Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
34/20.9PBCSC.L1-3
Relator: CRISTINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores: PROVA ILÍCITA
PROIBIÇÃO DE PROVA
POLÍCIAS MUNICIPAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ORDENADO REENVIO
Sumário: Os agentes das polícias municipais somente podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respectivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal.
 Os mesmos agentes  podem e devem, uma vez detectada a existência de álcool no sangue, no teste qualitativo, proceder também ao teste quantitativo.
Daí que a detenção da pessoa visada, para o efeito de ser sujeita àqueles dois testes, não é ilegal, desde que seja entregue ao OPC competente, no mais breve tempo possível.
Observado que seja o procedimento legal para a obtenção de uma medição juridicamente válida da TAS, o resultado deste exame, expresso no talão do alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, deve ser considerado prova vinculada, preconstituída (o que implica que não poderá ser repetida), dotada do especial valor probatório estabelecido para a prova pericial, no art. 163º do CPP, como também resulta do preceituado nos arts. 6º e 7º da Lei 18/2007 de 17 de Maio.
A detenção mesmo que ilegal jamais contaminaria a validade do teste quantitativo do álcool, porque não se trata  de obter uma prova à custa da privação da liberdade de forma abusiva e fora das condições legais em que são admissíveis restrições à sua liberdade individual.  
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 20 de Janeiro de 2020, no processo sumário nº 34/20.9PBCSC do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Cascais do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o arguido L____foi absolvido do crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º nº 1 e 69º nº 1 al. a) do CP.
O Mº. Pº. interpôs recurso desta sentença, sintetizando os argumentos do seu recurso, nas seguintes conclusões:
3.1. Em sede de audiência de discussão e julgamento em processo sumário, o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe eram imputados. O Tribunal considerou-as como tal e o Ministério Público e a própria Defesa não se opuseram a que as declarações do arguido fossem consideradas uma confissão integral e sem reservas dos factos. Em consequência, a prova indicada na acusação, designadamente, a inquirição das testemunhas  , agentes da Polícia Municipal, não foi produzida, nos termos do disposto no art. 344° n°s 1 e 2 do Código de Processo Penal.
3.2. Baseando-se, apenas, nas declarações prestadas pelo arguido e numa interpretação do auto de notícia elaborado pela Polícia Municipal, o Tribunal deu como provado que os agentes daquela polícia deram voz de detenção ao arguido.
3.3. As declarações do arguido, interpretadas à luz do seu estatuto processual e o teor do referido auto de notícia são insuficientes para se dar como provado que o arguido foi detido pelos agentes da Polícia Municipal, verificando-se erro de julgamento da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova.
3.4. Poderia o Tribunal ter procedido à inquirição dos agentes da Polícia Municipal, de forma a aquilatar convenientemente o modo como se processou a fiscalização do arguido e, ao não fazê-lo, violou o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material.
3.5. O Tribunal a quo entendeu que, por o arguido ter sido detido ilegalmente, tal detenção tornou inválida toda a prova que se seguiu.
3.6. Apesar disso, o Tribunal considerou provados os seguintes factos: i) Nesse âmbito, foi o mesmo fiscalizado através do aparelho de analisador quantitativo Drager modelo Alcoltest 7110 MK III P e o mesmo revelou uma TAS de 1,24 G/L, correspondente a uma taxa de 1,35 g/l registada, deduzido o valor do erro máximo admissível; ii) o arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que não podia conduzir veículo na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas; iii) o arguido bem sabia que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente sancionada e ainda assim não a absteve de a praticar.
3.7. Ao julgar provados esses factos, que decorrem da prova que considerou inválida e inexistente, produziu o Tribunal a quo uma decisão contraditória, pois a matéria de facto provada colide com a fundamentação.
3.8. Dos factos considerados provados constam todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e, ainda, assim, o arguido foi absolvido e não condenado. Ao absolver o arguido, padece a decisão do Tribunal a quo do vício de contradição insanável entre a decisão da matéria de facto, a fundamentação e a decisão.
3.9. Uma detenção ilegal importa várias consequências, quer a não validação da detenção pela autoridade judiciária competente, a libertação imediata do detido, quer responsabilidade disciplinar e, eventualmente, criminal, para os infractores.
3.10. Porém, a detenção do arguido, sem uso de força física e à qual não foi oferecida qualquer resistência, ainda que tenha sido efectuada fora nas circunstâncias em que é permitida por lei, não consubstancia, por si só, um método de prova proibido, nos termos do disposto no art. 126° n° 1 alínea c) do Código de Processo Penal.
3.11. Efectivamente, o referido artigo prevê a proibição de obtenção de prova mediante a ofensa à integridade física e moral das pessoas, exigindo um nexo de causalidade entre o uso da força e a obtenção da prova, o que não se verifica no caso concreto, pois o teste considerado inválido foi realizado voluntariamente pelo arguido.
3.12. Sem conceder, ainda que assim não se entenda, a aplicação da doutrina do “efeito à distância” da obtenção de uma prova proibida não poderia ter conduzido, no caso em apreço, à absolvição do arguido.
3.13. A nossa doutrina e jurisprudência, sustentada no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 198/2004, de 24 de Março, referência nesta matéria, admite a doutrina do efeito à distância, mas mitiga os seus efeitos, propugnando uma apreciação casuística das situações em que a indissolubilidade entre as provas é de repudiar.
3.14. Há, em abstracto, três hipóteses que limitam o referido efeito à distância: a chamada limitação da fonte independente, a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula dissipada.
3.15. Considerou o Tribunal Constitucional, no referido arresto, que aqui seguimos de perto, que as declarações confessórias do arguido, em sede de audiência de discussão e julgamento, constituem uma prova subsequente autónoma, decorrendo de um acto de vontade de quem é advertido do sentido e consequências das declarações que prestou e tem autonomia face a eventuais provas inválidas anteriores.
3.16. Tal como sustenta a jurisprudência constitucional, a eventual proibição de prova decorrente da detenção ilegal do arguido não atinge, pelo 'efeito à distância', a confissão livre do arguido que não resultou directamente dessa prova e não poderia, no caso em apreço, ser deixada de valorar pelo Tribunal.
3.17. Por outro lado, importa salientar que a igual resultado conduziria a limitação da descoberta inevitável, consubstanciada na adopção do comportamento lícito alternativo. Tal limitação ocorre quando seja possível concluir que, no caso concreto, os elementos constantes do meio de prova secundário seriam de qualquer modo adquiridos através de um comportamento lícito alternativo.
3.18. No caso em apreço, consideramos que, caso a Polícia Municipal tivesse adoptado os procedimentos correctos, por si ou mediante a intervenção do órgão de polícia criminal competente, o arguido acabaria por ser sujeito ao teste de pesquisa de álcool que o Tribunal considerou prova inválida e inexistente.
Face ao exposto, a decisão recorrida deverá ser revogada e ordenada a repetição do julgamento ou, caso assim não se entenda, julgada a acusação procedente, por provada, e o arguido ser condenado da prática do crime de que foi acusado.
Admitido o recurso, o arguido apresentou resposta, no sentido da manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A decisão ora em recurso não merece qualquer reparo, quer no que toca aos argumentos fácticos quer de ius nela explanados, encontrando-se exemplarmente trabalhada e fundamentada;
2. O arguido foi absolvido face à nulidade insanável do último teste de alcoolemia, obtido apos a detenção ilegal daquele;
3. O primeiro teste efetuado ao arguido apresentou uma taxa de alcoolemia de 0,86 g/l, tendo o mesmo resultado sido obtido, não através de qualquer operação de fiscalização previamente autorizada, mas através de uma ordem emanada pelos agentes, para que o arguido parasse o veículo na via publica a fim de ser fiscalizado o nível de alcoolémia.
4. Já aqui nos parece que os agentes municipais atuaram fora das suas competências.
5. As polícias municipais não constituem forças de segurança, estando-lhes vedado o exercício de competências próprias de órgãos de polícia criminal.
6. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez prevê no tipo legal uma taxa de álcool no sangue igual ou superior 1,2 g/l,
7. Considerando que a taxa apresentada pelo arguido, de 0,84 gl, não representa a prática de crime, a detenção do arguido, pelos agentes da polícia municipal, fora flagrante delito, foi ilegal.
8. Com efeito, a detenção ilegal do arguido para a realização de segundo teste, inquina a prova assim obtida, não podendo ser utilizada.
9. No seguimento das conclusões do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Republica, transcritas pelo Recorrente, nomeadamente na 11.a “os agentes policias municipais somente podem deter suspeitos no caso de crime publico ou semi-público, punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respetivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia municipal.
10. Os agentes poderiam/deveriam fazer deslocar ao local o órgão de polícia criminal, para a realização do segundo teste, em lugar de conduzir o arguido para as instalações da polícia municipal,
11. No entanto, optaram por privar o arguido da sua liberdade, dando-lhe voz de detenção, transportando-o para as instalações da polícia municipal, onde permaneceu varias horas.
