Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20028/15.5T8LSB.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: SEGURO FACULTATIVO
COBERTURA DE FURTO/ROUBO
SILÊNCIO DA SEGURADORA
DEVER DE INDEMNIZAR
PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/ALTERADA
Sumário: I. Celebrado um seguro facultativo tendo por objecto o furto ou roubo de um veículo pesado, e tendo ocorrido tal furto, a seguradora exigiu diversas diligências à segurada, com o fim de regularizar a situação, nomeadamente uma declaração de venda preenchida apenas pelo vendedor.

II. Tendo a segurada dado cumprimento a tais diligências e solicitado o pagamento do capital coberto pelo seguro face à perda total do veículo furtado, que nunca foi recuperado, a seguradora não procedeu a tal pagamento, limitando-se a comunicar à segurada terem surgido novos elementos no processo que careciam de esclarecimento, sem esclarecer a que elementos se referia, e mantendo tal posição durante meses até que por fim a segurada se viu obrigada a instaurar acção em tribunal.

III. O furto ocorreu a 29/03/2014 e só quando citada para a acção, em 21/07/2015 veio a Seguradora finalmente alegar que a segurada não provara a existência do furto.

IV. Essa atitude da Seguradora, sem pagar mas também sem recusar a sua responsabilidade por tal pagamento, mantendo a segurada na expectiva durante um largo período, viola o comando do art. 762º nº 2 do Código Civil, mostrando uma conduta desprovida da diligência, zelo e lealdade, correspondente aos legítimos interesses da contraparte.

V. Tal conduta faz recair sobre a seguradora o dever de indemnizar a Autora pelos prejuízos dela decorrentes e que, no caso, correspondem à privação do uso do veículo.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


A A ACTORENT - TRANSPORTES E ALUGUER DE VEÍCULOS, LDA, instaurou a presente acção de processo comum, contra COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A, peticionando a condenação da Ré a pagar:
A) a quantia total de € 14.250,00 (catorze mil duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização, pelos danos patrimoniais sofridos pela Autora, referente ao capital da cobertura de furto ou roubo contemplado na apólice contratada com a Ré;
B) a quantia de € 95.089,60 (noventa e cmco mil e oitenta e nove euros e sessenta cêntimos), correspondente à paralisação diária da viatura furtada/roubada e pelo período de tempo que decorreu desde o furto/roubo desta - 29.03.2014, calculado até 15.07.2015 - (515 dias), conforme valores constantes da tabela da ANTRAM;
C) Da quantia de € 103.000,00 (cento e três mil euros), referente ao incumprimento do dever de diligência por parte da Ré, que gera o direito de indemnização na esfera jurídica da Autora, previsto no artigo 40.°, nº 2 do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto;
D) Da quantia de € 1.310,79 (mil trezentos e dez euros e setenta e nove cêntimos), a título de juros de mora vencidos, calculados sobre o valor do capital seguro (€ 14.250,00), à taxa comercial legal em vigor de 7,25%, 7,15% e 7,05%, desde a data em que ocorreu o furto da viatura (29.03.2014) até 15.07.2015, sem prescindir do agravamento dos juros para o dobro, previsto no citado diploma legal, a fixar pelo Tribunal;
E) Dos demais valores referentes a prejuízos e beneficios que a Autora deixou de obter em consequência da actuação da Ré, que impossibilitou e impossibilita a regular actividade por si desenvolvida, não sendo estes à data presente determináveis, por ainda se manterem e verificarem, que deverão ser liquidados em sede de execução de sentença, nos termos do nº 1 e nº 2 do art. 564° do Código Civil;
F) De juros de mora vincendos, calculados sobre todos estes valores, à taxa comercial em vigor, desde a data da propositura da presente acção até efectivo e integral pagamento, sem prescindir do eventual agravamento dos juros para o dobro, previsto no citado diploma legal, a fixar pelo Tribunal.
                                                                          
A A alegou, em síntese, que:

- Em 27.05.2013 celebrou contrato seguro com a Ré, o qual previa a cobertura do risco de furto, conforme apólice nº 202142432;
- Em 29.03.2014, o seu veículo semi-reboque, de matrícula L-187925, foi furtado, facto que participou à R;
- A Ré não declinou a responsabilidade e não procede ao pagamento do capital garantido de € 14.250,00, nem das demais quantias que, por força da lei e do contrato lhe são devidas.
Assim, a A vem reclamar o pagamento das quantias que, em seu entender, se encontram em dívida, e que elenca nos moldes supra melhor explicitados.
  
A R contestou, tendo impugnado de facto e de direito e concluído no sentido de a acção ser julgada conforme for de lei - cfr. fls. 47.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente provada e procedente, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 14.250,00 com acréscimo de juros de mora às taxas civis desde data da citação e até integral pagamento.

No mais julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos.

