Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1250/13.5TVLSB.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: HOSPITAL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE
DEVER DE CUIDADO
CULPA DO LESADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I–Na situação dos autos em que o doente foi admitido na clinica ao abrigo de um termo de responsabilidade de uma seguradora para nele ser sujeito a um procedimento operatório, está-se na presença de um “contrato total”, que é aquele em que a clinica assume directa e globalmente a obrigação de prestação de actos médicos conjuntamente com a de internamento hospitalar.
II–O contrato que intercede entre a seguradora e a clinica, nestas circunstâncias, configura-se como um contrato a favor de terceiros, em que aquela é a promissária, esta a promitente e o doente, o terceiro.
III–Este contrato exigia da clinica, esgotada que se mostrasse a atribuição patrimonial por parte da seguradora em função dos cuidados de saúde entretanto prestados ao doente, que prontamente disso informasse o doente ou os seus familiares, para que providenciasse(m), querendo, pela cessação de tais cuidados com a transferência do doente para hospital público.
IV–O assinalado dever de evitar a lesão do património do doente ou o dos seus familiares constitui-se ainda como um dever de organização da clinica, porque foi por falha dos seus serviços administrativos que só tardiamente a mesma se apercebeu do atingimento há muito do “plafond” conferido pela seguradora.
V–Porque quando os familiares do doente foram informados pela clinica da referida circunstância logo se apressaram a solicitar a transferência do doente para hospital público, deve ter-se como causa da maior contrapartida dos serviços prestados, a referida negligência naquela informação, devendo convocar-se a este respeito o instituto da culpa do lesado, nos termos e para efeitos do disposto no art 570º/1 CC.
VI–Também os familiares do doente contribuíram para o agravamento daquela contrapartida ao terem optado por não se informarem junto da clinica a respeito da apontada circunstância, visto não poderem desconhecer que o tempo inicialmente previsto para o internamento estava há muito esgotado e que são especialmente onerosos os cuidados prestados em unidades de cuidados intensivos.
VII –De todo o modo, porque as consequências que resultaram das assinaladas negligências por parte da clinica e dos familiares do doente, beneficiam manifestamente estes - visto que o seu parente acabou por receber tratamentos e internamento correspondentes ao preço que a clinica reclama nos autos, e que os mesmos não tiveram os incómodos e preocupações que a transferência daquele para um hospital público lhes implicaria- deverão estes familiares ser responsáveis por 70% do valor dos serviços reclamados.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I –A .... – Sociedade de Gestão Hospitalar, SA, propôs a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B .... , C  .... e D .... , pedindo a condenação das mesmas no pagamento da quantia de € 38.813,88, acrescida de juros de mora, à taxa legal para créditos comerciais, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que no dia 4/8/2011, Amador ....  ...., marido da 1.ª R. e pai das 2.ª e 3.ª , foi admitido no Hospital A., tendo-lhe entregado a quantia de € 500,00 a título de adiantamento, em função de um pedido de pré- autorização que o Dr. F .... havia previamente formalizado junto da M .... – Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde, SA, e que originou um termo de responsabilidade, datado de 1/8/2011, em que aquela assumia a responsabilidade em regime de internamento e/ou ambulatório por cateterismo coração esq + coronariografia selectiva ventriculografia até ao capital de € 35.930,00, devendo ser facturado a Amador ....  .... um co-pagamento de 10%, no mínimo de € 200,00 e no máximo de € 500,00.  Este esteve hospitalizado no Hospital A. entre o referido dia 4/8/2011 e 10/9/2011, data em que faleceu. Em 8/9/2011 a Coordenadora dos Internamentos do A. reuniu com as RR. dando-lhes conta que os serviços prestados a Amador  .... excediam o valor do termo de responsabilidade acima referido. Após ter sido entregue à A. um novo termo de responsabilidade emitido pela M ...., assumindo a responsabilidade pelo pagamento, agora, até ao capital de € 50.000,00, a A. emitiu duas facturas, uma no montante de € 50.000,00 que enviou àquela, e outra no montante de € 41.609,58, tendo remetido esta última às RR. Na sequência de uma reclamação apresentada pela M ...., que foi atendida pela A., esta remeteu às RR. uma nota de crédito, no montante de € 2.5956,70, pelo que o valor devido pelas RR. é de € 38.813,88 que, apesar de reclamado, não foi pago.

As RR. contestaram, invocando, em síntese, que Amador  .... foi hospitalizado a coberto de um  contrato de seguro e  de Termo Responsabilidade e que, na pendência do seu internamento, nunca a A. o informou, ou a elas, dos valores despendidos, nem informou que os valores relativos aos serviços prestados estavam já fora do contrato de seguro, isto embora estas tivessem ido visitar o falecido todos os dias. Só na reunião realizada no dia 8/9/2011com a coordenadora de Internamentos da A., Cristina ...., é que ficaram a saber que o valor dos cuidados já prestados pela A. estava excedido face ao Termo de Responsabilidade em causa. Diligenciaram então junto da M… o aumento do valor do capital do Termo de Responsabilidade para € 50.000,00 e solicitaram a transferência, imediata, do falecido Amador  .... para um hospital público, a qual não se concretizou por ter sobrevindo o falecimento do mesmo. As RR. desconheciam o que se passava no que concerne ao valor dos serviços de saúde prestados e nunca lhes foi pedido consentimento ou prestado quaisquer esclarecimento referente à importância facturada.

A A. apresentou réplica, nela nada alegando de novo, apenas evidenciando que o único acordo entre ela e a M.... respeita à tabela de preços a praticar relativamente aos segurados da M...., o que se traduziu relativamente a Amador  .... em custos mais reduzidos.

Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador e enunciado o objecto do litígio e os temas de prova.

Realizado julgamento, foi proferida sentença em que foi julgada improcedente a acção e, consequentemente, absolvidas as RR. do pedido.

II–Do assim decidido, apelou a A., que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos: 
1–A Douta sentença recorrida considerou provado ( facto referido sob os números 1.2.3.) que, a autora, por altura da admissão de Amador  ...., informou-o quanto aos cuidados de saúde que lhe iriam ser prestados – Cateterismo Coração esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia e o período de internamento que seria entre 7 a 10 dias.
2–O Tribunal a quo refere que firmou a sua convicção com base nos depoimentos de F .... Silva e José ….
3–Conjugando a posição assumida pela autora na petição, o documento junto pela autora sob o nº 3, não impugnado pelas rés, o esclarecimento prestado pela testemunha Filipe ….. quanto à não inclusão de “tempo de internamento” nesse Termo de Responsbilidade datado de 01/08/2011 e a explicação de que o prazo de trinta dias significava que existia esse prazo, a contar da data de emissão do Termo, para a realização do acto médico, e os depoimentos das testemunhas F .... Silva e José ...., que depuseram com isenção e mostraram credibilidade, não se pode, entende a autora, concluir que algum deles transmitiu a Amador ....  ...., ou a um seu familiar, que o período de internamento no caso em apreço seria entre 7 a 10 dias.
4–Nenhuma das testemunhas o disse e, o facto de, em casos sem qualquer tipo de complicações, o prazo médio de internamento se situar entre 5 e 15 dias, não permite, por si só, extrair a conclusão de que no caso concreto a autora, por altura da admissão, informou Amador ....  .... que o período de internamento seria entre 7 a 10 dias.
5–A Douta sentença sob recurso incorreu em erros de apreciação da prova  quando concluiu que por altura da admissão de Amador ....  .... a autora o informou que o período de internamento iria ser entre 7 e 10 dias, pelo que se impugna.
6–A decisão quanto ao facto impugnado (facto referido sob os números 1.2.3.) deverá, sustenta a autora, ser : “A autora informou Amador ....  .... que iria ser submetido a Cateterismo Coração Esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia.”
7–A Douta sentença recorrida considerou provado por acordo (facto referido sob os números 1.2.7.) que tal reunião teve lugar em 08.09.2011, data em que o facto referido em 1.2.3. foi transmitido às RR., nas instalações do Hospital da .....
8–O Tribunal a quo refere que firmou a sua convicção com base no depoimento de Ana .... e nas declarações de parte de B .... .........
9–Ora, se é verdade que não se mostra controvertida a data e o local da reunião, o mesmo não se poderá dizer quanto à afirmação de que, nessa data e local, a autora transmitiu às rés o que transmitira a Amador ....  .... aquando da admissão no Hospital da ...., ou seja o que na Douta sentença reorrida se deu como provado sob os números 1.2.3.
10–A testemunha Ana .... ( Referência 2016 01 21 142518 – Duração do Depoimento 32 m 31 s), técnica administrativa principal do Hospital da ...., tendo como funções a Coordenação do Internamento, depois de identificar a sua interlocutora na reunião de 08.09.2011 como sendo uma das filhas de Amador ....  .... ( - 04 m 19 s - ), tendo-lhe sido perguntado o que é que a testemunha lhe transmitiu respondeu: ( - 04 m 26 s - ) “naquela altura eu alertei que realmente a conta estava muito elevada e que precisávamos de ver porque não sabíamos como é que era com o seguro, que plafonds é que aquilo tinha… para as pessoas se informarem junto do seguro para saber quais são os montantes que têm disponíveis, é o habitual” ( - 04 m 55 s - ).
11–No depoimento da testemunha Ana .... ...., que mostrou serenidade, credibilidade e deverá ser devidamente valorado, não consta qualquer afirmação que vá no sentido, ou que dela se possa extrair, que é só na reunião de 08.09.2011 que é transmitido pela autora às rés o facto referido na Douta Sentença como provado sob os números 1.2.3.
12–Também, sustenta a autora, nada resulta nas declarações de parte de B .... ........ ( Referência 2016 01 28 101053 – Duração do Depoimento 32 m 29 s) que, directa ou indirectamente, ermita concluir ou levar a crer que é apenas em 08.09.2011, no decurso da reunião entre Ana .... .... e uma das suas  filhas que a autora transmite às rés aquilo que antes de 04.08.2011  tinha transmitido a Amador ....  .....
13–Também na petição inicial nunca a autora transmite essa posição ou permite que da exposição dos factos resulte tal entendimento.
14–A manter-se o facto provado sob os números 1.2.7 na sua actual redacção poder-se-ia, eventualmente, concluir, que até 08.09.2011 as rés ignoravam, de todo em todo a situação de Amador ....  .....
15–A Douta sentença sob recurso incorreu em erros de apreciação da prova quando concluiu que na reunião de 08.09.2011 é que a autora transmitiu às rés os factos que o Tribunal a quo considerou provados sob os números 1. 2. 3., pelo que se impugna.
16–A decisão quanto ao facto impugnado (facto referido sob os números 1.2.7.) deverá, sustenta a autora, ser : “Tal reunião teve lugar em 08.09.2011 nas instalações do Hospital da ..... “
17–A Douta sentença recorrida considerou provado (facto referido sob os números 1.2.15) que o advogado das RR enviou à A., com data de 23.12.2011, uma carta, nos termos da qual: “(…) Em representação da família do falecido ....  .... Draskovich, venho responder vossa solicitação de pagamento da factura, no valor de € 41.109,58.(…) Apesar da insistência da família do falecido (…), junto da secretaria (D. Natália) da unidade de cuidados intensivos e junto do Dr. José ...., desde 17 de Agosto do corrente ano, para saber se o seguro M .... cobria todas as despesas e os prolongamentos no prazo de internamento, o que foi respondido sempre afirmativamente pela pessoa supra referida.
18–O Tribunal a quo refere que firmou a sua convicção com base no documento de fls. 97.
19–Tal documento, junto com a petição inicial sob o nº 8, constitui uma carta do Ilustre Mandatário das rés, datada de 23/12/2011, dirigida à autora e por esta recebida.
20–O texto da missiva não se mostra integralmente transcrito.
21–Ora, as rés, representadas no momento da apresentação da contestação pelo Ilustre Advogado subscritor da aludida carta, em momento algum do seu articulado alegaram que pediram informações à autora sobre preços praticados ou a praticar pelos serviços prestados ou a prestar a Amador ....  ...., ou valores já facturados.
22–Do teor da carta do Ilustre Mandatário da rés ressalta a ideia, esta sim defendida pelas rés na contestação, de que “o Hospital acordou com a seguradora as condições dos tratamentos” (primeira parte do art. 19º da contestação) e “A autora negociou com a M .... os termos e condições da admissão, tratamento e pagamento dos custos do tratamento de Amador  ...., ora falecido, como cliente e a coberto do seguro de saúde vigente que, sem reservas, aceitou para, através dele, prestar os serviços de saúde tidos por necessários para tratamento e recuperação do doente” (art. 20º da contestação).
23–Posição essa que o Tribunal a quo não sufragou ao considerar não provado (cfr, facto não provado sob os números 2.2) que as rés sempre entenderam que os cuidados, tratamentos e intervenções em causa estavam cobertos pelo contrato de seguro de saúde e, assim, os seus custos seriam pagos directamente à Autora pela M ...., ficando a cargo do doente segurado a franquia paga.
24–A Douta sentença sob recurso incorreu em erro de apreciação da prova quando apenas incluiu um excerto da carta, devendo, sustenta a autora, o documento de fls. 97 ser valorado na sua globalidade, pelo que se impugna.
25–Sempre com integral respeito pelo preceituado no art 376º do Código Civil que limita a eficácia probatória à materialidade, isto é, à existência das declarações.
26–A decisão quanto ao facto impugnado (facto referido sob os números 1.2.15.) deverá, sustenta a autora, ser : “ Com data de 23.12.2011 o Mandatário das RR. enviou à A. o escrito que constitui o documento de fls. 97. ”.
27–Na presente acção a autora vem pedir o pagamento da quantia de € 38.813,88 de capital - correspondentes a € 41.109,58 titulados pela factura número 201109/876, deduzidos € 2.595,70 titulados pela nota de crédito número 2012/798 - no âmbito de um contrato de prestação de serviços médicos que celebrou com Amador ....  ...., a que acrescem juros de mora contados a partir da citação das rés.
28–Tal contrato tem como efeitos essenciais a obrigação de praticar actos compreendidos no contrato, por parte do prestador de serviços, e a obrigação de pagar a retribuição que ao caso competir, por parte de quem os recebe (art. 1154º e segs do Código Civil).
29–Amador ....  .... faleceu em 10 de Setembro de 2011 no estado de casado, segundo o regime da comunhão geral de bens, com a primeira ré B .... ........  .... e desse casamento existem duas filhas, a segunda ré Ana .... ...., nascida a 31 de Julho de 1962, e a terceira ré B .... Alexandra Leitão ...., nascida a 24 de Fevereiro de 1967 (cfr. factos provados sob os números 1.1.9 e 1.1.10).
30–Ficou demonstrado ( cfr. factos provados sob os números 1.1.11, 1.1.13. e 1.1.15 ) que a autora, no âmbito da sua actividade, prestou os serviços e cuidados de saúde descritos nas facturas números 201109/871 e 201109/876, deduzidos os descritos na nota de crédito número 2012/798 a quem se tinha vinculado por força do contrato - Amador ....  .... -, respeitantes ao período em que Amador ....  .... esteve internado no Hospital da ...., por si explorado, sendo o valor total desses serviços de € 89.013,88, e que, não obstante tal circunstancialismo, nem Amador ....  ...., nem as rés, procederam ao pagamento integral desses serviços.
31–Desse montante, a autora recebeu apenas, de Amador ....  ...., em 04/08/2011 a quantia de € 500,00, a título de adiantamento (cfr. factos provados sob os números 1.1.12 e 1.2.1.) e de M .... – Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde, S.A., a quantia de € 50,000,00 titulada pela factura número 201109/871 de 30/09/2011.
32–Por aplicação da norma do art. 799º, nº 1, do Código Civil, há uma presunção de culpa do devedor, que lhe cabe ilidir se quiser subtrair-se à responsabilidade por falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso.
33–Na contestação as ré invocaram a existência de um seguro de saúde em que figura como seguradora O ...., S.A.,(M ....) e como tomador do seguro Amador ....  .....
34–Teria sido necessário às rés lograrem demonstrar que essa obrigação - pagamento dos peticionados € 38.813,88 - havia sido assumida pela seguradora perante a autora e que esta o teria ignorado, vindo exigir o respectivo pagamento às rés, o que no caso em apreço as rés não demonstraram.
35–Não lograram as rés sequer demonstrar (cfr. facto não provado sob os números 2.2), competindo-lhe o respectivo ónus (art. 342º, nº 2, do Código Civil), que sempre entenderam que os cuidados, tratamentos e intervenções prestados pela autora, ora peticionados, estavam cobertos pelo contrato de seguro de saúde celebrado entre Amador ....  .... e O .... (M ....).
36–Aliás, ficou amplamente comprovado que a autora apenas tem conhecimento do valor do capital disponível inscrito no Termo ou Termos de Responsabilidade que, sucessivamente, vai recebendo das seguradoras - no caso em apreço inicialmente, com data de 01/08/2011, € 35.930,00, posteriormente, com data de 21/09/2011, € 50.000,00 - ignorando de todo em todo as condições da apólice dos pacientes e o respectivo plafond máximo que dela consta.
37–Não se verifica o pressuposto da assunção pela seguradora da obrigação de proceder ao pagamento da dívida relativa a um serviço prestado a Amador ....  ...., não se tendo, por isso, verificado a assunção dessa obrigação ( cfr. art. 595º do Código Civil).
38–Mesmo que esse fosse o caso, faltaria a aceitação pelo credor, no caso a autora, da referida assunção de dívida com expressa exoneração do antigo devedor, nos termos do art. 595º, nº 2, do Código Civil, pelo que não ficariam as rés em qualquer caso desobrigadas.
39–Nem a matéria de facto provada nem os factos alegados na contestação permitem concluir por uma qualquer assunção de dívida que desobrigasse as rés da sua prestação de pagamento da remuneração devida pelos serviços prestados ao falecido Amador ....  .... pelo que por ambas as vias permanecem as rés obrigadas a liquidar os serviços recebidos por Amador ....  .....
40–Se se entender que pode resultar da defesa das rés que estas alegaram encontrar-se numa situação de erro, enquanto modalidade de vício da vontade, há que apurar se o contrato de prestação de serviços celebrado entre autora e Amador ....  .... é anulável por erro e, em caso afirmativo, que consequências advêm desse facto.
41–É bastante os intervenientes terem o discernimento suficiente para se compreender o que se está a fazer e a liberdade suficiente para se poder optar entre celebrar, ou não, o negócio.
42–No caso dos autos Amador ....  .... tinha a liberdade própria de uma pessoa comum para poder optar entre celebrar, ou não, o contrato de prestação de serviços médicos que celebrou com a autora e tinha o discernimento suficiente de uma pessoa comum para compreender o que estava a fazer ao celebrar esse contrato de prestação de serviços médicos.
43–Se as rés se limitaram a deixar passar o tempo sem nada fazer, sem nenhuma atitude tomar, não lhes é legítimo virem argumentar ( e mesmo assim só depois de a autora intentar a presente acção) que a sua liberdade e vontade, manifestada através da declaração negocial, se formou de uma maneira menos esclarecida, assente em bases não correctas, ou com deformações provindas de influências exteriores.
44–Não ficou demonstrado que Amador ....  ...., caso soubesse que os custos de intervenção não iriam, em parte, ser assumidos pela M ...., ou que iriam ultrapassar um determinado valor, não teria optado pela aludida intervenção cirúrgica realizada no Hospital da .....
45–A sua vontade quando acordou na prestação de serviços por parte da autora, quando se submeteu à intervenção cirúrgica, não se encontrava mal formada ou viciada na sua formação.
46–As rés só nesta acção invocam o dever de informação por parte da autora e não alegaram que procuraram obter informações junto da autora sobre os custos dos tratamentos a que Amador ....  .... estava a ser sujeito e que a autora se recusara a prestá-los, sendo que que às rés competia o ónus de alegação e da prova (art. 342º nº 2 do Código civil).
47–As rés, que não podiam ignorar que o estado de saúde de Amador ....  .... era bastante grave, sujeito a cuidados permanentes e que a sua permanência durante cerca de 36 dias na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital da .... implicava avultados custos, receberam a factura número 201109/876, acompanhada de cópia da factura número 201109/871, e não contestaram o seu montante, nem os serviços que as originaram.
48–As disposições sobre a Lei de Defesa do Consumidor não têm aplicação no caso sub judice. Não está provado (cfr. Argumentação expendida supra pela autora), nem sequer alegado, que Amador ....  ...., ou as rés tivessem solicitado à autora informação sobre o seguro da M ...., designadamente que parte efectiva do preço dos serviços prestados pagaria, nem está provado (nem sequer alegado), que as rés, na pendência do internamento de Amador ....  ...., tivessem pedido à autora informações sobre os valores dos serviços e que a autora se tivesse recusado a prestá-los.
49–Como se defende no Douto Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/04/2015, 7ª Secção, Recurso nº 2454/12.3JLLSB.L1, “…os contratos como o sub judice revestem-se de características específicas, onde praticamente não há negociações a não ser que o doente queira saber antecipadamente os custos dos tratamentos, pois a parte médica e medicamentosa é aconselhada pelo respectivo clínico, limitando-se o paciente a aceitar ou não o conselho médico. E nem sempre é possível averiguar a priori os custos da intervenção.”
50–Situação que, aliás, é da experiência comum suceder neste tipo de intervenções cirúrgicas na área da cardiologia, em que a priori não é previsível apurar um quadro como aquele que sobreveio no caso em apreço – descrito pelo Dr. F .... no seu depoimento e reproduzido supra – que conduziu a uma insuficiência renal aguda, uma insuficiência hepática e uma insuficiência respiratória e quantificar todo o tipo de tratamentos e material utilizados na Unidade de Cuidados Intensivos necessários para que o doente seja devida e adequadamente tratado, como Amador ....  .... foi e as rés nunca puseram em causa que tenha sido.
51–Só dia a dia é que numa situação como aquela a que os autos se reportam é possível ao médico determinar em concreto o material e os tratamentos a aplicar.
52–Atentas as razões supra apontadas, sustenta a autora não se justifica virem  gora as rés invocar o direito à informação.
53–Amador ....  .... sabia que ia ser sujeito a uma intervenção cirúrgica por valores elevados e a autora satisfez o ónus que lhe cabia da prova da comunicação adequada e efectiva a Amador ....  ....das condições relativas ao seu internamento, delas tendo as rés, caso tenham usado da comum diligência, tomado o devido conhecimento.
54–Para que haja anulabilidade, é necessário que tenha sido reconhecida, por acordo, a essencialidade do motivo, sob pena de irrelevância do erro-nos-motivos.
55–O contrato de prestação de serviços só poderia ser anulado se a autora conhecesse ou não devesse ignorar que era essencial para Amador ....  .... que a M .... pagasse a totalidade do preço ou que o preço não ultrapassasse um determinado valor em concreto.
56–Não foi alegado pelas rés (e o ónus da alegação precede lógica e cronologicamente o da prova ), nem de nenhum modo demonstrado, que tivesse havido um acordo com a autora relativamente à essencialidade da referida intervenção apenas ser efectuada no caso de haver cobertura total dos respectivos custos por parte da seguradora, ou não ultrapassar determinado valor.
57–Inexistem fundamentos para considerar o contrato anulável e, mesmo que tal  viesse a ser declarado, apenas implicaria a restituição do prestado (cfr. art. 289º do Código Civil), levando a que, no caso das rés, por Amador ....  .... ter recebido os serviços prestados pela autora, implicaria o seu pagamento, por aplicação subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa.
58–Ainda que necessária a essencialidade não é, todavia, suficiente para fazer desencadear o efeito anulatório, sendo também necessário que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.
59–Como se verifica dos factos provados não lograram as rés demonstrar que a autora conhecesse a essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro o que, também por esse motivo, implica o inêxito da pretensão anulatória do contrato de prestação de serviços médicos (art. 342º, nº 1, do Código Civil) e, consequentemente, gera para as rés a obrigação de pagar à autora os serviços que esta prestou.
60–Em acções como a proposta pela autora compete ao credor a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga (art. 342º, nº 1, do Código Civil), competindo, por sua vez, ao devedor, a alegação e prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito alegado (art. 342º, nº 2, do Código Civil).
61–Sendo certo que demonstração dos factos integradores da essencialidade e respectiva cognoscibilidade, por constituírem requisitos de relevância do erro e fundamento da anulabilidade do negócio (arts. 251º e 247º, ambos do Código Civil), constitui ónus de quem invoca o erro (art. 342º, n.º 1, do Código Civil).
62–Com o devido respeito pela opinião contrária, a autora considera que outra decisão não deveria ter sido tomada que não fosse a de condenar as rés a restituirem à autora o valor de € 38.813,88 acrescido de juros.
63–Na douta sentença recorrida ao decidir-se como se decidiu, pela absolvição das rés no pedido formulado pela autora, mostram-se violados os arts. 1156º, 406º , 798º, 799º, 251º , 247º, 252ª , 342º , 289º, 334º, 762º, nº 2, todos do Código Civil e os arts. 2º, 3º, 8º e 9º da Lei nº 24/96 de 31 de Julho alterada pelo Dec. Lei nº 67/2003 de 8 de Abril.
64–A inacção por parte das rés, que nem sequer alegaram na contestação que tentaram obter junto da autora informações elativamente aos serviços já prestados ou a prestar pela autora a Amador ....  .... (sendo certo, repete-se, que o ónus de alegação precede lógica e cronologicamente o da prova), não pode significar que cumpriram todas as obrigações a que, por via da celebração do contrato de prestação de serviços, estavam adstritas.
65–Mas, na Douta Sentença sob recurso parece, sempre com o devido respeito pela opinião contrária, que o que releva é apenas não ter a autora, no decurso do internamento de Amador ....  ...., informado as rés dos preços dos serviços prestados e a prestar, alertando-as para o facto do valor que a M .... suportaria ( mas qual valor ? o constante do documento junto com a petição sob o nº 3 ? o constante do documento junto com a petição sob o nº 4 que ultrapassa em cerca de € 15.000,00 o valor inicial ? o valor máximo coberto pela seguradora relativamente à apólice em concreto que a autora de todo em todo desconhecia e a tal era absolutamente alheia ?).
66–Quanto a Amador ....  .... e às rés para que o seu comportamento, tanto na fase preparatória do contrato, como ao longo do contrato, se tenha considerado como pautado pelos princípios da boa-fé, bastou nada terem feito, nenhumas informações terem pedido, terem deixado passar o tempo, ignorando os custos que representam o internamento de mais de trinta dias numa Unidade de Cuidados Intensivos e os tratamentos inerentes à situação clínica de Amador ....  .....
67–A autora pautou a sua conduta com respeito integral pelos princípios da boa fé, prestando a Amador ....  .... todos os serviços e actos médicos que se comprometeu a prestar, prestando-os de forma a não suscitarem quaisquer reclamações ou reparos, praticando preços de mercado, nada permitindo sustentar que o comportamento da autora violou as regras da boa-fé, tanto nos momentos que antecederam o internamento de Amador ....  .... como na pendência  este.
68–As rés aceitaram, de forma pura e simples, a herança aberta por óbito de Amador ....  ...., ingressando na titularidade dos bens ou direitos hereditários, passando a ter o domínio e posse dos bens que constituíram o acervo da herança, praticando actos inequívocos de aceitação, designadamente administrando-os, recebendo os respectivos rendimentos, dispondo dos direitos de crédito e utilizando os bens móveis e os bens imóveis integrantes da herança como suas legítimas proprietárias e possuidoras.
69–A herança de Amador ....  .... responde pela satisfação da dívida que constitui o crédito da autora e mostra-se suficiente para fazer face aos encargos hereditários de que é titular a autora.
70–A obrigação do devedor originário - Amador ....  .... – para com a autora constituiu-se nos termos expostos e transmitiu-se para a esfera patrimonial das rés.
71–Inexiste qualquer fundamento para que as rés não procedam ao pagamento do valor peticionado pela autora.
72–Provada a celebração do contrato, a prestação de serviços pela autora e o inadimplemento do devedor, terá a acção necessariamente de proceder, no que concerne ao capital e juros peticionados.

Termos em que se requer a Vossas Excelências Venerandos Desembargadores a reapreciação da matéria de facto nos termos supra requeridos e, consequentemente, alterando-se os factos provados nos números 1.2.3, 1.2.7. e 1.2.15, nos seguintes termos:
 –Facto provado sob os números 1.2.3. : A autora informou Amador ....  .... que iria ser submetido a Cateterismo Coração Esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia.
–Facto provado sob os números 1.2.7. : Tal reunião teve lugar em 08.09.2011 nas instalações do Hospital da .....
–Facto provado sob os números 1.2.15 : Com data de 23.12.2011 o Mandatário das RR. enviou à A. o escrito que constitui o documento de fls. 97.
Termos em que, porque se mostram violados os arts. 1156º, 406º , 798º, 799º, 251º , 247º, 252ª , 342º , 289º, 334º, 762º, nº 2, todos do Código Civil e os arts. 2º, 3º, 8º e 9º da Lei nº 24/96 de 31 de Julho alterada pelo Dec. Lei nº 67/2003 de 8 de Abril, deve a Douta Sentença sob recurso ser revogada, a acção julgada procedente, por provada, e as rés condenadas a pagar à autora a quantia de € 38.813,88 acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos às taxas aplicáveis para créditos de empresas comerciais, até integral e efectivo pagamento.

As RR. apresentaram contra-alegações, defendendo nelas o decidido, terminando-as invocando que a A. litiga e mantém uma atitude de manifesta má-fé, na modalidade de venire contra factum próprio, visto querer que elas paguem as consequências do erro e da negligência dos seus representantes, referindo ainda que o valor exorbitante da factura nunca existiria se não fossem esses erros, pelo que a mesma deve ser condenada como litigante de má-fé em multa e em indemnização, esta pelos custos desta acção, que estimam em € 10.000,00.
           
III –O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos.
1.1.2.–A Autora é uma sociedade anónima que tem por objecto a gestão e exploração de unidades de saúde e prestação de serviços hospitalares;
1.1.2.–Por escritura outorgada em 3 de Agosto de 1998 no 21° Cartório Notarial de Lisboa, onde se encontra lavrada de fls. 118 a fls. 119v. do livro de notas número 135-M, a ...., proprietária do estabelecimento hospitalar Hospital da .... sito na Rua ….., no 54, em Lisboa, cedeu à Autora a exploração do aludido estabelecimento hospitalar, compreendendo a fruição do imóvel, a transferência dos activos e dos passivos, bem como o pessoal que laborava no estabelecimento;
1.1.3.–Passando a Autora, a partir dessa data, a assumir a exploração do estabelecimento hospitalar denominado Hospital da ....;
1.1.4.–Em 4 de Agosto de 2011, Amador ....  ...., foi admitido no supra referido estabelecimento hospitalar;
1.1.5.–Amador ....  ...., permaneceu internado no estabelecimento hospitalar, denominado Hospital da ...., no período compreendido entre 4 de Agosto e 10 de Setembro de 2011, tendo falecido nesta última data;
1.1.6.–Antes do aludido internamento, o médico F .... formalizou junto do Departamento Médico da M .... - Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde, S.A. um pedido de pré-autorização para "Hospitalização";
1.1.7.–A M .... — Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde, S.A. emitiu e enviou à A. um ‘’Termo de Responsabilidade’’, datado de 01.08.2011, mediante o qual assumia a responsabilidade pelo pagamento da "Hospitalização", em regime de Internamento e/ou Ambulatório, procedimento 95.03.01.T - Cateterismo Coração esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia -, até ao capital disponível de € 35.930,00, devendo ser facturado a Amador ....  .... um co-pagamento de 10%, no mínimo de € 200,00 e no máximo de € 500,00;
1.1.8.–A M .... — Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde, S.A., emitiu e enviou à A. novo ‘’Termo de Responsabilidade’’, datado de 21.09.2011, que anulou e substituiu o referido em 1.1.7., mediante o qual assumiu a responsabilidade pelo pagamento da "Hospitalização" em regime de Internamento, procedimento 95.03.01.T - Cateterismo Coração esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia -, até ao capital disponível de € 50.000,00;
1.1.9.–Amador ....  .... faleceu no estado de casado, segundo o regime da comunhão geral de bens, com B .... ....Pineiro  ....;
1.1.10.–Deste casamento existem duas filhas, Ana .... ...., nascida a 31 de Julho de 1962, e B .... Alexandra ...., nascida a 24 de Fevereiro de 1967;
1.1.11.–A A. enviou à M.... a factura n.º 201109/871, emitida em 30.09.2011, no valor de € 89.880,78 da qual esta entidade satisfez a quantia de € 50.000,00;
1.1.12.–Em 04.08.2011 Amador  .... entregou à A. a quantia de € 500,00;
1.1.13.–Em 30.09.2011, a A. emitiu a factura 201109/876, correspondente ao valor não comparticipado pela M .... — Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde, S.A. e enviou-a às Rés, tendo por estas sido recebida;
1.1.14.–Em 14.11.2011 a A. solicitou às RR. o pagamento do valor constante da factura referida em 1.1.13;
1.1.15.–A A. emitiu, em nome de Amador  ...., a nota de crédito 2012/798, relativa à factura 201109/876 no valor de € 2.595,70.
1.2.1.–Amador  ...., por altura da admissão no Hospital da ...., entregou à A. a quantia referida em 1.1.12, a título de adiantamento, tendo anteriormente recebido uma carta da M ...., na qual lhe comunicava que o processo estava autorizado e enviado Termo de Responsabilidade para o HA ...., informando as condições autorizadas: limite máximo de capital por anuidade de € 50.000,00 na cobertura de Hospitalização e co-pagamento a cargo da pessoa segura de 10%, num mínimo de € 200,00 e no máximo de € 500,00, conforme condições particulares, sendo que o protocolo acordado para o acto médico que estava em causa contempla uma estimativa de internamento até 14 dias;
1.2.2.–A A. prestou a Amador  .... os cuidados de saúde discriminados nas facturas números 201109/871 e 201109/876, com excepção dos serviços constantes de fls. 99 e 100, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, no valor de € 2.595,70, emitidas em 30.09.2011, com os valores, respectivamente, de € 89.880,78 e € 1.728,80;
1.2.3.–A A., por altura da admissão de Amador  ...., informou-o quanto aos cuidados de saúde que lhe iriam ser prestados - Cateterismo Coração esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia e o período de internamento que seria entre 7 a 10 dias;
1.2.4.–No dia 05.09.2011 o Hospital da ...., enviou à M.... informação clínica adicional e comunicando que Amador  .... estava internado desde 05.08.2011 e que ainda não tivera alta, facto que, à data, era desconhecido da M ...., tendo esta, nesse mesmo dia contactado telefonicamente o Hospital da ...., de forma a ser esclarecida da situação;
1.2.5.–Após o facto referido em 1.2.4. foi submetida a informação clínica adicional enviada pelo HCV para reapreciação da Direcção Clínica da M ...., tendo sido autorizada a emissão do termo responsabilidade referido em 1.1.8;
1.2.6.–Na pendência do internamento de Amador .... ...., a Coordenadora dos Internamentos do Hospital da ...., Cristina ...., pediu aos serviços do respectivo piso que transmitissem aos familiares de Amador ....  .... que considerava relevante terem uma reunião;
1.2.7.–Tal reunião teve lugar em 08.09.2011, data em que o facto referido em 1.2.3. foi transmitido às RR., nas instalações do Hospital da ....;
1.2.8.–Na reunião referida em 1.2.7., a Coordenadora dos Internamentos do Hospital da .... referiu aos familiares de Amador ....  .... que os valores relativos aos serviços já prestados a Amador ....  .... excediam os que se encontravam inscritos no Termo de responsabilidade recebido pela A.;
1.2.9.–Ainda na aludida reunião de 08.09.2011 os familiares de Amador ....  .... disseram que iam tentar junto da M .... – Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde que esta se responsabilizasse pelo pagamento à A. de um valor superior constante do Termo de Responsabilidade e que iriam proceder à transferência de Amador ....  .... para um hospital público;
1.2.10.–Desde a admissão de Amador ....  .... e até 08.09.2011 a A. não informou o doente nem as RR. dos valores despendidos nem informou que os valores relativos aos serviços prestados tinham sido excedidos e/ou estavam fora do contrato de seguro M ....;
1.2.11.–Antes de dia 08.09.2011, a A. não informou as RR da data em que os serviços prestados tinham sido excedidos, embora todos os dias fossem visitar Amador  ...., nas instalações da A., Hospital da ....;
1.2.12.–As RR., na sequência da reunião havida em 08.09.2011 solicitaram a transferência imediata de Amador  .... para um hospital público;
1.2.13.–A transferência de Amador  .... para um hospital público não se concretizou, em virtude do falecimento deste dois dias depois da reunião e do pedido, referidos em 1.2.7 e 1.2.12, respectivamente;
1.2.14.–As RR. desconheciam o que se passava no que concerne ao valor dos serviços de saúde prestados e, até 08.09.2011, nunca lhes foi pedido consentimento ou prestados quaisquer esclarecimentos da importância facturada nem esclarecido os serviços que estariam fora do seguro e que teriam sido debitados;
1.2.15.–O advogado das RR. enviou à A., com data de 23.12.2011, uma carta, nos termos da qual: “(…) Em representação da família do falecido ....  .... Draskovich, venho responder vossa solicitação de pagamento da factura, no valor de € 41.109,58. (…) Apesar da insistência da família do falecido (…), junto da secretaria (D. Natália) da unidade de cuidados intensivos e junto do Dr. José ...., desde 17 de Agosto do corrente ano, para saber se o seguro M.... cobria todas as despesas e os prolongamentos no prazo de internamento, o que foi respondido sempre afirmativamente pelas pessoas supra referida.
1.2.16.–A A. não comunicou, em data anterior a 08.09.2011, a Amador  ...., nem às RR. o preço dos serviços prestados ou a prestar.

O tribunal da 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
2.1.–Em momento anterior ao facto 1.2.4. as RR., ou qualquer outro familiar de Amador ....  ...., não tentaram obter informação relativamente aos valores já prestados pela A.;
2.2.–Amador  .... e as RR. sempre entenderam que os cuidados, tratamentos e intervenções em causa estavam cobertos pelo contrato de seguro de saúde e, assim, os seus custos, seriam pagos directamente à A. pela M...., ficando a cargo do doente segurado a franquia paga.

