Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
215/20.5T9LSB-C.L1-9
Relator: PAULA PENHA
Descritores: CIBERCRIME
RECOLHA DE PROVA
PROCEDIMENTO
VALORAÇÃO
JUIZ DE INSTRUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A Lei do Cibercrime é uma legislação especial que veio estabelecer disposições penais materiais e processuais relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte electrónico (secundarizando o Código de Processo Penal) para fazer face a novas realidades e inerentes especificidades, tais como dos dados informáticos e do correio electrónico, justificando-se o sacrifício do interesse individual numa comunicação livre de interferências alheias, em prol do exercício do “ius puniendi” estadual.
II -  Mas, a apreensão (mesmo gozando de legitimidade formal pela existência de prévia autorização ou ordem judicial de apreensão) não legitima, “per si”, a valoração dos elementos probatórios assim conseguidos.
 Para o efeito, é ainda necessário que o Juiz seja a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo apreendido, conhecimento esse que não tem de ser obrigatoriamente completo/total. 
Depois, os elementos apreendidos podem ser enviados pelo Juiz ao Ministério Público para que este emita proposta/parecer sobre a relevância, ou não, para a descoberta da verdade ou para a prova dos factos em investigação (pelo mesmo (Ministério Público face à estrutura acusatória de qualquer processo penal).
Então o Juiz estará em condições de melhor aferir qual o conteúdo relevante e ponderar da necessidade, ou não, da sua junção aos autos como meios de prova e, em caso afirmativo, com a inerente compressão de direitos constitucionais.
III - O Juiz de instrução é um garante dos direitos fundamentais dos diversos intervenientes no processo penal, porém não controla o exercício da ação penal.
A intervenção do Juiz de Instrução Criminal em sede de inquérito deve pautar-se por um princípio da intervenção enquanto Juiz das liberdades (e não como Juiz de investigação), respeitando o modelo constitucional de divisão de funções entre a magistratura judicial e a magistratura do Ministério Público.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
No âmbito do Processo nº 215/20.5T9LSB, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa – J7, (em 16/11/2022) foi proferido o seguinte despacho judicial (transcrição):
« A, B, C, D e E vieram arguir a nulidade dos atos processuais que ocorreram no âmbito da diligência de abertura e verificação de correspondência, de 20.09.2022 e, em consequência, requerer que seja declarada a proibição de prova relativamente às comunicações de correio eletrónico apreendidas e abertas na diligência em causa, louvando-se no disposto nos artigos 179.°, n.° 3, 268.°, n.° 1, alínea d), 120.°, n.° 2, alínea d) e 126.°, n.° 3, todos do Código de Processo Penal e artigo 17° da Lei n.°109/2009, de 15 de setembro.
Alegam, em síntese, que,
1.  No decurso da diligencia o Tribunal não deu imediato destino aos dados informáticos de natureza íntima e pessoal que identificou, e que assim, violou o disposto no artigo 179.°, n.° 3 do CPP, omitindo acto legalmente obrigatório (de destruição ou devolução dos elementos pessoais ou íntimos) e tal constitui nulidade ao abrigo do disposto no art.° 120.°, n.° 2, alínea d) do CPP, uma vez que foi omitido um ato legalmente obrigatório,
2.  Que, desta forma, o Tribunal gerou uma intromissão ilícita na vida privada e na correspondência dos visados, levando à consequente proibição de prova prevista pelo artigo 126.°, n.° 3, do CPP;
3.  Que o Tribunal tomou conhecimento dos dados informáticos apreendidos por amostragem, violando o disposto no art.° 179°, n.° 3 do CPP;
4.  Que ao remeter os autos ao MP para subsequente indicação dos dados apreendidos que, no entender do MP, se revelassem relevantes para a investigação, a fim de decidir da sua junção/manutenção nos autos, destruição ou devolução aos titulares, o Tribunal concedeu uma autorização genérica ao Ministério Público para abrir e analisar o conteúdo da correspondência eletrónica apreendida, e para selecionar os elementos com interesse probatório.
*
O conteúdo do acto processual posto em crise:
Consigna-se no auto de abertura e verificação de correspondência de 20.09.2022 que:
"(...) pela Mmª. Juiz foi efectuada a abertura de correspondência electrónica referenciada nos Autos e a observação do que se encontrava no seu interior, observando-se o seguinte:
- Tomei conhecimento por amostragem do conteúdo do disco externo identificado no ponto 1 do auto de pesquisa e apreensão de fls. 1194, contendo 1o3CB de informação, no qual se identificaram ficheiros contendo comunicações de correio eletrónico e pastas com designações que remetem para a reserva da vida privada (família, amigos, fotografias).
- Tomei conhecimento por amostragem do conteúdo da PEN identificado no ponto 2, do auto de pesquisa e apreensão de fls. 1194, contendo 32.4GB de informação compostas exclusivamente por comunicações de correio eletrónico.
Seguidamente pela Mm.° Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
"Deverá o Ministério Público, após a sua análise, pronunciar-se sobre a sua relevância concreta para a prova e utilidade para a investigação, em ordem a decidir da sua junção aos autos.
Devolva os autos ao Ministério Público"
O que diz a lei:
Art.° 179°, n.° 3:
"3 - O juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário, restitui-a a quem de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova."
Art.° 268°, n.°1, alinéa d)
"1 - Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução:
 Inquérito (Atos Jurisdicionais)
d) Tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do n.° 3 do artigo 179.°;"
Art.° 120°, n. ° 2, alinéa d):
« 2 - Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais:
d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Art.° 126°, n.° 3:
"Métodos proibidos de prova
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular."
Art.° 17° da lei do cibercrime:
"Apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante:
Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal."
Apreciando:
Por despacho judicial de 08.09.2021, transitado em julgado, foi autorizada a pesquisa e apreensão de dados, mensagens e correio eletrónico relacionados com os crimes em investigação que se encontrassem no servidor da sede da assistente, nos e-mails profissionais dos arguidos, no disco rígido do terminal Bloomberg e pastas que ali se encontrassem guardadas nas contas onedrive do arguido Luiz Xavier.
Resulta da conjugação do disposto no artigo 17° da Lei n.° 109/2009, de 15 de Setembro com o art.° 179° do Código processo Penal, que os normativos em referência apenas se aplicam a correspondência, e concretamente a correspondência eletrônica.
Ao contrário do que alegam os arguidos, a referência a designações que remetem para reserva de vida privada, feita constar no auto de abertura e verificação de correspondência, respeita a pastas armazenadas no disco rígido do terminal Bloomberg e não a conteúdo de correspondência eletrónica apreendida [o que se alcança pela referencia feita no despacho a "correio electronico e pastas (...)"], pelo que tais pastas não estão sujeitas ao regime legal decorrente do n.° 3 do art.° 179° do Código processo Penal.
No que diz respeito ao segmento que reporta ao conhecimento do conteúdo da correspondência eletrónica por amostragem, importa referir que o controlo judicial da intromissão na correspondência e o juízo de adequação e proporcionalidade desta intromissão quanto à correspondência eletrónica aprendida, foi efetuado, à priori, aquando da prolação de despacho judicial a autorizar o acesso e apreensão de tais dados, e num segundo momento aquando da tomada de conhecimento pelo Tribunal, em primeiro lugar, do conteúdo dessa correspondência.
A necessidade de intervenção prioritária de juiz de instrução criminal na tomada de conhecimento do conteúdo da correspondência eletrónica, dadas as características da correspondência apreendida, não é incompatível com a necessidade de garantir ao titular da ação penal a possibilidade de propor, de entre toda a correspondência eletrónica aprendida, qual a que entende ser relevante para efeitos probatórios, cabendo, novamente ao juiz de instrução criminal, a decisão sobre a sua junção aos autos, garantindo-se cumprimento de parte final do n.° 3 do artigo 179° do CPP.
O acesso ao conteúdo da correspondência electronica apreendida foi efectuado, em primeiro lugar, pelo Tribunal, cabendo ao Ministério Público, na qualidade de titular da acção penal, a selecção da correspondência eletrónica apreendida e já visualizada pelo tribunal, que no seu entender considera relevante para efeitos probatórios, seleção que não vincula o tribunal, a quem compete a última palavra na sua junção ao processo.
Em face do exposto, não se verifica a violação do disposto no artigo do art.° 179°, n.° 3 do Código processo Penal relativamente às pastas contendo designações que remetem para reserva da vida privada, uma vez que estes dados informáticos apreendidos não são correspondência eletrónica, não estando sujeitos à disciplina do normativo referido; consequentemente não se verifica a violação do disposto no 120°, n.° 2, alínea b) do CPP, nem os pressupostos previstos no art.° 126°, n.° 3 mesmo diploma.
A tomada de conhecimento da correspondência eletrónica apreendida, em primeiro lugar, pelo JIC, foi garantida na diligência realizada e agora posta em crise, não contrariando o disposto no art.° 179°, n.° 3 do mesmo diploma, o deferimento ao titular da ação penal, em momento posterior à tomada de conhecimento, da seleção dos conteúdos com interesse probatório, seleção esta sujeita a validação subsequente por parte do Tribunal.
Termos em que, julgo não verificadas as nulidades arguidas.
Notifique.
Devolva os autos. »
*
Inconformados com este, vieram os arguidos ... (em 22/12/2022) interpor o recurso a que se reportam os presentes autos, o qual culmina com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):
«A.  O presente recurso vem interposto do Despacho a fls. 1283, proferido no dia 16.11.2022, pelo Tribunal a quo, que não reconheceu a invalidade dos atos processuais praticados no âmbito da diligência de abertura e seleção de correio eletrónico dos Arguidos realizada no dia 20.09.2022, por violação do disposto no artigo 179.º, n.º 3, CPP, ex vi artigo 17.º da Lei do Cibercrime, e por terem sido omitidos atos legalmente obrigatórios, nomeadamente, em relação à correspondência eletrónica apreendida e, bem assim, aos elementos de cariz pessoal e íntimo dos Arguidos, ao contrário daquilo que foi arguido pelos ora Recorrentes em Requerimento de dia 04.10.2022, a fls. 1238 e ss. (Decisão Recorrida).
B. Por via de autorização judicial de 08.09.2021, foi concedida autorização para se proceder à realização da apreensão de dados informáticos e correspondência eletrónica contidos no servidor da assistente Credit Suisse (Luxembourg) S.A. — Sucursal em Portugal e aos e-mails profissionais dos Arguidos ... .
C. No seguimento de tal apreensão, veio a ter lugar, no dia 20.09.2022, a realização da diligência de abertura e verificação de correspondência, a que alude o artigo 179.º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi artigo 17.º da Lei do Cibercrime.