Foram dados como provados os seguintes factos:
A) A autora ACTORENT - TRANSPORTES E ALUGUER DE VEÍCULOS, LDA. é uma sociedade que tem por objeto o transporte rodoviário de mercadorias e o aluguer de veículos automóveis, designadamente, veículos pesados de mercadorias sem condutor.
B) A autora é proprietária do semi-reboque marca INVEPE, modelo Europa, com a matrícula L-187925.
C) Em 01-04-2014, e após informação transmitida pela sociedade TGF-TRANSPORTES E LOGÍSTICA, LDA., a autora participou à ré COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, S.A. o furto do semi-reboque com a matrícula L-187925; tal participação deu origem ao processo de sinistro nº 129226484/590-5683.  
D) Em 29-03-2014, foi ainda participado à GNR de Souselas o furto do semi-reboque com a matrícula L-187925.
E) No dia 27 de maio de 2013, a autora celebrou com a ré ALLIANZ um contrato de seguro, titulado pela Apólice n.º 202142432 [do Ramo Automóvel - Frota], nos termos do qual transferiu para esta última, designadamente, os riscos emergentes da circulação do seu reboque da marca INVEPE, modelo Europa, com a matrícula L-187925, o qual, além da responsabilidade civil obrigatória contra terceiros, incluía também as coberturas facultativas de furto, roubo e danos próprios, conforme as respectivas condições particulares constantes do doc. nº 1 junto com a contestação; em tal contrato figura como Tomadora do Seguro e Segurada a ora autora; em 28 de Março de 2014, em caso de furto ou roubo, o capital seguro relativo ao mencionado reboque com a matrícula L-187925 ascendia a € 14.250,00, sem franquia.

F) À  garantia de Furto ou Roubo é aplicável a Cláusula 1.5 da apólice relativa aos Danos Próprios em cujo artigo 1°, nº 1, alínea c), se estipula:
"1- O contrato de seguro abrangido por esta cobertura garante os prejuízos ou danos que advenham ao veículo seguro em consequência de:
( ... )
c)- Furto ou roubo: perda da posse (quando decorridos 60 dias não houver recuperação de veículo), destruição ou deterioração do veículo, por motivo de furto, roubo ou furto de uso (tentado, frustrado ou consumado)". 

G) Por carta datada de 01-08-2014, a ré ALLIANZ solicitou à autora, com respeito ao aludido processo de sinistro e com vista à regularização do caso, o envio de alguns documentos, entre eles, documentos do veículo, manuais, códigos, declaração de venda preenchida apenas na parte destinada ao vendedor, fotocópia do cartão de contribuinte, do bilhete de identidade e todas as chaves de origem do veículo; mais solicitou a ré à autora, através dessa mesma missiva, que lhe fosse enviada uma declaração das autoridades (GNR ou PSP) em como o veículo ainda constava para apreender, assim como o documento para extinção da reserva de propriedade (no caso de existir credor).
H) Nessa sequência, por carta datada de 19-08-2014 e expedida em 20-08-2014, a autora informou a ré de que iria rescindir o leasing com o BANCO POPULAR; no entanto, e para esse efeito, seria necessário que a ré emitisse o recibo de indemnização em nome da autora e do BANCO POPULAR para que, após ser assinado por ambos, ficasse regularizado o valor do contrato de leasing em causa; juntamente com esta missiva, remeteu a autora, conforme exigido pela ré, cópia do despacho de arquivamento proferido em 28-05-2014 pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra (1ª Secção); transmitiu ainda a autora à ré que não poderia dar cumprimento ao solicitado quanto às chaves de origem, porquanto, pelo facto de se tratar dum semi -reboque, estas não existirem.
I) Por carta datada de 28-08-2014 e expedida nesta data, foi remetida pela autora à ré, conforme havia sido solicitado por esta, a declaração da GNR na qual consta a indicação de que o veículo semi-reboque, de marca INVEPE, com a matrícula L-187925, constava a essa data - 21-08-2014 - como furtado na base de dados do SEI - PSP, desde o dia 29-03-2014.
J) A autora, em 07-11-2014, enviou à ré o Documento Único Automóvel do referido semi-reboque, bem como a declaração de venda (requerimento de registo automóvel), datado de 21-10-2014, devidamente assinado na parte do vendedor, conforme solicitado, e com as respectivas assinaturas reconhecidas; indicou ainda a autora o seu NIB, tendo para o efeito enviado documento comprovativo deste, para posterior transferência da "indemnização".
K) Até à data, a ré não emitiu o "recibo de indemnização" referido em G), nem pagou à autora o reclamado valor de € 14.250,00. 
L) A autora, por intermédio da sua mandatária, e a ré trocaram entre SI as comunicações constantes dos does. nºs 13 a 20 juntos com a p.i..
M) Nos termos do acordo celebrado entre a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) e a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM), o valor de paralisação a vigorar no período de 1 de Março de 2014 a 28 de Fevereiro de 2015 para os veículos de transporte público de mercadorias, em serviço nacional e em serviço internacional, "pesados superiores a 26 até 40 toneladas", é, respectivamente, de € 198,91 e € 253,69.  
N) O referido semi-reboque tem o "Peso em vazio" de 7089 kg e o "Peso Bruto" de 36.000 kg.
O) No exercício da sua actividade comercial e em 16-03-2012, a autora ACTORENT celebrou com a sociedade TGF TRANSPORTES E LOGÍSTICA, LDA. o acordo constante do doc. nº 4 junto com a p.i., denominado "Contrato de Aluguer de Veículos Pesados de Mercadorias sem condutor nº 2012076", através do qual a mesma autora alugou o referido veículo com a matrícula L-187925 pelo período de 36 meses, com início em 16-03-2012 e término em 16-03-2015.
P) Na noite de 28 para 29 de Março de 2014, a horas que se desconhece, foi furtada a viatura tractor e o identificado semi-reboque que àquela se encontrava atrelado.
Q) Na altura, o identificado semi-reboque encontrava-se na posse e sob utilização exclusiva da sociedade TGF - TRANSPORTES E LOGÍSTICA, LDA .
R) Só após o procedimento referido em H), é que o BANCO POPULAR estaria em condições de enviar os documentos para extinção da reserva incidente sobre o referido semi-reboque e, em seguida, a declaração de venda assinada pelo vendedor, a ora autora.
S) Para poder satisfazer a exigência imposta pela ré - envio da declaração de venda preenchida apenas na parte destinada ao vendedor -, em 10-10-2014 a autora teve de proceder ao pagamento ao BANCO POPULAR do valor respeitante à rescisão do contrato de locação financeira mobiliária que havia celebrado com o mesmo BANCO, o qual detinha registado a seu favor uma locação financeira sobre o semi-reboque em causa, e por conseguinte, à celebração do respectivo acordo de rescisão (com o
nº 0046 373 540 7751137.
T) Em resultado da sua actividade comercial, a autora possui uma frota de cerca de 200 viaturas pesadas para o respectivo aluguer.