IV –Apesar do carácter nem sempre preciso das conclusões das alegações, é possível extrair delas as seguintes questões a apreciar neste recurso:
A– A alteração da decisão da matéria de facto relativamente aos respectivos pontos 1.2.3, 1.2.7 e 1.2.15;
B– A alteração da decisão no sentido de as RR., na qualidade de herdeiras de Amador  ...., serem condenadas a pagarem por inteiro o custo dos cuidados de saúde que o Hospital lhe prestou e que se mostram reclamados na acção, na medida em que as mesmas não lograram provar que:
a) tais custos estivessem cobertos pelo contrato de seguro com a M.... (conclusão 34ª);
b) ele, A., soubesse, ou não devesse ignorar, que era essencial para Amador  ....  que a seguradora pagasse  a totalidade do preço ou que este não ultrapassasse determinado valor em concreto (essencialmente conclusões 44ª e 55ª);
c) na pendência do internamento, tivessem elas pedido informações sobre os valores dos serviços, e que a A. se tivesse recusado a presta-las (conclusões 46ª, 47ª), sendo certo que não podiam ignorar os avultados custos implicados nesses cuidados (conclusão 64ª).

A –Entende a apelante que, ao dar como provados os factos constantes dos números 1.2.3., 1.2.7. e 1.2.15 o Tribunal a quo apreciou incorrectamente a prova produzida.
Estão em causa, concretamente, os seguintes factos:
1.2.3. –A Autora, por altura da admissão de Amador  ...., informou-o quanto aos cuidados de saúde que lhe iriam ser prestados – Cateterismo Coração esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia e o período de internamento que seria entre 7 a 10 dias.
1.2.7. –Tal reunião teve lugar em 08.09.2011, data em que o facto referido em 1.2.3. foi transmitido às RR., nas instalações do Hospital da .....
1.2.15. –O advogado das RR. enviou à A., com data de 23.12.2011, uma carta, nos termos da qual: “(…) Em representação da família do falecido ....  .... Draskovich, venho responder vossa solicitação de pagamento da factura, no valor de € 41.109,58. (…) Apesar da insistência da família do falecido (…), junto da secretaria (D. Natália) da unidade de cuidados intensivos e junto do Dr. José ...., desde 17 de Agosto do corrente ano, para saber se o seguro M .... cobria todas as despesas e os prolongamentos no prazo de internamento, o que foi respondido sempre afirmativamente pela pessoa supra referida».
Relativamente aos mesmos, pretende o apelante que este tribunal, em função da reapreciação da prova produzida, lhes responda, respectivamente, nos seguintes termos:
1.2.3. –A autora informou Amador ....  .... que iria ser submetido a Cateterismo Coração Esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia.
1.2.7. –Tal reunião teve lugar em 08.09.2011 nas instalações do Hospital da .....
1.2.15. –Com data de 23.12.2011 o Mandatário das RR. enviou à A. o escrito que constitui o documento de fls. 97.

Apreciemos:

O Hospital apelante, no tocante aos factos provados em 1.2.3., apenas se insurge relativamente ao seu último segmento, isto é, que a A., por altura da admissão de Amador  ...., para além de o ter informado quanto aos cuidados de saúde que lhe iriam ser prestados (Cateterismo Coração esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia), o tenha informado também relativamente ao período de internamento, como correspondendo ao de 7 a 10 dias.
Entende que do (inicial) Termo de Responsabilidade nada consta quanto ao período de internamento, e que dos depoimentos das testemunhas de que o tribunal a quo se socorreu para fundamentar a decisão em apreço (F .... Santos Silva, médico cardiologista do Hospital da .... que prestou assistência a Amador ....  .... antes do procedimento cirúrgico, e José ...., médico da A. responsável pela área de cuidados intensivos), não resultou aquela prova, nem a mesma resultou sequer do depoimento de Filipe Clemente, funcionário da Cª de Seguros ….. que pertence ao Grupo M.....
Entende-se que assiste razão à apelante no aspecto em apreço.
Em primeiro lugar, porque o que está em causa no ponto fáctico em referência, não é exactamente o tempo de internamento expectável numa intervenção como aquela a que foi sujeito Amador  ...., mas, se a A., no momento da admissão daquele paciente, o informou relativamente à duração previsível do internamento, como sendo a de 7 a 10 dias. È verdade que do depoimento de F .... Santos Silva resulta que uma intervenção cirúrgica da natureza da que está em causa, correndo tudo normalmente, implicaria, sensivelmente, um internamento de 7 a 10 dias. È verdade também, como ficou a constar do ponto fáctico 1.2.1, que o protocolo acordado para o acto médico que estava em causa, contempla uma estimativa de internamento até 14 dias (assim se refere no documento de fls 148). É obviamente razoável que o Dr F .... Silva tenha informado Amador  .... relativamente ao tempo normal de internamento implicado no acto médico em causa. É igualmente razoável que as RR., ao menos por informação de seu marido e pai, conhecessem o tempo tido como normal correspondente ao procedimento em apreço. Mas, efectivamente, não se fez prova de que o Hospital tenha feito qualquer referência à estimada duração do internamento a Amador  ...., ou à sua filha, Ana Cristina, que o acompanhou nessa ocasião de admissão, consoante o referiu a A. Mª Aline nas suas declarações. Com efeito, do depoimento da testemunha Gabriela …… - funcionária da A. na área de admissão dos doentes - não resultou que tenha sido concretamente fornecida tal informação. Esta funcionária limitou-se a evidenciar o que resulta do Termo de Responsabilidade - que nada consta relativamente ao período de internamento, explicando que, «quando não diz os dias, está autorizado os dias necessários».
Deste modo, altera-se a resposta ao ponto 1.2.3 que passará a ser a seguinte:
«A Autora, por altura da admissão de Amador  ...., informou-o quanto aos cuidados de saúde que lhe iriam ser prestados – Cateterismo Coração esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia».

No referente ao facto provado sob os números 1.2.7., contesta a apelante que na reunião que teve lugar em 8/9/2011 tenha sido transmitido às RR. o facto referido em 1.2.3.
Consequentemente, e como acima se referiu, que a A., por altura da admissão de Amador  .... o tenha informado quanto aos cuidados de saúde que lhe iriam ser prestados – Cateterismo Coração esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia (e o período de internamento que seria entre 7 a 10 dias).
O Tribunal a quo refere ter firmado a sua convicção com base nos depoimentos  de Ana Cristina ...., técnica administrativa principal do Hospital da ...., tendo como funções a Coordenação do Internamento, e nas declarações de parte da R. B .... Aline.
Mas também aqui é forçoso que se dê razão à apelante – não foi referido, nem por Ana Cristina .... e tão pouco resultou das declarações de parte da referida R., que na reunião que teve lugar em 8/9/2011 – que, como resulta dos pontos de facto anterior e posterior ao que está em apreço, 1.2.6 e 1.2.8, partiu da iniciativa da referida Ana Cristina .... e em que a mesma referiu aos familiares de Amador  .... que os valores relativos aos serviços que ao mesmo já haviam sido prestados excediam os que se encontravam inscritos no termo de responsabilidade - essa funcionária tenha “transmitido” às RR. que a A., por altura da admissão de Amador  .... o tenha informado quanto aos cuidados de saúde que lhe iriam ser prestados – Cateterismo Coração esq. + Coronariografia Selectiva + Ventriculografia e o período de internamento que seria entre 7 a 10 dias.
E, não tendo sido tal referido, também à luz da experiência corrente não faria nenhum sentido que fosse necessário informar a mulher e filhas do falecido paciente do acto médico que o mesmo fora admitido a praticar no hospital e do tempo de internamento necessário para o mesmo, porque nada faz crer que aquelas familiares não estivessem naturalmente informadas pelo marido e pai daqueles factos.
Por isso, altera-se a resposta ao facto provado sob os números 1.2.7., que passará ser a seguinte:
Tal reunião teve lugar em 08.09.2011 nas instalações do Hospital da .....

No tocante ao facto provado sob os números 1.2.15 insurge-se o A/apelante relativamente à enfase que o tribunal a quo entendeu dar, no que concerne à missiva que aí se refere, à expressão dela constante, «Apesar da insistência da família do falecido (…), junto da secretaria (D. Natália) da unidade de cuidados intensivos e junto do Dr. José ...., desde 17 de Agosto do corrente ano, para saber se o seguro M .... cobria todas as despesas e os prolongamentos no prazo de internamento, o que foi respondido sempre afirmativamente pela pessoa supra referida», única que transcreveu.
Invoca que «o ónus de alegação precede lógica e cronologicamente o da prova» e que «impendia sobre as rés o ónus de provar que pediram informações à autora e que esta se recusara a prestá-las», pelo que o teor do ponto fáctico em causa deverá ser alterado, de forma a que o documento seja valorado na sua globalidade.
Compreende-se o que, com estas observações, pretenderá o Hospital apelante  evidenciar.
É que, quem juntou aos autos a carta em referência – cuja existência e conteúdo não são postos em causa - não foram as RR., na sequência de alegação prévia que houvessem feito relativamente aos factos que da mesma foram destacados no ponto de facto em apreço: o de que a família do falecido, junto da secretaria (D. Natália) da unidade de cuidados intensivos, e junto do Dr. José ...., tivessem insistido, desde 17 de Agosto de 2011, para saber se o seguro M .... cobria todas as despesas e os prolongamentos no prazo de internamento; e o de que tivesse sempre sido respondido afirmativamente pela pessoa supra referida. Ou sequer, na sequência da alegação mais genérica de que elas, RR., se tivessem procurado informar, a partir de um determinado momento do internamento do seu familiar, relativamente à circunstância do seguro M .... cobrir todas as despesas e o prolongamento do prazo de internamento.
Quem juntou essa carta aos autos foi a própria A. e em lado algum da contestação consta que as RR. se hajam informado, ou tentado informar, relativamente à circunstância em causa.
Esclarecida como fica a falta de alegação das RR. relativamente ao facto de terem pedido tal informação, e não podendo as mesmas invocar, sequer, a seu favor, como o parecem querer fazer nas contra alegações, que equivalha à alegação dos factos a junção aos autos do documento que os refira - pois, como já se fez notar, não foram elas quem juntou a carta em apreço aos autos -  deixa obviamente de ter qualquer interesse o destaque que é dado na mesma à acima referida expressão  que, por assim ser, se mantém,  sem prejuízo naturalmente do conteúdo daquela carta ser valorado na sua globalidade.

B –Antes de se ponderar, como o pretende o apelante, se se justifica a condenação das RR. no pedido formulado na acção, importa referenciar melhor a posição das partes, tal como as mesmas emergem dos respectivos articulados.
O A. pretende a condenação das RR. no valor dos serviços prestados a Amador  .... e que facturou em nome dele, deduzido nesse valor, o de 500 € referente ao adiantamento por aquele prestado aquando da sua admissão,  o de 50.000,00 €  pelo qual a M.... acabou por se responsabilizar em função do 2º Termo de Responsabilidade que emitiu, e o de 2.595,00 € referente  à nota  de crédito que o A. emitiu a favor das RR., perfazendo a quantia peticionada a de 38.813,88 €. Os serviços em causa abrangem despesas referentes a procedimentos médicos e a despesas de hospitalização, estas compreendendo exames, medicamentos, bens consumíveis,  diárias de acompanhante … desde que aquele foi admitido no Hospital em 4/8/2011 até que aí faleceu em 10/9/2011. Invoca o A. estar em causa um contrato de prestação de serviços e responsabiliza as RR. pelo incumprimento do mesmo por não terem pago o acima referido valor enquanto contrapartida daqueles serviços,  salientando que, antes de 8/9/2011 – data em que teve lugar a reunião da Coordenadora dos Internamentos do Hospital com as RR. – «nem estas, nem qualquer outro familiar de Amador  ....  tentaram obter informação relativamente aos valores já facturados ou já prestados pela A», e que ela, A., «sempre esteve ao dispor das RR. para lhes prestar as informações e esclarecimentos que pretendessem».
As RR. evidenciam que o médico que assistia Amador  .... e que  prestava serviços para o A., perante a circunstância daquele necessitar de um determinado procedimento operatório e  manter um seguro de saúde com a M...., solicitou desta uma Pré Autorização para Hospitalização, na sequência do que foi enviado à A. o Termo de Responsabilidade correspondente ao documento de fls 24, de que resultava, entre o mais, o valor do capital disponível  - € 35.930,00 - e a franquia  - 500,00 €-  a cargo do segurado. E que, porque de nada a A. informou, quer Amador  ...., quer os seus familiares, relativamente aos cuidados, tratamentos e intervenções que vieram a ter lugar, sempre estes entenderem, até 8/9/2011, que os custos em causa estavam cobertos pelo contrato do seguro de saúde e que, por isso, seriam pagos directamente ao A. pela M...., ficando apenas a cargo do segurado a aludida quantia de 500,00 €. Acentuam, na decorrência do exposto, que a A. os não informou, senão em 8/9/2011, de que o plafond estabelecido com a seguradora estava excedido, e isso, pese embora elas tivessem ido visitar marido e pai todos os dias, bem como que, não tendo a A. fornecido, nem ao doente, nem a elas, as informações necessárias, não lhes permitiu fazer «as suas livres opções», com o que violou a Lei de Defesa do Consumidor. No mais da contestação, põem em causa diversos itens constantes da facturação, referentes a medicamentos, utensílios, clínicos e serviços, entendendo-os como manifestamente excessivos, terminando por pedirem a absolvição do pedido sem que hajam reconvindo.

Verifica-se das conclusões das alegações que perante esta defesa o hospital apelante erigiu uma construção no sentido de que a absolvição pedida pelas RR. decorria das mesmas pretenderem a anulação do contrato de prestação de serviços em causa nos autos, por entenderem que ele, A.,  as tinha, bem como ao paciente,  induzido e mantido em erro, relativamente à amplitude com que a M.... participaria nos custos do internamento deste, vindo a concluir que tal erro não se configuraria como essencial, de modo a permitir aquela anulação, pois que “as RR. não lograram provar que  ele, A., soubesse ou não devesse ignorar que era essencial para Amador  .... que a seguradora pagasse a totalidade do preço ou que este não ultrapassasse determinado valor em concreto”.
Com o devido respeito, não há motivo para esta construção, visto que as RR. não usaram na contestação a linha de argumentação a que o apelante se reporta.
Por um lado, em lugar algum da mesma aludiram à anulação do contrato.
Mas, mais relevantemente, porque tal anulação não constitui consequência das excepções com que as RR. se defenderam.
Com efeito, estas aludem à sua ignorância relativamente à circunstância de desconhecerem se os serviços prestados a marido e pai durante o respectivo internamento  tinham, ou não,  excedido o capital disponibilizado pela M...., na medida em que a A. as não esclareceu, nem àquele, relativamente ao sentido do Termo de Responsabilidade, e durante o internamento, até 8/9/2011, não o informou,  nem a elas dos valores relativos aos serviços prestados, de tal modo que apenas «ficaram a saber» que o valor dos cuidados já prestados pela A. estavam excedidos relativamente ao aludido Termo de Responsabilidade naquela reunião. Consequentemente, as RR. fazem valer a sua ignorância, ou, se se quiser, erro (falta ou falsa representação da realidade), mas não para concluírem que essa ignorância interveio nos motivos determinantes da sua vontade de contratar - e que, por isso, o contrato devia ser anulado - mas para sustentarem que a falta total de informação do Hospital relativamente aos serviços e custos destes, foi tal, e de tal forma prolongada, não obstante aquele não poder ignorar que o paciente fora admitido no hospital em função de um termo de responsabilidade que apenas cobria um limite determinado de custos, que se deverá entender que o custo daqueles que excedem aquele limite se  deverá ter como não devido.
É, pois, esta defesa das RR. que está em causa, e não aquela outra avançada, salvo o devido respeito, despropositadamente, pela apelante no presente recurso.
Assim se concluindo, não cabe a este tribunal apreciar a questão do erro para efeitos de anulação do contrato – aliás, não tendo tal questão sido invocada na contestação, não foi colocada ao tribunal da 1ª instância e a este tribunal não cabe pronunciar-se senão pelas questões sobre as quais aquele se pronunciou, salvo estando em causa questão de carácter oficioso, o que não é o caso.

Com o que se transita para a verdadeira questão na apelação que é, afinal, a de saber qual a relevância para o mérito da causa do facto das RR. na pendência do internamento de Amador  .... não terem pedido informações à A. sobre os valores dos serviços prestados.

Permita-se-nos que antes da análise dessa questão se insiram, porém, algumas considerações relativamente à relação entre o hospital, o doente e a seguradora, advindas de um estudo de Carlos Ferreira de Almeida [1], que nos permitirão caracterizar melhor a actuação do A. e das RR. no contexto dos factos provados nos autos.
Ferreira de Almeida, depois de advertir que «há que distinguir entre as partes no contrato e as pessoas que intervêm no acto médico através do qual se realiza a prestação», distingue quatro modalidades contratuais na prestação dos serviços médicos, fazendo-o em função da natureza dos contraentes.

Muito sinteticamente, para que mais depressa nos centremos na que releva na situação dos autos:
A primeira daquelas modalidades, corresponde à mais simples - a do médico/doente, «tradicional do contacto directo em que há coincidência entre as partes no contrato e os intervenientes no acto médico: o médico, profissional liberal e o doente, no sentido de utente de serviços médicos».
A segunda modalidade é a da clinica/doente, esclarecendo, de imediato, que «o contraente que nesta modalidade se designa por “clinica”, é qualquer unidade de prestação de serviços de saúde, seja qual for o seu concreto objecto e forma de organização empresarial (casa de saúde, hospital, sanatório, centro de saúde) ou jurídica (titularidade individual, sociedade civil e sob forma comercial, cooperativa)».
Refere a respeito desta modalidade que «a qualificação destes contratos depende dos serviços acordados com a clinica: serviços médicos e (ou) hospedagem e serviços paramédicos ou auxiliares», abrindo, subsequentemente três sub- modalidades, em que, a que aqui nos importa, é a que designa por “contrato total” – aquela em que a clinica assume directa e globalmente a obrigação de prestação de actos médicos conjuntamente com a de internamento hospitalar.
No que se reporta a esta sub modalidade - em que, porque «se adicionam as obrigações próprias de contrato de prestação de serviço médico (em sentido estrito e próprio) com a de um contrato de internamento, o contrato é misto, com elementos característicos do contrato de prestação de serviços (médico, paramédico e outros), de contrato de locação (do espaço destinado ao internamento) e eventualmente do contrato de compra e venda (fornecimento de medicamentos) e de empreitada (confecção de alimentos)» -evidencia que «a clinica é responsável nos termos do art 800º/1 CC, pelos actos praticados pelas pessoas que utiliza para o cumprimento das suas obrigações, inclusive o médico ou médicos que ajam em execução da prestação correspondente aos actos médicos integrados no contrato», salientando, porém, que «a qualificação técnico jurídica como “auxiliares de cumprimento” em nada afecta a independência técnico-profissional própria do exercício da medicina». E evidência também que, no contrato total, «o médico, não sendo parte do contrato, mas auxiliar ou “pessoa utilizada para o comprimento da obrigação”(art 800º/1) não se obriga directamente perante o doente», isto não obstante poder «ser responsável ex delictu se se verificarem os requisitos respectivos, apurados de modo autónomo em relação aos de eventual responsabilidade contratual da clinica».
Ainda no que respeita às relações clinica/médico, destaca Ferreira de Almeida que «no contrato total (…) o médico está ligado à clinica por um contrato de prestação de serviços ou mesmo por um contrato de trabalho, conforme actue de modo independente ou sob a direcção orgânica da clinica».
A terceira modalidade daquelas a que acima se vinha fazendo referência é a do médico/empresa.
A seu propósito, pondera Ferreira de Almeida: «A assistência médica surge frequentemente ligada a relações laborais, seja no âmbito da medicina do trabalho seja por força das obrigações assumidas pela empresa em relação a outros  cuidados de saúde  prestados aos seus trabalhadores  e por vezes aos familiares destes. Nestas situações, a relação contratual de prestação de serviços médicos estabelece-se entre a empresa e o médico, em termos que configuram um contrato a favor de terceiro(s) (trabalhadores e eventuais familiares)». Acrescentando, com especial interesse no que se refere à situação dos autos: «Esquema semelhante se verifica quanto aos actos médicos se integram em prestação devida por ocorrência de sinistros relevante para um contrato de seguro, ou se enquadre em sistema privado de segurança social».

Finalmente, refere-se Ferreira de Almeida a uma quarta modalidade que, afinal, assume «como variante – ainda mais complexa – da modalidade anterior», e em que integra «os contratos (total, de hospitalização ou de simples prestação de serviço médico) celebrados entre empresas e clinicas a favor de trabalhadores (e seus familiares) ou de beneficiários por efeito de contrato de seguro», destacando que as relações se estabelecem agora entre os quatro protagonistas clinica / empresa / médico /
/doente.

Esta exposição permite-nos concluir que na situação dos autos estamos perante um “contrato total” – aquele, como vimos, em que a clinica assume directa e globalmente a obrigação de prestação de actos médicos conjuntamente com a de internamento hospitalar - mas em que aos interlocutores medico/doente/clinica se soma ainda a companhia de seguros, num esquema que se enquadra num contrato a favor de terceiros.
Relembre-se, para o efeito, a natureza e a estrutura do contrato a favor de terceiro.
Tal contrato pode ser definido como aquele em que uma das partes (o promitente) se compromete perante outra (o promissário) a efectuar uma atribuição patrimonial em benefício de outrém, estranho ao negócio (o terceiro), podendo essa atribuição patrimonial configurar-se como a realização de uma prestação – art 443º/1.
Como o evidencia Menezes Leitão [2] «essa atribuição patrimonial  a realizar pelo promitente é, no entanto, determinada pelo promissário, que tem, aliás, que ter em relação a ela um interesse digno de protecção legal– art 443/1. No âmbito do contrato a favor de terceiro verifica-se, por isso, por desejo do promissário, uma atribuição patrimonial indirecta deste ao terceiro, que é executada pelo promitente. O terceiro, não é, no entanto, interveniente no contrato, embora adquira um direito contra o promitente, em virtude do compromisso deste para com o promissário».
Convivem no contrato a favor de terceiro três relações - a de cobertura (ou relação de provisão), que é a relação contratual entre promitente e promissário, no âmbito da qual se estabelecem  direitos e obrigações entre as partes  e a estipulação a favor de terceiro; a relação de atribuição (ou de valuta), que é «a que existe ou se estabelece entre o promissário e o terceiro e justifica a outorga desse direito ao terceiro, tendo por base um interesse do promissário nessa concessão», podendo essa relação identificar-se com uma relação jurídica pré existente ou a existir por intermédio do próprio contrato a favor de terceiro; em qualquer caso, assinala Menezes Leitão, essa relação determina que a prestação do promitente ao terceiro seja vista como uma atribuição patrimonial indirecta do promissário em relação ao terceiro. Finalmente, uma terceira relação, a de execução, que «consiste na relação entre o promitente ao terceiro, no âmbito da qual ele vem a executar a determinação do promissário».

Ora, na situação que determinou a admissão de Amador  .... no Hospital A., as três relações a que se fez referência surgem muito claras, pese embora não estejam juntos aos autos os contratos intercedentes nas relações a terem-se como de provisão e de valuta. Veja-se:
Entre a M.... e Amador  .... pré existe um contrato de seguro de saúde que configura a relação de atribuição ou de valuta. Por sua vez, entre a M.... e o Hospital existe em contrato  –  o próprio A. o admite na réplica –  e a que vulgarmente se faz referência como “Protocolo”, de que decorre a obrigação (promessa) deste junto da seguradora de admitir beneficiários do seguro e de lhe prestar até determinado montante (dito “plafond”) os cuidados de saúde implicados no termo de responsabilidade que esta para aquele efeito emite, mediante ainda o pré pagamento pelos mesmos de um determinado valor (o que nos autos é designado por adiantamento/franquia e que neles corresponde a 500 €). Esta relação contratual configura a relação de cobertura. A relação de execução analisa-se depois na relação entre o Hospital e o beneficiário do seguro/doente, no âmbito da qual, e com o concurso do(s) médico(s) e demais pessoal, o Hospital (promitente) executa a determinação da seguradora (promissária).
Lembre-se que o contrato a favor de terceiro faz nascer automaticamente para o terceiro o direito a que tende, não sendo necessária a sua aceitação – art 444º/1. Com efeito, «a aquisição do terceiro verifica-se imediatamente em virtude do contrato celebrado entre promitente e promissário, dispensando-se qualquer outra declaração negocial para esse efeito».

Concluindo-se como se veio de concluir, no sentido de que a admissão no Hospital A. de Amador  .... se fez em função de um contrato a favor de terceiro, muito facilmente se compreenderá a fulcral importância para este terceiro e/ou para os seus familiares de virem a ser informados quanto ao momento em que a atribuição patrimonial indirecta da M.... em relação ao mesmo tivesse atingido o seu limite. Pois que, a ser necessária, em função da saúde do doente, a sua permanência no hospital, os respectivos custos não seriam já pagos pela seguradora, mas haveriam de o ser já mesmo.
Passa-se, assim, em determinado momento -  que só o Hospital pode dominar - de uma relação contratual em que intercedia a seguradora, para uma relação contratual que se estabelece apenas entre a clinica e o doente, não obstante continuar a estar em causa um “contrato total”, consequentemente, não apenas os custos da prestação de actos médicos  mas também os de internamento hospitalar. E sem que se esqueça que está em causa um contrato de execução continuada, cuja prestação não está exactamente determinada, acabando a obrigação de tratamento por ser uma obrigação genérica (art 400º CC) a carecer de ser sucessivamente determinada, do que decorre que os custos do internamento não são à partida do conhecimento do doente ou do dos seus familiares.
Veja-se, por outro lado, que do material fáctico constante dos autos resulta inquestionavelmente que o Hospital A. tem consciência da acima referida obrigação de informar, pois que de outro modo, não teria provocado a reunião que veio a ocorrer com as RR. em 8/9/2011 em que as pôs ao corrente daquela circunstância. E decorre do documento junto a fls 148 – “email” provindo da M.... e dirigido ao Hospital A. - que o mesmo terá negligenciado essa informação, porque apenas em função de telefonema daquela em 5/9/2011, no qual esta pretendia ser esclarecida da situação de Amador  .... ainda não ter tido alta, se terá apercebido do atingimento há muito do inicial capital disponibilizado pela mesma.     
Note-se também que na situação dos autos, tanto quanto se crê, não assumia relevância autónoma a omissão de informação do Hospital A. relativamente aos cuidados de saúde que o estado de Amador  .... terá vindo a exigir depois da intervenção operatória a que se reportava o (inicial) Termo Responsabilidade e que lhe terá implicado que não mais tivesse saído da unidade dos cuidados intensivos. Essa informação que terá passado a ser devida às RR., em função - tudo indica - da incapacidade acidental do doente, envolveria a situação clinica, o prognóstico, a necessidade de tratamento, os riscos do mesmo, as possíveis alternativas … e era obviamente obrigatória para a A., como decorre do art 157º do CP, do art 57º CDOM (Código Deontológico da Ordem dos Médicos), das próprias als b), c) e d) do art 1161º CC e da Lei de Protecção do Consumidor. Mas a partir do momento em que as RR. - visitando o pai e marido todos os dias - terão tacitamente aceitado aqueles subsequentes e sucessivos tratamentos, só adjuvantemente essa especifica omissão de informação poderia relevar nos autos.
De todo o modo, a omissão dessa informação não é seguramente relevante no presente recurso.
O que neste importa, é analisar até que ponto é que, por um lado, a omissão da informação por parte do Hospital A. relativamente ao esgotamento do capital do seguro, e por outro, a omissão de pedido de informação ao A. por parte das RR. relativamente àquele esgotamento, pode(m) influir na procedência do pedido, justificando ou não a total  improcedência do mesmo como foi decidido na 1ª instância.
Recorde-se que o tribunal recorrido decidiu pela total improcedência do pedido, absolvendo correspondentemente as RR. da totalidade do pagamento do custo da prestação de serviços executada pelo A. relativamente a Amador  .... e que não foi paga pela seguradora, fazendo-o, essencialmente, com fundamento  nas exigências da boa fé, invocando para tanto o disposto no nº 2 do art 762º CC e fazendo apelo aos deveres acessórios de conduta.
São, efectivamente, e em última análise, exigências de boa fé no cumprimento das obrigações que postulam que o A. não devesse ter negligenciado a informação às RR. relativamente ao esgotamento do capital seguro.
Mas a dificuldade estará em atribuir à indiscutível negligência do Hospital ao ter retardado muito significativamente a referida informação às RR. o efeito de repercussão directa sobre os custos dos serviços na parte não comparticipada pela seguradora, quando, muito evidentemente, não intercede entre esta obrigação e aquela outra qualquer sinalagma. [3]   
Por isso entende-se que se devem precisar essas exigências de boa fé de  modo a que se aceda a uma solução de acordo com a qual se possa e deva admitir que a não observância daquele dever de cuidado venha a ter reflexo no valor da contrapartida dos serviços prestados, pese embora a referida falta de reciprocidade dessa não observância relativamente ao aludido dever.
È isso que se tentará fazer.

Há muito que vem sendo evidenciado pela doutrina e jurisprudência a existência e a importância dos deveres acessórios de conduta, salientando-se que a «a relação contratual, para lá das atribuições (patrimoniais ou não patrimoniais) pretendidas pelas suas estipulações e pelo programa contratual voluntariamente instituído, impõe, a cada um dos sujeitos que nela participam, deveres de cuidado ordenados à defesa da integridade do status quo pessoal ou patrimonial do outro» [4], entendendo-se que tais deveres, fundamentando-se  na regra de conduta segundo a boa fé (referido art 762º/2), constituem expressão das exigências da mesma.

Tais deveres de cuidado, também ditos deveres no tráfico [5], ou deveres de protecção, «ao expressarem a atenção, o respeito, a correcção e o cuidado que cada um dos sujeitos há-de ter para com aqueles com os quais fica em relação por via do contrato», merecerão, como o expressa Carneiro da Frada, «numa formulação abrangente»,a designação de “deveres de consideração”. São deveres que se enxertam na relação contratual, «alicerçando-se na “realidade de facto” que esta constitui ou visa constituir, ou no “contacto social” que ela implica», e como o enfatiza o autor que se vem citando, «não fazem parte do programa contratual propriamente dito, nem é através deles (e sim dos deveres de prestar) que o contrato atribui (e reconhece) bens ou posições jurídicas».

Pretende evidenciar-se com estas considerações que o dever de informação que impendia sobre o Hospital relativamente às aqui RR. a respeito do esgotamento do capital objecto do seguro constituía manifestamente um dever de consideração, de protecção de cuidado, que aquele inobservou no relacionamento com estas.

Mas pretende também evidenciar-se que há circunstâncias que tornam particularmente gravoso para o A. o incumprimento desse dever de informação.

É que o mesmo constitui-se no contexto dos autos como emanação de uma verdadeira culpa post pactum finitum, pois que o assinalado contrato a favor de terceiro em que, como se viu, se analisavam as inicias relações tripartidas entre Hospital, M.... e doente/segurado exigia manifestamente daquele que, esgotado que se mostrasse - em função dos cuidados de saúde entretanto prestados ao beneficiário do seguro- a atribuição patrimonial por parte desta, disso prontamente informasse o doente, ou os seus familiares, para que providenciasse(m), querendo, pela cessação de tais cuidados com a transferência  para hospital público.

E esta culpa “post pactum finitum” ainda mais se acentua por se inserir numa “culpa da organização”, pois que, afinal, terá sido em função de uma “falha de organização” que o A. só muito tardiamente se apercebeu do esgotamento do capital seguro. Ora, esta organização, designadamente administrativa, sempre implicaria da sua parte uma acrescida exigência em estar atento àquela circunstância e implicaria, correspectivamente, uma maior confiança dos parentes do doente em que esse aspecto não viria a ser negligenciado, e por conseguinte, um afrouxar no cuidado de se informarem a respeito da referida circunstância.

Como é evidente, quando aqui, de algum modo, se convoca a maior definição que institutos como o da culpa “post factum finitum”, ou o da “culpa da organização” permitem para os assinalados “deveres de consideração”, não se está a pretender fazer apelo, por sua via, ao que se vem designando por “terceira via” na responsabilidade civil [6] – isto é, não se pretende que o Hospital A. ao ter negligenciado, como negligenciou, o dever de informação no aspecto já bem evidenciado, e desse modo tenha colocado em perigo o património das RR., se tenha constituído aqui em autónoma responsabilidade para com elas [7].

O que se pretende é inserir essa grave falta de consideração pelos interesses das RR. na culpa do lesado, tal como a mesma é configurada no art 570º CC, norma que há muito vem sendo utilizada também na responsabilidade contratual  - pois que, se é indiscutível que o Hospital A. está lesado com a falta de pagamento pelas RR. das despesas que o tratamento e internamento do marido e pai destas lhe gerou, não deixa de ser verdade que com o seu referido comportamento acabou por concorrer para o agravamento daquelas despesas, por ser legítimo pressupor que estas teriam transferido  o respectivo parente para um hospital público logo que cientes do esgotamento do capital seguro, como se prontificaram de imediato a fazer depois da reunião de 8/9/2011.

Diz, com efeito, aquele art 570º/1: «Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes  e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida  ou mesmo excluída».

Como é sabido a “culpa” em causa neste preceito é utilizada em função de um seu conceito amplo, desde logo abrangedor da actuação de inimputáveis, e não prescinde de uma «compreensão adequada da causalidade»[8] - é que o facto culposo do lesante há-de ser adequadamente concausal do respectivo dano[9], visto que o que se pretende é, em função do principio da auto-responsabilidade dos sujeitos,  ter em consideração os danos ocasionados ou agravados por uma conduta do lesado.
  
Apesar do que se veio de ponderar, não se crê que se possa atribuir in casu à assinalada culpa do A. a virtualidade de justificar a total falta de pagamento pelas RR. da contraprestação devida pelos serviços daquele.

É que, não sendo razoável que sempre tivessem entendido que todos os cuidados, tratamentos e intervenções do Hospital relativamente ao seu parente Amador  .... estavam cobertos pelo contrato de seguro de saúde e, assim, que todos aqueles custos seriam pagos directamente à A. pela M...., ficando a cargo do doente segurado apenas a franquia paga – e, por isso, este facto, por elas alegado, se não provou - também as mesmas não alegaram, e por isso não provaram, que em momento anterior ao da reunião de 8/9/2011 tivessem tentado obter informação relativamente aos valores já prestados pela A.

Ora, não podendo as RR. desconhecer que a intervenção cirúrgica que  inicialmente estava prevista ser realizada no seu marido e pai não permitiu o esperado tratamento do mesmo, e que, foi por assim ser, que este não saiu da unidade dos cuidados intensivos, não podiam, naturalmente, deixar de se interrogar a respeito da insuficiência da cobertura do seguro relativamente às necessária e consabidamente muito onerosas despesas implicadas na permanência naquela unidade. E por isso, lhes cabia também a elas o dever de cabalmente se informarem junto do A. relativamente àquela circunstância. A ligeireza das RR. na opção que foram fazendo de não se esclarecerem, bem sabendo que o custo do internamento todos os dias aumentava, e que, inevitavelmente, aquela cobertura seria ultrapassada, implica também, no aspecto contratual em análise – do agravamento dos danos  -  culpa da sua parte.

Determina o referido nº 1 do art 570º caber ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Ora, pelo que acima se referiu, a culpa do A. naquele agravamento dos danos  - por efeito da desconsideração dos interesses patrimoniais das RR. ao ter negligenciado a informação referente ao plafond do seguro – mostra-se bem superior à culpa destas no agravamento desses danos – ao terem omitido informarem-se a respeito daquele plafond. 

Mas, por outro lado, as consequências que resultaram, para a A., por um lado, e para as RR., por outro, das respectivas negligências, beneficiam manifestamente as RR.,  na medida em que seu marido e pai acabou por receber tratamentos e internamento correspondentes ao preço que o A. reclama nos presentes autos, e porque elas não tiveram os incómodos e preocupações que a transferência do mesmo para um hospital publico inevitavelmente lhes implicaria.

Por isso, se entende que a acção deve ainda proceder relativamente a 70% do que nela é pedido.

Cumpre, por último, fazer referência ao pedido de litigância de má fé formulado pelas RR. contra o A., para excluir tal litigância.
Por um lado, porque a acção nada tem a ver com eventuais erros clínicos por parte da equipa médica do A., que não vêm referidos nos autos.

Por outro, porque nada nos autos permite que se atribua à A. uma atitude menos séria ou correcta, de um ponto de vista substantivo ou processual, na defesa do que entende ser o seu direito.

V–Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar correlativamente a sentença recorrida, condenando as RR. a pagarem ao A. a quantia de € 27.169,00, acrescida de juros,  contados a partir da citação, à  taxa devida para os créditos de empresas comerciais, absolvendo-as do demais pedido.

Custas na 1ª instância e nesta na proporção do decaimento.



Lisboa, 12 de Outubro de 2017



Maria Teresa Albuquerque
Jorge Vilaça                                                                                 
Vaz Gomes 
                                            


[1]-«Os contratos civis de prestação de serviço médico», Direito da Saúde e Bioética, AAFDL, 1996, p 75 a 120
[2]-«Direito das Obrigações», Vol I , 8ª ed, p 266
[3]-No  Ac da RL 22/6/2016 (Farinha Alves), em situação com muitas semelhanças relativamente à dos presentes autos, não se admitiu, de todo, essa repercussão.
[4]-Carneiro da Frada, «Dos Deveres (ditos) “Acessórios” e o Arrendamento» 
[5]-Carneiro da Frada, «Direito Civil, Responsabilidade Civil – O Método do Caso» p 74 e ss e «Contrato e Deveres de Protecção», Coimbra 1994 , p 69 e ss 
[6]-Para a definição do que se compreende nesta “terceira via”, veja-se, para além do já citado «Direito Civil, Responsabilidade Civil – O Método do Caso» de Carneiro da Frada, a exposição sintética de  Menezes Leitão, em «Direito das Obrigações» vol I, 8ª ed, p 352 a 364
[7]-Diga-se de todo o modo que Carneiro da Frada, em «Dos Deveres (ditos) “Acessórios” e o Arrendamento», parece admitir que o não cumprimento dos “deveres de consideração” possa «desencadear um cumprimento defeituoso do contrato que pode certamente incluir-se dentro da noção ampla de incumprimento que o art. 798.º apresenta (desajeitadamente, embora: veja- -se a referência autónoma ao cumprimento defeituoso que consta do art. 799.º)», chegando a acrescentar: «Por isso é que a excepção de não cumprimento do dever de prestar pode, apesar da formulação estreita do art. 428.º, n.º 1, ser, nalguns casos ao menos e com respeito da proporcionalidade, actuada perante o não acatamento de deveres acessórios (consubstanciando uma exceptio non rite adimpleti contractus)»
[8]-Ainda Carneiro da Frada, «Direito Civil, Responsabilidade Civil – O Método do Caso», p 108
[9]- Dario Martins de Almeida, «Manual dos Acidentes de Viação», 1980, p 408