Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
789/13.7TVLSB.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: PATERNIDADE
TRIBUNAIS PORTUGUESES
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da acção de investigação de paternidade, quando nenhum dos factos integradores da causa de pedir tenha tido lugar em território português, nem seja de presumir que a situação jurídica invocada apenas possa ser reconhecida através de acção proposta nos tribunais nacionais ou importe para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
1. O Ministério Público, em representação do menor, D…, instaurou acção de investigação de paternidade contra A…, com última residência conhecida no Reino Unido, pedindo que o menor seja reconhecido como filho do réu.
2. No despacho saneador, foi julgado internacionalmente incompetente o tribunal português.
3. Inconformado, apela o Ministério Público o qual, em síntese conclusiva, diz:
A competência internacional dos tribunais portugueses resulta do art. 65º, nº1, al. b), do CPC, pelo facto de serem territorialmente competentes (art. 85º, CPC), bem como das alíneas c) e d), do nº1, do citado art. 65º, já que, tendo sido lavrado o assento de nascimento no Consulado de Portugal na Grã-Bretanha existe um ponderoso elemento de conexão pessoal entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional.
4. Cumpre decidir:
5. Para a decisão do recurso, os elementos a ter em conta são os que constam do relatório e ainda os seguintes (alegados na petição inicial):
Em 5/5/20.., nasceu, em …, Grã-Bretanha, o menor D… que se mostra registado como filho de M...
Desde Setembro de 2006 a Setembro de 2010, o réu e a mãe do menor viveram (no estrangeiro) como marido e mulher, em comunhão de cama, mesa e habitação, mantendo um com o outro relações sexuais de cópula completa, em particular nos primeiros 120 dos 300 que precederam o nascimento do menor.
6. “A competência jurisdicional é um pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência ou de improcedência. Como qualquer outro pressuposto processual, a competência é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor".[1]
Dito isto, convém, antes de mais, esclarecer que nem as normas de direito convencional (Convenções de Bruxelas e de Lugano), nem as constantes dos Regulamentos comunitários (44/2001 [2], do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 e nº 1347/2000 [3], do Conselho, de 29 de Maio de 2000) [4] abrangem as questões relativas ao estado das pessoas, mais concretamente ao estabelecimento da filiação, pelo que não têm aplicação ao caso concreto.
Há, pois, que determinar a competência internacional dos tribunais portugueses face às normas de recepção integrantes da ordem jurídica nacional. Sublinhe-se, porém que, como ensina Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 109, essas normas não são normas de competência, porque a não atribuem a um tribunal, antes se limitam a determinar as condições em que uma jurisdição nacional faculta os seus tribunais para a resolução de um certo litígio com elementos internacionais.
Vejamos, então.
Estabelece o artigo 61º do C.Proc.Civil que "os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no artigo 65º".
Ora, nos termos deste artigo, a competência legal internacional depende da verificação de alguma [5] das seguintes circunstâncias: a) ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro; b) dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras da competência territorial estabelecidas nas leis portuguesas; c) ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram; d) não poder o direito invocado tornar-se objecto efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou não puder ser exigível ao autor a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Analisemos, em primeiro lugar, a questão da competência territorial, uma vez que as normas de recepção só são necessárias quando as regras de competência territorial não forem suficientes para atribuir competência a um tribunal da ordem jurídica nacional ou quando elas se destinam a afastar a competência decorrente dessas mesmas normas de competência territorial.
Para justificar a competência dos tribunais portugueses, o recorrente, invoca precisamente o critério plasmado na al. b), do nº1, do art. 65º, do CPC.
Sem razão, como veremos.
Segundo o aludido critério, a acção deve ser proposta em Portugal quando os tribunais portugueses sejam exclusivamente competentes para a apreciação da causa (art. 65º-A, CPC). Esta competência é manifestação da protecção de determinados interesses através de uma reserva de jurisdição e, portanto, de soberania.