12. A prova documental carreada nos autos, evidencia claramente a detenção efetuada,
13. O “auto de notícia por detenção” (fls.17 e 18), refere expressamente “conduziu-se a pessoa ora detida às instalações...” mais adiante “A pessoa detida tinha consciência.”, resultando clarividente a detenção efetuada, tal como referido pelo arguido nas suas declarações;
14. A detenção ilegal é uma situação que ofende o direito à liberdade do arguido constitucionalmente garantido, constitui um atentado ilegítimo à liberdade individual.
15. A prova obtida sob a privação ilegal da liberdade do arguido, tem de considerar-se obtida sob coação, sendo ferida de nulidade.
16. As nulidades tornam inválido o acto em que se verificam, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar (art.122.° n.°1 CPP).
17. A confissão não implica necessariamente uma condenação.
18. Ademais, o arguido nunca poderia ter confessado a taxa de alcoolemia, por carecer de razão de ciência para tal,
19. O arguido só podia confessar aquilo de que tinha ou podia ter conhecimento.
20. Tão só as circunstâncias de tempo e lugar, características do veículo que conduzia, se havia ingerido bebidas alcoólicas antes da condução de que foi fiscalizado pelos agentes e submetido a testes de controlo de alcoolemia.
21. Com efeito, o arguido não podia validamente confessar qual a taxa de que era portador, sendo certo que, a confissão que a este respeito o arguido fez, só é revelante na estrita medida da admissão de tê-la acusado quando foi testado.
22. Para a prova da taxa de alcoolemia, o tribunal tem de se socorrer de outras provas, nomeadamente da documental.
23. Poderá questionar-se se as declarações prestadas pelo arguido resultam claramente uma confissão integral e sem reservas, no entanto, mesmo que assim seja considerado, tal não implica necessariamente uma condenação, podendo resultar numa absolvição por outros motivos, conforme resulta da letra da lei (art.344.° n.°2 b) CPP).
24. Mesmo que as declarações do arguido fossem consideradas como confissão parcial ou com reservas, o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve haver lugar e em que medida, a produção da prova (art.344.° n.°4 in fine).
25. A prova documental carreada para os autos, nomeadamente o “auto de notícia por detenção” a fls. 17 e 18, está em total consonância com as declarações do arguido, constituindo prova bastante para a decisão proferida.
26. Em nada revelaria o depoimento dos agentes policiais, face à prova documental existente nos autos;
27. Tal prova documental é de tal modo evidente quanto à detenção do arguido que em nada poderia revelar o modo ou a forma da detenção, pois não existiu flagrante delito que a fundamentasse.
28. A confissão não leva necessariamente à condenação, podendo existir vários motivos para decretar a absolvição, como por exemplo a prescrição, os factos confessados não constituírem crime, ou como no caso em apreço, a declaração de nulidade de determinada prova, não se podendo dela valer para levar a uma condenação, etc.
29. De acordo com o princípio da livre valoração da confissão, o tribunal pode e deve controlar a confissão e a veracidade dos factos confessados.
30. Na esteira de jurisprudência e doutrina, o efeito (probatório) da confissão não conduz à aceitação acrítica da confissão. Assim, pode ter lugar a confissão e ainda assim a convicção do julgador orientar-se noutro sentido, designadamente porque, não obstante a confissão, persistem dúvidas sobre a veracidade dos factos confessados. Isso mesmo resulta do disposto na alínea b) do n° 3 e no n° 4 do artigo 344° do CPP e parece constituir exigência do princípio da investigação e da autonomia do juízo jurisdicional. (Rui Soares Pereira, “Acerca do valor probatório da confissão do arguido, Almedina, 2014)
31. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, faz sentido que o Tribunal possa absolver o arguido por razões de natureza processual (pressupostos processuais ou nulidades) ou de natureza substantiva (relativas à qualificação jurídica dos factos) (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, cit., p. 867).
32. Sendo a taxa de alcoolémia determinável pelo alcoolímetro ou por meio de análise ao sangue, a confissão do arguido, feita na audiência de julgamento, não pode abranger tal taxa, pois falta- -lhe, para o efeito, razão de ciência (Ac. RC de 04.05.2011, Proc. 332/10.0 GCPBL.C1 (Brízida Martins), disponível em www.dgsi.pt).
Remetido o processo a este Tribunal, realizou-se a conferência prevista no art. 419º do CPP.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Do âmbito do recurso e das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes:
Erro de julgamento da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova.
Contradição insanável entre a matéria de facto considerada provada e a decisão.
Saber se o teste quantitativo do qual resultou uma TAS de 1,24 gr/litro no organismo do arguido nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas na sentença corresponde a uma prova proibida, nos termos do art. 126º nºs 1 e 2 al. c) do CPP.
2.2. Fundamentação de facto
No dia 10 de janeiro de 2020, pelas 03h50, na Avenida Marginal, no Estoril, na área deste município, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 53-FX-75, tendo sido submetido a teste de despiste do álcool no sangue pelo aparelho Alcoltest 6810 e tendo o teste revelado positivo com uma taxa de 0,86 g/l.
Seguidamente, foi-lhe dada ordem de detenção pelo agente da polícia municipal que o fiscalizou e conduzido o mesmo sob detenção dentro do carro da polícia municipal para as instalações daquela força de polícia administrativa.
Nesse âmbito, foi o mesmo fiscalizado através do aparelho de analisador quantitativo Drager modelo Alcoltest 7110 MK III P e o mesmo revelou uma TAS de 1,24 g/l, correspondente a uma taxa de 1,35 g/l registada, deduzido o valor do erro máximo admissível.
O arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que não podia conduzir veículo na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas.
O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida por lei e ainda assim não a absteve de a praticar.
O arguido tem antecedentes criminais registados, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado em 28 de Janeiro de 2012, numa pena de 60 dias de multa, à razão diária de € 6,00 no montante global de € 360,00 e sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de quatro meses;
Tem ainda uma condenação pela prática de factos análogos integrantes da condução de veículo em estado de embriaguez, praticados em 12 de Fevereiro de 2012, na pena de 75 dias de multa, à razão diária de € 6,00 e no montante global de € 450,00 e na inibição de conduzir veículos a motor pelo período de cinco meses.
*
Quanto à fundamentação da matéria de facto, o Tribunal levou em consideração toda a prova documental junta aos autos, concretamente, o auto de fls. 17 e 18, o talão alcoolímetro de fls. 13 e o certificado de registo criminal de fls. 31 a 37.
No mais, foram consideradas as declarações do arguido que, relativamente aos factos importam uma confissão livre, integral e sem reservas, porque reconheceu que foi fiscalizado pela Polícia Municipal, nas condições em que o foi, que foi submetido ao teste do álcool e que acusou 0,86 gr/litro, que foi levado pela Polícia Municipal sob detenção e que, depois, efectuando o teste, o mesmo revelou TAS considerada como taxa crime e que contou todo o circunstancialismo envolvente.
Não levou aos factos provados as condições sociais e económicas do arguido, pese embora as tenha considerado, por motivos que adiante se especificarão.
*
Não obstante, esta factualidade, que seria apta, em princípio, a integrar a prática de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º do CP, o arguido foi absolvido.
Isto porque, segundo a argumentação desenvolvida pela Mma. Juiz, na gravação da sentença (transcrição parcial):
«(…) Por outro lado, a lei que regula as competências das polícias municipais a nível nacional, dispõe, no seu art. 3º nº 1 al. e), que se lhes impõe a regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal, na área de jurisdição municipal, acrescentando o nº 4 do preceito, quando por exercício dos poderes de autoridade previstos no nº 1, os órgãos de polícia municipal directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime, podem proceder à identificação e revista dos suspeitos, no local do cometimento do ilícito, bem como à sua imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente, acrescentando o nº 5 que em qualquer caso lhes é vedado o exercício das competências próprias dos órgãos de polícia criminal.
«No mais, no que diz respeito propriamente às competências, sob a epígrafe assim referenciada, no art. 4º nº 1 al. e), se determina que os mesmos podem deter e entregar directamente à autoridade judiciária ou à entidade policial suspeitos de crime punível com pena de prisão em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal, bem como podem elaborar os autos de notícia e os autos de contraordenação ou transgressão, por infracção às normas referidas no nº 3.
«De igual modo, qualquer cidadão, nos termos do código de processo penal, e também os órgãos de polícia criminal e de polícia administrativa, como é a polícia municipal de Cascais, podem deter qualquer pessoa, desde que pela prática de crime que tenham directamente percepcionado em flagrante delito.
«Se assim não for e procederem à detenção, como se refere, expressamente, neste auto, que foi levado à factualidade, isto é, quando se diz, que o teste revelou-se positivo por uma TAS de 0,86 gr/litro e, seguidamente, em cumprimento de regulamento de fiscalização, conduziu-se a pessoa «ora detida», às instalações da polícia municipal, tal implica a própria confissão de que o detiveram.
«(…)
«Nos termos do art. 126º do CPP são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
«E depois diz que são ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante a utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei.»
Prosseguiu a Mma. Juiz a sua argumentação, dizendo, em síntese que:
A acção da polícia municipal estava limitada ao permitido por lei que, no caso, era, só poder deter uma pessoa, no caso de verificação da prática de crime.