D. No âmbito de tal diligência, foram praticados os seguintes atos processuais relevantes:
a. A Mm.ª Juiz tomou conhecimento, por amostragem, do conteúdo do disco externo identificado no ponto 2 do auto de pesquisa e apreensão a fls. 1194, no qual se identificaram ficheiros contendo comunicações de correio eletrónico e pastas com designações que remetem para a reserva da vida privada (ou seja, com referências a família, amigos, fotografias), assim como do conteúdo da PEN identificada no ponto 2 do auto de pesquisa e apreensão de fls. 1194;
b. Seguidamente, pela Mm.ª Juiz foi proferido Despacho, com o seguinte teor: "Deverá o Ministério Público, após a sua análise, pronunciar-se sobre a sua relevância concreta para a prova e utilidade para a investigação, em ordem a decidir da sua junção aos autos. Devolva os autos ao Ministério Público" (destaque e sublinhado nosso).
E. A Juiz a quo, na diligência em causa, tomou conhecimento e analisou (i) correspondência eletrónica; e (ii) outros dados informáticos, contidos em pastas, os quais remetem para a reserva da vida privada, uma vez que são relativos à família e amigos dos Arguidos e correspondem, em parte, a fotografias.
F. A esmagadora maioria dos emails e restantes elementos apreendidos não foram efetivamente visualizados; a Mm.ª Juiz a quo limitou-se a analisar alguns emails e elementos, por amostragem.
G. Após a visualização por amostragem, a Mm.@ Juiz remeteu todos estes elementos para análise do Ministério Público e restantes órgãos de investigação, para que os mesmos procedessem à sua análise e se pronunciassem sobre a sua relevância concreta para a prova e utilidade para a investigação.
H. Tais elementos estão, assim, no momento de apresentação do presente recurso, a ser analisados, muitos deles, pela primeira vez, por parte das autoridades de investigação.
i. É firme entendimento dos Recorrentes que a Decisão Recorrida não pode proceder, essencialmente, porque:
a. Assenta num entendimento errado, que considera que a circunstância de os dados identificados nas pastas serem meros dados (entenda-se, não serem correio eletrónico) e, por isso, não obedecerem à ou não se regerem pela disciplina do artigo 179.º, n.º. 3 do CPP, traz consigo a conclusão de que a Mm.ª Juiz de Instrução teria de se abster de intervir ou de determinar o destino a dar a tais elementos; e
b. Assenta, também, numa interpretação errada do próprio artigo 179.º, n.º 3 do CPP, no sentido de que tal norma permite à Mm.ª Juiz a quo proceder à primeira visualização do correio eletrónico apreendido por mera amostragem, remetendo depois as mensagens de correio eletrónico, na sua íntegra, para o Ministério Público, que seleciona as mensagens relevantes para a investigação.
ESPECIFICAMENTE, DA DESCONSIDERAÇÃO DO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 16º Nº 3 DA LEI DO CIBERCRIME
J.  A consideração de que o regime previsto no artigo 179.º, n.º 3 do CPP não se aplica aos dados informáticos que não correspondam a correspondência eletrónica não equivale a dizer que o tratamento de tais dados, em particular quando sejam atinentes à vida privada e à intimidade dos visados no processo, não mereçam qualquer tratamento ou não estejam sujeitos a qualquer regime.
K. A Decisão Recorrida esclarece de forma evidente que a Mm.ª Juiz de Instrução tomou conhecimento por amostragem de elementos que correspondem a correspondência eletrónica, por um lado, e a pastas com dados informáticos que remetem para reserva da vida privada, nomeadamente para a família e amigos dos Arguidos, por outro.
L.  Praticamente toda a densificação e fundamentação da Decisão Recorrida prende-se com a interpretação do regime previsto no artigo 179.º, n.º 3 do CPP para a correspondência eletrónica — no entanto, o simples facto de se reconhecer que os dados informáticos contidos nas pastas analisadas se tratarem de dados que não configuram correspondência eletrónica, não significa que a Mmª Juiz de Instrução não devesse ter adotado um procedimento diferente.
M. A Decisão Recorrida parece configurar os dados em apreço como meros dados informáticos, sem o merecimento de qualquer proteção.
N. Se assim fosse, não seriam tais elementos apresentados à Juiz de Instrução Criminal, como foram, uma vez que o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal poderiam analisar tais dados diretamente, sem intervenção da Juiz a quo.
O. Os dados em apreço foram apresentados à Mm.ª Juiz de Instrução e por si analisados na diligência de 20.09.2022, uma vez que foram considerados dados pessoais ou íntimos, que podem colocar em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiros, devendo por isso, ser sujeitos ao regime previsto neste artigo 16.º, n.º 3 da Lei do Cibercrime.
P. No âmbito da diligência de 20.09.2022, foi tal regime diametralmente contornado, uma vez que tais elementos foram remetidos para análise integral por parte do Ministério Público, sem qualquer análise prévia do Juiz de Instrução, que não elaborou qualquer ponderação do interesse desses elementos para o caso concreto, como manda a lei, remetendo tal função para os órgãos de investigação.
Q. É ao Juiz de Instrução Criminal, órgão que adota uma posição específica no nosso ordenamento jurídico, de garante dos direitos fundamentais dos Arguidos, que cabe avaliar a relevância concreta destes dados pessoais e íntimos.
R. Caso, contrário, se coubesse ao Ministério Público avaliar a totalidade dos dados informáticos de natureza privada e íntima, para determinar os elementos relevantes para a investigação, e ao Juiz de Instrução coubesse meramente uma posterior decisão de junção, ou não, desses elementos aos autos, ficaria desvirtuada qualquer proteção da privacidade dos Arguidos.
S.  A Mm.ªJuiz de Instrução Criminal demitiu-se do seu dever de guardiã dos direitos fundamentais dos Arguidos no presente caso, omitindo um ato legalmente obrigatório: o de analisar os elementos, verificar da sua relevância para a prova dos factos concretos em apreço, juntando os elementos relevantes aos autos, e o de destruição de todos os elementos que não se afigurassem como relevantes.
T. A incumbência da análise destes dados, bem como da ponderação da sua junção aos autos, ao Juiz de Instrução Criminal prende-se com a sua específica e essencial função no âmbito do Processo Penal Português: sempre que se identifiquem questões que contendam de forma particularmente acentuada com direitos, liberdades e garantias dos Arguidos, é chamado a intervir o Juiz de Instrução Criminal.
U. A análise de elementos de teor pessoal e íntimo dos Arguidos, configura inquestionavelmente uma situação que clama pela intervenção do Juiz de Instrução, porquanto se encontram em causa direitos fundamentais que carecem de proteção e de um regime adequado à sua salvaguarda, nomeadamente o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, expressamente previsto no artigo 26.º, n.º 1 da Lei Fundamental.
V. A intervenção de um Juiz das Garantias, em sede de inquérito, quando os direitos fundamentais de Arguidos sejam afetados de forma mais premente é constitucionalmente exigida.
W. Tal solução é imposta, tanto pelo artigo 202º CRP, relativo à função jurisdicional, em particular na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, como pelo direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º n.ºs 1, 4 e 5, CRP, e 6.º da CEDH, ex vi artigo 8.º, n.º 2, CRP, como, ainda, pelo artigo 32.º, n.º 4 e n.º 5 da CRP, atinentes reserva de juiz e à estrutura acusatória do processo.
X. Não podia a Mm.ªJuiz de Instrução ignorar completamente o regime previsto no artigo 16.º, n. 3 da Lei do Cibercrime, não dando um destino aos dados pessoais e íntimos que encontrou e remetendo-os para análise do Ministério Público.
Y.  Foi omitido ato legalmente obrigatório, concretamente, o de análise dos elementos que remetiam para a intimidade e privacidade dos Arguidos, a ponderação do seu interesse para a investigação e, bem assim, o de destruição ou devolução dos elementos pessoais ou íntimos em causa, após essa ponderação.
Z.  Encontram-se verificados os pressupostos previstos no artigo 126º n.º 3 do mesmo diploma, uma vez que a forma de atuar da Mmª Juiz de Instrução gerou, inevitavelmente, uma intromissão abusiva, e por isso ilícita, na vida privada e na correspondência dos visados, aqui Recorrentes.
ESPECIFICAMENTE, DA ERRADA (E INCONSTITUCIONAL) INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 179º N.° 3, CPP, EX VI ARTIGO 17.º LEI DO CIBERCRIME 
AA.   Em face do disposto no artigo 17.º da Lei do Cibercrime e no artigo 179.º n.2 3 do CPP, os Recorrentes entenderam (e entendem) que a diligência de dia 20.09.2022 padeceu de vícios relacionados com o (não respeito) da tramitação legal expressamente prevista na lei.
BB.   Entre a tese defendida pelos Recorrentes e a tese perfilhada pela Decisão Recorrida, existe uma divergência de fundo quanto à conceção daquilo que é e deve ser uma diligência de abertura de correio eletrónico.
CC. A conceção perfilhada na Decisão Recorrida assenta, essencialmente, em três ideias principais:
(i) A ideia de a intervenção do Juiz de Instrução Criminal em diligência de abertura e seleção de correio eletrónico não deve ser tão exigente quanto o entendimento perfilhado pelos Recorrentes, limitando-se a uma tomada de conhecimento da correspondência apreendida, em primeiro lugar, podendo tal tomada de conhecimento ser efetuada por amostragem;
(ii) A ideia de que não é incompatível com essa intervenção a análise e seleção, por parte do Ministério Público, de toda a correspondência eletrónica aprendida (sendo, assim, alguma dessa correspondência analisada em primeiro lugar pelo Ministério Público, face à visualização por amostragem feita pelo Juiz), cabendo depois ao Juiz de Instrução Criminal a mera decisão da junção da correspondência selecionada pelo Ministério Público aos autos, assim dividindo o procedimento de análise e seleção de correspondência em vários momentos distintos;
(iii) A ideia de que, sendo o Ministério Público o titular da ação penal na fase de inquérito, existe até uma "necessidade de garantir ao titular da ação penal a possibilidade de propor, de entre toda a correspondência eletrónica aprendida, qual a que entende ser relevante para efeitos probatórios".
DD.  Assim, a Decisão Recorrida cria etapas não legalmente previstas nos procedimentos regulados pelos artigos 17.º da Lei do Cibercrime e 179.º, n.º 3, do CPP, ao fazer surgir, no procedimento de seleção de mensagens de correio, uma primeira fase de análise preliminar, por parte do Juiz de Instrução, e uma fase de análise e seleção de elementos pelo Ministério Público, fases essas que não encontram qualquer respaldo na redação legislativa.