A Autora, inconformada, recorre juntando as seguintes conclusões:
Entende a ora Recorrente que a douta sentença de que ora se recorre consubstancia uma decisão violadora dos mais elementares direitos e das disposições legais aplicáveis, prejudicando deste modo, quem honra os seus compromissos e contratos que celebra, em prol de quem, abusando do direito, ardila esquemas com vista à sua irresponsabilidade contratual e extra-contratual, como é o presente caso, aproveitando-se das demoras judiciais para prejudicar o cidadão.
- E, assim, tais vícios (errada aplicação e determinação das normas aplicáveis) são a razão de ser do presente recurso e, da não concordância da Recorrente com a Douta Sentença. Recorrente que procura, assim, obter de vas Exas uma decisão justa, contrariamente à que foi proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo quanto a dois dos pedidos que deduziu na sua acção, que se traduz numa decisão violadora dos princípios de justiça e para que seja permitido, no mínimo, ao "Cidadão" em causa, que seja feita justiça, o que só poderá acontecer valorando a produção de prova que foi produzida e aplicando-se a norma jurídica que devia ter sido aplicada, o que lamentavelmente não acontece (na sua totalidade) na douta sentença de que ora se recorre.
- A Mma. Juiz a quo entendeu julgar improcedente o pedido de pagamento da privação do uso dirigido à Ré com o único fundamento de que se trata duma responsabilidade que não tem cobertura na apólice contratada;
- Ficou provado que a ora Recorrente celebrou com a Ré um contrato de seguro de frota, através do qual foi contratada a cobertura de furto e/ou roubo, tendo como capital seguro para a referida cobertura o valor de € 14.250,00, sem franquia. 
- Da mesma forma que ficou provada a verificação do furto do veículo da ora Recorrente na noite de 28 para 29 de Março de 2014, a horas que se desconhece. 
- Pelo que, nos termos contratuais (art. 1.°, nº 1, alínea c) da cláusula 1.5 das condições especiais da referida apólice, ocorrendo furto, roubo ou furto de uso que dê origem ao desaparecimento do objecto segurado, nos termos contratualmente acordados, decorridos 60 (sessenta) dias contados da data da participação dessa ocorrência às autoridades competentes, a seguradora obriga-se ao pagamento da indemnização devida.
- Contudo, a Ré não liquidou à Autora a competente indemnização contratual pelo valor de capital seguro. É, portanto, uma situação intolerável.  
- Porquanto, houve um furto, que foi participado às autoridades competentes, foram cumpridos todos os requisitos legais e contratuais perante a Ré, mormente com o envio de toda a documentação por esta solicitada e exigida, a viatura da Autora não foi recuperada, apesar das diligências efectuadas pelas autoridades policiais, e, no entanto, aquela, não deu solução ao caso.
- Sem olvidar que uma das exigências impostas pela Ré passou pelo envio da declaração de venda preenchida apenas na parte destinada ao vendedor, o que obrigou a Autora a ter de proceder ao pagamento ao BANCO POPULAR do valor respeitante à rescisão do contrato de locação financeira mobiliária que havia celebrado com o mesmo BANCO, o qual detinha registado a seu favor uma locação financeira sobre o semi-reboque em causa, e por conseguinte, à celebração do respectivo acordo de rescisão (com o nº 0046 373 540 751137), conforme doc. nº 11 junto com a p.i, e facto dado como provado na audiência de julgamento. O que não se compreende nem pode aceitar;
- Pelo contrato de seguro celebrado entre as partes abrangendo, nos termos referidos supra, o risco de perda do veículo por acto de terceiros, no caso de apropriação ilícita, assumiu a Ré a obrigação de reparar os danos da Autora resultantes de subtracção e privação da propriedade e posse da viatura segura.
- Trata-se, assim, de um "típico contrato de risco, garantia e conservação de património do segurado", seguro em que a indemnização que for devida, verificado o sinistro, "surge como uma forma de reparação ou ressarcimento do dano a favor do segurado" (Ac. STJ, de 20/5/2004, Proc. 0481484, ITIJ).
- Sendo uma forma de reparação do dano, em reposição da situação patrimonial do segurado que o risco coberto visa satisfazer, a obrigação de indemnizar há-de ficar sujeita ao regime da responsabilidade civil, seja no tocante aos seus pressupostos, seja no que concerne à determinação do modo de reparação e respectivo montante (arts. 562°, 563° e 566° C. Civil).
- O artigo 564.°, nº 1 do Código Civil, prescreve que o dever de indemnizar abrange não só o prejuízo causado (os danos emergentes) como os benefícios que o lesado deixou de auferir em consequência da lesão (os lucros cessantes), correspondendo os primeiros à diminuição do património (já existente) do lesado e os segundos aos ganhos que se frustraram ou prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património.
- O lucro cessante tem de ser determinado segundo juízos de probabilidade ou verosimilhança, pois que o prejuízo se traduz nas vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, não fora o facto lesivo.
- A Autora é uma sociedade que tem por objecto o transporte rodoviário de mercadorias e o aluguer de veículos automóveis, designadamente, veículos pesados de mercadorias sem condutor.
- Sendo que, a Autora, na qualidade de proprietária do semi-reboque de marca INVEPE, modelo Europa, com a matrícula L-187925, e em contrapartida da sua aquisição/pagamento do veículo, tem o direito de usar, fruir e dispor da coisa, pelo que a privação desses direitos constitui um dano que tem de ser reparado, já que, durante um determinado período de tempo, ficou, tal como ainda se encontra, impossibilitada de retirar deste veículo furtado o seu benefício e utilidade.
- O veículo furtado estava afecto à actividade comercial da Autora, tanto mais que a sua actividade depende do aluguer de viaturas e estando a Autora privada de retirar benefícios da viatura que foi furtada e/ou roubada, como seria de esperar, razão pela qual a adquiriu. Tal consubstancia um prejuízo patrimonial.
- Dir-se-á ainda que a quantificação do dano compreende o lapso de tempo entre a data em que se deu o furto - data em que a Autora ficou privada do uso da coisa- e a data em que se dá o pagamento da indemnização.
- A Ré, ao não disponibilizar à Autora a indemnização correspondente ao valor da cobertura contratada e constante da apólice, privou-a de poder adquirir um novo veículo para o utilizar na sua actividade comercial, por forma a gerar lucro, como suposto. Ou seja, o não cumprimento do contrato por parte da Ré Seguradora impediu a Autora de usar e fruir uma viatura que ia adquirir, o que limitou a actividade da Autora, assim lhe causando prejuízos.