Vendo a regulamentação da acção da polícia municipal, a acção desta polícia, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, estava circunscrita a uma solicitação ao cidadão a quem detectasse uma TAS superior a 0,5 gr/litro, mas inferior a 1,20 gr/litro a acompanhá-la ao posto da polícia municipal para realizar o teste quantitativo, mas, no caso de este não aceitar tal solicitação, não podia tê-lo detido, nem lhe está permitido actuar fazendo uso da força e da coerção da liberdade de movimentos dos cidadãos visados, ainda que com o seu consentimento, sem dar conhecimento ao órgão de polícia criminal competente, para que fosse este a tomar as medidas necessárias à verificação da TAS.
Neste caso, a polícia municipal deveria ter dado conhecimento imediato ao órgão de polícia criminal, para que esta acorresse ao local e fizesse o teste quantitativo de álcool, pois só esta poderia tê-lo feito e com a cominação do crime de desobediência e porque o primeiro teste era meramente de despistagem, sem qualquer valor científico e dele resultou uma TAS inferior ao limite legal mínimo, a partir do qual a condução sob a influência do álcool constitui a pática de um crime e o segundo teste não pode ser admitido como prova pericial porque foi obtido através de uma detenção ilegal, em virtude de a polícia municipal não ter competência para a levar a cabo e, por isso, à custa de uma privação ilegal da liberdade do arguido.
Para a decisão do presente recurso, importa, ainda considerar a seguinte factualidade:
No dia 10 de Janeiro de 2020, pelas 4horas, a polícia municipal de Cascais elaborou um auto de notícia por detenção, no qual fez constar, além do mais, o seguinte:
Na data, hora e local acima mencionados (Av. Marginal, no Estoril), a pessoa ora detida conduzia a viatura em referência, tendo informado, em acção de fiscalização a que foi sujeita, ter ingerido bebida(s) com teor alcoólico há mais de 60 minutos/horas.
Por haver suspeita fundada de que pudesse encontrar-se sob influência do álcool, foi a mesma sujeita a teste de pesquisa de álcool no ar expirado mediante analisador qualitativo de marca «DRAGER», modelo “Alcotest 6810”, devidamente calibrado, tendo o teste dado resultado POSITIVO, 0.86g/l Seguidamente, e em cumprimento do disposto no n° 2 do Art. 2º do Regulamento de Fiscalização da Condução Sob a influência do Álcool ou Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.° 18/2007, de 17 de Maio, e em observância ao disposto no art. 153º do Código da Estrada, conduziu-se a pessoa ora detida às instalações da Polícia Municipal sitas em Rua António Andrade Júnior 112, Cascais, onde realizou novo teste de pesquisa de álcool no ar expirado no ANALISADOR QUANTITATIVO de marca «DRAGER», modelo Alcotest “7110 MKIIIP”, com 0 n.° de série «AREA-0070», tendo acusado, cff. Talão n° 1004. que se junta, a «TAS registada» de 1.35 g/1, a que corresponde, após dedução do erro máximo aplicável previsto na Portaria n.° 1556/2007, de 10.12, a «TAS apurada» de 1.24 g/1..
O equipamento alcoolímetro «Drager» Alcotest “7110 MKIII P” obteve aprovação do modelo com o n.° 211.06.07.3.06, por Despacho n.° 11037/2007 do IPQ, de 24/04, publicado no D. R. 2.a série n.° 109, de 06/06/2007, sendo a sua utilização autorizada por Despacho do Presidente da ANSR n.° 19684/2009, de 25/06, publicado no D. R. 2.a série, n.° 166, de 27/08.
A pessoa detida tinha consciência de que a condução de veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/1 constitui crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Art. 292o do Código Penal, e, ainda assim, decidiu conduzir nas descritas circunstâncias, pelo que lhe foi comunicado que deveria considerar-se detida pela prática desse ilícito.
Contraprova              
A pessoa detida foi notificada do direito de requerer contraprova nos termos do Art. 153o do Código da Estrada, conforme notificação anexa, tendo a mesma:
[X] - Prescindido desse direito (auto de notícia de fls. 17 e 18);
O departamento de polícia municipal e fiscalização de Cascais elaborou no mesmo dia 10 de Janeiro de 2020, pelas 4h52m, um documento assinado por um agente daquela polícia e por um agente da PSP, com a denominação de guia de entrega de cidadão detido do qual consta que:
Nos termos do Art.° 255.°, n.° 2, do Código de Processo Penal (CPP), e em cumprimento do disposto no Art. 4o, n° 1, alínea e), da Lei n° 19/2004, de 20.05, vai ser entregue com a presente guia o detido abaixo identificado ao Órgão de Polícia Criminal (OPC) territorialmente competente, a fim de por este ser dado cumprimento ao disposto no Art. 259° do CPP e a quaisquer outros procedimentos legalmente exigidos.
A presente guia de entrega foi elaborada em duplicado e vai ser assinada pelo Agente de Polícia Municipal que faz a entrega e pelo Órgão Polícia Criminal que recebe o detido, ficando o duplicado com este último e o original anexo aos autos, os quais serão entregues nos serviços do Ministério Público do Tribunal de Cascais, Comarca de Lisboa Oeste.
Esse detido é o arguido L___ (documento de fls. 16);
De seguida, pelas 5h38m do mesmo dia 10 de Janeiro de 2020, foi elaborado pela PSP o auto de notícia dando conhecimento dos mesmos factos (auto de notícia de fls. 3 a 6) e em informações complementares, foi exarado o seguinte:
Pela hora indicada quando me encontrava de serviço no carro patrulha à área da Esquadra de Cascais, foi-me comunicado via Rádio pela Central de Comando e Controlo Operacional da Divisão de Cascais, para comparecer no Departamento da Policia Municipal de Cascais, onde o Agente Pedro, associado em item, me entregou o ora detido, devidamente associado em item Suspeito, conforme Guia de Entrega.
O condutor foi submetido ao teste quantitativo do ar expirado e revelou uma TAS de pelo menossT24 g/l; correspondente à TAS de 1,35 g/l registada, deduzido o erro admissível registada em talão n°1004, altura em que lhe foi-lhe dada voz de detenção, após aceitar o teste efetuado e não desejar qualquer contra prova.
Dos factos acima narrados, foi o suspeito transportado em viatura policial para a Esquadra de Cascais onde se elaborou o presente Auto.
O detido, foi sujeito a Constituição de Arguido e TIR, foi efetuada Declaração de Rendimentos, sendo ainda notificado para comparecer nos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Cascais, pelas 14H00 do dia 10-01-2020 (auto de notícia de fls. 3 a 6).
2.3. Apreciação do mérito do recurso
A matéria de facto pode ser sindicada em recurso através de duas formas: uma, de âmbito mais estrito, a que se convencionou designar de «revista alargada», implica a apreciação dos vícios enumerados nas als. a) a c) do art. 410º nº 2 do CPP; outra, denominada de impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma, envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante, mas com limites, porque subordinada ao cumprimento de um dever muito específico de motivação e formulação de conclusões do recurso (Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt). 
Assim, nos termos do nº 3 do art. 412º do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e c) as provas que devem ser renovadas».
O nº 4 do mesmo artigo acrescenta que, tratando-se de prova gravada, as indicações a que se referem as alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, segundo o estabelecido no nº 6.
Ou seja, o recorrente terá de indicar, com toda a clareza e precisão, o que é que, na matéria de facto, concretamente, quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual alternativa à decisão de facto exarada na sentença que impugna, e quais os motivos exactos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe.
Assim, quanto à especificação dos concretos pontos de facto, a mesma «só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e se considera incorrectamente julgado» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 7 ao art. 412º., pág. 1144).
Portanto, só os factos controvertidos por efeito das provas cujo conteúdo seja adequado à conclusão de que se impõe uma decisão diferente da recorrida, segundo a motivação do recorrente, é que são objecto de sindicância pelo Tribunal da Relação.
Já a especificação das concretas provas, «só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação (…) das passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento» (Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª. ed., 2009, nota 8 ao art. 412º., pág. 1144).
Quando se trate de depoimentos de testemunhas, de declarações de arguidos, assistentes, partes civis, peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficaram gravadas as frases que se referem ao facto impugnado.
Acresce que a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso só pode determinar a sua alteração, se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não quando apenas se constatar que seria possível uma decisão diferente.
Essa modificação será, ainda, assim, tão só a que resultar do filtro da documentação da prova, segundo a especificação do recorrente, por referência ao conteúdo da acta, com indicação expressa e precisa dos trechos dos depoimentos ou declarações em que alicerça a sua divergência (art. 412º nº4 do CPP), ou, pelo menos, mediante «a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente» (Ac. do STJ nº 3/2012, de fixação de jurisprudência de 08.03.2012, in D.R. 1.ª série,  nº 77 de 18 de abril de 2012).
«É em face dessa prova que, em sede de recurso se vai aferir da observância dos juízos de racionalidade, de lógica e de experiência e se estes confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos, cuja veracidade cumpria demonstrar. Caso esteja demonstrado que o juízo constante da decisão recorrida é compatível com aqueles critérios não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não estiver, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância» (Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253).