EE.  Desta forma, a Decisão Recorrida igualmente reescreve a competência legalmente acometida ao Juiz de Instrução Criminal, no artigo 179.º, n.º 3, do CPP, ex vi artigo 17.º da Lei do Cibercrime, atribuindo-a ao Ministério Público, autoridade judiciária esta que, após a análise preliminar operada pelo Juiz de Instrução Criminal, nos termos das referidas novas etapas do procedimento, decidiria sobre quais as mensagens de correio eletrónico que passam a valer como meio de prova no processo.
FF. A posição dos Recorrentes no que ao regime de abertura e verificação de correspondência diz respeito tem contornos bastante diferentes daqueles defendidos na Decisão Recorrida.
GG.  Tal divergência manifesta-se em duas ideias-chave:
a.  Ao nível do procedimento, trâmite e fases do processo de seleção de emails: a Mm.ª Juiz a quo pressupõe que existem mais estádios na tramitação de abertura e seleção correio eletrónico do que aqueles que os Recorrentes consideram existir, pois pressupõe a existência de um momento, prévio à formal admissão dos emails selecionados no processo, em que o Juiz de Instrução Criminal apenas faz uma visualização perfunctória, e por amostragem, dos emails apreendidos, de forma a dar um cumprimento meramente formal ao disposto no artigo 179.º, n.º 3 do CPP e no artigo 17.º da Lei do Cibercrime, sem, no entanto, analisar a totalidade dos emails apreendidos e sem avaliar da respetiva relevância para a investigação concreta;
b.  Ao nível do tipo de competência do Juiz de Instrução Criminal neste âmbito, em particular, a competência para a seleção de emails: como referido no ponto anterior, a Mm.ª Juiz a quo reduz a atividade do Juiz de Instrução Criminal, no âmbito de uma diligência de correio eletrónico, tão-só e apenas à tarefa de visualização (e por amostragem) dos emails apreendidos, ao invés dos Recorrentes que consideram que ao Juiz de Instrução Criminal compete a visualização de todos os emails, seguida da seleção, por si, dos emails que considere terem relevância para a prova do objeto do processo. Ao arrepio da lei, a Mm. ª Juiz a quo atribui a competência da seleção de emails apreendidos, não ao Juiz de Instrução Criminal, como o fazem os Recorrentes, mas ao Ministério Público.
HH.  Foi manifesta a não leitura de grande parte dos emails objeto da presente diligência — ao arrepio daquilo que o artigo 179.º n.º 3, CPP impõe, pois foram os emails visualizados por amostragem (!), não se respeitando, assim, o procedimento e o trâmite imposto pela lei.
II. Não foi pela Mm.ª Juiz de Instrução Criminal efetuada qualquer análise e seleção de emails relevantes para a investigação, tendo ocorrido uma ilegal delegação dessas suas competências, tal como previstas no artigo 179.º, n.º 3 do CPP, no Ministério Público.
JJ. O artigo 17.º da Lei do Cibercrime remete, inequivocamente, para o regime previsto no artigo 179.º, n.º 3 do CPP, sendo que nada na norma aponta para a ideia de que o legislador haja querido fazer algum tipo de circunscrição na remissão que expressamente opera para o regime previsto no artigo 179.º CPP, pelo que deve o regime aí ínsito ser integralmente cumprido, sem quaisquer adaptações.
KK. A lei prevê que seja o Juiz de Instrução Criminal a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida e apenas prevê um único momento de seleção de emails, e não dois ou três momentos distintos de análise e seleção de correspondência, atribuindo ainda a competência para a seleção de emails apenas ao Juiz de Instrução.
LL. A lei obriga, indubitavelmente, a que o juiz (i) analise a totalidade da correspondência pela primeira vez; e (ii) realize uma tarefa de seleção de emails de acordo com a respetiva relevância (ou não) para a prova a realizar no processo-crime no âmbito do qual a diligência é realizada, (iii) ocorrendo todo este procedimento num único momento.
MM. A interpretação perfilhada pela Decisão Recorrida foge de forma flagrante à letra da lei, uma vez que nem o trâmite por si seguido, nem a distribuição de competências entre autoridades judiciárias por si apresentada tem o mínimo conforto na letra da lei, assim se afastando tal interpretação das regras hermenêuticas apresentadas no artigo 9.º do Código Civil.
 NN. O próprio espírito da lei aponta para a intervenção protetora e garantística de um Juiz, tanto de um prisma teleológico, como de uma perspetiva sistemática, pelo que, também não existe qualquer conforto da tese perfilhada no espírito da lei.
OO. Existe um sentido e um propósito por detrás da consagração legal de intervenção do Juiz de Instrução no âmbito de uma diligência de abertura de correio eletrónico, onde o direito à reserva da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, CRP) e o direito à inviolabilidade da correspondência (artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, CRP) se encontram particularmente comprimidos.
PP. As finalidades do Processo Penal e a Constituição são elementos absolutamente centrais na interpretação do sentido e alcance das normas processuais penais e, como se viu, no caso em apreço as mesmas apontam no sentido inequívoco de que o espírito dos artigos 17.º da Lei do Cibercrime e 179.º, n.º 3, CPP, está cabalmente expresso através da letra dos respetivos preceitos.
QQ. O único sentido que razoavelmente e, sobretudo, juridicamente se pode retirar dos artigos 179.º, n.º 3 do CPP e 17.º da Lei do Cibercrime é o de uma intervenção cabal, abrangente e efetivamente protetora dos direitos fundamentais dos Arguidos, por parte do Juiz de Instrução, ao analisar toda a correspondência pela primeira vez e ao proceder à seleção das mensagens relevantes tendo em conta os interesses do caso concreto.
RR. A defesa da tese defendida na Decisão Recorrida configura uma interpretação contra legem, pelo que deve a Decisão Recorrida ser revogada.
SS. Existe uma contínua menção, ao longo da Decisão Recorrida, que remete para a necessidade de assegurar ao Ministério Público a possibilidade de propor qual a correspondência eletrónica relevante, por ser o titular da ação penal.
TT. Parece ser essa a justificação apresentada para sustentar a tese apresentada na Decisão Recorrida: a ideia de que, sendo o Ministério Público o titular da ação penal na fase de inquérito, existirá uma necessidade de garantir ao titular da ação penal a possibilidade de propor, de entre toda a correspondência eletrónica aprendida, qual a que entende ser relevante para efeitos probatórios.
UU. Tal justificação não é capaz de sustentar a Decisão Recorrida e de contrariar o que se deixou referido anteriormente.
VV. É firme entendimento dos Recorrentes que a competência do Juiz de Instrução tal como prevista no artigo 179.º, n.º 3, CPP não belisca, minimamente, a autonomia do Ministério Público, enquanto titular da ação penal.
WW. No momento em que as mensagens apreendidas são apresentadas ao Juiz de Instrução — para delas tomar primeiro conhecimento e, após, determinar quais as que deverão ser juntas ao processo, para valer como meio de prova —, já o objeto da investigação terá sido delimitado pelo Ministério Público.
XX. Caberá ao Juiz de Instrução avaliar, do conjunto das mensagens apreendidas que lhe são apresentadas quais as que, em face do objeto da investigação, tal como delimitado pelo Ministério Público, relevam para a prova desse mesmo objeto.
YY. Sempre que esteja em causa a potencial ingerência em direitos fundamentais de natureza particularmente sensível, o legislador impôs uma garantia acrescida da respetiva tutela, acometendo a um Juiz a competência para, antes de quem titula a ação penal, ajuizar sobre a relevância do elemento a apreender ou apreendido para a prova do objeto do processo.
ZZ. Não obstante o inquérito ser da titularidade do Ministério Público, a tutela dos direitos fundamentais é da competência do Juiz de Instrução (artigos 20.º, n.º 1, 4 e 5, 32.º, n.º 4, e 202.º CRP), ainda que o processo se encontre sob a esfera daquela titularidade e a intervenção do Juiz seja ocasional ou pontual.
AAA. Não só a solução preconizada pelo artigo 179.º, n.º 3, CPP, ex vi artigo 17.º Lei Cibercrime (e pelos demais preceitos que preveem a intervenção do Juiz de Instrução Criminal na fase de inquérito) não coloca em causa quaisquer competências do Ministério Público, como a mesma é inclusivamente exigida pelo princípio do acusatório.
BBB. Ao contrário da ideia que se pretende passar na Decisão Recorrida, a intervenção do Juiz de Instrução, no âmbito do artigo 179.º, n.º 3, CPP, ex vi artigo 17.º da Lei do Cibercrime (e, bem assim, a intervenção do Juiz na análise e verificação dos dados pessoais e íntimos, conforme dita o artigo 16.2, n.2 3 da Lei do Cibercrime), não representam a frustração de quaisquer poderes e prerrogativas do Ministério Público ao longo da investigação; traduzem sim intervenções pontuais e cirúrgicas de uma espécie de "árbitro", numa pequena jogada de um jogo cujas regras, aliás, são ditadas exclusivamente pelo Ministério Público.
CCC. O argumento apresentado na Decisão Recorrida não pode proceder por uma segunda ordem de razão, porventura subsidiário, ou até complementar.
DDD. Mesmo que se considerasse que o Ministério Público, enquanto titular da ação penal, tinha necessariamente de analisar e selecionar a correspondência eletrónica apreendida relevante para a investigação, entendimento com o qual não se concorda e que não se concede, a verdade é que tal interpretação ainda seria compatível com uma visualização integral, por parte do Juiz de Instrução, da correspondência apreendida (e, bem assim, de todos os elementos de caráter pessoal e íntimo), como manda a lei.
EEE. Nem isso sucedeu no presente processo, uma vez que a Mm. 2 Juiz de Instrução Criminal procedeu a uma análise da correspondência (e dos outros dados informáticos) por amostragem, o que significa que uma grande parte das mensagens de correio eletrónico apreendidas (e dos elementos de caráter pessoal e íntimo) vão ser efetivamente visualizados, pela primeira vez, pelos órgãos de investigação criminal.
FFF. Tal cenário viola e foge de forma ainda mais flagrante ao disposto nos artigos 179.º, n.º 3 do CPP e 17.º da Lei do Cibercrime, no que toca à correspondência eletrónica, tendo em conta que se dispõe expressamente que o juiz é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida.
GGG. Fica assim evidente a forma como a argumentação no sentido do reforço da titularidade da ação penal por parte do Ministério Público, não justifica a violação, em toda a linha, do regime previsto para a abertura de correspondência eletrónica (assim como, porventura, não justificaria a violação integral do regime previsto para a análise de elementos pessoais e íntimos).
INVOCAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADES MATERIAIS
HHH. Parece pretender-se, na Decisão Recorrida, significar que os dados em apreço configuram meros dados informáticos, sem necessidade de qualquer proteção — no entanto, se assim fosse, não haveria necessidade de intervenção da Mm.ª Juiz de Instrução, ou seja, não seriam tais dados sequer apesentados ao Juiz de Instrução, uma vez que poderiam ser diretamente analisados pelo Ministério Público ou pelos órgãos de polícia criminal, ao abrigo de competência delegada.
III. Cabia, desta forma, ao Juiz de Instrução, a missão de analisar a integralidade dos dados informáticos que remetessem para a vida privada dos Arguidos, verificar a sua relevância para o caso concreto e dar destino aos dados que não revestissem tal interesse, o que não se verificou no presente caso, tendo os referidos dados pessoais e íntimos dos Arguidos sido remetidos para o Ministério Público, sem qualquer consideração adicional.
JJJ. Existe um sentido e um propósito por detrás da consagração legal de intervenção do Juiz de Instrução Criminal no âmbito da apreensão e posterior análise de dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, onde o direito à reserva da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, CRP) se encontra particularmente comprimido.
KKK. A tese que parece ser defendida na Decisão Recorrida, segundo a qual, tratando-se os dados em apreço de dados informáticos de teor pessoal e íntimo, não consistindo, no entanto, em correspondência eletrónica, não merecem tais dados qualquer proteção ou intervenção por parte do Juiz de Instrução Criminal, afigura-se contrária à Constituição.
LLL. Assim, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 8.º, n.º2, 20.º, n.2º 1, 4 e 5, 26.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1, 4, 5 e 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 202.º, todos da CRP, a interpretação, concretizada e aplicada na Decisão Recorrida, da norma que se extrai do artigo 16.º, n.º 3 da Lei do Cibercrime, no sentido de não caber ao Juiz de Instrução Criminal qualquer função no âmbito da tramitação e proteção a conferir a dados pessoais e íntimos apreendidos, competindo ao Ministério Público analisar tais dados pessoais e íntimos e determinar a sua relevância para a investigação, de acordo com os interesses do caso concreto — inconstitucionalidade que se deixa arguida para os efeitos do artigo 72.º, n.º 2, Lei de Organização do Tribunal Constitucional (Lei n.2 28/82, de 15 de novembro — LTC). 
MMM. Ao arrepio daquilo que o artigo 179.º, n.º 3, CPP impõe, foram os emails apreendidos, na diligência de abertura e verificação de correspondência, visualizados por amostragem, pelo que muitas das mensagens de correio eletrónico serão analisadas, pela primeira vez, pelo Ministério Público.
NNN. A Decisão Recorrida cria etapas não legalmente previstas nos procedimentos regulados pelos artigos 17.º da Lei do Cibercrime e 179.º, n.º 3, do CPP, fazendo surgir no procedimento de seleção de mensagens de correio eletrónico uma primeira fase de análise preliminar, por parte do Juiz de Instrução, e uma fase de análise e seleção de elementos pelo Ministério Público, fases essas que não encontram qualquer respaldo na redação legislativa.
OOO. A Decisão Recorrida reescreve a competência legalmente acometida ao Juiz de Instrução Criminal, no artigo 179.º, n.° 3, do CPP, ex vi artigo 17.º da Lei do Cibercrime, atribuindo tal competência ao Ministério Público, que decide sobre quais as mensagens de correio eletrónico que passam a valer como meio de prova no processo.
PPP. A Decisão Recorrida retira do artigo 17.º da Lei do Cibercrime e do artigo 179.º, n.º 3, do CPP um sentido normativo que ofende a Lei Fundamental, designadamente, o direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo (artigo 21.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 202.° CRP), o direito a uma intervenção musculada por parte do juiz das garantias em casos em que os direitos fundamentais se encontrem especialmente beliscado (artigo 32.º, n.º 4, CRP), o direito ao respeito da estrutura acusatória do processo (artigo 32.º, n.º 5, CRP) e, como consequência de tudo, o direito fundamental à reserva da vida privada (artigo 26.º, n.º 1, CRP) e à inviolabilidade da correspondência (artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, CRP) e, bem assim, o direito a que não seja utilizada prova proibida, nomeadamente emails ilegalmente acedidos (artigo 32.º, n.º 8, CRP).
QQQ.  Destarte, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 26.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1, 4, 5 e 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 202.2º, todos da CRP, a interpretação, concretizada e aplicada na Decisão Recorrida, da norma que se extrai da conjugação dos artigos 17.º da Lei do Cibercrime e 179.º, n.º 3, do CPP, no sentido de bastar a visualização da correspondência apreendida, por parte do Juiz de Instrução, por amostragem, e no sentido de competir subsequentemente ao Ministério Público analisar a totalidade da correspondência e determinar quais as mensagens de correio eletrónico gravadas nos suportes digitais apreendidos à ordem dos autos que considera relevantes para os interesses da investigação —inconstitucionalidade que se deixa arguida para os efeitos do artigo 72.º, n.º 2, Lei de Organização do Tribunal Constitucional (Lei n.2 28/82, de 15 de novembro — LTC).
RRR.  Mesmo que proceda a inédita interpretação do artigo 179.º, n.º 3, CPP ex vi do artigo 17.º da Lei do Cibercrime, perfilhada pela Decisão Recorrida, nos termos da qual o procedimento e tramitação da abertura e visualização de correspondência se subdivide em diversas etapas e em que cabe ao Ministério Público proceder à análise e seleção da correspondência relevante para efeitos da investigação (o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio) —, importa sublinhar que a conduta assumida pelo Mm.ª Juiz a quo na diligência de dia 20.09.2022 sempre configuraria uma interpretação contrária à Constituição do regime previsto pelo artigo 179.º, n.º 3 do CPP, ex vi do artigo 17.º da Lei do Cibercrime, uma vez que a Mm.ª Juiz de Instrução não procedeu a uma análise da totalidade dos emails apreendidos, não sendo, por isso, a primeira pessoa a analisar o conteúdo de todos esses emails.
SSS.  Assim, mesmo que se perfilhe a leitura inconstitucional do artigo 179.º, n.º 3, CPP e do artigo 17º da Lei do Cibercrime suscitada anteriormente, não se revogando a Decisão Recorrida nos termos defendidos, terá sempre que se concluir pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 179.º, n.º 3, CPP e do artigo 17º da Lei do Cibercrime, segundo a qual o Juiz de Instrução Criminal pode proceder à visualização de correspondência eletrónica por amostragem, sem ser a primeira pessoa a analisar o conteúdo de todos os emails apreendidos, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 26.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1, 4, 5 e 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 202.º, todos da CRP — inconstitucionalidade que se deixa arguida para os efeitos do artigo 72.2º, n.º 2, Lei de Organização do Tribunal Constitucional (Lei n.2 28/82, de 15 de novembro — LTC).
POR TUDO O QUE SE EXPÔS
TU.  Deverá ser revogada a Decisão Recorrida e declarada, ao abrigo do artigo 126.º, n.º 3, CPP, a proibição de prova relativamente:
(i)  aos dados de natureza pessoal e íntima que se encontram a ser integralmente analisados e selecionados por parte do Ministério Público, na sequência do Despacho proferido na diligência de 20.09.2022, em que a Mm.ª Juiz de Instrução remeteu tais elementos para os órgãos de investigação, ao invés de determinar a respetiva destruição; e
(ii) às mensagens de correio eletrónico, que foram analisadas pela Mm.ª Juiz de Instrução apenas por amostragem, encontrando-se a ser integralmente analisados e selecionados pelo Ministério Público, na sequência do Despacho proferido na diligência de 20.09.2022, em que a Mm.ª Juiz de Instrução remeteu tais elementos para os órgãos de investigação, ao invés de proceder à seleção dos elementos relevantes e determinar a destruição dos restantes,
UUU. Só assim se respeitará a lei e a Constituição.
VI.  INSTRUÇÃO DO RECURSO
Nos termos do artigo 414.2, n.2 6, CPP, requer-se, muito respeitosamente, que o presente recurso seja instruído pelos seguintes elementos:
(i) Despacho do Juiz de Instrução Criminal, que autoriza a apreensão de correio eletrónico e dados informáticos de 08.09.2021, de fls. 735 e ss.
(ii) Auto da diligência de abertura de correio eletrónico realizada a 20.09.2022, a fis. 1213 ss.;
(iii) Requerimento de arguição de nulidade dos Recorrentes, de dia 04.10.2022, a fis. 1238 e ss.;
(iv) Despacho de 16.11.2022, a fls. 1283 e ss. (DECISÃO RECORRIDA).
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. suprirão, deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente, por provado, e, em consequência, deverá ser determinada a revogação da Decisão Recorrida — a saber: Despacho de 16.11.2022, a fls. 1283 e ss. — e de todos os atos processuais posteriores à mesma, cuja validade esteja na sua dependência. »
*
Na primeira instância, o Digno Procurador do Ministério Público apresentou resposta em que pugna pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido, formulando as seguintes conclusões:
«1.  Em nenhuma nulidade incorreu a Mma. JIC ao proceder conforme descrito, pelo que, nenhum reparo merece a decisão ora em crise.
2.  Bem andou o Tribunal ao considerar que o regime legal previsto para apreciação de dados apreendidos — contida no artigo 16.° n.° 3 da Lei do Cibercrime (Lei n.° 109/2009, de 15 de Setembro) — pode ser "desdobrável", em face das características do caso concreto, em várias fases de execução, uma vez que tal interpretação não só é aquela que corresponde à previsão legal do legislador, como é a que melhor garante todos os interesses constitucionalmente envolvidos no presente regime legal.
3.  Sendo certo que a interpretação do regime legal de apreensão de correspondência eletrónica tem suscitado inúmeras dúvidas, tanto no que à repartição de competências entre Juiz e Ministério Público diz respeito, como na forma concreta de concretização das imposições legais decorrentes daquele regime, qualquer que seja a interpretação legal que se venha a seguir, esta terá, no mínimo, que responder a um requisito: a possibilidade real de ser aplicada na prática  judiciária, o que não acontece com a leitura propugnada pelos arguidos.
4.  Da simples leitura da lei resulta, com clareza, que a aplicação do regime previsto no artigo 179.° n.° 3 do Código de Processo Penal não pode ser integral, determinando, literalmente, o disposto no artigo 17.° da Lei do Cibercrime (Lei n.° 109/2009, de 15 de Setembro) que, aquele artigo, seja "aplicado correspondentemente", ou  seja de modo correspondente, adequado, congruente e não de modo igual, idêntico ou exacto.