- Nos termos do acordo celebrado entre a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) e a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM), o valor de paralisação diária a vigorar no período de 1 de Março de 2014 a 28 de Fevereiro de 2015 para os veículos de transporte público de mercadorias, em serviço nacional e em serviço internacional, "pesados superiores a 26 até 40 toneladas", é, respectivamente, de € 198,91 e € 253,69.
- Pelo que, e atendendo ao supra exposto, bem como aos danos sofridos e aos lucros cessantes, entende a Autora dever ser indemnizada pela Ré nesse montante diário, aplicado por analogia, desde a data do furto da viatura até que seja indemnizada pela Ré do valor constante e cuja cobertura se encontra fixada na respectiva apólice.
- O que aqui se discute é tão só a indemnização autónoma correspondente à simples privação do uso de viatura automóvel. É que, se na realidade esta indemnização não está directamente coberta pelo seguro, nem esse prejuízo fica ressarcido pelos juros moratórios no âmbito do incumprimento contratual pela seguradora, o quadro factual mostra-nos que estamos em presença de um dano autónomo - dano da privação do uso - e por isso mesmo indemnizável.
- A privação do uso de uma viatura substitutiva, necessária ao exercício da actividade da empresa, decorre do incumprimento do dever contratualmente assumido pela Ré de pagar uma indemnização ocorrendo furto, furto ou roubo, integrando-se tal prejuízo na categoria de dano concreto.
- A doutrina e a jurisprudência têm vindo a aceitar o reconhecimento de um direito de indemnização autónomo pela privação do uso normal de um bem (maxime, veiculo). Emergindo as situações mais frequentes de factos ilícitos ligados a sinistros rodoviários, nada obsta a que sejam também tuteladas as situações geradoras de privação decorrentes de incumprimento de contrato.
- Como justificação para a solução, defende-se que a utilização dos bens faz parte dos interesses patrimoniais inerentes ao próprio bem e que a simples possibilidade de utilização ou de não utilização constitui uma vantagem patrimonial que, uma vez afectada, deve ser ressarcida (Cfr. António Abrantes Geraldes, «Indemnização do dano da privação do uso», pág.26. Ainda, Menezes Leitão, «Direito da Obrigações», I Vol., pág.297. Ac. STJ de 9.5.96 (CJstj, tomo II/96-61), Ac. R.C. de 9.11.99 (CJ tomoV/99, pág.23), e de 26.11.02 (CJ tomo V/02, pág.19), Ac. R.P. de 29.9.03, CJ tomo 1V/03, pág.168).
- Entende-se que a autonomização da privação do uso como dano de natureza patrimonial a integrar através de indemnização, encontra expressão na previsão das disposições conjugadas dos arts. 562°, 563°, 564° e 566°, todos do C.C .
- Perante o quadro factual, há que precisar que o semi-reboque estava afecto à actividade comercial da Autora que com ele obtinha um lucro derivado do contrato de aluguer celebrado com a sociedade TGF. Privada do mesmo, e sem que ele tenha sido substituído por outro com semelhantes utilidades, ou tivesse sido colmatada com a atribuição de um quantitativo destinado a suprir a sua falta, o que naturalmente afecta a actividade lucrativa, isto constitui um prejuízo com reflexos no património da Autora. (art.564°/1).
- ln casu, mostra-se provado um dano que a Autora padeceu em consequência da privação do uso da viatura: durante esse período, sem poder obter proveitos, a suportar os custos do aluguer do contrato de locação financeira e a final, por imposição da Ré, teve de liquidar o valor referente à rescisão do mesmo.
- Em suma, a privação do uso de um bem patrimonial constitui um ilícito, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade (direitos conferidos pelo art. 1305° do CC) e implica, por si, um dano que deve ser indemnizado, pelo que é de admitir a indemnização autónoma correspondente a tal privação, independentemente da verificação da mora nos termos dos arts. 804°, 805°/1 e 806°/1 e 2, todos do Código Civil.
- De todo o modo, acresce ainda que, na execução de um determinado contrato ou das obrigações secundárias ou acessórias dele decorrentes, incorre-se em responsabilidade contratual.
- Os deveres acessórios ou laterais de conduta caracterizam-se por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes; já os deveres secundários, são dirigidos, ainda que não em via principal, à matriz definidora do comportamento do devedor que é efectuar a prestação convencionada.                                                                                                               
- Os deveres acessórios de conduta, ainda que não resultando do contrato, resultam sem dúvida do princípio da boa fé, tal como plasmado no art° 762° nº 1 cit., representando uma transferência, para o campo contratual, do princípio neminem laedere ou partem non laedere.
- Actua em violação de um dever acessório de conduta a seguradora que. sabendo não ser contratualmente responsável pelos danos de privação de uso, demorou mais do que o razoável para o apuramento da indemnização devida e para o seu pagamento, violando o equilíbrio contratual e rompendo a colaboração inter-subjectiva, causando os referidos danos, bem como danos morais, na pessoa do beneficiário do seguro.
- Assim, a Ré por incorrer em responsabilidade contratual, por esta via, deve indemnizar o dano positivo que resultou para a Autora, previsto pelo Código Civil, genericamente, no art° 798°, nº 1 Código Civil.
- Também não se compreende nem aceita que tenha a Mma Juiz a quo decidido que são devidos juros de mora (que foi o mínimo e o máximo fixado para a incumpridora!) a partir da citação para a presente acção e à taxa civil.
- Porquanto, e em primeiro lugar, decorre da fonte de responsabilidade contratual que a Ré decorridos que fossem 60 dias da participação do furto às autoridades competentes tinha a obrigação de indemnizar a Autora, logo, a Ré está em mora a partir do momento que se venceu a sua obrigação, ou seja, desde o dia 29.05.2014!!!!
- Em segundo, não se pode deixar de referir que previamente à instauração dos presentes autos, a Ré foi por diversas vezes e formas interpelada ao pagamento da indemnização que lhe competia pagar ao abrigo da apólice de seguro contratada.
- Por último, não restam dúvidas de que estamos na presença de um contrato de natureza mercantil (art. 425.° do Código Comercial) e daí a aplicação da taxa supletiva, isto é, a taxa de juro comercial, posição esta sufragada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto em 21.11.2000, no Processo nº  0021161.
- Pelo que, requer-se a reapreciação da sentença proferida e de que se recorre nos termos acima expostos, que aqui se dão por economia processual e de meios, integralmente reproduzida.
- Assim, devem ser alteradas a respostas dadas quanto aos pedidos dirigidos à Ré elencados supra sob as alíneas b) (prejuízos decorrentes da privação do uso) e d) (de juros de mora, à taxa comercial e danos a liquidar em execução de sentença).