No caso vertente, o Mº. Pº. alicerçou o erro de julgamento, na omissão da inquirição das duas testemunhas Pedro Costa e Pedro Rodrigues, agentes da Polícia Municipal que elaboraram o auto de notícia, uma vez que, segundo argumentou, as declarações do arguido são inaptas a demonstrar que tenha sido detido pela polícia municipal e a interpretação que a Mma. Juiz fez do teor literal do auto de notícia não tem sustentação na realidade, em virtude de a expressão «ora detida» ali usada, para se referir ao arguido, por constar logo no início daquele auto, revela ser evidente que, nessa altura, ainda não teria havido detenção alguma.
Ora, no que se refere às declarações do arguido valerem como confissão integral e sem reservas dos factos objecto do processo, concorda-se que as mesmas não têm a virtualidade, com a mesma força probatória da confissão, de demonstrarem as circunstâncias de tempo e de modo e lugar em que se verificou a detenção pela polícia municipal.
Para o processo penal, a confissão representa a obtenção da prova sobre os factos imputados ao arguido na acusação e/ou na pronúncia através das suas declarações, ou seja, corresponde à afirmação da veracidade dos factos que integram a prática de um crime, feita pelo arguido perante uma autoridade judiciária, sendo integral, quando incluí todos os factos imputados e sem reservas quando desacompanhada de outros factos novos susceptíveis de dar aos factos imputados um tratamento jurídico diferente daquele que é o atribuído pela acusação ou pela pronúncia (Carlos Climent Duran, La Prueba Penal, Tomo I, 2.ª ed., p. 377; Rui Soares Pereira, Acerca do valor probatório da confissão do arguido, intervenção realizada no dia 07 de julho de 2012, no âmbito do III Curso Pós-Graduado de Aperfeiçoamento em Direito da Investigação Criminal e da Prova, organizado pelo Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito de Lisboa – IDPCC, https://www.plmj.com/xms/files/v1_antigos_anteriores_a_abr2019/Artigos_e_Publicacoes/2018/acerca_do_valorValor_probatorio_da_confissao_do_arguido_-_DIC.PDF).
«A confissão constitui, pois, um modo particularmente privilegiado de demonstração dos factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena, que nos termos do n.º 1 do artigo 124.º do Código de Processo Penal constituem o objeto da prova.» (José António Rodrigues da Cunha, A Colaboração do Arguido com a Justiça - A Confissão e o Arrependimento no Sistema Penal Português, Julgar nº 32, 2017, p. 51,   in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2017/05/JLGR32-JARC.pdf).
Fora deste âmbito temático, as declarações do arguido estão sujeitas ao crivo da livre apreciação, de harmonia como o princípio da livre apreciação da prova contido no art. 127º do CPP.
Mas, a verdade é que o Mº. Pº. não fez qualquer esforço argumentativo, em ordem a permitir a conclusão de que as declarações do arguido, no conspecto de ter sido detido pelos agentes da polícia municipal, não é credível ou não merece ser valorado, não sendo suficiente para esse efeito, o seu estatuto processual, até porque, foi precisamente com  esse estatuto, que o arguido reconheceu a veracidade dos factos alegados na acusação, sujeitando-se às consequências de uma condenação pela prática do crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, sendo certo que nem da gravação da audiência, nem das motivações do recurso, resultam quaisquer circunstâncias ou razões adequadas a retirar credibilidade à versão apresentada pelo arguido, quanto aos factos que envolveram a sua sujeição ao exame qualitativo de pesquisa do álcool e à sua subsequente condução ao departamento da polícia municipal de Cascais para realizar o teste quantitativo e à sua subsequente entrega à PSP.
Acresce que a interpretação que a Mma. Juiz do julgamento fez do auto de notícia elaborado pela polícia municipal, porque estribada no teor literal do mesmo, onde são feitas menções expressas a «pessoa detida», a «detido» para se referir ao arguido e considerando a respectiva força probatória que lhe é reconhecida, nos termos dos arts. 99º e 100º do CPP, quanto aos factos presenciados e praticados pelos agentes policiais e que são relatados, nesses autos, é correcta, quanto à conclusão de que o arguido foi efectivamente detido pela polícia municipal, pois nem outro poderia ser o significado retirado do texto, nem do documento de fls. 16 que tem a expressiva denominação «guia de entrega de cidadão detido» e que documenta a entrega do arguido à PSP e alude de forma explícita ao facto de o mesmo ter sido detido, o mesmo acontecendo com o auto de notícia elaborado pela PSP.
Acresce que o argumento de que a alusão logo no início da redacção do auto revela o desacerto da interpretação feita, não tem qualquer sustentação, desde logo, porque o que a prática policial revela, é que os autos de notícia ou de detenção são redigidos, depois de verificados os factos que neles são relatados e não em tempo real e gradual, à medida que se vão sucedendo. De resto, nem seria fisicamente possível fazer de outro modo.
Ora, o erro de julgamento tem de ser aferido entre a prova realmente produzida e as regras e princípios de direito probatório penal, não por referência a diligências probatórias que poderiam ter sido realizadas e não foram, como seria o caso dos depoimentos das duas testemunhas que o Mº. Pº. identificou no seu recurso.
Por isso que a omissão da inquirição das testemunhas agentes da polícia municipal que interceptaram o arguido e o detiveram poderia ser considerada como uma diligência probatória indispensável à descoberta da verdade, o que também não é o caso, em face do texto inequívoco que consta dos autos de notícia e da guia de entrega de cidadão detido, mas o que não pode é reconduzir-se a erro de julgamento.
O recurso tem de improceder, nesta parte.
Quanto aos vícios decisórios.
O Mº.Pº. invocou o erro notório na apreciação da prova e a contradição insanável entre a matéria de facto considerada provada e a decisão.
O art. 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estabelece a possibilidade de o recurso se fundamentar na insuficiência da matéria de facto provada para a decisão; na contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, ou no erro notório na apreciação da prova, «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito».
A apreciação destes vícios não implica qualquer sindicância à prova produzida, no Tribunal de primeira instância, porque envolve apenas a análise do texto da decisão recorrida, na sua globalidade, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, ainda que constem do processo. Apenas as regras de experiência comum podem servir de critério de aferição da sua existência.
A matéria de facto será insuficiente para a decisão, quando na exposição da matéria de facto exarada no texto da sentença, se constata a ausência de elementos de informação que, podendo e devendo ter sido obtidos e julgados provados ou não provados, são necessários para alicerçar com segurança o sentido da decisão, seja de condenação, seja de absolvição, o que se verificará quando o tribunal recorrido tenha deixado de investigar, como lhe competia, factos pertinentes ao objecto do processo, tal como configurado pela acusação e pela defesa, ou que resultem da discussão da causa, a ponto tal, que esse défice factual impede a aplicação do direito à situação de vida submetida à apreciação do Juiz (cfr. Acs. do STJ de 12.03.2015, proc. 40/11.4JAAVR.C2; de 24.02.2016, processo 502/08.0GEALR.E1.S1; de 12.07.2018, processo 172/17.5S7LSB.L1.S1 e de 06.02.2019, processo 1074/15.5PAOLH.E1.S1, in http://www.dgsi.pt.; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69 e Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, pág. 1274).
A insuficiência tem de transparecer de forma clara e notória, do próprio texto da decisão, por si só, ou em conjugação com as regras de experiência comum e significa que os factos apurados, tal como são descritos na da decisão recorrida não chegam para alicerçar a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções jurídicas possivelmente aplicáveis – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, – em virtude de o tribunal não se ter pronunciado sobre todos os factos que integram o objecto do processo, alegados pela acusação ou pela defesa, ou resultantes da discussão da causa e que possam e devam ser atendidos para a decisão nos termos consentidos pelos arts. 358º e 359º do CPP.
Verifica-se, em suma, quando a decisão de direito ultrapassa a decisão de facto.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, corresponde, genericamente, à afirmação simultânea de uma coisa e do seu contrário, vale por dizer, quando se considera provado e não provado o mesmo facto, ou quando se dão como provados factos antagónicos ou quando esse antagonismo intrínseco e inultrapassável se estabelece na fundamentação probatória da matéria de facto, ou entre a fundamentação e a decisão, a ponto de se tornar evidente, a partir da simples leitura do texto que dessa fundamentação deveria resultar decisão oposta àquela que foi tomada.
«Para os fins do preceito (al. b) do nº 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência. As contradições insanáveis que a lei considera para efeitos de ser decretada a renovação da prova são somente as contradições internas, rectius intrínsecas da própria decisão considerada como peça autónoma» (Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, pág. 739).
Verificar-se-á sempre que «(…) no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito» (Ac. do STJ de 12.03.2015, processo n.º 418/11.3GAACB.C1.S1. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 20.9.2017, proc. 596/12.4JABRG.G2.S1; de 5.09.2018, proc. 2175/11.4TDLSB.L1.S1, de 03.04.2019, processo 38/17.9JAFAR.E1.S1, de 25.09.2019, proc. 60/2017.5 JAFAR.E1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Pode, pois, existir contradição insanável, não só, entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto e a decisão (Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 325).