5. Por outro lado, o entendimento de que compete, exclusivamente, ao Juiz fazer a análise da correspondência e a seleção das comunicações relevantes, como prova, para o objecto da investigação, vai frontalmente contra a estrutura acusatória' do processo penal português,
6.  O juiz não pode, ao mesmo tempo, representar o interesse público na repressão criminal e ser um terceiro imparcial, pois são interesses absolutamente incompatíveis.
7.  É o Ministério Público o titular da investigação, "apenas" competindo ao JIC as funções de juiz dos direitos, liberdades e garantias, o que, no regime legal em apreço, o remete para a função de autorizar aquelas apreensões, garantir a integridade probatória das mesmas e, após a eventual análise técnica, a tarefa de expurgar os e-mails materialmente fora do objecto da investigação que contundam com aqueles direitos, liberdades e garantias.
8.  O processo investigatório é um processo dinâmico em que a relevância de um concreto meio de prova varia de acordo com os restantes indícios já recolhidos e que se venham a recolher, pelo que, nunca a avaliação da pertinência da correspondência apreendida se pode centrar num único momento processual.»
*
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmado integralmente o despacho recorrido. Para o efeito, manifestando a sua completa adesão à antecedente resposta.
*
Houve resposta a este parecer, por parte dos recorrentes que, em suma, reiteraram a validade dos argumentos já esgrimidos no recurso apresentado.
*
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo conhecer e decidir.

** 
Com relevo para a apreciação deste recurso, também importa atentar ao teor dos seguintes actos a seguir transcritos (respectivamente):
Em 8/9/2021:
« Nos presentes autos o Ministério Público determinou a realização de pesquisa ao servidor da sede da assistente, aos e-mails profissionais dos arguidos, ao disco rígido do terminal Bloomberg e às pastas que aí estarão guardadas nas contas "Onedrive" do arguido E e a apreensão de dados, mensagens e correio electrónico e documentos informáticos — cfr. despachos de fls. 601 a 603, 608 e 648.
Os arguidos A, B, C, D e E vieram requerer que seja declarada a invalidade (nulidade e irregularidade), e a consequente proibição de produção de prova, daqueles despachos.
Ora, a pesquisa e a apreensão da generalidade de dados informáticos depende apenas de autorização do Ministério Público, como resulta claro do disposto nos arts. 15.° e 16.° da Lei n.° 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime), onde especificamente se remete, quanto à pesquisa, para as regras de execução das buscas previstas no Código de Processo Penal (art. 15.°, n.° 6) e, quanto às apreensões, que devem ser validadas por autoridade judiciária, para as regras de competência fixadas no Código de Processo Penal.
Apenas quanto à apreensão de correio electrónico e dados de comunicações é reservada a competência judicial e, mesmo nesse caso, com total paralelismo e remissão expressa para o regime previsto no Código de Processo Penal (art. 17.° da Lei do Cibercrime).
Quer no caso de dados de comunicação (art. 187.° e 189.° do Código de Processo Penal), quer no caso específico da correspondência (art. 179.° do Código de Processo Penal), estabelece a Lei que essa apreensão deve ser autorizada ou ordenada pelo juiz, verificados os demais pressupostos estabelecidos no art. 179.°, n.° 1, do Código de Processo Penal (pressupostos que aqui não se discutem).
Nessa circunstância, o juiz é o primeiro a tomar conhecimento de tal apreensão que ordenou, de forma a apreciar da validade do que foi apreendido e, após a indicação pela investigação do que mostrar necessário, decidir sobre a sua junção aos autos (art. 179.°, n.° 3, do Código de Processo Penal).
Não se percebe como pôde o Ministério Público autorizar expressamente a apreensão de correspondência e dados a ela relativos sem autorização judicial, particularmente com a invocação do preceito referido e, sobretudo, querendo executar apenas a parte final do mencionado mecanismo processual de garantia.
Em particular quanto à apreensão de correspondência electrónica, cabe ao tribunal autorizar ou ordenar a sua apreensão, de acordo com o disposto no art. 17.° da Lei do Cibercrime, que, na sua parte final, remete para a mesma regulamentação processual penal.
Essa disposição da lei do cibercrime apenas permite, de forma específica, a possibilidade de, no decurso de uma pesquisa legitimamente autorizada, ser encontrada por acaso correspondência electrónica (mas terá que se reconhecer essa possibilidade quanto a outro tipo de correspondência encontrada por acaso, uma vez que, sendo desconhecida a correspondência, não era possível obter a prévia autorização para a sua apreensão).
Nessa situação, os dados de correspondência são isolados e apresentados judicialmente.
Mas não é essa a situação que se apresenta nos autos.
Aqui foi o Ministério Público que determinou a realização de uma pesquisa por correspondência electrónica e correspondentes dados e a sua apreensão.
Nesse tipo de situação em que, previamente à realização de uma diligência, o Ministério Público pretende a apreensão de correspondência, terá a mesma de ser autorizada judicialmente, por forma a que seja controlado previamente o próprio acesso a tais dados, de acordo com a previsão do art. 179.° do Código de Processo Penal, ali se incluindo a proporcionalidade e a necessidade do determinado.
E tal é coerente com a exigência de autorização judicial na medida do necessário à obtenção de conteúdos de comunicação, mesmo já consumados, e não apenas à sua intercepção (arts. 187.° e 189.° do Código de Processo Penal).
Caso já tenha sido realizada a apreensão de algum destes elementos, com o presente despacho convalidou-se a mesma, devendo-me ser apresentada em primeiro lugar.»
Em 20/9/2022:
« AUTO DE ABERTURA E VERIFICAÇÃO DE CORRESPONDÊNCIA
Aos 20 dias do mês de Setembro de 2022, pelas 10:00 horas , no Tribunal Central de Instrução Criminal, Juiz 7, onde se encontram presentes a Mma. Juiz de Direito, Dra. Marta Rocha, o Sr. Procurador da República, Dr. João Silva Alves, comigo Guilherme Fernandes, Oficial de Justiça e, na presença das Especialistas de Polícia Científica da PJ, as Sras. ....—
*
Após, pela Mma. Juiz foi efectuada a abertura de correspondência electrónica referenciada nos Autos e a observação do que se encontrava no seu interior, observando-se o seguinte:
- Tomei conhecimento por amostragem do conteúdo do disco externo identificado no ponto 2 do auto de pesquisa e apreensão de fls. 1194, contendo 103GB de informação, no qual se identificaram ficheiros contendo comunicações de correio eletrónico e pastas com designações que remetem para a reserva da vida privada (família, amigos, fotografias).
- Tomei conhecimento por amostragem do conteúdo da PEN identificado no ponto 2, do auto de pesquisa e apreensão de fls. 1194, contendo 32.4GB de informação compostas exclusivamente por comunicações de correio eletrônico.
*
Seguidamente pela Mm.a Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
"Deverá o Ministério Público, após a sua análise, pronunciar-se sobre a sua relevância concreta para a prova e utilidade para a investigação, em ordem a decidir da sua junção aos autos.
Devolva os autos ao Ministério Público". »
Em 4/10/2022: Os arguidos A, B, C, D e E vieram arguir a nulidade  dos atos processuais que ocorreram no âmbito da sobredita diligência de abertura e verificação de correspondência e, em consequência, requerer que fosse declarada a proibição de prova relativamente às comunicações de correio eletrónico apreendidas e abertas nessa diligência em causa.
Em 16/11/2022: Foi proferido o despacho recorrido (já supra-transcrito).
**                                    
ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO
É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal (doravante designado, abreviadamente, como CPP) - neste sentido e a título de exemplo, Paulo Pinto de Albuquerque (em “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª Edição Actualizada, UCE, 2009, págs. 1027/1028), António Henriques Gaspar e outros (em “Código de Processo Penal Comentado”, 3ª Edição Revista, Almedina, 2021, , pág. 1265) e Acórdão de fixação de jurisprudência n.° 7/95 (em DR-I, de 28/12/1995).
Assim sendo, no caso vertente enunciam-se as seguintes questões que importa decidir:
1ª  – Deve ser revogado o despacho recorrido ?
2ª – E, em sua substituição, deve ser determinada a destruição dos dados de natureza pessoal e íntima que se encontram no aludido disco externo e a destruição das mensagens de correio eletrónico constantes da aludida PEN com inerente invalidação de  todos os actos subsequentes deles dependentes ?
APRECIAÇÃO
1ª Questão a decidir – Deve ser revogado o despacho recorrido ?
Afigura-se-nos que não.
Pois – salvo o devido respeito pela opinião dos arguidos recorrentes –  no caso em apreço e conforme refere o despacho recorrido, houve o despacho judicial da Exmª Juiz de Instrução Criminal (datado de 8/9/2021, já supra transcrito e transitado em julgado), autorizando a pesquisa e apreensão de dados, mensagens e correio electrónico relacionados com os crimes em investigação que se encontrassem no servidor da sede da assistente, nos e-mails profissionais dos arguidos, no disco rígido do terminal Bloomberg e pastas que ali se encontrassem guardadas nas contas onedrive do arguido ....
Feita essa pesquisa e apreensão foram apresentados à Exmª Juiz de Instrução Criminal (doravante com a abreviatura JIC) um disco externo (contendo 103GB de informação) e uma PEN (contendo 32.4GB de informação), tendo sido elaborado o respectivo auto de abertura e verificação (datado de 20/9/2022, já supra-transcrito e aqui dado por reproduzido).
Então, a Exmª JIC, após ter aberto o aludido disco externo e a aludida PEN, tomou conhecimento, em primeiro lugar e por amostragem, do respectivo conteúdo e através do qual identificou, nessa PEN, informações compostas por comunicações de correio electrónico e, nesse disco externo, identificou quer ficheiros contendo comunicações de correio electrónico, quer pastas com designações que remetem para a reserva da vida privada (família, amigos, fotografias).
Mas, tais dados e/ou documentos informáticos, correio electrónico e/ou registos de comunicações de natureza semelhante, validamente, apreendidos e que foram conhecidos, em primeiro lugar, pela pessoa (JIC) que ordenara ou autorizara a respectiva apreensão [como meio de obtenção/recolha de prova em suporte electrónico], ainda não foram ainda juntos aos autos de inquérito.
 Isto porque, como sabemos, a direcção do inquérito criminal cabe ao Ministério Público (nos termos dos arts. 262º e seguintes do CPP) e, nessa medida, é esta autoridade judiciária que, nesta fase processual, conhece os factos investigados/indiciados e que está habilitada a aferir da utilidade/relevância probatória, ou não, das concretas provas contidas quer nessa PEN, quer nesse disco externo para efeitos da investigação criminal em curso.
E, nessa conformidade, caberá a esta autoridade judiciária a tarefa de propor (de entre os, validamente, apreendidos dados, documentos informáticos, correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante) quais os que, concreta e fundamentadamente, entende serem relevantes, para efeitos probatórios, de entre todas informações apreendidas em suporte electrónico.
