumpre recorrer aos sobreditos critérios, devendo, antes, o juiz ponderar o valor da dívida e o rendimento do Requerido, com vista a aferir sobre as possibilidades de pagamento e o modo como o mesmo deverá ser concretizado, de molde a que fique também assegurada a satisfação digna das suas necessidades básicas.

No caso dos autos, e com interesse para tal discussão, está apurado o seguinte:
-A dívida ascende ao valor de € 17.500,00;
-O Requerido é trabalhador por conta de outrem e aufere o salário mensal de € 1.448,29 (salário bruto, uma vez que a prova de tal facto emerge da consulta às bases de dados da Segurança Social);
-Do seu salário é descontado mensalmente, para pagamento da prestação de alimentos devidos às filhas menores, a quantia de € 300,00.
Recorrendo às regras da experiência, em termos líquidos, o salário do Requerido não será superior a € 1.100,00.
Descontados € 300,00 a título de pensão de alimentos, restam € 800,00.
Inexistem dados factuais sobre as concretas necessidades do Requerido, mas recorrendo ao padrão de vida do cidadão comum, terá encargos com habitação, alimentação, saúde, vestuário…
Deste modo, feita a ponderação destes elementos à luz das regras da lógica e da experiência, afigura-se-nos que o valor encontrado em 1ª instância para liquidação faseada da dívida - € 100,00 mensais - é justo e equitativo, pese embora o valor elevado da dívida e o tempo – demasiado longo – que resta até à sua integral liquidação.
Mas existe efetivamente forma de diminuir o tempo de pagamento, assegurando de forma mais eficaz os interesses das duas crianças, e garantindo que a dívida seja satisfeita de modo substancial ao longo do tempo necessário à completude da respetiva formação profissional e sem que, concomitantemente, seja beliscada a satisfação das necessidades básicas do Requerido.

Vejamos.

De acordo com o disposto no art. 263º, nº 1, do Código do Trabalho, os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de dezembro; e nos termos do nº 2, do art. 264º do mesmo Código, direito a subsídio de férias, que compreende, além do mais, a retribuição base.

Tratam-se de prestações anuais que acrescem à retribuição habitual dos trabalhadores (também conhecidas por 13º e 14º meses) e que, tal como aquela, e nas mesmas condições, podem responder pelo pagamento coercivo dos alimentos.

E como as necessidades básicas do devedor ficam asseguradas com o recebimento da retribuição mensal, aquelas prestações retributivas, no respetivo tempo de pagamento, podem responder em maior medida pela cobrança coerciva da dívida, afigurando-se-nos por isso justo, equitativo e proporcional determinar que nos meses em que sejam pagos os subsídios de férias e de Natal ao Requerido, seja descontada desses valores, respetivamente, por conta do pagamento da dívida de € 17.500,00, e para além da quantia de €100,00 a descontar do salário, a quantia de € 400,00, desconto que se deverá manter até ao momento em que se mostre paga a quantia de € 17.500,00.

Procede, deste modo, parcialmente, a apelação.

Decisão

Na sequência do que se deixou exposto e no âmbito do enquadramento jurídico que aqui se deixou traçado, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente, por provada, a apelação, e em consequência, determina-se, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 48º, nº 1, al. b), do RGPTC, que a entidade patronal, para além da dedução mensal no salário do Requerido, das quantias fixadas em 1ª instância, deduza a quantia de € 400,00 nos subsídios de férias e de Natal a perceber pelo Requerido em cada ano, até que se mostre integralmente paga a quantia de € 17.500,00, delas fazendo entrega à requerente através de depósito na conta bancária identificada nos autos - NIB 0007 0000 00629892781 23- devendo ser remetido ofício à entidade patronal nestes precisos termos.
Custas pela apelante, na proporção do decaimento (art. 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Notifique.



Lisboa, 6 de outubro de 2022



Cristina Lourenço - (Relatora)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
Ana Paula Nunes Duarte Olivença



[1]“5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”.
[2]art. 27º: “1. Os Estados Partes reconhecem à criança o direito a um nível de vida suficiente, de forma a permitir o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.
2. Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao
desenvolvimento da criança.”