«A contradição da fundamentação ou entre esta e a decisão só importa a verificação do vício quando não seja suprível pelo tribunal ad quem. Isto é, quando seja insanável. (…) A contradição tanto pode emergir entre factos contraditoriamente provados entre si, como entre estes e os não provados («provado que disparou», «não provado que disparou»), como finalmente entre a fundamentação (em sentido amplo, abrangendo a fundamentação de facto e também a de direito) e a decisão. É exemplo deste último tipo de contradição, a circunstância de a sentença se espraiar em considerações tendentes à irresponsabilidade penal do arguido e a decisão final concluir, sem mais explicações, por uma condenação penal, ou vice-versa.
Por vezes a contradição surpreende-se até no modo como se apresenta a fundamentação da matéria de facto, quando essa fundamentação resulta contraditória com a solução de facto encontrada.» (Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, cit., 2.ª ed., 2016, a págs. 1274-1275, em anotação ao artigo 410.º).
O erro notório na apreciação da prova supõe que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com o senso comum, deflua de forma fácil, evidente e ostensiva que factualidade ali exarada é arbitrária, contrária à lógica, a regras científicas ou de experiência comum, ou assenta na inobservância de regras sobre o valor da prova vinculada, ou das leges artis (Acs. do STJ de 12.03.2015, processo 40/11.4JAAVR.C2; de 06.12.2018, processo 22/98.0GBVRS.E2.S1 e de 03.04.2019, processo 38/17.9JAFAR.E1.S1 e Simas Santos e Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77).
«Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (…)» (Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º).
«É o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta» (Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal, Vol III, pág. 341).
«O “erro notório na apreciação da prova” constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio» (Ac. do STJ de 06.10.2010 Proc. n.º 936/08.0JAPRT.P1.S1. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 20.11.2014, processo 87/14.9YFLSB e de 13.03.2019, processo 2400/11.1TASTB.E1.S1, in http://www.dgsi.pt).
No presente processo, a Mma. Juiz começou por considerar integralmente provados os factos descritos na acusação, ou seja, que no dia 10 de Janeiro de 2020, pelas 03h50, na Avenida marginal, no Estoril, na área deste município, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 53-FX-75, com uma TAS de 1,24 gr/litro e que agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que não podia conduzir veículos automóveis, na via pública em tais circunstâncias e, ainda assim, querendo fazê-lo, ciente do carácter proibido da sua conduta.
Ora, estes factos, integram a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pois integram todos os elementos constitutivos, objectivos e subjectivos do tipo legal previsto nos arts. 292º e 69º nº 1 al. a) do CP.
Porém, esta não foi a consequência retirada da factualidade apurada, mas ao contrário, a absolvição do arguido.
Isto, porque, segundo o raciocínio seguido pela Mma. Juíza, o teste quantitativo de pesquisa do álcool foi realizado quando o arguido se encontrava ilegalmente detido pela polícia municipal, constituindo, por isso, prova proibida.
O que remete para a última questão colocada neste recurso que é a de saber se o teste quantitativo do qual resultou uma TAS de 1,24 gr/litro no organismo do arguido, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas na sentença corresponde a uma prova proibida, nos termos do art. 126º nºs 1 e 2 al. c) do CPP, em virtude de o arguido estar ilicitamente privado da sua liberdade, por se encontrar detido pela Polícia Municipal agindo fora do âmbito das suas competências, regulamentadas na Lei nº 19/2004, de 20 de Maio.
Dada a interligação lógica entre estas questões, serão apreciadas em conjunto.
Do princípio da legalidade da prova, consagrado no art. 125º do CPP, resulta que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.
O princípio da livre apreciação da prova genericamente consagrado no artigo 127º do CPP, assenta, entre outras regras, na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no art. 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
O artigo 126º nº 1 do Código de Processo Penal estabelece a nulidade das provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas e o nº 2 enumera as situações que se reconduzem a alguma dessas ofensas: a perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos, na al. a); a perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação, na al. b); o uso da força fora das condições legais em que a mesma é permitida, na al. c); a ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto e, por fim, na al. e) a promessa de vantagem legalmente inadmissível.
Trata-se de proibições absolutas, o que implica que, em caso algum, as provas obtidas através de tais procedimentos poderão ser tidas em conta.
Pura e simplesmente, jamais poderão ser utilizadas, nem mesmo com o consentimento do próprio titular, uma vez que atentam contra direitos indisponíveis.
Já o mesmo não pode dizer-se em relação a outras proibições de prova que são as contempladas no nº 3 do mesmo art. 126º.
Estas são proibições relativas, na medida em que caso as provas sejam recolhidas com prévia autorização ou consentimento dos titulares dos direitos ali previstos, as mesmas provas são válidas e eficazes e são susceptíveis de valoração, podendo fundamentar a convicção do Tribunal, na fixação da matéria de facto.
Incidem sobre os processos de obtenção de provas à custa da intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, que, apesar da sua tutela constitucional, mantêm a natureza de direitos disponíveis.
Neste caso, a proibição de valoração só se verificará, se e quando, as provas forem obtidas à custa da ofensa a tais direitos à reserva da vida privada, do domicílio, da correspondência ou das telecomunicações e sem o consentimento dos respectivos titulares para o efeito.
O art. 126º encerra, pois, dois graus de intensidade da proibição: quanto a provas obtidas à custa do direito à integridade física e moral, a interdição do seu uso é absoluta e incluí os direitos enumerados nos nºs 1 e 2; já no que se refere a provas obtidas mediante a compressão da privacidade da pessoa humana, a interdição é sanável pelo consentimento do titular do direito, conforme a previsão contida no nº 3.
Pese embora as proibições de prova e as nulidades sejam conceptualmente autónomas, mesmo para quem aceite que essa autonomia é apenas dogmática e considere que os correspondentes regimes jurídicos estão numa relação de especialidade (em que o regime das nulidades é o regime geral e o das proibições de prova apresenta certas especificidades que obrigam à adaptação daquele a estas, v.g. Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, p. 195; Paulo  Sousa Mendes, As Proibições de Prova no Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coimbra, Almedina, 2004, p. 148-149), não pode deixar de reconhecer que a imposição de limites à própria investigação criminal quando o desenvolvimento desta implica violações intoleráveis a direitos fundamentais dos cidadãos por ela visados, a um ponto tal que as razões éticas que impõem a verdade material são precisamente as mesmas que não podem deixar de a proibir, sob pena de investigador e criminoso ficarem no mesmo patamar, com total quebra da legitimidade do Estado na administração da justiça penal, envolve muito mais do que meras sanções à inobservância de formalidades legais referentes à forma ou ao iter processual adotado na recolha das provas, que é do que se trata com a previsão das nulidades.     
Trata-se de assegurar a descoberta da verdade material no respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos.
«A reconstrução da verdade material do evento histórico pode ser condicionada por outros valores, a verdade processual pode, por boas razões no plano político, ser construída por meios que confinam o acesso à verdade material, as proibições de prova» (Paulo Dá Mesquita, “A prova do Crime e o que se disse antes do julgamento, estudo sobre a prova no processo penal português, à luz do sistema norte-americano”, 2011, Coimbra Editora, p. 264. No mesmo sentido, Luís Bértolo Rosa, in Consequências Processuais das Proibições de Prova, Revista de Ciência Criminal, Ano 20, n.º 2, Abril-Junho 2010, Coimbra Editora, p. 232 e Paulo de Sousa Mendes, As Proibições de Prova no Processo Penal, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Junho de 2004, Almedina, p. 152).
Por isso, mais do que uma simples declaração de nulidade pautada por critérios de validade, uma prova proibida é inadmissível, ou seja, nem sequer é tolerável pelo ordenamento jurídico, não pode sequer ser utilizada no processo e essa inadmissibilidade perdura para além do trânsito em julgado da decisão que a tiver valorado, é cognoscível a todo o tempo e constituí fundamento de recurso extraordinário de revisão, nos termos do art. 449º nº 1 al. e) do CPP, jamais se sanando, nem podendo ser repetida, daí que o seu regime jurídico não seja identificável, nem sobreponível ao das nulidades, sendo autónomo deste (neste sentido, Helena Morão, O efeito à Distância das Proibições de Prova no Direito Processual Penal Português, RPCC, Ano 16, 4º, Coimbra Editora, 2006, p. 594; João Conde Correia, A Distinção entre a Prova Proibida por Violação dos Direitos Fundamentais e Prova Nula numa Perspectiva essencialmente Jurisprudencial, Revista do CEJ, número especial, 1º Semestre, nº 4, Coimbra Almedina, 2006, p. 192; Luís Pedro Martins de Oliveira, Da Autonomia do Regime das Proibições de Prova, in Prova Criminal e Direito de Defesa, Estudos Sobre Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Penal, sob o coordenação de Teresa Pizarro Beleza e de Frederico Lacerda da Costa Pinto, Almedina, Março de 2019, p. 257 e seguintes).
Muito mais do que mera questão da validade de formalismos ou de iter de procedimentos na obtenção e produção da prova (âmbito de aplicação das nulidades), as proibições de prova são limites intransponíveis à investigação criminal e à descoberta da verdade material.