A seguradora contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.

Sendo as conclusões que delimitam o âmbito do recurso, verifica-se que a presente apelação assenta em duas questões:

A) A absolvição da Ré do pedido de compensação pela privação do uso do veículo;
B) A condenação da seguradora em juros de mora à taxa civil e contados desde a data de citação da Ré.

Quanto à primeira questão, há que situar desde logo os parâmetros fácticos e jurídicos em que assenta o pleito.
A Autora tem como actividade o transporte rodoviário de mercadorias e o aluguer de veículos automóveis, designadamente, veículos pesados de mercadorias sem condutor.
Em 27/05/2013 celebrou com a Ré o contrato de seguro junto a fls. 56 a 104, nos termos do qual transferiu para a seguradora ALLIANZ os riscos emergentes da circulação do seu reboque de marca INVEPE, com a matrícula L-187925. Tal seguro, incluía também as coberturas facultativas de furto, roubo e danos próprios.
Em 01/04/2014 a Autora participou à Ré o furto do aludido semi-reboque, o qual foi igualmente participado à GNR.

O valor do capital seguro à data do furto ascendia a € 14.250,00, quantia que a seguradora foi condenada a pagar à Autora e que nenhuma das partes põe em causa, aceitando pacificamente esse segmento da sentença.
Sucede que, nos termos do art. 1º nº 1 c) da cláusula 1.5 das condições especiais da apólice, “o contrato de seguro abrangido por esta cobertura garante os prejuízos ou danos que advenham ao veículo seguro em consequência de (...) furto ou roubo, perda da posse (quando decorridos 60 dias não houver recuperação do veículo)”.

Uma vez que a seguradora não liquidou a indemnização contratual pelo valor do capital seguro, forçando-a a instaurar a presente acção, pretende a Autora que lhe é devido, como peticionou, uma indemnização correspondente “à paralisação diária da viatura furtada/roubada e pelo período de tempo que decorreu desde o furto/roubo desta até 15/07/2015”.

