Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
140/09.0TMPDL-D.L1-8
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
FIXAÇÃO DA PENSÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Sempre que o devedor de alimentos não possa satisfazer as prestações de alimentos é o Estado, através do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, quem garante ao menor os alimentos devidos, cabendo ao Fundo de Garantia o pagamento da respectiva pensão de alimentos.
2. Esta obrigação de garantia de alimentos por parte do Estado é norteada por factores de ordem social e constitucional de protecção à infância e do bem-estar da criança.
3. O valor mensal a fixar pelo Tribunal a título de prestação de alimentos deve ser determinado em função da ponderação dos factores sociais e económicos do agregado familiar em que o menor se insere e, nessa medida, aferida a capacidade económica dos progenitores e as necessidades do menor, de acordo com a idade deste e as condições específicas que revele.
4. Pode, por isso, ser alterada a prestação inicial judicialmente fixada e não satisfeita pelo obrigado, quer para um valor superior, quer até inferior.
5. E cabe a esse Instituto, através do citado Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, assegurar o pagamento das prestações devidas ao menor e não pagas pelo pai deste, por insuficiência económica.(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – 1. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, gestor do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, veio interpor recurso da decisão proferida nestes autos pelo Tribunal “a quo” que o condenou a prestar alimentos a dois menores, em substituição do devedor incumpridor (o pai dos menores), no valor mensal de 180,00 € (sendo 90,00 € para cada um dos menores).

2. Ouvido o MP pronunciou-se pela confirmação da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, e consequente improcedência do presente recurso, pelas razões que defende a fls. 31 e segts, alegando a falta de suporte legal e jurisprudencial para a pretensão do Instituto Recorrente.

3. Em sede recursória o Instituto aduziu, em síntese, as seguintes conclusões (para além das que constam dos autos a fls. 22 e segts):


1. O presente recurso foi interposto da sentença que decidiu pela atribuição da prestação de alimentos a assegurar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor incumpridor, por um valor superior ao fixado para o mesmo.
2. A obrigação do Fundo é a de assegurar/garantir os alimentos devidos a menores e não a de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos.
3. Tal obrigação legal de prestar alimentos é diferente da obrigação judicial de os prestar, sendo que só existe obrigado judicial desde que o Tribunal o defina como devedor de alimentos, isto é, o condene em determinada e quantificada prestação alimentar.
4. No caso em apreço, ao progenitor devedor foi fixada uma prestação no valor mensal de 100,00 € para os dois menores (50,00 € para cada um dos menores). Sucede porém que, consta da decisão de que se recorre, que essa prestação foi agora fixada no valor mensal de 180,00 € (90,00 € para cada menor), porquanto o Tribunal “a quo” entendeu como mais adequada essa quantia e fixou esse valor a título de prestação alimentar.
5. Só que não estamos perante uma questão de direito de regresso, mas sim de sub-rogação e respectivo reembolso, pois a obrigação do Fundo não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
6. Por isso, se o Fundo pagar mais do que ao credor (progenitor) é exigido, e seguindo-se as regras da sub-rogação, como poderá requerer o reembolso de tais quantias?  
7. A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente.
8. Nessa medida, não pode o terceiro, satisfazendo o credor, aumentar o montante do crédito contra o devedor.
9. Pelo que não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do Fundo de Garantia superior à fixada ao progenitor pai, ora devedor. Logo, o FGADM apenas se deverá considerar obrigado a assumir essa mesma prestação em substituição do progenitor em incumprimento.
10. E ao manter-se tal decisão do Tribunal “a quo”, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável ao progenitor pai passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do Fundo de Garantia, o que de todo se demonstra impossível pelas razões descritas.
11. Nestes termos deve ser revogada a decisão recorrida na parte em que condena o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores em valor superior ao fixado ao progenitor em incumprimento, nos termos e com os efeitos legais.

4. Contra-argumentou o MP salientando, conforme se referiu, o infundado da pretensão deduzida, nos termos que constam do seu articulado de fls. 31 e segts.

5. Tudo Visto,

Cumpre Apreciar e Decidir.

II – O DIREITO:

1. Questão a decidir:

- Está em causa, no presente recurso, a questão de saber se a prestação fixada ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em substituição do pai dos menores e por impossibilidade económica deste, está limitada pelo valor da prestação fixada inicial e judicialmente ao progenitor ou poderá ser superior a esta.

A este propósito, e ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, gestor do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, defende que está limitado pelo valor da prestação fixada judicialmente ao progenitor, pelo que só tem que pagar 100,00 €, valor em que o pai dos menores foi inicialmente condenado.

Ouvido o MP, pronunciou-se no sentido decidido pelo Tribunal “a quo”, por entender que nada impede que o montante da prestação mensal a pagar pelo Fundo de Garantia seja superior ao da prestação judicialmente fixada pelo Tribunal e não satisfeita pelo obrigado/progenitor dos menores.

Entendimento com o qual corroboramos, mas com os fundamentos que serão por nós de seguida aduzidos.

2. Os Factos relevantes:

- No âmbito dos presentes autos de fixação do regime de exercício das responsabilidades parentais, relativamente a 2 irmãos menores, foi acordado, em Tribunal, por acordo entre as partes, e homologado pelo Tribunal “a quo”, que ambos os menores ficavam aos cuidados e à guarda da sua mãe, procedeu-se à fixação do respectivo regime de visitas ao progenitor e ficou estipulado que este pagaria a título de alimentos, aos seus filhos menores, a quantia mensal de 100,00 € (50,00 € a cada um), que deveria entregar à mãe mediante depósito ou transferência bancária nos termos exarados a fls. 5.

- Posteriormente, o Tribunal “a quo” tomou conhecimento que o progenitor não possuía rendimentos para satisfazer a referida pensão mensal, por se encontrar inactivo, sem exercer qualquer actividade profissional, e que a mãe das crianças se encontrava desempregada e vivia a expensas de seus pais – da prestação de RSI atribuída à mãe da Requerente e da reforma de invalidez do pai da Requerente, e dos abonos de família dos menores, em valores bastante diminutos.

- Por tais factos o Tribunal “a quo” considerou então insuficiente a quantia mensal de que dispunha o referido agregado familiar para viver e educar os menores, num total de 8 pessoas, e decidiu aumentar o valor mensal a suportar pelo Fundo de Garantia para o montante mensal de 180,00 € (90,00 € por cada menor), com a actualização anual segundo a inflação, “naturalmente ficando sempre ressalvado ao Fundo o direito de regresso contra o Requerido pelos valores que satisfizer” (cf. fls. 16).

- O conteúdo da sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, na parte decisória, é o seguinte:

“III – Decisão:

Em face de quanto vai exposto, e À luz da Lei nº 75/98, de 19/11 e do DL 164/99, de 13/5, determino que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores passe, em substituição do progenitor faltoso e contra ele ficando sub-rogado pelos montantes que satisfizer, a assegurar o pagamento da quantia mensal de 180,00 € (90,00 € por cada um), a título de alimentos aos menores…” – cf. fls. 16 e 17.

3. A questão colocada pelo Instituto de Gestão Financeira reconduz-se à supra referida: saber se o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, a quem cabe o pagamento da prestação de alimentos em substituição do pai dos menores e por impossibilidade económica deste, está limitado pelo valor da prestação fixada inicialmente ao progenitor ou se esse valor poderá ser superior ao então fixado.

Por conseguinte, não se põe em causa que o progenitor dos menores actualmente não possua condições económicas para satisfazer a respectiva pensão de alimentos. Tal como não se discute que, em face da impossibilidade económica daquele, cabe à Apelante assegurar o pagamento de tal pensão.

A divergência assenta na questão de saber qual deverá ser esse valor mensal:

- Os 100,00 € inicialmente fixados pelo Tribunal?

- Ou os 180,00 €, valor aumentado posteriormente pelo Tribunal “a quo” pelas circunstâncias que os autos retractam?

A decisão do diferendo não dispensa, e merece da nossa parte, que sejam tecidas algumas considerações na senda do que temos vindo há muito a defender nesta matéria, e para melhor compreensão da conclusão que será extraída nestes autos.

Já o dissemos em anteriores Acórdãos, e aqui reafirmamos, o seguinte:

4. Como uma função social do Estado a Constituição da República Portuguesa consagra expressamente, no seu art. 69º, o direito das crianças à protecção, entendida tal norma programática como o dever do Estado de assegurar a garantia da dignidade da criança e, nessa medida, a sua formação e desenvolvimento integral num ambiente sadio, proporcionando-lhe, para o efeito, as condições mínimas de subsistência essenciais ao seu desenvolvimento e à prossecução de uma vida digna.

E o direito a alimentos constitui inequivocamente um direito que merece tutela, porquanto se traduz num pressuposto inerente ao próprio direito à vida, este com igual consagração constitucional.

Na sequência das normas internacionais de protecção à criança estabelecidas na Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela ONU em 1989, e assinada em 26 de Janeiro de 1990, e nas Recomendações do Conselho da Europa, em que se atribui especial relevância à consecução da prestação de alimentos a crianças e jovens até aos 18 anos de idade, também o Estado Português sentiu a necessidade de criar mecanismos legais, no ordenamento jurídico interno, tendentes a suprir as deficiências que se têm registado nesta área relativamente à satisfação da prestação de alimentos por parte daqueles a quem foi fixada a respectiva obrigação de os assegurar, e que, na prática, não procedem ao seu pagamento, privando a criança desse direito essencial a alimentos.

Foram sobretudo razões que radicam nas mutações profundas que têm vindo a registar-se a nível das estruturas familiares e sociais, com o desagregar da família tradicional e a alteração de padrões de comportamentos sociais, e o aumento de flagelos como o desemprego, as doenças e incapacidades prolongadas, as situações de toxicodependência, e o número elevado de maternidade e paternidade na própria adolescência, com o correspondente enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, que determinaram que o Estado interviesse neste sector fundamental em que está em causa assegurar o desenvolvimento e crescimento da criança.

É pois, neste contexto, que o Estado aparece a garantir o pagamento das quantias em dívida sempre que o judicialmente obrigado a prestar os referidos alimentos não se encontre em condições sócio-económicas de poder satisfazer mensalmente as respectivas prestações de alimentos devidas ao menor.

E para prossecução deste objectivo criou o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, conforme Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio.

Nos termos deste diploma, para intervenção do referido Fundo, e de acordo com o preceituado nos seus arts 2º e 3º, exigem-se os seguintes requisitos legais cumulativos:

- O não pagamento das quantias devidas pela pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos ao menor;

- E a falta de rendimentos líquidos superiores ao salário mínimo nacional por parte de quem está obrigado a esse pagamento.[1]

São estes princípios básicos que nunca podem ser esquecidos e que devem presidir à actuação de todos aqueles que têm intervenção neste tipo de processos, maxime, quem tem a seu cargo a incumbência de decidir estas matérias de cariz e natureza acentuadamente social e de protecção constitucional.

5. A propósito da natureza da obrigação aqui em causa há quem defenda que estamos perante “obrigações autónomas, independentes, apenas sucedendo que uma das razões para o nascimento da obrigação do Estado é a falta de cumprimento da referida obrigação”. [2]

E enquanto obrigações autónomas e distintas, assentariam, tais obrigações, em razões de índole diversa.

A do progenitor, deriva de uma obrigação natural, radicada na filiação biológica, de onde emergem os respectivos poderes-deveres em relação aos filhos, nos quais se integra o dever de assistência com a obrigação de prestar alimentos aos filhos menores e prover ao seu sustento (cf. arts. 1874º, 1878º, 1879º, todos do CC), ao passo que a intervenção do Estado se apresenta tão só norteada por factores de ordem social e constitucional de protecção à infância e do bem-estar da criança.

Pese embora essa derivação temos para nós que a obrigação a que o Fundo está vinculado tem carácter substantivo, nascendo no momento em que o Tribunal reconhece que o devedor deu início ao incumprimento, só se dissociando pelo cumprimento do dever legalmente imposto.

Tendo a obrigação do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores uma função de garantia relativa à obrigação do progenitor faltoso em prestar alimentos ao menor, a que, enquanto progenitor estava obrigado, e não satisfez, e que também não foi possível cobrar coercivamente.[3]

Quer isto dizer que a responsabilidade do Fundo pelo pagamento das prestações alimentares é residual, uma vez que é aos pais que cabe, em primeira linha, a satisfação desse encargo. Mas assume o papel de um verdadeiro garante, pois só quando tal se mostre inviável, devido a insuficiência económica ou ausência do obrigado a alimentos, é que o Estado, através desse Fundo, assume o pagamento dessas prestações.

Destarte, entendemos que a prestação do Fundo não possui carácter autónomo mas sim de substituição, substituindo o devedor/progenitor, e procurando o Estado, por essa via, conforme já se referiu, garantir as necessidades prementes do menor. [4]

6. Da análise do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, conexionado com a Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, resulta evidenciado, conforme se salientou em ponto anterior, que a preocupação do legislador foi, indo de encontro a imperativos supranacionais de protecção às crianças e jovens menores, a de proporcionar-lhes os meios económicos para poderem desenvolver-se, tanto física, como intelectualmente, mas desde que judicialmente reconhecidos e fixados.

Por sua vez estabelece o art. 1º da Lei nº 75/98, de 19/11, que “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em Portugal não satisfizer as quantias em dívida (...) e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.

Não se vislumbrando de tais diplomas, em qualquer dos seus normativos, restrições impostas pelo legislador que sejam limitativas das prestações fixadas.

Sendo, por demais evidente, que as prestações só são devidas quando fixadas judicialmente por decisão do respectivo Tribunal.

E embora o nº 1 do art. 5º do Decreto-Lei nº 164/99 estabeleça que o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem foram atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso, o art. 7º clarifica que esse reembolso não prejudica a obrigação de prestar alimentos previamente fixada.  

Por outro lado, decorre da lei que as prestações atribuídas devem ser fixadas pelo Tribunal, mas para a determinação do seu montante deve atender-se à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada ao progenitor e às necessidades específicas do menor – cf. art. 2º, nº 2, da Lei nº 75/98, na sua actual redacção, ex vi, art. 3º, nº 5, do Decreto-Lei nº164/99.

7. Ora, no caso sub judice, e ao contrário do que o Instituto Recorrente alega, não foi posto em causa, pela decisão em análise, nenhum dos citados princípios nem se extravasou a ratio e teor da lei.

Nada impedindo que o Tribunal proceda à actualização do montante da pensão inicialmente fixada.

Nem tal limitação faria sentido num processo desta natureza, com as especificidades a que fizemos referência ab initio. [5]

Com efeito, como é que se pode aceitar que estando em causa a prestação de alimentos a menores, o valor mensal fixado inicialmente pelo Tribunal não possa depois ser alterado em face do decurso do tempo e em função das circunstâncias concretas que assim o aconselhem?

Então as necessidades dos menores são sempre as mesmas ao longo de todo o seu processo de desenvolvimento e toda a sua fase de crescimento?

Uma criança de 5 anos gasta o mesmo que uma criança de 9 anos? E uma de 3 anos gasta o mesmo que uma criança de 7 anos?

As crianças não crescem? Não aumentam as suas necessidades com o início da actividade escolar e a ida para a escola, e com a socialização com outras crianças?

Trata-se de uma realidade e de todo um circunstancialismo fáctico que não pode deixar de ser ponderado no juízo valorativo a efectuar no momento da emanação de qualquer decisão.

Anote-se que a primeira decisão do Tribunal “a quo” encontra-se datada de 2009 e a seguinte de 2013, precisamente 4 anos depois – cf. fls. 4, 9 e 17. Naquela data as duas crianças tinham, respectivamente, 3 e 4 anos e meio, e em 2013, quando se determinou o aumento, já estavam com 7anos e 8 anos e meio.

E se é verdade que essas necessidades aumentam, qual a razão objectiva e a base legal para impedir que se proceda à actualização da respectiva pensão de alimentos?

É que para nós, essa actualização tanto pode ser no sentido de se aumentar o valor a cargo do Fundo de Garantia, como também poderá ocorrer no sentido inverso.

Basta, por exemplo, que a mãe das crianças passe a ter uma actividade profissional remunerada para que não seja necessário manter o aumento, tal como poderá eventualmente o progenitor das crianças arranjar um meio de vida, um emprego, com a remuneração correspondente, para que ainda que se mantenha a pensão de alimentos o Fundo não seja obrigado a suportar o seu pagamento.

Não se vê, pois, em que medida se poderá harmonizar uma tal concepção, veiculada pelo Instituto Recorrente, com o espírito e a letra do Dec. Lei nº 164/99, que consagra uma prestação social com a natureza que ressalta dos autos, pois seria o mesmo que defender que, durante o período de incumprimento, os menores não careciam de alimentos que lhe assegurassem a subsistência mínima, embora, simultânea e contraditoriamente, a intervenção do Fundo ocorra precisamente em face da situação de carência resultante desse incumprimento.

8. Igualmente não se nos afigura defensável alegar o instituto da sub-rogação para que a Apelante recuse efectuar o pagamento da pensão de alimentos aqui em causa, porquanto, o progenitor dos menores, enquanto devedor de alimentos, não ficou desresponsabilizado ou desonerado do pagamento da respectiva prestação alimentar.

Apesar de o segmento decisório – da sentença da 1ª instância – não fazer referência explícita a essa condenação, a mesma resulta de todo o conteúdo da sentença. Aliás, nem se compreenderia a intervenção do Fundo de Garantia se essa condenação não estivesse implícita. Não se compreenderia, nem poderia ser defensável.

Atente-se no conteúdo da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, aqui sublinhada nessa parte:

“… por isso se impondo suprir integralmente a omissão do requerido (com a actualização devida e um ligeiro acréscimo, fixando a medida de intervenção do Fundo em 180,00 € mensais (90,00 € por cada menor), …(natural-mente ficando sempre ressalvado ao Fundo o direito de regresso contra o Requerido pelos valores que satisfizer).

III – Decisão:

Em face de quanto vai exposto, e à luz da Lei nº 75/98, de 19/11 e do DL 164/99, de 13/5, determino que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores passe, em substituição do progenitor faltoso e contra ele ficando sub-rogado pelos montantes que satisfizer, a assegurar o pagamento da quantia mensal de 180,00 € (90,00 € por cada um), a título de alimentos aos menores…” –  cf. fls. 16 e 17.

Ora, que outro sentido poderá ter a sentença, proferida no âmbito destes autos, senão o de que:

1º A mãe dos menores não possui condições económicas para os alimentar e educar só com os reduzidos valores da reforma de invalidez de seu pai, com quem vive (e avô das crianças), das prestações de RSI e do abono de família, que recebe.

2º Por tal facto o Tribunal “a quo” aumentou a pensão de alimentos dos menores anteriormente fixada em 100,00 € para 180,00 €.

3º Essa pensão de 100,00 € era devida pelo pai dos menores a estes. Mas porque desempregado e sem meio de vida para satisfazer as prestações fixadas judicialmente, cabe ao Fundo de Garantia, nos termos legais, garantir o pagamento dessa prestação de alimentos.

4º Tendo sido aumentada a prestação mensal, a obrigação da prestação de alimentos mantém-se nos mesmos termos. Ou seja: o progenitor está obrigado ao pagamento do novo valor da prestação de alimentos. E porque não possui meios para o fazer, cabe ao Fundo, nos termos legais, garantir essa prestação agora aumentada.

5º Prestação que se mostra devida “em substituição do progenitor faltoso e contra ele ficando sub-rogado pelos montantes que satisfizer”, e “naturalmente ficando sempre ressalvado ao Fundo o direito de regresso contra o Requerido pelos valores que satisfizer” – conforme se reconhece na sentença recorrida.

9. Pelo exposto improcede a apelação e confirma-se a sentença recorrida com os presentes fundamentos, devendo entender-se que, conforme resulta de tal decisão, o progenitor dos dois menores está obrigado a pagar a estes a quantia mensal de 180,00 € a título de prestação de alimentos (sendo 90,00 a cada um), e porque não lhe são conhecidos bens, nem meio de vida, nem o recebimento de qualquer outra remuneração, cabe ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores assegurar o pagamento dessa quantia mensal nos termos legais.

Ou seja: “em substituição do progenitor faltoso e contra ele ficando sub-rogado pelos montantes que satisfizer”, e “naturalmente ficando sempre ressalvado ao Fundo o direito de regresso contra o Requerido pelos valores que satisfizer”.


II – Em Conclusão:

1. Sempre que o devedor de alimentos não possa satisfazer as prestações de alimentos é o Estado, através do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, quem garante ao menor os alimentos devidos, cabendo ao Fundo de Garantia o pagamento da respectiva pensão de alimentos.

 2. Esta obrigação de garantia de alimentos por parte do Estado é norteada por factores de ordem social e constitucional de protecção à infância e do bem-estar da criança.

3. O valor mensal a fixar pelo Tribunal a título de prestação de alimentos deve ser determinado em função da ponderação dos factores sociais e económicos do agregado familiar em que o menor se insere e, nessa medida, aferida a capacidade económica dos progenitores e as necessidades do menor, de acordo com a idade deste e as condições específicas que revele.

4. Pode, por isso, ser alterada a prestação inicial judicialmente fixada e não satisfeita pelo obrigado, quer para um valor superior, quer até inferior.

5. E cabe a esse Instituto, através do citado Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, assegurar o pagamento das prestações devidas ao menor e não pagas pelo pai deste, por insuficiência económica.

III – Decisão:

- Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso e se confirma a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, com os presentes fundamentos, e nos precisos termos que constam supra, do ponto 9).

- Sem Custas.

- Determina-se que sejam extraídas certidões pelo Tribunal “a quo” e remetidas ao MP, para se apurarem responsabilidades, relativamente aos incumpridores das decisões judiciais proferidas no âmbito destes autos (cf. fls. 16/17 e 38/39).

                                        Lisboa, 02 de Outubro de 2014.

                                        Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)


                                        António Manuel Valente

                                        Ilídio Sacarrão Martins


[1] Cf. a este propósito cf. o art. 189º do Decreto-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, e o art. 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro.

[2]  Cf., a este propósito e nesta parte, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 26/06/2001 proferido no âmbito do Proc. de Agravo nº 1.386/01, com plena actualidade.
[3] Neste sentido, cf. Acórdão da Relação de Lisboa, de 12/7/2001, in www.dgsi.pt., confirmado pelo Acórdão do STJ., de 31/1/2002 – Revista nº 41601 – 2ª.
[4] Posição por nós defendida nesta Relação, e Secção, já em anteriores Acórdãos, e que podem ser consultados na base de dados da DGSI, onde foi expendida igual argumentação.
[5] Cf. sobre esta matéria o Acórdão do STJ, datado de 04-06-2009, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, e citado igualmente pelo MP, no qual se decidiu, nomeadamente que:

“1.O montante das prestações cujo pagamento incumbe ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores é determinado em função da capacidade económica do agregado familiar, do montante da prestação de alimentos que foi fixado e das necessidades específicas do menor, mas não da capacidade do obrigado, como em regra sucede.

2. Pode, assim, ser superior, igual ou inferior ao da prestação judicialmente fixada e não satisfeita pelo obrigado.

3. Esse critério e a imposição da diligências prévias destinadas a apurar as necessidades do menor revela que o objectivo da lei é o de assegurar ao menor a prestação adequada às suas necessidades específicas.

4. Sob pena de incongruência com o objectivo do regime legal, o limite máximo de 4 UC por devedor, que o nº 1 do artigo 2º da Lei nº 75/78 prevê, tem de ser entendido em relação a cada menor beneficiário”.