Aparte a dilucidação de questões doutrinárias complexas quanto à autonomia apenas conceptual entre as proibições de prova e o regime das nulidades ou à autonomia tanto dogmática quanto jurídica, dos respectivos regimes jurídicos, uma coisa é certa: a de que sendo a prova proibida, à luz do art. 126º nº 1 ou à luz do art. 126º nº 3 do CPP, jamais poderá ser utilizada no processo, é como se nunca tivesse existido e, portanto, não pode ser valorada (cfr. João Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Studia Juridica, 44, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 159-160; Luís Pedro Martins de Oliveira, Da Autonomia do regime das Proibições de Prova, in Prova Criminal e Direito de Defesa, Estudos Sobre Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Penal, sob o coordenação de Teresa Pizarro Beleza e de Frederico Lacerda da Costa Pinto, Almedina, Março de 2019, p. 282).
Ora, se não podia ser valorada, já que o teste quantitativo do álcool foi considerado prova proibida, jamais poderia ter sido considerado provado que a TAS que o arguido apresentava, naquele dia 10 de Janeiro de 2020, era de 1,24 gr/litro.
É que o teste quantitativo não podia ter sido valorado como meio de prova, dada a sua total invalidade, na lógica do raciocínio desenvolvido na decisão recorrida e a confissão do arguido, mesmo sendo integral e sem reservas, não serve para a demonstração da concreta TAS.
A demonstração da alcoolemia e do correspectivo grau está sujeita a um conjunto de regras imperativas, quer quanto ao procedimento para a fiscalização da condução de veículos de circulação terrestre sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, quer no que concerne ao seu regime probatório.
Esse regime jurídico encontra-se estabelecido no Código da Estrada e no Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, inserto na Lei n° 18/2007 de 17 de Maio.
De acordo com estas normas, o modo de obtenção da taxa de álcool no sangue materializa-se numa actividade vinculada, subtraída do critério da autoridade policial ou judiciária, bem como da vontade do arguido.
Assim, nos termos do art. 152º nº 1 als. a) a c) do Código da Estrada, devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção da influência pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas: a) os condutores; b) os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito; c) as pessoas que se propuserem iniciar a condução.
Nos termos do nº 3 do citado preceito, as pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência, impondo o nº 4 do mesmo artigo que, caso as pessoas referidas na alínea c) do n.º 1 se recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas, sejam impedidas de iniciar a condução.
E os testes de detecção de álcool no sangue devem começar obrigatoriamente pela pesquisa de álcool no ar expirado (arts. 152º nº 1 a) e 156º nº 1, ambos do Cód. da Estrada e 1º nºs 1 e 2 da Lei n.º 18/2007 de 17 de Maio).
Só nos casos de contraprova (a solicitação do arguido), impossibilidade (depois de três tentativas sucessivas sem conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo), por razões de saúde (o seu estado de saúde o não permitir) ou recusa do arguido, deve o mesmo ser submetido a colheita de sangue para análise, como decorre explicitamente dos arts. 153º nº 2 c), nº 3 b), nºs 5 e 8, e 156º nºs 1, 2 e 3, ambos do Cód. da Estrada e 1º nº  3 e 4º nº 1, ambos da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio), uma vez que o primeiro teste referido pode ser, desde logo, excludente, tornando desnecessário proceder aos demais exames, mais invasivos da esfera de privacidade do arguido.
O teste no ar expirado é, assim, o método regra da determinação quantitativa da taxa de álcool, sendo a análise de sangue levada a cabo apenas quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo, sendo certo que a margem de liberdade no sentido de querer ou não querer efectuar o exame de pesquisa de álcool tem como consequência a incursão no crime de desobediência - artigos 152° n° 3 do Código da Estrada e 3348º nº 1 al. a) do CP – razão pela qual, tal exame é tendencialmente obrigatório para os condutores e outras pessoas nas condições previstas no citado art. 152º nº 1 e é sempre obrigatória para os agentes fiscalizadores do trânsito, verificados os pressupostos legais para a fiscalização e detecção do estado de influenciado pelo álcool no exercício da condução de veículos.
Não obstante esta obrigatoriedade envolver restrições importantes na liberdade individual, o Tribunal Constitucional já estabeleceu a conformidade constitucional  desta obrigatoriedade de sujeição aos exames quantitativos de pesquisa do álcool no sangue seja, através do ar expirado, seja por recolha de sangue, com o princípio «nemo tenetur se ipsum accusare», estabelecendo que o direito à não autoincriminação não se estende à utilização, num processo criminal, de meios de prova que possam ser obtidos do arguido e que existam independentemente da sua vontade, por exemplo, recolha de amostras de sangue.
Do mesmo modo, também declarou que a compressão do direito à integridade pessoal - nas componentes de direito à integridade física e à autodeterminação – e do direito à reserva da vida privada do examinando, fica justificada pela proteção de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como sejam as fortes razões de prevenção geral associadas à incriminação contida no art. 292º do CP em função do acréscimo de perigo inerente à ingestão de álcool quando associada ao exercício de uma actividade que, só por si, já perigosa como é a circulação rodoviária, constituindo uma actividade de manifesta utilidade social, mas que envolve riscos consideráveis de lesão de bens jurídicos fundamentais como a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado (cfr. Acórdãos nº 319/95, nº 628/2006, nº 159/2012 e nº 418/2013, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
Por conseguinte, observado que seja todo este procedimento legal para a obtenção de uma medição juridicamente válida da TAS, o resultado deste exame, expresso no talão do alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, deve ser considerado prova vinculada, preconstituída (o que implica que não poderá ser repetida), dotada do especial valor probatório estabelecido para a prova pericial, no art. 163º do CPP, como também resulta do preceituado nos arts. 6º e 7º da Lei 18/2007 de 17 de Maio (cfr. nesse sentido, Carlos Durán Climent, “La Prueba Penal”, Tomo II, Tirant lo Blanch, Valência, 2005, 2183 a 2195 e, entre muitos outros, os Acs. da Relação de Évora de 26.02.2013, proc. 279/09.2GDFAR.E1, Relação de Coimbra de 13.07.2016, proc. 73/14.9GAPNL.C1, da Relação de Guimarães de 5.12.2016, proc. 82/15.0GBPVL e da Relação de Coimbra de 11.10.2017, proc. 188/17.1PAMGR.C1, in http://www.dgsi.pt).
Com efeito, a confissão integral e sem reservas da prática de factos susceptíveis de integrar o crime tipificado no art. 292º do CP não pode integrar a concreta TAS, na medida em que ninguém pode confessar aquilo do que não tem, nem pode ter, razão de ciência, pois que a prova da concreta taxa de álcool no sangue, nos termos legais, só pode ser feita através de teste no ar expirado ou por meio de análise ao sangue e não pode ser objecto de depoimento ou confissão.
Daí que a desconexão objectiva e valorativa que o Mº. Pº., inspirado na argumentação inserta no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/2004, tentou fazer no seu recurso, com fundamento nas declarações confessórias do arguido, não resolve esta questão, porquanto deixa intocada a argumentação de que, tendo o exame de pesquisa do álcool sido realizado quando o arguido estava ilicitamente privado da sua liberdade, se trata de prova proibida por ter sido obtida pelo uso da força fora dos casos e dos limites previstos na lei (art. 126º nºs 1 e 2 al. c) do CPP), como foi entendido na sentença sob recurso.    
É que o arguido pode confessar, como aconteceu neste processo, que era ele quem, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas na acusação conduzia o veículo automóvel ali identificado e que o fazia depois de ter ingerido álcool.
Poderia, inclusive, ter relatado que tipo de bebidas alcoólicas e em que quantidades ingeriu e até reconhecer que estava ciente de que estaria a conduzir sob a influência do álcool com uma TAS superior a 1,20 gr, mas o que nunca conseguiria, era provar qual seria essa taxa em concreto, pois esta resulta de uma medição feita por  equipamento mecânico ou eletrónico e de juízos técnicos e científicos que não podem ser substituídos por outros meios de prova.
Por isso, mesmo perante a confissão do arguido, subsiste a questão de saber se a detenção do arguido pela polícia municipal foi realizada fora das condições legais e se tal implicou uma privação ilícita da liberdade ao arguido e qual a conexão entre essa detenção e a realização do teste quantitativo de pesquisa do álcool no sangue.
As polícias municipais são, de acordo com o disposto no artigo 1º nº 1 da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa no espaço territorial correspondente ao do respectivo município.
Nos termos do art. 3º nº 1 da mesma lei, as polícias municipais exercem funções que se inserem nas atribuições dos municípios, actuando prioritariamente na fiscalização do cumprimento quer das normas regulamentares municipais, quer das normas de âmbito nacional cuja competência de aplicação ou de fiscalização esteja cometida ao município e ainda na aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais.
O artigo 237º nº 3 da Constituição da República, estabelece que as polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, exercendo, em cooperação com as forças de segurança, funções de segurança pública nos domínios contemplados no nº 2 do artigo 3º da Lei n.º 19/2004, ente os quais se contam, na al. e), a regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal.
Porém, o art. 3º nº 5 da Lei 19/2004 ressalva que as polícias municipais não constituem forças de segurança, estando-lhes vedado o exercício de competências próprias de órgãos de polícia criminal, excepto nas situações referidas no artigo 3º nºs 3 e 4 da Lei n.º 19/2004.