A questão da privação do uso do veículo tem vindo a ser debatida na jurisprudência, com respostas diversas, mas prevalecendo a tese de que tal privação de uso é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, já que consubstancia a lesão do direito de propriedade, o qual assegura ao seu titular o gozo, uso e fruição da coisa – art. 1305º do Código Civil.
Como tal, tratando-se tal privação de um impedimento ao pleno gozo do bem, a mesma será passível de reparação – ver recente acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 20/12/2017, disponível no endereço da dgsi.
No caso dos autos, não estamos perante aqueles casos mais comuns de privação temporária – período que dura a reparação de veículo sinistrado, por exemplo – em que a reparação pode abranger o tempo em que o lesado não pôde dispôr do veículo sem que a seguradora lhe cedesse um veículo de substituição, mas perante uma privação total e definitiva, já que deparamos com uma situação de furto ou roubo da viatura, nunca recuperada.
A privação não abrange assim um período temporal delimitado, situado entre o evento de que decorreu a privação até ao momento em que o titular retoma o seu pleno poder de uso e fruição sobre o bem, mas de uma perda definitiva.
Dispõe o art. 42º do Regime Jurídico do Seguro Obrigatório da Responsabilidade Civil Automóvel que “verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva oelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente (...)”. No caso de perda total do veículo, tal obrigação cessa no momento em que a seguradora coloque à disposição do lesado a indemnização devida.
Para o caso, vem sendo entendido pela jurisprudência que aqui seguimos, que não carece o lesado de provar que, não fora o evento causador da privação, teria continuado a utilizar a viatura ou a obter dela os proventos adequados ao seu gozo. Basta que fique provado que o lesado exercia regularmente o seu poder sobre a coisa, em termos do respectivo gozo, uso, fruição, até à data do evento lesivo.
Ora, no caso dos autos, a viatura foi furtada/roubado quando se encontrava alugada a uma empresa, no âmbito da prática comercial da Autora.
Desde o furto/roubo que a Autora se encontra privada da disponibilidade da viatura, sendo que a seguradora, sem invocar qualquer motivo concreto, nunca chegou a pagar a indemnização prevista na apólice para os casos de roubo/furto com perda de posse por mais de 60 dias, obrigando a Autora a instaurar a presente acção.
 
Na sentença recorrida, contudo, entendeu-se que o pedido de reparação pela privação do uso não podia proceder já que tal responsabilidade não tem cobertura na apólice.

É preciso ter em atenção que estamos aqui perante um seguro facultativo, não sendo aplicável o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, constante do Decreto-Lei nº 281/2007 de de 21/08.

É verdade que a indemnização pela privação de uso não está contemplada na apólice, no contrato celebrado entre as partes. A responsabilidade contratual da Ré incide sobre o pagamento do valor do capital seguro, considerando a perda total do veículo, e neste ponto foi devidamente condenada na sentença recorrida.

A Autora alega nas suas conclusões de recurso que tendo a seguradora demorado “mais do que o razoável para o apuramento da indemnização devida e para o seu pagamento” violou o equilíbrio contratual e rompeu a colaboração inter-subjectiva, causando os danos que consistem em ter de suportar os custos do aluguer do contrato de locação financeira e o valor respeitante à rescisão do mesmo. 

Sobre isto, e numa interpretação da vontade expressa pelas partes no contrato de seguro facultativo que celebraram, verifica-se que não se acha prevista no mesmo qualquer compensação referente a danos emergentes, ou, mais especificamente, a privação do uso da viatura. Sendo que, a cláusula 1.5 da apólice, relativa aos Danos Próprios, garante os prejuízos que advenham ao veículo seguro como consequência de furto ou roubo e perda de posse quando decorridos 60 dias não houver recuperação do veículo, ou até o caso da destruição do mesmo. Ou seja, a cláusula em apreço contém a previsão da perda total. O capital seguro relativo à viatura furtada ascendia, em 28/03/2014, a € 14.250,00.
Simultaneamente as partes celebraram um seguro de responsabilidade civil obrigatória contra terceiros.
Ora, o art. 130º do aludido Regime Juídico do Contrato de Seguro, estipula que “no seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro (...) No seguro de coisas o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado (...). O disposto no número anterior aplica-se igualmente quanto ao valor de privação do uso do bem”.
Esta expressa referência ao valor da privação de uso, mostra claramente que a mesma só pode ser considerada se as partes a incluírem na apólice. O que, como vimos, não sucedeu.
Não parece pois viável forçar o ressarcimento da privação do uso, enquanto dano patrimonial, ressarcimento que as partes não quiseram nem contrataram, e que iria confundir num mesmo regime o seguro obrigatório e um seguro facultativo.
Neste plano, afigura-se-nos inexistir qualquer fundamento contratual que sustente o pedido da Autora quanto à indemnização pela privação do uso do semi-reboque furtado.

Contudo, interpretando o recurso da Autora, parece-nos que esta imputa à Seguradora tal responsabilidade, ainda com outro fundamento.

Esses argumentos vêm expressos nas conclusões do recurso de EE) a GG).

Assim, afirma-se que os “deveres acessórios de conduta caracterizam-se por uma função auxiliar de realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes (...) Os deveres acessórios de conduta, ainda que não resultando do contrato, resultam sem dúvida do princípio da boa fé, tal como plasmado no art. 762º nº 1 do Código Civil (...) Actua em violação de um dever acessório de conduta a seguradora que, sabendo não ser contratualmente responsável pelos danos de privação de uso, demorou mais que o razoável para o apuramento da indemnização devida e para o seu pagamento, violando o equilíbrio contratual e rompendo a colaboração inter-subjectiva, causando os referidos danos (...)”.
E sustenta-se na previsão do art. 798º do Código Civil:
“O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Sendo ao devedor que incumbe a prova de que o incumprimento não se deve a culpa sua, nos termos do art. 799º do mesmo diploma.