E (conforme consta mencionado no despacho final do auto de abertura e verificação, datado de 20/9/2022, já supra-transcrito e aqui dado por reproduzido), só após esse parecer/proposta/selecção  - fundamentada e não vinculativa - do Ministério Público, caberá a decisão final à Exmª JIC.  Esta, oportunamente, virá a decidir quais, de entre essas concretas informações constantes de suporte electrónico, validamente apreendidas e, entretanto, indicadas pelo Ministério Público (como tendo relevância probatória para os crimes investigados por este), serão juntas, ou não, ao processo – após a ponderação detalhada que fará a Exmª JIC, tendo em conta os expostos interesses investigatórios do caso concreto e a respectiva prova necessária para a descoberta da verdade sobre a indiciada existência ou inexistência dos investigados crimes a que se reporta este inquérito (nos termos previstos nos arts. 16º, nº 3, e 17º da Lei do Cibercrime e arts. 1º, al. a), 124º, nº 1, e 125º do CPP).
Tal procedimento adoptado pela Exmª JIC no caso concreto (nos termos descritos e constantes do auto de abertura e verificação, datado de 20/9/2022, já supra-transcrito e aqui dado por reproduzido) não atentou contra o regime contido nos arts. 1º, 11º, nº 1, 16º, nº 3, 17º e 28º da Lei do Cibercrime [Lei nº 109/2009, de 15-9 que transpôs para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa] segundo os quais:
«Artigo 1.º - Objecto
A presente lei estabelece as disposições penais materiais e processuais, bem como as disposições relativas à cooperação internacional em matéria penal, relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte electrónico, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adaptando o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa.«
«Artigo 11.º - Âmbito de aplicação das disposições processuais
1 - Com excepção do disposto nos artigos 18.º e 19.º, as disposições processuais previstas no presente capítulo aplicam-se a processos relativos a crimes:
a) Previstos na presente lei;
b) Cometidos por meio de um sistema informático; ou
c) Em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte electrónico.«;
«Artigo 16.º - Apreensão de dados informáticos
3 - Caso sejam apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponderará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto.»;
«Artigo 17.º - Apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante
Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.»;
«Artigo 28.º - Regime geral aplicável
Em tudo o que não contrarie o disposto na presente lei, aplicam-se aos crimes, às medidas processuais e à cooperação internacional em matéria penal nela previstos, respectivamente, as disposições do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.»
Com esta legislação foi reconhecida (pelo Governo aquando da respectiva Proposta de Lei) a “desadequação da ordem jurídica nacional às novas realidades a implementar”, não pretendendo fazer uma mera extensão do regime das buscas e apreensões contido no CPP.
Esta legislação especial (na parte com interesse para o caso em apreço) veio estabelecer disposições penais materiais e processuais relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte electrónico – secundarizando o Código de Processo Penal, nomeadamente o regime processual das comunicações telefónicas, previsto nos artigos 187º a 190º do CPP, deixou de ser aplicável, por extensão, às «telecomunicações electrónicas», «crimes informáticos» e «recolha de prova electrónica/informática» e só sendo aplicável a estas matérias o regime geral do Código Penal e do Código de Processo Penal se não contrariar este mesmo regime especial contido na Lei do Cibercrime.
Nesta Lei do Cibercrime coexistem dois regimes processuais:
o regime dos artigos 11º a 17º (regime processual «geral» do cibercrime e da prova electrónica/prova em suporte electrónico – através da pesquisa e recolha, para prova, de dados já produzidos, mas preservados/armazenados); e
 o regime dos artigos 18º e 19º (regime processual de autorização e regulação probatória – sendo aquele primeiro no tocante à intercepção de comunicações electrónicas, em tempo real, de dados de tráfego e de conteúdo associados a comunicações específicas transmitidas através de um sistema informático e só a esse  são aplicáveis, por remissão expressa, os artigos 187º, 188º e 190º do CPP. ).
Em suma – e fazendo nossas a doutas palavras do Exmº Juiz Conselheiro Paulo Dá Mesquita – o Capítulo III da Lei do Cibercrime (doravante com a abreviatura LCC), relativo às disposições processuais [contendo os arts. 11º até 19º inclusive] deve ser encarado como um “escondido” Capítulo V («Da prova electrónica»), do Título III («Meios de obtenção de prova») do Livro III («Da prova») do Código de Processo Penal».
E este regime especial contido na LCC é um dos casos ressalvados na parte inicial do nº 3 do art. 126º do CPP, segundo o qual: « Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem consentimento do respectivo titular».
Conforme refere o Exmº Juiz Conselheiro Santos Cabral (no “Código de Processo Penal Comentado”, 3ª edição revista da Almedina, págs. 387-418):
O núcleo de direitos fundamentais/constitucionais descritos neste nº 3 do art. 126º do CPP – salvaguarda da vida privada, do domicílio, da correspondência ou das telecomunicações – admite compressão, porquanto tal é razoável e admissível, numa lógica de proporcionalidade, e é exigido pelo próprio interesse do Estado no funcionamento da justiça penal enquanto alicerce fundamental de um Estado de Direito.          
Aliás, a nossa Constituição da República Portuguesa – apesar de conter o respectivo programa constitucional de protecção de direitos pessoais, nomeadamente através dos seus arts. 26º, nº 1, 32º, nº 8, e 34º – ressalva, expressamente, no nº 4 deste seu art. 34º:
A possibilidade de haver ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
Sendo um desses casos, precisamente, a supra citada Lei do Cibercrime que, conforme já vimos, veio transpor para a nossa ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistema de informação e veio adaptar o nosso direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa.
Tudo isto se impondo face ao caso em apreço - sem desprimor para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos [que tem considerado que o direito ao respeito pela correspondência, consagrado no artigo 8.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, visa proteger a confidencialidade das comunicações numa ampla gama de situações diferentes, incluindo mensagens electrónicas (Copland v. Reino Unido), o uso da internet (Copland v. Reino Unido), e dados armazenados em servidores informáticos (Wieser e Bicos Beteiligungen GmbH v. Áustria) e em diferentes suportes (Petri Sallinen e outros v. Finlândia; Iliya Stefanov v. Bulgária)] e sem desprimor para o Tribunal Constitucional Português [que, por exemplo, considerou no seu acórdão 403/2015 do Tribunal Constitucional (acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.) que o acesso aos dados das comunicações colide com o direito à autodeterminação comunicativa que abrange o comunicar com segurança e confiança e o domínio e autocontrole sobre a comunicação, enquanto expressão e exteriorização da própria pessoa” e que no seu acórdão nº 687/2021 (publicado no DR – I Série de 22/9/2021) considerou inconstitucional o artigo 17.º da Lei do Cibercrime].
Seguindo os ensinamento doutrinais do Exmº Procurador do Ministério Público Dr. João Conde Correia (em “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, 3ª edição, Tomo II, págs. 657-669):
As regras relativas à apreensão foram alargadas pelo especialíssimo regime previsto, fora do CPP, através da Lei do Cibercrime para fazer face a novas realidades e inerentes especificidades, tais como dos dados informáticos e do correio electrónico. Justificando-se o sacrifício do interesse individual numa comunicação livre de interferências alheias, em prol do exercício do “ius puniendi” estadual.
Mas, a apreensão (mesmo gozando de legitimidade formal pela existência de prévia autorização ou ordem judicial de apreensão) não legitima, “per si”, a valoração dos elementos probatórios assim conseguidos.
Para o efeito, é ainda necessário que o Juiz seja a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo apreendido, sob pena de a omissão total do exame (enquanto acto processual legalmente obrigatório) configurar uma nulidade prevista no art. 120º, nº 2, al. d), do CPP.
E, depois, é necessário que o Juiz considere o respectivo conteúdo como relevante para a descoberta da verdade ou para a prova dos factos investigados. Esta ponderação judicial subsequente é sempre aferida em função do valor daquilo que concretamente tenha sido apreendido – sendo necessário este subsequente juízo de prognose favorável quanto àquilo que efectivamente tenha sido apreendido, para que o Juiz ordene a sua junção aos autos (através de despacho fundamentado e recorrível nos termos dos arts. 16º, nº 3, e 17º da LCC em conjugação com os arts. 97º, nº 5, e 399º do CPP “ex vi” do art. 28º da LCC), e só então ficará legitimada a sua utilização no processo .
Também recorrendo aos preciosos ensinamentos, quer doutrinais quer jurisprudenciais, expostos pelo Exmº Procurador e docente do CEJ Dr. Rui Cardoso (em “Apreensão de mensagens de correio electrónico e de natureza semelhante” contido em Jurisdição Penal do Centro de Estudos Judiciários – Direito Probatório, Substantivo e Processual Penal -  2019, págs. 61-122):
O regime especial contido na LCC relativo à pesquisa e recolha de dados já produzidos, mas preservados/armazenados em suporte electrónico, para poderem vir a servir de meios de prova [quer para crimes especiais ou cibercrimes previstos nos seus arts. 3º a 8º, quer para crimes cometidos por meio de um sistema informático, quer para quaisquer crimes em relação aos quais seja necessária a recolha de prova em suporte electrónico] justifica a compressão de direitos constitucionais, na medida do estritamente necessário para tal.
Pelo exposto, em matéria de apreensão de dados informáticos armazenados de mensagens de correio electrónico ou de registos de comunicações de natureza semelhante, nunca estaremos nem completamente dentro, nem completamente fora quer do âmbito do segredo das telecomunicações, quer do âmbito do segredo da correspondência. Mas, estaremos sempre perante perigo de ofensa de direitos fundamentais como são o desenvolvimento da personalidade, a garantia da liberdade individual, a autodeterminação existencial e privacidade e, por isso, com necessidade de tutela adequada.
Ficando reservado ao Juiz de instrução o estritamente necessário à garantia de direitos dos visados, conjugando-o com as especificidades técnicas das comunicações electrónicas (muito diferentes da correspondência corpórea) e conjugando-o com a estrutura acusatória do processo penal.
Porém, com ou sem motivo para tal, o legislador prescreveu ser de aplicar, correspondentemente, o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP.  Esta remissão contida na parte final do art. 17º da LCC (para o regime da apreensão da correspondência previsto no CPP “..aplicando-se correspondentemente..”) não é uma aplicação integral e acrítica deste.
 Pois:
. A obrigatoriedade de ser o Juiz o primeiro a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência corpórea fechada e apreendida (empossada) visa assegurar que o conteúdo da correspondência estava efectivamente nela contida. Não é para impedir que outros, que não o Juiz, tomem conhecimento do conteúdo dessa correspondência em caso de irrelevância probatória: se assim fosse, a decisão do Juiz de juntar ao processo ou devolver deveria ser irrecorrível – o que não é o caso. Ora, sem acesso ao respectivo conteúdo, o recurso da decisão seria uma mera ficção;
Sendo que, quanto ao conteúdo em suporte electrónico, a operação de “desencapsulamento” feita pelo JIC não é minimamente equiparável à abertura de correspondência corpórea, pois  dados informáticos “encapsulados” que se supõe serem mensagens de correio electrónico ou semelhantes armazenadas no sistema informático não são o equivalente a correspondência fechada, porque: antes de mais, aquelas mensagens ou comunicações nunca estiveram fechadas; para além disso, tal não visa (nem consegue) assegurar a integridade do invólucro; finalmente, porque, por si não significa tomar conhecimento do respectivo conteúdo das mensagens;  
· No CPP, o âmbito objectivo é o de correspondência em trânsito ou ainda não aberta; na LCC, são todas as mensagens de correio electrónico ou semelhantes armazenadas num sistema informático, não havendo verdadeiramente regime aberto-lido e fechado-não lido;
· No CPP, a apreensão de correspondência só é meio de obtenção de prova admissível para crimes puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; na LCC, não há catálogo – por força do expressamente previsto no artigo 11.º, aplica-se a processos relativos a crimes (a) previstos nessa lei, (b) cometidos por meio de um sistema informático ou (c) em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte electrónico, ou seja, em abstracto, a todos os tipos de crime;
· No CPP, a correspondência tem de ser expedida pelo suspeito/arguido ou lhe ser dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa; na LCC, pode respeitar a qualquer pessoa (mais uma vez, o artigo 11.º não faz qualquer restrição de âmbito subjectivo);
· No CPP e na LCC, o critério da necessidade para a prova é o mesmo: grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova;
· O artigo 17.º da LCC não tem previsão sobre invalidades, pelo que deve operar a remissão para o CPP, aplicando-se o regime do artigo 179.º supra referido;
· O artigo 17.º da LCC não tem previsão sobre a apreensão de correspondência electrónica ou semelhante entre o arguido e o seu defensor, pelo que deve operar a remissão para o CPP (só será admissível se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objecto ou elemento de um crime);
· No que respeita aos procedimentos, no CPP os OPC's transmitem a correspondência intacta ao juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência e é este que procede à abertura e primeiro toma conhecimento do seu conteúdo; na LCC, durante o inquérito, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, o Ministério Público pode tomar conhecimento de dados ou documentos informáticos e apreendê-los cautelarmente, sem prévia autorização judicial, só estando sujeita a validação do juiz quando o conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos que possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou terceiro; na LCC, durante o inquérito, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, se forem encontrados armazenados (nesse ou noutro sistema informático a que seja permitido acesso legítimo a partir do primeiro) mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova;
. Em ambos os regimes há um primeiro momento de empossamento da correspondência corpórea/dados ou documentos informáticos ou correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante (abrangida pela ordem ou autorização judicial de apreensão), seguido do momento da tomada de conhecimento pelo Juiz, seguido do momento do conhecimento com fundamentada tomada de posição pelo Ministério Público e, finalmente, o momento da fundamentada e recorrível decisão judicial sobre a concreta admissão, ou não, como meio de prova a ser junto ao processo.
Sendo de salientar que a exigida tomada de conhecimento, em primeiro lugar, pelo JIC não visa impedir que outros tomem conhecimento subsequente do seu conteúdo.
Aliás, o seu não envio pelo JIC ao Ministério Público (antes da tomada de decisão pelo JIC) que impedisse o Ministério Público de tomar conhecimento do respectivo conteúdo, criaria um regime de segredo e, mais, faria com que o JIC assumisse a direcção do inquérito – algo que incumbe, exclusivamente, ao Ministério Público.
Em conformidade com a estrutura acusatória do processo penal português, durante a fase de inquérito, o Ministério Público tem essa função como titular do inquérito e o Juiz de Instrução tem a função juiz de garantias. Isto é, trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório).
A «densificação» semântica da estrutura acusatória faz-se através da articulação de uma dimensão material (fases do processo) com uma dimensão orgânico-subjectiva (entidades competentes). Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjectivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e órgão acusador.
Durante o inquérito, o juiz de instrução deve ser apenas juiz de liberdades e garantias: juiz de controlo, não de iniciativa. Deve ser garante dos direitos do visado pela investigação criminal e controlador da actividade do Ministério Público e das polícias criminais que o coadjuvam. Não tendo nem devendo, por isso, ter qualquer empenho nos interesses em conflito, não tomando parte activa na investigação, não dominando o seu impulso, o seu objecto ou o seu resultado;
O Juiz chamado cada vez mais à boca de cena – num processo crescentemente complexo e onde o conflito verdade/direitos fundamentais se exacerba –, correlativamente exige-se-lhe que se alheie da investigação do caso e da dialética do processo. 
O nº 4 do artigo 32.º da CRP prossegue a tutela de defesa dos direitos do cidadão no processo criminal e, nessa exacta medida, determina o monopólio pelo juiz da instrução, juiz-garante dos direitos fundamentais dos cidadãos («reserva do juiz»). Intervenção do juiz que vale — e só vale — no âmbito do núcleo da garantia constitucional. Ou seja,  intervenção que apenas deve acontecer na estrita medida do necessário para protecção efectiva dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, mas não mais do que isso, sob pena de violação do acusatório e da imparcialidade do próprio juiz de instrução – que é uma decorrência do Estado de direito democrático (prevista no arts. 2º e 202º, nº 1 da CRP).
O juiz de instrução não pode ter qualquer “influência” ou “manipulação” sobre a definição do objecto do inquérito, deve ser alheio à definição da estratégia de investigação do Ministério Público e OPC's, devendo actuar apenas no campo da admissibilidade legal das intervenções requeridas. A competência do juiz de instrução durante a fase processual presidida pelo Ministério Público, sempre que estejam em causa actos que interferem com direitos fundamentais e outras matérias que a lei reserve ao juiz, obedece a um quadro de intervenção tipificada e provocada. Pois a magistratura judicial, por natureza, não actua ex oficio em processos de que não é titular, devendo acentuar-se que este princípio da inoficiosidade não deriva de um preconceito histórico, mas de um modelo garantista em que se condiciona a intervenção do único órgão com poderes em áreas fundamentais de direitos liberdades e garantias à intervenção prévia de uma outra entidade.”
Por isso, não se conadunaria com tal função do JIC proceder, oficiosamente, à selecção das provas recolhidas em suporte electrónico que são de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova. Para além de tal não se traduzir em qualquer real garantia, violaria a estrutura acusatória do processo, pois essa é matéria essencial à direcção do inquérito e à definição do seu objecto e, assim, comprometeria a posição de imparcial juiz das liberdades.
Para além disso, alinhamo-nos na posição assumida por esta Relação de Lisboa em inúmeros acórdãos citados no Acórdão de 10/8/2020 (no processo nº 6330/18.8JFLSB-A.L1-3 acessível na dgsi.pt) no sentido de ser necessária uma intervenção inicial do Juiz no âmbito do art. 17º da LCC, isto é, a apreensão (enquanto empossamento)  de mensagens de correio electrónico e/ou registos de comunicações de natureza semelhante, armazenados num sistema informático, carece sempre de autorização judicial ou ordem judicial prévia.
E, também, nos alinhamos com a posição assumida na decisão sumária de 6/2/2019 desta Relação de Lisboa (no processo nº 152/16.8TELSB em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jurmostradoc.php?nid=5594&codarea=57) segundo a qual: «[o] Juiz de Instrução deve ser o primeiro a tomar conhecimento das comunicações recolhidas, seja no momento em que estas são extraídas em busca por si presidida, seja ulteriormente quando os suportes onde estas foram alocadas lhe são apresentados”, mas “em casos como o dos autos, em que podem estar em causa milhares de documentos (emails), esse conhecimento objectivo de todo o conteúdo pelo JIC, tem-se afigurado de difícil concretização, todavia, nada obsta a que o Juiz de instrução, caso queira tomar previamente conhecimento desse conteúdo integral, o faça, selecionando o que entender relevante e devolva depois o processo ao Ministério Público com aquilo que for pertinente para a investigação”, podendo ainda devolver ao Ministério Público todos os suportes, “devendo o Ministério Público, após visualização da totalidade dos conteúdos de correio electrónico e registos de comunicações contidos nos suportes em causa, dar deles conhecimento à Juíza de Instrução, a fim de então, esta decidir quais têm relevância para a investigação e quais devem ser anexados aos autos, com observância de todos os formalismos legais vigentes”.
Feita esta resenha legal, doutrinal e jurisprudencial, é tempo de voltarmos ao caso em apreço.
É indiscutível que houve prévio despacho judicial da Exmª JIC, transitado em julgado, autorizando a pesquisa e apreensão de dados, mensagens e correio electrónico relacionados com os crimes em investigação que fossem encontrados no servidor da sede da assistente, nos e-mails profissionais dos arguidos, no disco rígido do terminal Bloomberg e pastas que ali se encontrassem guardadas nas contas onedrive do arguido E.
 Também é indiscutível que, na sequência dessa autorização judicial, foram apresentadas à Exmª Juiz um disco externo contendo 103GB de informação e uma PEN contendo 32.4GB de informação e que a mesma JIC tomou conhecimento, em primeiro lugar, por amostragem, do respectivo conteúdo. E, depois, a mesma JIC determinou que fossem enviadas ao Ministério Público para que este se pronunciasse sobre a relevância concreta para a prova e utilidade para a investigação em curso, com vista a subsequente decisão sobre junção, ou não, aos autos.
Por isso, a Exmª JIC autorizou essas apreensões de dados e documentos informáticos e de comunicações de correio electrónico que são meios de obtenção de prova electrónica.
 Mas, prova esta que ainda não foi junta aos autos de inquérito – por isso mesmo, afigura-se-nos que [nesta sede, em face ao teor do despacho recorrido] está prejudicada qualquer apreciação sobre o concreto teor dessa prova e da legalidade, ou não, do seu teor.
Apenas tendo sido validadas tais apreensões pela Exmª JIC através da tomada de conhecimento do respectivo conteúdo, por amostragem, com subsequente remessa dessa PEN e desse disco externo para o Ministério Público se pronunciar, antes de haver decisão judicial sobre a junção, ou não, aos autos de tais meios de prova electrónica. 
Pois, conforme já referimos, o juiz de instrução (durante a fase de inquérito) não é um juiz investigador, é sim um juiz de direitos, liberdades e garantias a quem compete, nomeadamente, autorizar ou ordenar apreensões e a quem compete ser a primeira pessoa a tomar conhecimento da correspondência/correio electrónico/ registos de comunicações de natureza semelhante apreendidas.
E, depois dessa primeira tomada de conhecimento pelo JIC, caberá ao Ministério Público (enquanto autoridade judiciária que dirige o inquérito e a respectiva investigação criminal) a competência para tomar conhecimento de todos aqueles meios de prova em suporte electrónico apreendidos. Pois, só assim lhe será possíve aferir e pronunciar-se, fundamentada e detalhadamente, sobre a concreta relevância probatória, ou não, de todos e cada um desses meios probatórios apreendidos em face dos crimes investigados pelo Ministério Público.
Por isso – contrariamente ao alegado pelos arguidos recorrentes e salvo o devido respeito – não consideramos que o despacho recorrido (contendo os descritos actos da Exmª JIC nos exactos termos supra-transcritos) tenha provocado a alegada nulidade por insuficiência do inquérito prevista no art. 120º, nº 2, al. d), por remissão do art. 268º, nº 1, al. d), do CPP (segundo o qual: «Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução (…) Tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do nº 3 do art. 179º» ).
Pois, conforme já referimos, houve prévia autorização judicial de tais apreensões – que lhes conferiu intrínseca legitimidade objectiva – e tais apreensões foram seguidas da primeira tomada de conhecimento judicial do conteúdo apreendido.
E, também conforme já referimos, a especificidades do regime especial da Lei do Cibercrime não se coaduna com a remissão total e acrítica (pretendida pelos recorrentes) para o regime geral do CPP – sob pena de se deitar por terra as, já sobreditas, virtualidades materiais e processuais conferidas pela LCC.
No âmbito da LCC, o Juiz de instrução é garante da compressão de direitos constitucionais, na medida do estritamente necessário, conjugado com as especificidades do domínio do cibercrime e com as especificidades técnicas da prova electrónica, nomeadamente das telecomunicações electrónicas – muito diferentes da tradicional correspondência corpórea a que se reporta o art. 179º, nº 3, do CPP.
Por isso, não consideramos ser obrigatório, em sede da Lei do Cibercrime (como é o caso dos autos) que o primeiro conhecimento judicial pelo JIC tenha de ser do respectivo conteúdo total /completo apreendido.
E, também, consideramos ser admissível e adequado que o JIC, antes da sua decisão de junção, ou não, aos autos dos concretos elementos em suporte electrónico apreendidos, tenha solicitado o aludido e prévio parecer/proposta do Ministério Público.
Aliás, conforme já vimos, no domínio da LCC:
- dos dados ou documentos informáticos pesquisados e apreendidos (nos termos dos seus arts. 15º e 16º) só são apresentados ao JIC aqueles cujo conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos que possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro. E, uma vez apresentados estes, pode o JIC ordenar, ou não, a sua junção aos autos depois de ponderar a relevância, ou não, em função dos interesses do caso concreto.
- no tocante ao correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante, encontrados armazenados (nos termos do seu art. 17º) são sempre apresentados ao JIC, independentemente do seu conteúdo. E, uma vez apresentados, pode o JIC ordenar, ou não, a sua junção aos autos, se se lhe afigurarem como relevantes/de grande interesse, para a descoberta da verdade ou para a prova, em função dos interesses do caso concreto.
Ora, parece-nos óbvio que esta ponderação/avaliação, perante cada caso concreto no âmbito da Lei do Cibercrime, tem de ser feita pelo JIC após a tomada de conhecimento dos crimes investigados pelo Ministério Público, dos concretos factos indiciados e das respectivas provas necessárias para a descoberta da verdade material.
Pois, como é óbvio, apesar da designações de algumas pastas remeter para a reserva da vida privada, o seu conteúdo respectivo pode não o ser efectivamente e até pode, por exemplo, ser um código usado no âmbito dos factos investigados.
Pois, como é óbvio, mesmo uma fotografia, por exemplo, relativa ao âmbito da vida privada poderá ter relevância para a descoberta da verdade dos factos investigados se, por exemplo, nela aparecem dois arguidos em convívio íntimo e que, no âmbito dessa investigação diziam nem sequer se conhecerem.
E, também, como é óbvio, por exemplo,  umas SMS´s poderão ter relevância para a descoberta da verdade dos factos investigados se, por exemplo, nelas consta um assunto concreto que, no âmbito dessa investigação, os arguidos diziam desconhecer em absoluto. 
Daí a solicitação de proposta/parecer do Ministério Público, ser não só possível  como adequada e válida no âmbito do processo criminal.
Conforme já referimos, destina-se a permitir ao JIC uma melhor avaliação dos interesses do caso concreto (em investigação pelo Ministério Público face à estrutura acusatória de qualquer processo penal) e ponderação da necessidade da sua junção aos autos com a inerente compressão dos aludidos direitos constitucionais.
A este propósito importa referir o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 651/2022 (acessível no respectivo site da internet), segundo o qual:
Cabe ao Juiz de instrução a função de garantir os direitos fundamentais. Não lhe cabe, porém, concorrer com as funções do Ministério Público no inquérito. Ou seja, embora a direção do inquérito seja da incumbência do Ministério Público e não de um Juiz, quando nesta fase se mostre necessário praticar quaisquer atos instrutórios que possam restringir severamente direitos fundamentais, deve ser um Juiz a decidir, na sua veste de Juiz das liberdades. Surgindo o Juiz de instrução como o garante dos direitos fundamentais dos diversos intervenientes no processo, ele não controla, porém, o exercício da ação penal, nem a bondade dos interesses invocados que pertence, por inteiro, ao Ministério Público.
A intervenção do Juiz de Instrução Criminal em sede de inquérito deve pautar-se por um princípio da intervenção enquanto Juiz das liberdades (e não como Juiz de investigação), respeitando o modelo constitucional de divisão de funções entre a magistratura judicial e a magistratura do Ministério Público (cfr. artigos 32.º, n.º 4 e 5, e 219.º da CRP).
A reserva de Juiz comprime, portanto, a reserva do Ministério Público na direção do inquérito. Uma tal compressão só encontra, porém, justificação na medida do necessário para a proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (sobre esta ponderação, vide Acórdão n.º 474/2012, 1.ª Secção, ponto 9.3.2.).
O sacrifício ou compressão de direitos constitucionalmente protegidos, nomeadamente com a eventual junção de uma fotografia relativa ao âmbito da vida privada, não pode ser feito de ânimo leve pelo JIC, mas também não pode o JIC deixar de descurar as especificidades quer do domínio do cibercrime, quer da recolha de prova em suporte electrónico, quer das funções e reserva de competência do Ministério Público no âmbito do respectivo inquérito criminal em curso.
Ora, o raciocínio espelhado pelos recorrentes (parte interessada na lide enquanto arguidos/investigados) faz tábua rasa do supra-exposto e, por isso, não merece provimento.
Aliás, a este propósito, não podemos deixar de citar as doutas palavras do Exmo Conselheiro Santos Cabral (no “Código de Processo Penal Comentado”, 3ª edição revista da Almedina, pág. 393) e que comungamos  inteiramente:
Não merece aplauso o entendimento de alguns autores no sentido de que, para além das provas proibidas por intrínseca ilegitimidade objectiva, teríamos as provas proibidas por ilegitimidade procedimental se no processo concreto de restrição dos direitos fundamentais, não forem observados todos os requisitos formais para a legitimidade da intervenção.
Pois, uma coisa é a autorização judicial, que corporiza a ultrapassagem de um direito constitucionalmente assegurado em função de outros interesses igualmente legítimos e outra, totalmente distinta, é o incumprimento de regras formais ou procedimentais, em relação a uma autorização já concedida. Aqui não está em causa nenhum dos pressupostos que informaram o juízo de proporcionalidade formulado pelo juiz ao conceder a respectiva autorização judicial para “quebra” de uma garantia constitucional, mas única e simplesmente uma regra procedimental que visa conformar a forma como aquela autorização judicial se concretiza processualmente, ou seja, uma regra de produção de prova.
Voltando ao caso em apreço, perante a apresentação das pastas (contidas no disco externo apreendido) com designações que remetem para a reserva da vida privada (família, amigos, fotografias) e perante a apresentação das comunicações de correio electrónico (contidas no disco apreendido e na PEN apreendida), a Exmª JIC tomou conhecimento, em primeiro lugar, por amostragem, do conteúdo desse disco externo que continha 103 GG de informação e do conteúdo dessa PEN que continha 32.4 GB de informação. 
Note-se que o símbolo “GB” significa Gigabyte que é uma unidade de medida de informação, segundo o Sistema Internacional de Unidades - S.I., que equivale a um bilhão (milhar de milhões) de bytes, ou seja, 1.000.000.000 bytes, ou ainda 109 bytes (cfr. a definição constante da Wikipédia).
Ora, perante tal imensidão de informação, afigura-se-nos justificado aquele primeiro conhecimento da Exmª JIC por amostragem – que é um processo de selecionar um grupo de um universo, através de uma amostra que pode ser selecionada de forma aleatória simples ou de forma sistémica ou de forma estratificada (cfr. a definição na Wikipédia) – e através do qual  a Exmª JIC identificou ficheiros contendo comunicações de correio electrónico e pastas com dados ou documentos informáticos.
  E com vista a melhor avaliar os interesses do caso concreto (em investigação pelo Ministério Público), a ponderar da necessidade da futura junção, ou não, aos autos para a descoberta da verdade dos factos em investigação e/ou para a prova dos mesmos, remeteu o disco externo e a PEN ao Ministério Público. Para que este, venha selecionar/requerer/propor, concreta e fundamentadamente, quais os elementos que reputa relevantes para a junção ao processo. Ora, só depois da sua análise é que o Ministério Público pode aferir se esses ficheiros e pastas informáticas e demais conteúdo dessa PEN e desse disco externo têm, ou não, relevância para a descoberta da verdade ou para a prova dos factos criminosos em investigação, pronunciando-se o Ministério Público em conformidade – com vista a uma subsequente análise e tomada de decisão da Exmª JIC sobre a junção, ou não, aos autos como respectivos meios de prova.
Em jeito de conclusão final, e porque o despacho recorrido respeita os princípios legais e constitucionais sobreditos, não se vislumbrando quaisquer das violações alegadas pelos arguidos recorrentes, impõe-se afirmar a sua validade – ficando prejudicada a questão subsequente.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes, da 9.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelos recorrentes e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do CPP).
Notifique.
                                                                      
Lisboa, 11 de Maio de 2023,      
Paula de Sousa Novais Penha          
Carlos da Cunha Coutinho
Raquel Correia de Lima