Ora, da conjugação destas normas resulta que os agentes das polícias municipais somente podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respectivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal.
O direito à liberdade individual, a que se refere o artigo 27.º da Constituição da República, importa o «direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, ou seja, o direito a não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 478).
Porque não é um direito absoluto, admite restrições, mas sujeitas, em todo o caso ao princípio da tipicidade constitucional das medidas privativas da liberdade, pelo que as medidas de privação total ou parcial da liberdade só podem ser as contempladas nos nº 2 e 3 do citado art. 27º, não podendo a lei ordinária criar outras (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pp. 297 e segs.).
Entre essas medidas restritivas, conta-se a detenção, que constituí uma «medida cautelar de privação da liberdade pessoal, de natureza precária e excepcional, não necessariamente dependente de mandato judicial, dirigida à prossecução de finalidades taxativamente enumeradas na lei, de duração não superior a 48 horas» (parecer do Conselho Consultivo da PGR 35/99, de 13 de Julho de 2000, Diário da República, II série, n.º 20, de 24 de Janeiro de 2001).
Nos termos do citado art. 27º nº 3 al. a) da CRP e dos arts. 254º n.º 1, alínea a), e do CPP, a detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada: a) para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção, prevendo o art. 255º nº 1 als. a) e b) do mesmo código que em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão: a) qualquer autoridade judiciária ou entidade policial procede à detenção; b) qualquer pessoa pode proceder à detenção, se uma das entidades referidas na alínea anterior não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil.
Segundo a definição constante do art. 256º nº 1 do CPP, constitui flagrante delito, todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer, presumindo o legislador que também haverá flagrante delito quando o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar.
Ora, um condutor que é visto a conduzir um veículo automóvel numa via pública, é solicitado a realizar o teste qualitativo de álcool e acusa uma TAS superior à legalmente permitida, ainda que inferior ao limite de 1,20 gr/litro, sabendo-se que o teste qualitativo apenas permite a detecção de álcool no organismo humano sujeita e ulterior e melhor medição quanto ao exacto grau depois de deduzido e EMA quadra com uma situação de flagrante delito, ou, no mínimo de uma forte suspeita da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o qual por ser punível com pena de prisão e ser pela sua natureza detectável em funções de fiscalização da circulação rodoviária, habilita os agentes da polícia municipal e efectuarem detenções, por efeito das disposições legais mencionadas.
Pretender como se argumenta na sentença que a polícia municipal deveria ter chamado ao local a PSP, é uma solução possível e até, eventualmente, a ideal, mas a verdade é que, mesmo sendo a PSP, na sua qualidade de órgão de polícia criminal, a formalizar a detenção, tal não neutraliza a consideração de que depois de despistada a existência de álcool, o condutor fica legalmente impedido de conduzir, durante as 12 horas seguintes, conforme previsão contida no art. 154º do CE, o teste quantitativo do álcool é obrigatório e ainda está no âmbito das competências da polícia municipal realizá-lo, pelo que mesmo que depois do despiste qualitativo, sendo o teste quantitativo obrigatório porque só ele providencia a concreta TAS e só depois desse exame sendo possível a elaboração do auto de notícia.
É que, sendo a polícia municipal uma entidade policial, tem competência para a elaboração de auto de notícia relativamente a crime de denúncia obrigatória que presencie (artigo 243º do CPP) ou para a detenção em flagrante delito (artigo 255º do CPP).
  O artigo 4º nº 1 alínea e) da Lei n.º 19/2004, incluí entre as competências próprias da polícia municipal, a detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal. Pese embora não deva usar do prazo de 48 horas previsto no art. 254º nº 1 al. a) do CPP,  a alusão a entrega imediata reforça a necessidade de o detido ser entregue com urgência, no mais curto espaço de tempo possível, mas é compatível com a elaboração do auto de notícia pela polícia municipal, o qual não prescinde da realização prévia do teste quantitativo do álcool e, uma vez realizado este e obtida uma TAS superior a 1,20 gr/litro está perfeitamente consolidado o flagrante delito.
Acresce ao que fica dito que, se, por um lado, por imposição do art. 2º nº 1 da Lei 18/2007 de 17 de Maio, quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos, por outro lado, a polícia municipal tem, entre as suas competências próprias, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 4º nº 1, alínea f), da Lei n.º 19/2004, e do artigo 249º nºs 1 e 2, alínea c), do CPP, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, até à chegada do órgão de polícia criminal competente, perante os crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções.
Ora, «nesse condicionalismo (de verificação do flagrante delito como condição essencial para que a intervenção dos órgãos de polícia criminal seja legítima), se os agentes de polícia municipal detiverem os suspeitos, poderão (…) proceder à sua entrega à autoridade judiciária, não se impondo, portanto, a intermediação de qualquer órgão de polícia criminal.
«A entrega dos suspeitos pode, no entanto, como faculta o citado preceito, ser feita ao órgão de polícia criminal competente, podendo efectivar-se no próprio local onde se verificou o crime, nas instalações da autoridade de segurança receptora, ou nas instalações da polícia municipal. Existirão circunstâncias que aconselharão que a entrega se processe no próprio local, nomeadamente quando se trate de confrontar os suspeitos com vestígios ou objectos ali deixados. O que importa é que, como bem decorre da lei, a entrega se efectue no espaço de tempo mais célere que for possível.» (Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República PGRP0002971 de 08.05.2008, in http://www.dgsi.pt/pgrp. No mesmo sentido, José Manuel Damião da Cunha, O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal, cit., pp. 156 e segs.).
Foi precisamente o que aconteceu no caso vertente.
O auto de notícia por detenção foi elaborado pela polícia municipal pelas 4 horas do dia 10 de Janeiro de 2020, a PSP foi chamada ao departamento da polícia municipal, pelas 4h52m desse mesmo dia e elaborou o auto de notícia, pelas 5h38m, do referido dia, tal como se pode verificar do teor dos autos de notícia da PSP de fls. 3 a 6, do que foi elaborado pela Polícia Municipal de Cascais e pela guia de entrega de cidadão detido de fls. 16. 
Não estipulando a lei qual o período de tempo entre a detenção em flagrante delito nos casos em que pode ser efectuada pela polícia municipal e a entrega imediata ao órgão de polícia criminal ou autoridade judiciária, afigura-se que a urgência dessa entrega, ficou salvaguardada, tendo decorrido menos de duas horas entre a detecção qualitativa do estado de influência pelo álcool por parte da polícia municipal de Cascais e a sua entrega à PSP.
Acresce que, neste quadro normativo, não há qualquer razão juridicamente válida para distinguir, como parece ter sido o caso da sentença recorrida, nas competências de fiscalização da circulação rodoviária e de detenção em situações de flagrante delito, relativas a crimes puníveis com penas de prisão atribuídas à polícia municipal, entre o teste qualitativo e o teste quantitativo do álcool.
Ela não tem sustentação no texto da lei (e onde o legislador não distingue, não deve o intérprete distinguir, além de ter de se levar em consideração o princípio de que o legislador optou pelas melhores soluções de direito e soube exprimir correctamente o seu pensamento no texto da lei – art. 9º do CC), nem razão de ser, sob pena, de se converter em letra morta, uma opção legislativa clara no sentido de conferir às polícias municipais um papel coadjuvante dos OPC e das autoridades judiciárias, é certo que em termos muito limitados, às situações de flagrante delito e apenas por crimes puníveis com penas de prisão, mas que não pode ser desligada do intuito de tornar mais eficaz o combate ao crime, embora mantendo a natureza administrativa desta força policial.
Tudo para concluir que a detenção foi efectuada em flagrante delito e dentro das condições legais em que poderia ter ocorrido e ser levada a cabo pela polícia municipal.
Ainda que assim não fosse, sempre teria de concluir-se que a detenção mesmo que ilegal jamais contaminaria a validade do teste quantitativo do álcool, do qual resultou a TAS de 1,24 gr/litro.
Outra das consequências da violação das proibições de prova, segundo a previsão contida no art. 126º do CPP e face aos termos em que se encontra redigido, desde logo o art. 32º nºs 1 e 8 da Constituição e o art. 122º do CPP, é a de que essa proibição de valoração pode abranger outros meios de prova ou de obtenção de prova que se encontrem com a originalmente inválida numa determinada conexão funcional, lógica ou valorativa.
É o chamado efeito à distância («fruit of the poisonous tree» ou «ferwirkung des bewweisverbots»), que se refere ao efeito de contágio que as proibições de prova produzem ou podem produzir, nos meios de prova e/ou nos meios de obtenção de prova que se sucedem, na tramitação processual, a partir da prova proibida, à «comunicabilidade ou não da proibição de valoração aos meios secundários de prova tornados possíveis à custa de meios ou métodos proibidos de prova» (Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, p. 61).
Com efeito, o art. 32º da CRP anuncia, no seu nº 1, que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso e consagrando um princípio geral de «protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal», que integra «indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 202).
Por isso, «só esta afirmação genérica, contida no artigo 32º nº 1 da CRP, bastaria para que entre esses direitos de defesa se considerasse incluído o de ver excluídas do processo (tornadas ineficazes, inválidas ou nulas) as próprias provas ilegais reportadas a valores constitucionalmente relevantes. Assim, o nº 8 do mesmo artigo 32º mais não faz do que sublinhar e tornar indiscutível esse direito à exclusão, enquanto dimensão específica e indissociável do direito a um processo penal com todas as garantias de defesa. Não teria sentido, estando em causa valores (os elencados no artigo 32º nº 8) a que a Constituição confere tal importância, que a prova que os atingisse e fosse obtida com inobservância das regras que permitem a compressão desses mesmos valores produzisse consequências processuais que ficassem aquém da nulidade dessas provas» (Ac. do Tribunal Constitucional nº 198/2004 de 24 de Março, in http://www.tribunalconstiticional.pt. No mesmo sentido, Helena Morão, «O efeito à distância das proibições de prova no direito processual penal português», RPCC, Ano 16, nº 4, p. 586 e em “Efeito-à-distância das proibições de prova e declarações confessórias – o acórdão nº198/2004 do Tribunal Constitucional e o argumento “the cat is out of the bag”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 22, Outubro-Dezembro 2012, p. 692, para quem o efeito à distância nas proibições de prova assenta em princípios constitucionais, sem necessidade de recurso à regra do art. 122º nº 1 do CPP).
Por seu turno, o art. 122º nº 1 do CPP, prescreve que a invalidade do acto nulo se estende aos que deste dependerem ou que ele possa afectar, mas, no nº 3, salvaguarda o aproveitamento de todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito da nulidade, no que traduz a consagração em texto de lei ordinária do efeito à distância das proibições de prova que já resultaria da dimensão garantística do processo penal, à luz do art. 32º da Constituição.
Assim sendo, esta possibilidade de projecção dos efeitos da invalidade ou da inexistência emergente das proibições de prova, nos actos processuais - factos ou provas – subsequentes não é, nem ilimitada, nem absoluta.
As três limitações: a da fonte independente, a da descoberta inevitável e a da mácula dissipada (Jerold H. Israel e Wayne R. Lafave, Criminal Procedure, 6.ª Ed., St. Paul, Minnesota, 2001, págs. 291-301; Gallardo, Carlos Fidalgo, Las Pruebas Ilegales: de la exclusionary rule estadonidense al artículo 11.1 LOPJ, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, Madrid, 2003, Franco Cordero, Procedura penale, 2.ª ed., Milão, 1993, p. 582), desenvolvidas pela jurisprudência norte-americana como excepções ao efeito inelutável de dominó da invalidade da prova original proibida sobre toda a que se lhe  seguir são conciliáveis com os princípios constitucionais que inspiram o sistema jurídico-penal português.
De resto, constituem importantes factores de equilíbrio entre os valores que justificam as proibições de prova.
Todas têm em comum a inexistência ou uma substancial dissipação do nexo de causalidade ou de imputação objectiva entre a violação da proibição da produção da prova originária e a prova secundária, a tal ponto, que desconsiderar esta última seria atentatório do equilíbrio dos valores em jogo e constituiria um exercício meramente diletante, fútil e, porventura, fraudulento, impedindo o exercício do jus puniendi do Estado, quando já nem sequer se poder afirmar que aquele resultado probatório não seria obtido com os meios disponibilizados segundo a concepção do Estado de Direito democrático, seguindo as regras próprias deste e sem qualquer afronta a direitos fundamentais.
«A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que o originário tendia, mas foi impedido, ou seja, quando a ilegalidade não foi conditio sine qua da descoberta de novos factos.
«O segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da «árvore envenenada» tem lugar quando se demonstre que uma outra actividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado, ou seja, quando, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado.
«A terceira limitação da «mácula dissipada» (purged taint limitation) leva a que uma prova, não obstante derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela representem uma forte autonomia relativamente a esta, em termos tais que produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente.» (Ac. do STJ de 20.02.2008, proc. 07P4553. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 12.03.2009, proc. 09P0395, Ac. STJ de 06.02.2013, proc. 593/09.7TBBGC.P1.S1, Ac. do STJ de 12.11.2015, proc. 320/13.4 GCBNV.E1.S1; Acs. da Relação de Lisboa de 13.07.2010, processo n.º 7/2/00.9FLSB.L1 e de 03.07.2012, proc. 14538/10.4TFLSB.L1-5, in http://www.dgsi.pt e Ac. do TC n.º 198/2004, 24.03.2004, in http://www.tribunalconstitucional.pt).
 A relação de causa e efeito entre a prova inválida e a prova secundária que se lhe segue, tem de ser estabelecida num plano objectivo, avaliado casuisticamente e o efeito remoto da invalidade gerada pela prova proibida à prova ou provas subsequentes só se verificará, quando existir entre a primeira e as segundas uma conexão substancial, real e efectiva.
 «Para a comunicação da nulidade aos actos posteriores é necessário que eles estejam numa relação de dependência ou derivação do acto declarado nulo. Dependência real e efectiva, e não apenas acidental, ocasional, ou relação de coincidência episódica.
«Por outras palavras, o acto declarado nulo tem de constituir premissa lógico-jurídica dos actos sucessivos, de tal modo que, caindo tal premissa, deve igualmente falecer validade dos actos que lhe seguem.» (José da Costa Pimenta “Código de Processo Penal Anotado – 2ª Edição”, no comentário ao artigo 122º CPP. No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal (Anotado), Lisboa, 2007, p. 328; Frederico de Lacerda da Costa Pinto “Supervisão do mercado, legalidade da prova e direito de defesa”, Coimbra, 2000, p. 120; Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 2006, pág. 316).   
Ora, no caso vertente, estando ou não detido, estando detido de forma lícita ou ilícita, o arguido sempre teria de ser submetido ao teste quantitativo do álcool e este teste sempre acusaria a taxa de 1,24 gr/litro, deduzido o erro máximo admissível, dada a natureza obrigatória do exame e em face dos critérios estritamente técnicos e científicos em que assenta este tipo de prova.
Não se trata, em rigor, de obter uma prova à custa da privação da liberdade do arguido de forma abusiva e fora das condições legais em que sãos admissíveis restrições à sua liberdade individual. É um exame objectivo, realizado por um dispositivo que sempre teria de ser levado a cabo, não tendo a detenção qualquer influência no resultado.
Tudo isto para concluir que há contradição insanável entre a matéria de facto e da decisão e erro notório na consideração da detenção como ilegal e na atribuição de efeito remoto ao teste quantitativo de pesquisa do álcool que é plenamente válido e eficaz, pelo que a factualidade apurada e fixada na sentença recorrida jamais poderia ter alicerçado a absolvição do arguido, como alicerçou.
Muito pelo contrário, ela integra todos os elementos constitutivos do tipo incriminador contido no art. 292º do CP.
Porque a decisão recorrida não contém quaisquer factos sobre a pessoa do agente para além dos que se prendem com a acção ilícita e culposa, com a natureza do crime e com os que decorrem do seu certificado de registo criminal, designadamente, factos sobre as suas condições económicas e financeiras que permitam quantificar proceder à escolha e determinação concreta da pena, nem do processo constam elementos de informação disponíveis que permitam a este Tribunal suprir tal lacuna, do mesmo modo que também não se encontra demonstrada a impossibilidade de obtenção dessas informações, verifica-se o vício previsto no art. 410º nº 2 al. a) do CPP que impõe o reenvio parcial do processo para novo julgamento, nos termos dos arts. 426º e 426º- A do CPP, limitado à indagação dos factos pessoais do arguido referentes às suas condições sociais e económicas, com vista ao apuramento da sanção penal a aplicar pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, assim como da pena acessória de inibição de conduzir (cfr. Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal, Notas e Comentários, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 1086; Acs. da Relação de Guimarães de 04.06.2018, processo 2196/13.2TAGMR.G1; da Relação de Évora de 21.12.2017, processo 101/12.2PATNV.E1 e de 07.05.2019, processo 112/14.3TAVNO.E1, da Relação de Coimbra de 12.06.2019, processo 1/19.5GDCBR.C1, in http://www.dgsi.pt).
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Anular a decisão proferida nos autos por contradição insanável entre a matéria de facto e a decisão e erro notório na apreciação da prova.
Determinar o reenvio parcial do processo para novo julgamento, nos termos dos arts. 426º e 426º- A do CPP, limitado à indagação dos factos pessoais do arguido referentes às suas condições sociais e económicas, com vista ao apuramento da sanção penal a aplicar pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, assim como da pena acessória de inibição de conduzir
Determinar a substituição da decisão proferida por outra que considere válida a detenção e os resultados obtidos através do exame realizado ao arguido através do alcoolímetro Drager modelo Alcoltest 7110 MK III P. e que considere os factos novos que vierem a ser apurados e referentes às condições sociais e económicas do arguido.
Sem custas – art. 522º do CPP.
Notifique.
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Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelo Mmo. Juíz Adjunto.

Tribunal da Relação de Lisboa, 29 de Julho de 2020
Cristina Almeida e Sousa
Rui Miguel Teixeira