No caso aqui em apreço, o objectivo do seguro facultativo que as partes celebraram era o pagamento da quantia correspondente ao capital seguro, para o caso de furto ou roubo e perda de posse de uma viatura (no caso, a perda é total).
Mesmo não existindo um dever directamente acordado de reparação da privação do uso, é necessário apurar se a seguradora demonstrou uma conduta, como pretende a apelante, em que tenha omitido os deveres de diligência, zelo e lealdade em que se funda a boa fé contratual.
Após a participação feita pela Autora do furto do veículo, a seguradora exigiu uma série de diligências relacionadas com a existência de um contrato de locação financeira, entre a Autora e o Banco Popular, relativo à viatura em causa.
A Autora cumpriu as diligências indicadas pela seguradora, sem pôr em causa a sua razão de ser, e não existe qualquer indício nos autos de que tais diligências não fossem as adequadas.
O problema coloca-se a partir de 07/11/2014, quando a Autora entregou à seguradora toda a documentação solicitada, pedindo simultaneamente o pagamento da indemnização correspondente ao valor do capital seguro.
A seguradora responde apenas em 21/01/2015, numa comunicação em que afirma:
“Esclarecemos que surgiram novos elementos no processo, que carecem de esclarecimento, pelo que estamos a ultimar a sua obtenção”.
Mas não indica a que elementos se refere.
Na correspondência que se segue, a seguradora nunca esclarece a sua posição, se aceita o evento lesivo como indemnizável no âmbito do seguro ou não, até que, por fim a Autora se vê obrigada a propor a acção judicial em 16/07/2015.
                                                                                                     
Ora, a seguradora ter-se-ia comportado com a devida lisura contratual se, obtida a documentação que entendeu necessária, tivesse pago à Autora a indemnização em causa ou, pelo contrário, tivesse comunicado à Autora que não pagava por não aceitar a responsabilidade decorrente do seguro e justificando tal posição.
Se a seguradora entendia que o caso concreto, por qualquer motivo, não estava coberto pela apólice, era seu dever disso informar a Autora, para que esta pudesse instaurar a respectiva acção, em vez de a forçar a diversas diligências e despesas durante meses, dando a entender que o evento danoso (o furto) estava coberto pela apólice e que tais diligências eram indispensáveis para o pagamento da respectiva indemnização, para depois, uma vez cumpridas tais diligências pela Autora, continuar a não pagar, deixando o tempo passar e não dizendo à Autora se aceitava ou não a responsabilidade e neste último caso, quais os motivos.
O veículo furtado fora alugado pela Autora à empresa TGF – Transportes e Logística Lda. A seguradora sabia que o aluguer dos semi-reboques como o dos autos fazia parte do objecto social da Autora – aluguer de veículos pesados de mercadorias, sem condutor. De resto, aceita expressamente este facto no art. 9º da sua contestação.

Entendemos que o comportamento da seguradora, não pagando mas também nunca afirmando que não aceitava a respectiva responsabilidade, representa um comportamento culposo em que fez a situação arrastar-se no tempo deixando sempre a Autora na expectativa, já que nunca assumiu uma recusa de responsabilidade no pagamento da indemnização contratada. Note-se que tendo o furto ocorrido em 29/03/2014, só depois de citada para a acção (21/07/2015) veio a Ré seguradora alegar que a Autora não provara que tivesse ocorrido o furto da viatura.(art. 8º da contestação) o que obviamente pressupõe que entende nada dever à sua segurada.
E isto depois de ter solicitado à Autora, em 01/08/2014, com vista à regularização do caso, o envio dos documentos do veículo, manuais, códigos, declaração de venda preenchida apenas na parte destinada ao vendedor, fotocópia do cartão de contribuinte, do bilhete de identidade, das chaves de origem do veículo, uma declaração das autoridades (GNR ou PSP) em como o veículo ainda constava para apreender, assim como o documento para extinção da reserva de propriedade no caso de existir credor.
Para poder satisfazer a exigência imposta pela Ré – envio da declaração de venda preenchida apenas na parte destinada ao vendedor -  em 10/10/2014 a Autora teve de proceder ao pagamento ao Banco Popular do valor respeitante à rescisão do contrato de locação financeira mobiliária que havia celebrado com esse Banco, o qual detinha registado a seu favor uma locação financeira sobre o semi-reboque em causa, e por conseguinte, à celebração do respectivo acordo de rescisão.
A Autora enviou toda essa documentação à Ré em 07/11/2014.

A partir desta data, a conduta da Ré é merecedora de censura e incompatível com uma conduta de boa fé contratual.