Ou seja:
“Como a competência territorial é suficiente para atribuir aos tribunais portugueses competência para o julgamento de acções que apresentam uma conexão com outras ordens jurídicas, o sentido do critério constante do art. 65º, nº1, al. b), não pode ser o de lhes conceder competência internacional em casos em que já a possuíam por força das regras de competência territorial: se assim fosse o critério seria totalmente inútil. O sentido prático constante do art. 65º, nº1, al. b), é realmente o de definir, em conjugação com as previsões do art. 65º-A, os casos de competência exclusiva dos tribunais portugueses, isto é, determinar as situações em que os tribunais portugueses possuem uma competência exclusiva.” [6]
Ora, in casu, nos termos acima expostos, a competência dos tribunais portugueses para a presente acção não é exclusiva, pelo que não será com base neste critério que pode atribuir-se a competência internacional aos tribunais portugueses.
Da mesma forma, não se vê como integrar o chamado critério da causalidade (art. 65º, nº1, al. c), do CPC), segundo o qual a acção pode ser instaurada nos tribunais portugueses quando o facto que integra a causa de pedir foi praticado em território português, sendo ainda que, se a causa de pedir for complexa, basta que tenha ocorrido em Portugal qualquer dos factos que a integram.
Na verdade, atenta a factualidade alegada, nenhum dos factos integradores da causa de pedir terá tido lugar em território português: nem a relação sexual fecundante, enquanto facto jurídico procriador, nem nenhuma das circunstâncias previstas na lei civil que funcionam como “factos-operativos de presunções legais de paternidade" (cf. art. 1871º, CC). [7]
Finalmente:
Segundo o critério da necessidade, a acção pode ser instaurada nos tribunais portugueses quando uma situação jurídica, que apresenta uma ponderosa conexão, pessoal ou real, com o território português, só possa ser reconhecida em acção proposta nos tribunais nacionais, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro (art. 65º, nº1, al. d), CPC).
Também, neste particular, naufraga a pretensão do recorrente.
Na verdade, não só não foram alegados factos donde decorra uma impossibilidade jurídica, como não se vislumbra qualquer dificuldade apreciável na propositura da acção nos tribunais estrangeiros, tanto mais que vivendo todos os interessados (réu, menor e a mãe) bem como as demais testemunhas, no Reino Unido, é de supor estarem os tribunais ingleses melhor posicionados para conhecer do mérito da acção.
Improcede, pois, o recurso.
7. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 25/6/2013
(Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado)
(Rosa Maria Ribeiro Coelho)
(Amélia Ribeiro)
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[1] Miguel Teixeira de Sousa, "A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns", Lisboa, 1994, pag. 36 e Ac. Rel. Porto de 7/7/2003, CJ, 2003, 4º, 165.
[2] O Regulamento44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000 substituiu entre os Estados-membros aquelas Convenções (art. 68º, nº 1), contendo normas que definem a competência dos tribunais dos Estados comunitários. Todavia, o seu âmbito de aplicação é delimitado em função da matéria, dos sujeitos e do objecto, aplicando-se em matéria civil e comercial, com excepção, além do mais, das questões relativas ao estado e à capacidade das pessoas singulares (al. a) do nº 2 do art. 1º).
[3] Da mesma forma, este Regulamento, embora estatua sobre competência dos tribunais em matéria de Direito da Família, apenas é aplicável "aos processos cíveis relativos ao divórcio, separação de pessoas e bens ou anulação de casamento, bem como aos processos cíveis relativos ao poder paternal em relação aos filhos menores do casal por ocasião daquelas acções matrimoniais (art. 1º, nº 1).
[4] Quer as Convenções, quer os Regulamentos citados definem a competência dos tribunais dos Estados comunitários, constituindo uma lei especial perante as normas reguladoras da competência internacional previstas nas leis internas. Assim, sempre que o caso concreto caiba no seu âmbito de aplicação, as respectivas normas prevalecem sobre a regulamentação geral interna de cada Estado.
[5] Cada um dos factores atributivos de competência tem valor autónomo, pelo que basta a verificação de um deles para que os tribunais portugueses sejam competentes.
[6] Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., 113.
[7] Cf., a propósito, o Ac. do STJ de 25/1172004, relatado pelo Ex.mo Juiz Conselheiro Araújo de Barros, ITIJ, Sj2004112500375887.