A seguradora exigiu da Autora a realização de todas estas diligências, na comunicação de 01/08/2014, “na sequência do furto do veículo seguro e com vista à regularização do caso” - ver fls. 24 verso.
Tal significa que durante cerca de um ano, a Ré nada regularizou, mas também não comunicou à Autora a sua recusa em assumir a responsabilidade decorrente do seguro, como também nunca pôs em causa, perante a Autora, o furto do veículo.
Esta conduta consistindo em deixar correr o tempo sem pagar mas também sem assumir que não aceita a responsabilidade pelo pagamento, não ignorando que a Autora esteve todo esse tempo desapossada do semi-reboque e que o aluguer de semi-reboques é parte integrante da sua actividade comercial, deve ser apreciada tendo em conta, por exemplo, as judiciosas considerações constantes do acórdão do STJ  de 21/09/1993 – CJ/STJ 1993, T. 3, pág. 21:
“ Agir de boa fé (...) é agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é teuma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar”. 
A conduta da Ré consubstancia assim um incumprimento culposo da sua obrigação, tornando-a responsável pelo prejuízo causado à Autora, nos termos do art. 798º do Código Civil.
Tal prejuízo acha-se consubstanciado na perda de uso do veículo, que a Autora poderia ter substituído, adquirindo outro com a indemnização devida pela seguradora.
Assumindo que até 07/11/2014 decorreu um período em que a Autora efectivou o conjunto de diligências conducentes à “regularização da situação” é a partir desta data que se manifesta a conduta censurável e de má fé contratual da seguradora a qual se prolonga até à data da propositura da acção, 1507/2015, como peticionado.
Para quantificação de tal indemnização poderíamos levar em conta as tabela da ANTRAM. Uma vez que o semi-reboque tem o peso bruto de 36 toneladas, como ficou provado, o valor diário de imobilização previsto na aludida tabela é de € 184,64, alcançando-se um valor total até 15/07/2015 de € 45.975,00.
Contudo, o veículo, à data do furto, estava alugado à empresa TGF – Transportes e Logística Lda, pela renda mensal de € 290,00. Este, parece ser o valor mais realista e adequado, tendo em atenção que não estamos aqui a aferir uma indemnização por privação de uso decorrente do próprio seguro, mas sim de uma indemnização por conduta de má fé da seguradora, na execução do contrato, a qual deverá ser avaliada dentro de um prudente critério na apreciação do prejuízo causado por tal conduta da Ré. Nessa medida, o valor total desde 07/11/2014 a 15/7/2015 ascende a € 2.397,00.

Quanto aos juros de mora.
Insurge-se a recorrente pelo facto de na sentença recorrida se terem fixado os juros de mora (à taxa civil) desde a data da citação.
Nos termos do art. 804º nº 1 do Código Civil, “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”.
Sendo que, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, o devedor se considera constituído em mora quando “por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”.
Finalmente, nos termos do art. 806º nº 1 do Código Civil, “na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”.

Como já referimos, não se pode dizer que a data do furto corresponda ao momento devido para o pagamento do capital seguro. Desde logo porque a cláusula 1.5, art. 1º nº 1 c) da rubrica “Danos Próprios” do seguro facultativo, prevê o furto, roubo, a perda da posse, quando decorridos 60 dias não houver recuperação do veículo.

Além disso, a seguradora com vista à regularização da situação exigiu uma série de diligências à Autora, que esta cumpriu sem as pôr em causa. Só em 07/11/2014 tais diligências haviam sido completadas.

Ora, como vimos, os prejuízos causados à Autora desde essa data, pela conduta da Ré, foram considerados no âmbito da indemnização atrás definida, pelo que não faz sentido uma dupla reparação relativamente ao mesmo período (e ao mesmo prejuízo).

Neste aspecto entendemos serem devidos juros de mora desde a data da citação.

O contrato de seguro tem natureza comercial no tocante à seguradora.

No caso dos autos a segurada é uma sociedade comercial.

Contudo, o objecto do seguro – indemnização à segurada em caso de furto ou roubo de um semi-reboque – não constitui uma operação ou actividade de natureza comercial. É certo que o semi-reboque objecto do seguro era usado pela recorrente no exercício da sua actividade comercial de aluguer de veículos pesados sem condutor. Mas não é essa actividade, ou os riscos e responsabilidade a ela atinentes que ficam segurados.

O pagamento a que a seguradora está obrigada e função do contrato de seguro não tem por fundamento uma operação ou actividade comercial – ver a este respeito o acórdão desta Relação de Lisboa de 27/11/2014.

Nessa medida e também porque no contrato de seguro não ficaram acordados juros comerciais, entendemos correcta a decisão recorrida fixando os juros de mora à taxa aplicável aos juros civis.

Conclui-se assim que:
– Celebrado um seguro facultativo tendo por objecto o furto ou roubo de um veículo pesado, e tendo ocorrido tal furto, a seguradora exigiu diversas diligências à segurada, com o fim de regularizar a situação, nomeadamente uma declaração de venda preenchida apenas pelo vendedor.
– Tendo a segurada dado cumprimento a tais diligências e solicitado o pagamento do capital coberto pelo seguro face à perda total do veículo furtado, que nunca foi recuperado, a seguradora não procedeu a tal pagamento, limitando-se a comunicar à segurada terem surgido novos elementos no processo que careciam de esclarecimento, sem esclarecer a que elementos se referia, e mantendo tal posição durante meses até que por fim a segurada se viu obrigada a instaurar acção em tribunal.
– O furto ocorreu a 29/03/2014 e só quando citada para a acção, em 21/07/2015 veio a Seguradora finalmente alegar que a segurada não provara a existência do furto.
– Essa atitude da Seguradora, sem pagar mas também sem recusar a sua responsabilidade por tal pagamento, mantendo a segurada na expectiva durante um largo período, viola o comando do art. 762º nº 2 do Código Civil, mostrando uma conduta desprovida da diligência, zelo e lealdade, correspondente aos legítimos interesses da contraparte.
–Tal conduta faz recair sobre a seguradora o dever de indemnizar a Autora pelos prejuízos dela decorrentes e que, no caso, correspondem à privação do uso do veículo.

Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente, condenando-se a Companhia de Seguros Allianz SA a pagar à Autora Actorent Transportes e Aluguer de Veículos Lda a quantia de € 2.397,00 a título de compensação correspondente à privação de perda do veículo.
No mais, confirma-se a sentença recorrida.



LISBOA, 15/3/2018


António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais