Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8068/20.7T8LSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
OPOSIÇÃO DO TRABALHADOR
PREJUÍZO SÉRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: 1– É nula a sentença que não conhece da invocada oposição à transmissão do contrato de trabalho e da solidariedade entre transmitente e transmissário nos créditos laborais.
2- Verificando-se que, por efeito de nova adjudicação de serviços de vigilância e segurança ocorreu perda de local da respetiva prestação por parte da empregadora a favor de terceiro, tendo aquela comunicado a transmissão, é aplicável o disposto no Art.º 285º do CT.
3- Não se configura a transmissão de uma unidade económica se não existe transmissão dos efetivos da empresa de prestação de serviços de vigilância que laboravam no mesmo posto, cedência de equipamentos, know-how ou modus operandi, mantendo-se, embora, e sem interrupção, a atividade antes desenvolvida com recurso a meios humanos do adquirente que implementou a sua organização própria.
4– Tendo a trabalhadora comunicado a sua oposição à transmissão invocando que a transmissária a não aceitava com os mesmos direitos, e provando-se que esta lhe comunicou que a aceitaria se aceitasse celebrar novo contrato de trabalho, está evidenciado prejuízo sério, sendo fundada a oposição que, por isso, obstaculiza à transmissão.
5– Deduzindo-se um pedido principal e um pedido subsidiário, cada um deles contra distintas rés, vindo a ser julgado procedente este e absolvendo-se do pedido principal a 1ª ré, não sendo interposto recurso pela autora desta absolvição, a mesma transita em julgado.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

CCC, ré nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada da sentença proferida pelo tribunal a quo em 28 de junho de 2022, com ela não se conformando, vem da mesma INTERPOR RECURSO DE APELAÇÃO.
Pede que seja revogada a sentença prolatada pelo tribunal a quo, proferindo-se nova decisão que absolva a recorrente nos termos ora peticionados.
Apresentou as seguintes conclusões:
(…)
AAA, Autora nos autos acima e à margem identificados, notificada da Sentença proferida em 28/06/2022, com a Refª Citius 415718201, vem dela INTERPOR RECURSO.
Pede a respetiva revogação e substituição por outra que conheça e decida sobre os pedidos formulados pela Recorrente na PI, nos pontos 6. e 16.; 7. e 17.; 8. e 18; e se pronuncie sobre a responsabilidade solidária das Recorridas no pagamento de todos os créditos laborais à Recorrente.
Formulou as seguintes conclusões:
(…)
(…)
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no qual defende que não se verifica o vício que a Recrte. A. aponta à sentença “uma vez que esta se pronunciou expressamente sobre aquelas questões” e, bem assim, e no concernente ao recurso interposto pela R. que o mesmo deve proceder.
Respondeu a … reafirmando o que já havia dito.

Segue-se um breve resumo dos autos para melhor compreensão:
AAA instaurou a presente ação sob a forma de processo comum contra BBB e contra CCC.
Peticiona a autora a:
1. Declaração como não transmitido o contrato de trabalho da autora, ou não confirmada a sucessão do seu posto de trabalho, da 1.ª ré para a 2.ª ré.
2. Declarar a conduta da 1.ª ré como consubstanciadora de um despedimento ilícito.
3. Condenação da 1.ª ré, em substituição da reintegração, no pagamento de indemnização em razão da antiguidade da autora no valor correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano fração de antiguidade, o qual a 22-3-2020 ascendia a € 31.388,37.
4. Condenação da 1.ª ré no pagamento à autora das remunerações que esta receberia se se mantivesse ao serviço até ao trânsito em julgado da presente Sentença, sem prejuízo do disposto no artigo 390.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
5. Condenação da 1.ª ré a pagar, a título de retribuição do período das férias do ano de 2019, e respetivo subsídio de férias no valor de 1.531,14.
6. Condenação da 1.ª ré no pagamento da quantia de € 191,40 respeitante aos períodos proporcionais das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, no ano da cessação do vínculo laboral (2020).
7. Condenação da 1.ª ré no pagamento do valor de € 486,20 correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado.
8. Condenação da 1.ª ré no pagamento da quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.
9. Condenação da 1.ª ré no pagamento dos danos patrimoniais que vierem a ocorrer no decurso dos presentes autos, a liquidar em execução de sentença.
10. Às quantias acima peticionadas acrescem juros moratórios, calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até efetivo pagamento.
Se assim não se entender, subsidiariamente e sem prejuízo da responsabilidade solidária da 1ª e 2ª RR:
11. Declaração de transmissão do contrato de trabalho da autora, ou confirmada a sucessão do seu posto de trabalho, da 1.ª ré para a 2.ª ré.
12. Reconhecimento de que a conduta da 2.ª ré consubstancia o despedimento ilícito da autora.
13. Em substituição da reintegração, ser a 2.ª ré condenada a pagar à autora a indemnização de antiguidade no valor correspondente a 45 dias de retribuição base por cada ano fração de antiguidade, a qual a 22-3-2020 ascendia a € 31.388,37.
14. Condenação da 2.ª ré nos termos acima indicados nos pontos 4 a 10.
Alegou, em síntese, ter trabalhado para a 1ª R. até Fevereiro de 2020, com a categoria profissional de vigilante, com ela mantendo um contrato de trabalho. A R. comunicou-lhe a transmissão do seu contrato de trabalho para a 2ª R., tendo manifestado a sua oposição à transmissão, cujos fundamentos não foram atendidos pela 1ª R.. Apresentando-se perante a 2ª R., foi ali informada que a mesma não reconhecia qualquer transmissão de estabelecimento ou contrato de trabalho, não lhe permitindo que exercesse funções. A concessão dos serviços de vigilância e segurança nas instalações no LNEG e que corresponde ao local de trabalho da Autora, foi de facto atribuída e passou a ser executada pela 2.ª R., considerando-se ilegalmente despedida pela 1ª R.. Alega ainda o seu direito a vários créditos.
Não foi alcançado consenso no âmbito e no decurso da audiência de partes realizada.
As rés contestaram a presente ação, refutando, em síntese, o alegado e as conclusões alcançadas pela autora.
Realizou-se a audiência de julgamento, no âmbito da qual as partes acordaram quanto a parte da matéria de facto relevante para a presente Decisão.
Foi, após, proferida sentença que culminou com a seguinte decisão:
A. Declaro e reconheço a transmissão do contrato de trabalho da autora AAA para a 2.ª ré CCC., com efeitos a partir de 01-02-2020, por transmissão de estabelecimento referente ao … com manutenção de todos os direitos contratuais e adquiridos durante a prestação de trabalho para a 1.ª ré BBB., com e para todos os efeitos.
B. Declaro a ilicitude da cessação do contrato de trabalho da autora AAA com efeitos a partir de 01-02-2020[1].
C. Condeno a 2.ª ré CCC no pagamento à autora AAA de indemnização em substituição da reintegração correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, cujo somatório total ascendia, no dia 22-3-2020, a € 31.388,37 (artigo 391.º do Código do Trabalho).
D. Condeno a 2.ª ré CCC. no pagamento à autora AAA de todas as retribuições que deixou de auferir desde a cessação do respetivo contrato de trabalho (a 01-02-2020), nos termos e com os efeitos do disposto no artigo 390.º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho. Aquele valor integra os montantes devidos e vencidos a título de férias e de subsídios de férias e de Natal, bem como o somatório do número de horas de formação que não tenha sido proporcionado à autora.
E. Absolvo a 2.ª ré CCC. dos demais pedidos indemnizatórios formulados pela autora AAA, a título de danos não patrimoniais e a título de danos patrimoniais que ocorressem no decurso da presente ação judicial.
F. Sobre as quantias acima referidas em C e D e, por maioria de razão, ao valor que vier a ser apurado com base na data do trânsito em julgado – no caso da condenação fixada em C - são devidos juros, à taxa legal, contados desde a data de citação (artigos 804.º, 805.º n.º 2, alínea a), e 806.º, do Código Civil).
G. Absolvo a 1.ª ré BBB de tudo o que foi peticionado pela autora AAA.
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
A) APELAÇÃO DA CCC:
1ª – A sentença padece do vício de nulidade?
2ª – A sentença contém expressões e um facto de teor conclusivo que devem ser expurgados?
3ª – Não se verificam os pressupostos da transmissão do estabelecimento?
B) APELAÇÃO DA A.:
- A sentença está ferida de nulidade?
***
OS VÍCIOS DA SENTENÇA:
Em ambas as apelações se apontam vícios que ferem a sentença de nulidade.
Na apelação da R. invoca-se omissão de pronúncia em virtude de se não ter apreciado a invocada oposição à transmissão.
Muito embora tendo apresentado contra-alegações à apelação em referência, a R. BBB não se detém sobre esta questão.
Cumpre decidir!
Compulsada a petição inicial verificamos que no Art.º 15º a A. invoca ter manifestado perante a R. BBB a sua oposição à transmissão, vindo a factualidade atinente a esta matéria a integrar o acervo fático – pontos 13 e 41.
Por sua vez, a R. CCC na sua contestação deteve-se sobre a matéria nos Art.º 39º e ss., o que revela que a mesma não lhe foi indiferente.
Também a R. BBB se pronunciou nos Art.º 31º e ss..
Lida a sentença constatamos que a questão não foi apreciada, muito embora tenha sido elencada como questão a decidir. Também não foi tida como prejudicada.
Não podemos, pois, senão concluir que se verifica o apontado vício de omissão de pronúncia, o que fere a sentença de nulidade nos termos do disposto no Art.º 615º/1-d) do CPC.
Adiante debruçar-nos-emos sobre a questão (Art.º 665º/1 do CPC).

Ainda em sede de nulidade da sentença vem invocada pela Apelante R. contradição entre a matéria de facto e a fundamentação de direito, mais propriamente que a matéria de facto não é subsumível aos critérios delineados na sentença como relevantes na motivação de direito quanto à verificação dos pressupostos da figura da transmissão, não resulta da matéria de facto qualquer continuidade de meios ou recursos humanos, a sentença afirma autonomia na prestação de serviço enquanto no ponto 47 se afirma que o posto não goza de qualquer autonomia técnico organizativa e resulta provado que existiu uma alteração de métodos organizativos pelo que a alegação de manutenção da identidade é irrazoável.
A sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
A alegação trazida a recurso neste conspecto reporta-se a desconformidade entre a matéria de facto e a decisão jurídica encontrada na sentença, o que se nos configura como eventual erro de julgamento e não propriamente um vício de nulidade. Ou seja, verdadeiramente o que está em causa é que os factos não suportam a decisão final.
Ora, as nulidades são vícios de formação ou atividade referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, afetando a regularidade do silogismo judiciário. Diferem, pois, tal como explicitado no Ac. do STJ de 10/09/2019, Proc.º 800/10.3TBOLH-8, dos erros de julgamento, seja em matéria de facto, seja de direito.
Conforme ensinam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, a contradição em causa no Art.º 615º do CPC pressupõe “um vício real no raciocínio do julgador” de forma a que “a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente” (Manual De Processo Civil, 2ª Ed., Coimbra Editora, 686 e 690). 
Assim, porque se nos perspetiva antes, na invocação efetuada, a alegação de um erro de julgamento, improcede a questão em apreciação, não sem que os fundamentos invocados se levem em conta no âmbito da apreciação da 3ª questão.
No recurso que interpõe a A. invoca omissão de pronúncia no concernente aos pedidos de condenação em diversos créditos emergentes do contrato de trabalho – retribuição de férias, subsídio de férias, proporcionais, horas de formação- e, bem assim, no que se refere à invocada responsabilidade solidária de ambas as RR pelos créditos emergentes do contrato de trabalho.
Do elenco das questões a decidir constam ambas as matérias.
Sendo uma evidência que a sentença não se pronunciou sobre a solidariedade invocada – solidariedade que enforma o pedido deduzido -, já o mesmo não se pode dizer dos demais créditos laborais.
Efetivamente ao deter-se sobre as remunerações intercalares a sentença consignou que “a autora tem também direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a cessação do respetivo contrato de trabalho (a 1/02/20220), deduzidas das importâncias… Aquele valor integra os montantes devidos e vencidos a título de férias e de subsídios de férias e de Natal, bem como o somatório do número de horas de formação que não tenha sido proporcionado à autora.”
Lido o decisório constatamos que igual menção ali foi inserida.
Razão pela qual se nos afigura que não foi omitida pronúncia quanto a tais créditos. Se a forma como se decidiu é correta ou incorreta não é algo que seja suportado pelo vício invocado.
Assim, reconhece-se a razão da Apelante A. apenas na invocada omissão de pronúncia acerca da solidariedade na responsabilidade, o que também eiva a sentença de nulidade nos termos do disposto no Art.º 615º/1-d) do CPC.
Infra voltaremos à questão.
***
FUNDAMENTAÇÃO:
A 2ª questão a apreciar, agora no âmbito da apelação interposta pela R., reporta-se ao acervo fático - A sentença contém expressões e um facto de teor conclusivo que devem ser expurgados?
Uma simples leitura da sentença conduz-nos a uma resposta positiva a esta questão.
Tal como alegado emerge do disposto no Art.º 607º/4 do CPC que a matéria de facto deve ser enformada por factos concretos. Nunca por juízos de valor ou expressões de teor conclusivo. E a circunstância de as partes acordarem na matéria de facto não iliba o juiz de, ao elencá-la, a limpar de expressões que no contexto da sentença não se adequam.
Ora, a vários passos – e não só nos pontos 15 e 16 – se regista não ter havido o cuidado de expurgar da matéria tida como assente as ditas expressões.
Referimo-nos, para além do invocado pela Apelante, também aos pontos de facto 28 –“como já se disse”-, 43 –“como inclusive aponta a autora no argumentário…”-, 44 –“Atente-se”, 45 – “insofismável”, 46 – “Evidencie-se ainda que”, 47 –“indubitavelmente”-.
Todas estas expressões serão expurgadas do acervo fático.
Relativamente ao ponto 42 alega a Apelante que o mesmo é expressão da tese jurídica avançada pela R. Recrdª, sendo a expressão de um juízo jurídico que, por isso mesmo, não deve constar do acervo factual.
É o seguinte o teor do ponto 42:
42. A recusa da 1.ª ré BBB, Sa. à alegada oposição da autora à transmissão do seu contrato para a 2.ª ré CCC, através da carta de 29-01-2020, (Doc. 32 da PI, fls. 49 e 49 verso) está de acordo com a lei.
[artigos da contestação da 2.ª ré – CCC:]
Não podemos deixar de reconhecer a razão da Apelante, sendo desnecessários quaisquer outros considerandos.
Por similitude de razões também o ponto 47 tem que eliminar-se.
É o seguinte o teor deste ponto:
47. Como tal, os postos em questão, não obstante revelarem especificidades quanto à tipologia dos serviços prestados ao cliente, não gozam de qualquer autonomia técnica e organizativa, porquanto os trabalhadores neles alocados estão sob o domínio e direção da ré, facto pelo qual, indubitavelmente, não podem ser considerados enquanto unidades económicas.
E, além disso, a última parte do ponto 30 cujo teor é o seguinte:
30. Cada empresa de segurança tem o seu próprio alvará, modelo de uniforme, bem como distintivos, símbolos e marcas os quais não podem ser utilizados pelas outras empresas. São, por isso, intransmissíveis.
Concluindo, expurgar-se-á o acervo fático das expressões supra mencionadas e eliminar-se-ão, por absolutamente conclusivos os pontos de facto 42 e 47 e a última parte do ponto 30 (nuns casos a pedido da Apelante, noutros oficiosamente, tudo em consonância com o disposto no Art.º 662º do CPC).
*
OS FACTOS:
Com relevância para a presente Decisão resultam provados os seguintes factos:
[artigos da PI:]
1. De 06-10-1992 a 30-9-1994, a autora trabalhou por conta, sob ordens, direção e fiscalização da firma RSS de Segurança, Sa., exercendo funções de vigilante (documento n.ºs 1 e 2 juntos com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
2. No âmbito de um acordo de transferência, celebrado a 12-9-1994, entre a …, a 1.ª ré e a autora, esta última começou a trabalhar por conta, sob ordens, direção, fiscalização e no interesse da 1.ª Ré BBB, desde 01-10-1994.
3. À data de 31-01-2020, a autora exercia funções inerentes à categoria profissional de vigilante, no Museu de Geologia do (…).
4. Essas funções de vigilante consistiam num controlo de entrada e saída de pessoas e mercadorias, com registo de ocorrências, nas portarias das instalações pertencentes ao (…) (Museu de Geologia).
5. A autora usava indumentária identificativa da 1.ª ré (placa identificativa e farda) fornecida por esta.
6. E com o horário de trabalho que lhe era determinado pela 1.ª ré;
7. Ou seja, um horário semanal de 40 horas, de segunda a sexta-feira, das 09h00m às 18h00m, com uma hora de intervalo para o almoço.
8. Auferia uma retribuição base ilíquida de 765,57 € mensais (documentos n.º 4 a 29 juntos com a PI, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
9. A Autora é sindicalizada no Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas (documentos n.º 4 a 29 juntos com a PI).
10. A 1.ª ré enviou e a autora recebeu a carta - documento n.º 30 junto aos autos com a PI, a fls. 47 e 47 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
11. Sendo que o (…) de Lisboa, correspondia ao local de trabalho da autora (…), sito na Rua …).
12. A referida carta foi recebida pela autora em 20-01-2020 e contém o seguinte teor:
“EXMO(A). SENHOR(A),
AAA
(…)
Assunto: Transmissão de estabelecimento do (…)
 - Informação Prevista no art.º 286° do Código do Trabalho.
Exmo.(a). Senhor(a),
Informamos que em sequência do CONCURSO PÚBLICO (OP20000071) – Relatório Preliminar, a empresa CCC encontra-se em 1.º lugar. Está a decorrer o prazo de Audiência de Partes até às 24 horas do dia 21 de janeiro de 2020. Caso não haja nenhuma oposição, os serviços prestados pela nossa empresa nos estabelecimentos do cliente …, onde V. Exa. presta serviço serão adjudicados à empresa, CCC., para a Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância Humana.
Assim sendo e não havendo informação ao contrário até ao dia 31 de janeiro de 2020, último dia da nossa prestação de serviços, opera-se a transmissão de estabelecimento no dia 01 de fevereiro de 2020, para a empresa CCC., que assumirá a prestação do serviço naquele cliente, onde V. Exa. presta serviço.
Considerando que estamos perante uma unidade económica em que a gestão do local onde V. Exa. presta serviço está subordinada àquela Entidade, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho e demais bens transmitidos.
Como resultado deste Concurso e consequentemente a cessação do serviço de vigilância à BBB, pela adjudicação do mesmo serviço à empresa supra indicada, constata-se que se mantém e transmite aquele, enquanto unidade económica para o novo operador, o qual deve receber a transmissão e a manutenção dos postos de trabalho e respetivos contratos de trabalho dos vigilantes que prestam funções nos locais da …, em … e em Lisboa, ao abrigo do regime de transmissão de estabelecimento previsto no art.º 285 do Código do Trabalho.
Informa-se ainda que por decisão do tribunal da Relação de Lisboa foi considerada nula e sem efeito a cláusula do contrato coletivo de trabalho que afastava a transmissão de estabelecimento do mesmo, vidé recurso n.º 357/13.1 TTPDL.L1 – 4ª secção de 25/03/2015.
Considerando a transmissão de estabelecimento operada, a BBB procederá ao pagamento do vencimento correspondente aos dias trabalhados nesta empresa até à data da cessação do contrato com a BBB, 31 de janeiro de 2020.
Com a presente missiva, esta empresa deu cumprimento dos deveres de prévia informação e subsequente consulta dos trabalhadores em causa, tal como previsto nos n° 1 e 2 do art° 286° do Código do Trabalho, comunicando aos mesmos a transmissão dos respetivos contratos de trabalho para a empresa CCC., com sede na ….
Mais se informa que a empresa CCC., foi informada da lista dos trabalhadores a operar na … em S. … e em Lisboa e informação necessária para os contratos de trabalho.
Deverá proceder, nos escritórios da nossa Filial de Lisboa, à entrega, em condições aceitáveis de manutenção, do fardamento que lhe está distribuído, bem como outros materiais e equipamentos que lhe tenham sido fornecidos, a partir do dia 01 de fevereiro de 2020.
Os melhores cumprimentos,
(…)
Diretor de Recursos Humanos”.
13. A autora enviou e a 1.ª ré recebeu o email junto aos autos com a PI (documento n.º 31 junto com a PI, a fls. 48, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
14. No dia 03-02-2020 a autora esteve nas instalações da 2.ª ré CCC., sitas …, a fim de perceber se todas as condições do seu vínculo laboral efetivamente se mantinham, agora ao serviço e por conta da 2.ª ré.
15. Foi recebida pelo Sr. …., “….”, o qual informou a autora de que a 2.ª ré CCC. não reconhecia existir qualquer transmissão do estabelecimento.
16. Crendo a autora que esta situação não fosse mais do que um equívoco, no dia 11-02-2020 e após um período de férias, a autora compareceu no seu local de trabalho, onde até à data exerceu as suas funções de vigilância, declarando querer exercer as suas funções.
17. Nesse momento, a autora, constatou que a 2.ª ré já tinha ao seu serviço, desde 01-02-2020, naquele local, um outro trabalhador, devidamente identificado e uniformizado com as iniciais da CCC (documento n.º 33 junto com a PI, a fls. 50, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
18. A 2.ª ré não permitiu o início da jornada de trabalho da autora.
19. A autora enviou e as rés receberam as cartas juntas aos autos com a PI (documentos n.ºs 34 a 39 junto com a PI, fls. 51 a 56, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
20. As rés enviaram as cartas juntas aos autos com a PI (documentos n.ºs 40 e 41 juntos com a PI, a fls. 57 a 58 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
21. A 1.ª ré BBB, reiterou a existência da transmissão do estabelecimento e consequente transmissão da posição do empregador para a 2.ª ré CCC., no que ao vínculo laboral da autora diz respeito (documento n.º 40 junto com a PI, a fls. 57, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
22. Por seu turno, a 2.ª ré CCC recusou a transmissão do estabelecimento e, consequentemente, a cessão da posição contratual, afirmando que a autora “não tem qualquer vínculo” consigo (documento n.º 41 junto com a PI, a fls. 58 e 58 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
[artigos da contestação da 1.ª ré – BBB, Sa.:]
23. A autora tinha um horário semanal de 40 horas, em média, em regime de adaptabilidade.
24. De Dezembro de 2015 a 31-01-2020 a autora desempenhou as suas funções de vigilante no …, sito na Rua … em Lisboa, por colocação da 1.ª ré para cumprimento de um contrato de prestação de serviços de segurança privada celebrado entre a BBB e o ….
25. No âmbito dos sucessivos contratos de prestação de serviços de vigilância e segurança celebrados entre a BBB e o …, que a título meramente exemplificativo aqui se juntam os celebrados em 27/12/2017 e 20/12/2019, com início, respetivamente, em 01.01.2018 a 31.12.2019 e 01.01.2020 a 31.01.2020 e caderno de encargos (documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com a contestação da 1.ª ré, a fls. 98 e seguintes, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido) a BBB obrigou-se a prestar os referidos serviços nas instalações do …, sitas nos seguintes Polos:
Pólo de (…) Pólo de (…), no Pólo de (…) e no Museu (…), em Lisboa, conforme consta dos citados contratos.
26. Entretanto, o (…) abriu concurso público para aquisição de serviços combinados de vigilância e segurança humana com serviços de ligação a central de alarmes para os meses de Fevereiro a Junho de 2020, publicado no D.R. nº 4, II, Série, de 07.01.2020 (documento n.º 5 junto com a contestação da 1.ª ré, a fls. 112 verso e seguintes, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
27. A 1.ª ré BBB tomou conhecimento da data do início da nova adjudicação à 2.ª ré CCC em 23-01-2020.
28. A autora trabalhava sob a autoridade e direção da BBB no …do  (…), em Lisboa, a exercer as funções de vigilante naquele Museu, para satisfação dos serviços de vigilância e segurança que àquela tinham sido adjudicados até 31-01-2020.
29. A autora usava no desempenho das suas funções, farda da 1.ª ré BBB com placa identificativa, canetas e impressos em papel para registos com o timbre da BBB.
30. Cada empresa de segurança tem o seu próprio alvará, modelo de uniforme, bem como distintivos, símbolos e marcas os quais não podem ser utilizados pelas outras empresas.
31. Não existiu qualquer contrato ou negócio jurídico entre as sociedades CCC e BBB.
32. Apesar de só ter tido conhecimento em 23-01-2020 da adjudicação à CCC e BBB verificou que, na sequência do Relatório Preliminar do Concurso Público, a CCC encontrava-se em 1.º lugar, pelo que procedeu às comunicações previstas na lei o que fez no dia 17-01-2020.
33. A 1.ª ré BBB, comunicou e a autora e o (…) receberam as cartas juntas nos autos com a contestação da mesma 1.ª ré (documentos n.ºs 7 e 10 juntos com a contestação, a fls. 114 verso e 115, 116 e 116 verso, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
34. A 2.ª ré CCC enviou à 1.ª ré BBB a carta junta aos autos com a contestação desta 1.ª ré - documento n.º 15 junto com a contestação, a fls. 119 a 121, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido – informou a ré que não aceitava a transmissão.
35. A 1.ª ré enviou à 2.ª ré carta junta aos autos com a contestação da 1.ª ré – documento n.º 16, a fls. 121 verso, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
36. A 1.ª ré enviou à ACT – Unidade Local de Lisboa Oriental a comunicação da transmissão do estabelecimento em causa nos autos (documento n.º 17 junto com a contestação da 1.ª ré, a fls. 122 verso e 113, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
37. O grupo de 4 trabalhadores que estavam colocados no Pólo  (…)  não foram incluídos pela 1.ª ré na lista de transmissão, tendo-os mudado para outro cliente.
38. A partir de 01-01-2020 e até 31-01-2020 e no que diz respeito ao Pólo de  (…), não incluía serviços de vigilância e segurança humana, mas apenas serviços de ligação a central de receção e monitorização de alarmes, conforme consta do ANEXO I ao contrato de prestação de serviços e do ANEXO I do respetivo Caderno de Encargos (documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a contestação da 1.ª ré BBB, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
39. Pelo que, a lista de trabalhadores enviada à CCC. apenas contém 5 trabalhadores.
40. Destes 5 trabalhadores a 1.ª ré BBB chegou a acordo com a trabalhadora (…) que foi transferida para outro estabelecimento, antes de 01-02-2020, o que foi comunicado à 2.ª ré CCC. para ser retirada da referida lista (documento n.º 18 junto com a contestação da 1.ª ré, fls. 123 verso e 124, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
41. A autora, por mail de 27-01-2020 enviou à BBB, o documento n.º 31 junto aos autos com a PI (fls. 48), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
42. Eliminado
43. Não ocorreu qualquer transmissão da 1.ª ré para a 2.ª ré de quaisquer instrumentos de trabalho, não se observando uma alteração de titularidade dos mesmos, ou seja, não houve nenhuma transmissão de elementos corpóreos do ativo da 1.ª ré (como instalações, imobiliário, equipamentos, fardas, etc.) para a 2.ª ré.
44. A ora 2.ª ré, aquando do início da exploração dos postos da cliente, forneceu equipamentos da sua propriedade aos trabalhadores, não tendo adquirido/recebido nenhum daqueles por parte da sociedade que antes explorava o posto, aqui 1.ª ré.
45. Não foi transmitido da 1.ª ré para a 2.ª ré a transmissão de elementos incorpóreos, designadamente, do método de organização de trabalho, do know-how, etc., adotando a aqui ré métodos organizativos distintos da 1.ª ré, tais como a obrigação dos seus trabalhadores comunicarem à central, mediante contacto telefónico, as entradas e saídas dos postos.
46. Os serviços prestados nos postos em questão pelos trabalhadores que a eles se encontram alocados são ordenados, coordenados, e vigiados pela central da aqui 2.ª ré, sita na sua sede, tendo os trabalhadores a obrigação de dar conhecimento quer ao supervisor, quer à sede, dos registos de entrada e saída, bem como das demais questões que se coloquem no âmbito da prestação de serviço.
47. Eliminado
48. Os trabalhadores estão adstritos aos horários e turnos indicados pela 2.ª ré, utilizam os equipamentos por esta fornecidos e regem-se pelas suas orientações e diretrizes, sendo que, para além dos elementos por esta fornecidos, utilizam somente os meios disponibilizados pela cliente, não utilizando qualquer elemento cedido por parte da 1.ª ré BBB.
[Dos alegados danos (artigos 68 e seguintes da PI)].
49. A autora era cumpridora das suas funções.
50. O agregado familiar da autora é constituído pela própria e pela filha desta – (…), nascida a (…), atualmente com (…) anos de idade (documentos n.ºs 42 e 43 da PI, a fls. 59 a 61, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
51. A autora assegura todas as despesas inerentes à sua filha.
52. À autora foi concedido empréstimo para habitação própria, cuja dívida total ascendia, a 18-02-2020, a € 39.253,34 e cuja prestação mensal – àquela data – era de € 236,36 (documento n.º 44 da PI, a fls. 62, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
53. O vencimento que a autora auferiu até ao final de Janeiro de 2020 constituía o único rendimento do seu agregado familiar.
54. Como causa direta do acima exposto nos pontos 1 a 48, a autora sentiu-se consternada, triste e deprimida, com reflexos nas suas relações pessoais.
***
O DIREITO:
Avançamos, então, para análise da 3ª questão elencada a propósito do recurso interposto pela R. – Não se verificam os pressupostos da transmissão do estabelecimento?
O negócio jurídico em causa efetivou-se em 23/01/2020 (ponto 27) para produzir efeitos após 31/01/2020 (ponto 28).
É-lhe aplicável o disposto no Art.º 285º do CT na versão introduzida pela Lei 14/2018 de 19/03 que alterou o regime jurídico aplicável à transmissão de empresa ou estabelecimento e entrou em vigor em 20 de Março de 2018 (artigo 4.º).
Era o seguinte o teor do Art.º 285º (no que para aqui releva):

Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento

1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 – …
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
6 a 12- …

Estando em causa uma adjudicação, através de concurso, de serviços de segurança e vigilância e não propriamente um negócio diretamente celebrado por ambas as RR. envolvendo qualquer empresa ou estabelecimento, decorre do número 1 do Art.º 285º a relevância do conceito de unidade económica porquanto, tal como ali espelhado, são abrangidos pela estatuição quer os tradicionais negócios translativos de empresa ou estabelecimento, quer também aqueles que envolvam a transmissão de uma unidade económica.
A noção de unidade económica aqui consagrada acolhe o ensinamento da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia segundo o qual é considerada transmissão a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto organizado, não apenas de meios materiais, mas também – e nalguns casos, em razão da natureza da atividade desempenhada, principalmente – de trabalhadores, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória.
Releva, pois, determinar se existirá uma transmissão de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, sendo assim fundamental determinar o que se pode/deve entender como unidade económica para tais efeitos.
O Art.º 285º/5 do CT, na redação introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, acrescentou à definição do conceito de unidade económica o elemento da autonomia técnico organizativa, conceito que deve ser interpretado à luz da Diretiva 2001/23/CE[2] por força do princípio da interpretação conforme que impõe uma interpretação das normas nacionais que se apresente conforme com a legislação comunitária ou, sendo tal interpretação inviável, a própria inaplicabilidade das normas nacionais contrárias às comunitárias.
Em casos como o presente, em que o negócio translativo resulta de adjudicação de serviços e não de um negócio direto entre cedente e cessionário, é elevada a particular complexidade da situação.
Na verdade, sendo a atividade essencialmente constituída por uma estrutura humana e diminuto o peso dos bens corpóreos, os indícios básicos de transferência de bens materiais e imateriais, como a clientela e o know-how, se presentes, podem não ser suficientes para concluir pela existência de uma unidade económica.
O Tribunal de Justiça da União Europeia, ciente desta complexidade, vem enunciando um conjunto de critérios indiciários que considera relevantes para aferir daquela, critérios que a jurisprudência nacional vem equacionando nas suas decisões.
Tal como decidido no Ac. STJ de 06.12.2017, Proc.º 357/13.3TTPDL.L1.S1, a avaliação da subsistência de uma unidade económica exige a ponderação global, em função de cada caso concreto, de determinados elementos parciais indiciários, frequentemente enunciados pelo TJUE, como relevantes, nomeadamente:
- o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata;
- a transferência ou não de bens corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, bem como o valor dos elementos incorpóreos existentes no momento da transmissão;
- a reintegração, ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efetivos, v.g., no domínio dos recursos humanos;
- a continuidade da respetiva clientela;
- o grau de similitude entre as atividades exercidas antes e depois da transmissão e a duração de uma eventual suspensão dessas atividades.
No entanto, como repetidamente vem sendo defendido pelo TJUE, para além da apreciação desses indícios dever ser feita de forma conjunta e global, tal apreciação deve ter em conta as características próprias e específicas da atividade desenvolvida em cada caso concreto, pois a relevância de cada um dos indícios em ponderação poderá ser tanto maior ou menor consoante o tipo de atividade em causa. Vão neste sentido os Ac. TJUE de 9/09/2015 – processo C-160/14 – “O critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência, na aceção dessa diretiva, consiste na circunstância de a entidade em questão preservar a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma.
Para determinar se este requisito está preenchido, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transmissão ou não de elementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transmissão, a reintegração ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efetivos, a transmissão ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transmissão e a duração de uma eventual suspensão destas atividades. Estes elementos constituem, contudo, apenas aspetos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não podem, por isso, ser apreciados isoladamente” – ou de 19/10/2017 – processo C-200/16 -, “há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a integração ou não do essencial dos efetivos pelo novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de semelhança das atividades exercidas antes e depois da transferência e a duração da eventual suspensão destas atividades. Estes elementos devem ser apreciados no âmbito de uma avaliação de conjunto das circunstâncias do caso concreto e não podem, por isso, ser considerados isoladamente”.
Por sua vez Júlio Gomes[3] chama a atenção para o seguinte:
“…Decisiva, para o Tribunal de Justiça [da União Europeia], é sempre a manutenção da entidade económica e para verificar se esta entidade continuou a ser a mesma, apesar das várias vicissitudes, o tribunal destacou que há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua atividade ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objeto de uma apreciação global, não sendo, em princípio, decisivo qualquer um deles[4]. Numa indicação meramente exemplificativa — aliás, o próprio Tribunal não parece pretender apresentar uma lista exaustiva — podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do ativo da entidade, designadamente, bens imóveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efetivos, a duração de uma eventual interrupção da atividade, a eventual manutenção da clientela e o grau de semelhança entre a atividade desenvolvida antes e a atividade desenvolvida depois da transferência”.
A sentença recorrida concluiu que na qualidade de adquirente a 2ª R. assumiu a transmissão da posição de empregadora no contrato de trabalho da A. com produção de todos os efeitos previstos no Art.º 285º/1 do CT.
Ponderou-se na sentença que “Da factualidade acima provada resulta ter existido entre a 1.ª ré BBB, e a 2.ª ré CCC, a continuidade, estabilidade, permanência e autonomia da prestação de serviços de vigilância e de segurança humana no Museu (…), nomeadamente quanto aos recursos humanos e meios disponibilizados pelo adjudicante permitem sindicar a existência de uma unidade económica, ainda que dependente da organização e estrutura de cada uma das prestadoras.
Ao nível económico, os serviços prestados pela 1.ª ré até ao dia 31-01-2020 com recurso ao trabalho da autora é correspetiva, plena e totalmente igual à caracterização económica dos serviços prestados de vigilância e de segurança humana prestados pela 2.ª ré CCC no mesmo Museu a partir de 01-02-2020.
Os serviços prestados por ambas as rés são funcionalmente os mesmos.
Entre as duas rés, enquanto prestadoras, não se verificou qualquer rutura funcional ou alteração organizativa do conteúdo e núcleo da prestação.
Ou seja, a unidade económica transmitida conservou a sua identidade e prosseguiu a atividade através da 2.ª ré CCC, a qual tinha sido até então desenvolvida pela 1.ª ré BBB.

A não transmissão de equipamentos ou de outros bens corpóreos, bem como a introdução de uma nova gestão pela 2.ª ré CCC consubstanciam elementos não significativos para o apuramento no presente caso dos critérios de identidade e de continuidade. Com efeito, as alterações acima expostas 43 a 48 dos factos provados não consubstanciam qualquer restruturação organizativa do conteúdo e núcleo da prestação adjudicada, sendo tão-só meros procedimentos instrumentais de concretização e execução dos mesmos serviços prestados pela A. à ré BBB.
Ao nível dos recursos humanos, a 2.ª ré, para o desenvolvimento da prestação de serviços de vigilância e de segurança humana no Museu em apreço, bastou-se com a afetação ou contratação de trabalhadores no posto de trabalho que não foi ocupado pela autora enquanto trabalhadora da 1.ª ré.
Ambas as rés, no âmbito da execução da prestação de serviços contratados com o (…), limitam-se à disponibilização de tais meios humanos, sem que se possa identificar qualquer outra prestação relevante para o conteúdo e núcleo da prestação adjudicada pelo mesmo (…).
A sucessão das rés na prestação de tais serviços no (…) foi, em termos laborais, meramente contratual por substituição do prestador de serviço sem alteração substancial dos meios afetos à unidade económica.
Em conclusão, a sucessão da prestação de serviços de vigilância e de segurança humana, por adjudicação do (…), no (…), entre a 1.ª ré BBB, a 2.ª ré CCC configura juridicamente uma transmissão, por adjudicação, da titularidade de empresa ou estabelecimento, a qual constitui uma unidade económica.”
Contrapõe a Apelante que o acervo fático não sustenta a transmissão de unidade económica – não existiu continuidade ao nível dos recursos humanos e meios, existiu uma alteração de métodos organizativos, não existindo prova que revele o número de trabalhadores, as funções por eles exercidas e a ausência de interrupção na prestação de serviços, o que a não pode prejudicar; o primeiro critério a relevar para efeitos da Diretiva2001/23/CE é o da autonomia, só adicional e consequentemente se aferindo da presença de outros elementos indiciários; ora, os vigilantes não têm autonomia técnica, pressupondo a prestação de serviços para além das funções do vigilante enquanto tal, também uma estrutura hierarquizada e organizativa da prestadora integrada por supervisores e coordenadores; não há prova de que os operadores pudessem alterar o seu modus operandi; nada distingue os trabalhadores ali em exercício de outros que prestem funções noutros postos da Recrdª; a rotatividade dos postos de trabalho é característica da atividade em presença; o posto de trabalho em referência não tem qualquer autonomia; não se transmitiram bens materiais ou imateriais; não está provado que o essencial dos trabalhadores da Recrdª que ali prestavam funções tivessem contratado com a Recrte. a prestação opera com recurso a um vasto conjunto de meios, além do capital humano…
Por sua vez a Apelada BBB salienta a experiência profissional da A., a prossecução da mesma atividade por parte dos prestadores com o mesmo número de vigilantes, a utilização de bens que, pela sua natureza, são intransmissíveis, a manutenção da identidade da unidade, a essencialidade do capital humano, o exercício da atividade de forma estável e duradoura, pelo que se verifica transmissão tal como sentenciado.
O Ministério Público apelando a um caso de contornos semelhantes decidido nesta Relação a 6/10/2022, pronuncia-se pela procedência do recurso.
Debrucemo-nos, então, sobre os factos cuja prova se obteve!
A BBB prestava para o (…) serviços de vigilância e segurança desde 2018 nos seguintes Polos: (…) (ponto 25) e desde 2015 no  (…) (ponto24).
A A. exercia as suas funções no (…) (pontos 3 e 11) desde Dezembro de 2015 (ponto 24).
Na sequência de concurso público para aquisição de serviços combinados de vigilância e segurança humana com serviços de ligação a central de alarmes para os meses de Fevereiro a Junho de 2020, aberto pelo (…) (ponto 26) os serviços foram adjudicados à R. CCC (ponto27).
A autora usava no desempenho das suas funções, farda da 1.ª ré BBB com placa identificativa, canetas e impressos em papel para registos com o timbre da BBB (ponto 29).
Cada empresa de segurança tem o seu próprio alvará, modelo de uniforme, bem como distintivos, símbolos e marcas os quais não podem ser utilizados pelas outras empresas (ponto 30).
Não ocorreu qualquer transmissão da 1.ª ré para a 2.ª ré de quaisquer instrumentos de trabalho, não se observando uma alteração de titularidade dos mesmos, ou seja, não houve nenhuma transmissão de elementos corpóreos do ativo da 1.ª ré (como instalações, imobiliário, equipamentos, fardas, etc.) para a 2.ª ré (ponto 43).
A ora 2.ª ré, aquando do início da exploração dos postos da cliente, forneceu equipamentos da sua propriedade aos trabalhadores, não tendo adquirido/recebido nenhum daqueles por parte da sociedade que antes explorava o posto, aqui 1.ª ré (ponto 44).
Não foram transmitidos da 1.ª ré para a 2.ª ré elementos incorpóreos, designadamente, do método de organização de trabalho, do know-how, etc., adotando a aqui ré métodos organizativos distintos da 1.ª ré, tais como a obrigação dos seus trabalhadores comunicarem à central, mediante contacto telefónico, as entradas e saídas dos postos (ponto 45).
Os serviços prestados nos postos em questão pelos trabalhadores que a eles se encontram alocados são ordenados, coordenados, e vigiados pela central da aqui 2.ª ré, sita na sua sede, tendo os trabalhadores a obrigação de dar conhecimento quer ao supervisor, quer à sede, dos registos de entrada e saída, bem como das demais questões que se coloquem no âmbito da prestação de serviço (ponto 46)
Os trabalhadores estão adstritos aos horários e turnos indicados pela 2.ª ré, utilizam os equipamentos por esta fornecidos e regem-se pelas suas orientações e diretrizes, sendo que, para além dos elementos por esta fornecidos, utilizam somente os meios disponibilizados pela cliente, não utilizando qualquer elemento cedido por parte da 1.ª ré BBB (ponto 48).
Sendo estes os factos relevantes, iremos agora compaginá-los com o disposto no Art.º 285º, muito concretamente aquilatando da sua compatibilidade com o conceito de transmissão de unidade económica entendida esta como o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica.
Ora, compulsados os factos relevantes, sendo evidente a continuidade no exercício da mesma atividade, parece-nos que não está configurada uma unidade económica dotada daquela autonomia.
Na verdade, resultou provado que os serviços prestados nos postos em questão pelos trabalhadores que a eles se encontram alocados são ordenados, coordenados, e vigiados pela central da 2.ª ré, sita na sua sede, tendo os trabalhadores a obrigação de dar conhecimento quer ao supervisor, quer à sede, dos registos de entrada e saída, bem como das demais questões que se coloquem no âmbito da prestação de serviço. Autonomia técnico organizativa absolutamente ausente, pois!
Tratando-se da prestação de serviços de segurança e vigilância é indiscutível a importância do fator humano no exercício da atividade. Os factos não revelam, porém, o número de trabalhadores que, no Museu, exerciam funções por conta da BBB e o número de trabalhadores que passaram a exercê-las por conta da CCC[5].
Não houve qualquer transmissão direta de bens corpóreos ou incorpóreos, sendo absolutamente relevante que não foi transmitido, designadamente, o método de organização de trabalho, o know-how, adotando cada uma das RR. métodos organizativos distintos, tais como a obrigação dos seus trabalhadores comunicarem à central, mediante contacto telefónico, as entradas e saídas dos postos.
A tudo acresce a utilização dos equipamentos fornecidos pela R. CCC a que acresce a dos meios disponibilizados pela cliente – desconhecem-se quais -, mas estando também provado que não são utilizados quaisquer elementos cedidos por parte da R. BBB.
Está, pois, evidenciada uma organização de meios próprios da Apelante, a submissão a uma hierarquia sedeada fora do local em causa, o que nos impele a concluir que os factos cuja prova se obteve revelam uma mera sucessão de contratos de prestação de serviço, sem que se possa estabelecer qualquer conexão ao nível dos meios afetos ao posto de trabalho antes e depois da transferência dos serviços de vigilância. Cada uma das RR. desenvolve a sua atividade com recurso aos seus equipamentos, materiais, elementos organizacionais…
Donde, tal como afirma a Apelante, o acervo fático não sustenta a decisão jurídica.
Termos em que procede a questão em apreciação.
*
Invocou a Apelante que a sentença não conheceu da matéria da oposição à transmissão, questão que já apreciámos, tendo concluído pela nulidade da sentença nessa parte.
Cabe, então, apreciar a questão!
Consta nos pontos 13 e 41 da matéria de facto que a A., em 27/01/2020, enviou à R. BBB, que o recebeu, um email. Tal email tem o seguinte teor:
“Bom dia, venho por este meio expressar o meu desagrado relativamente à carta que recebi sobre a transmissão dom posto.
Quero dizer que não estou interessada em sair da BBB e muito menos ir para a empresa CCC, uma vez que a mesma não me aceita com os mesmos direitos que me são garantidos por V. Exª, confirmado pessoalmente nas instalações da CCC, com os recursos humanos e o supervisor.
Além da minha antiguidade que não é aceite pela CCC, também não aceitam as férias que já estavam marcadas na BBB, para iniciar a 3 de Fevereiro 2020, por motivos familiares.
Nesta transmissão de posto, a BBB não me deu opção de escolha, já recebi a carta, só com 11 dias de aviso (dia 20 de Janeiro), com a decisão tomada por V. Exª. Decidiram por mim, o que não acho correto, até porque podemos chegar a um acordo mais viável para ambas as partes.
Eu quero continuar a ser Vigilante na BBB, não importa o enquadramento de horário ou posto de trabalho.
Ou pôr término ao contrato, pela vossa parte, uma vez que o Sr. (…) disse-me que não tinha enquadramento de horário para mim.
Certa de que tomam atenção necessária a esta exposição, espero uma resposta o mias breve possível.”
Muito embora tenhamos concluído que não se regista transmissão, não deixaremos de enfrentar a questão.
A Lei 14/2018 introduziu na ordem jurídica o direito de oposição do trabalhador à transmissão, oposição que obsta à transmissão da posição do empregador conforme dito no Art.º 286ºA/2 do CT. Uma inovação que recoloca o trabalhador na equação, dando-lhe voz na questão da transmissão do contrato de trabalho.
Dispôs-se no Art.º 286ºA/1 que o trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão… quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.
Pressuposto do direito de oposição é, pois, o prejuízo sério adveniente para o trabalhador com a transmissão.
A lei não define o conceito de prejuízo sério, exemplificando, contudo, com três indícios do mesmo. São meros exemplos, podendo, pois, o conceito ser enformado por outras circunstancias[6].
Na comunicação dirigida à sua empregadora a A. afirmou a sua oposição fundada na circunstância de a transmissária a não aceitar “com os mesmos direitos que me são garantidos por V. Exª, confirmado pessoalmente nas instalações da CCC, com os recursos humanos e o supervisor”. Exemplifica com o não reconhecimento da antiguidade e a não conformação com o gozo de férias já marcadas.
Se este último fundamento se nos não afigura como apto a enformar o conceito de prejuízo sério, já o primeiro é absolutamente relevante.
Ora, provou-se que no dia 03-02-2020 a autora esteve nas instalações da 2.ª ré CCC, sitas na Rua (…), a fim de perceber se todas as condições do seu vínculo laboral efetivamente se mantinham, agora ao serviço e por conta da 2.ª ré. Foi recebida pelo Sr. (…) “(…)”, o qual informou a autora de que a 2.ª ré CCC, não reconhecia existir qualquer transmissão do estabelecimento. Crendo a autora que esta situação não fosse mais do que um equívoco, no dia 11-02-2020 e após um período de férias, a autora compareceu no seu local de trabalho, onde até à data exerceu as suas funções de vigilância, declarando querer exercer as suas funções. Nesse momento, a autora, constatou que a 2.ª ré já tinha ao seu serviço, desde 01-02-2020, naquele local, um outro trabalhador, devidamente identificado e uniformizado com as iniciais da CCC. A 2.ª ré não permitiu o início da jornada de trabalho da autora.
Estes factos, ocorridos após o envio do email, indiciam no sentido do fundado receio expresso pela A. no seu email. Porém, não comprovam a alegação sobre o não reconhecimento da antiguidade. O que nos impele a indagar se ao trabalhador compete provar o invocado prejuízo sério.
A redação do Art.º 286A/1 é dúbia. Por um lado, o normativo dispõe que pode ser exercido o direito de oposição quando a transmissão possa causar ao trabalhador prejuízo sério, o que inculca num juízo de prognose e não num dado adquirido. Por outro lado, a lei exemplifica como integrador de um tal prejuízo, a falta de confiança na política de organização do trabalho, parecendo, pois, que basta que o trabalhador desconfie de tal política, ainda que não assente a sua desconfiança em factos. Em qualquer dos casos um mero juízo de prognose, que, conforme as circunstâncias invocadas pode assumir contornos de teor objetivo ou de índole subjetiva[7]. Não é, porém, claro que ao trabalhador caiba a prova das circunstâncias que invoca.
Certo é que na sua contestação a R. CCC alegou que fora transmitido à A. que estaria disponível para celebrar consigo um contrato de trabalho ex novo, o que a A. recusou por desejar manter o seu vínculo laboral com a 1ª R. (Art.º 50º).
Tal alegação, no contexto da ação, traduz uma confissão por parte da R. e, nessa medida, a factualidade deve considerar-se provada e integrar o acervo fático. Tudo ao abrigo do disposto no Art.º 662º/1 do CPC.
Considera-se, pois, provado que a R. CCC transmitiu à A. que estaria disponível para celebrar consigo um contrato de trabalho ex novo.
Daqui se conclui que a alegação da A. na sua comunicação era sustentável.
Ou seja, dispondo-se a R. a aceitar a A. desde que esta abdicasse da sua antiguidade, celebrando um novo contrato de trabalho, é óbvio que a mesma se confrontaria com um prejuízo sério[8]. Daí que concluamos que exerceu validamente o seu direito de oposição, o que constitui obstáculo à transmissão, antes se mantendo o vínculo com o transmitente (Art.º 286ºA/2 do CT).
E, nesta medida, também por esta via a ação improcede quanto à R. CCC, ora Recrte..
***
Aqui chegados cumpre retornar à ação, a fim de retirarmos consequências da respetiva tramitação.
A petição inicial é enformada por um pedido principal – dirigido contra a R. BBB- e por um pedido subsidiário – dirigido contra a R. CCC.
No decisório constante da sentença julgou-se procedente o pedido subsidiário, com o que se veio a condenar a R. CCC, e absolveu-se a R. BBB do pedido.
A A. conformou-se com esta absolvição (exceto na parte em que se debate pelos créditos laborais e pela solidariedade nesta apelação, conforme infra melhor explicaremos).
Tal como salienta António Santos Abrantes Geraldes “quando o autor tenha formulado um pedido principal e um pedido subsidiário, sendo aquele julgado improcedente e este procedente, deve considerar-se parte vencida, na medida em que, de acordo com a ordenação expressa na petição, a decisão não deu acolhimento ao pedido principal.[9]
Também Armindo Ribeiro Mendes, em anotação ao anterior artigo 680.º, atual artigo 631.º, refere[10]: “De um modo geral, coincidem os critérios material e formal de legitimidade para o recurso, pois quem pretende recorrer é a parte prejudicada pela decisão e essa parte, em regra, não obteve em juízo aquilo que pediu ou requereu. Se uma parte formulou um pedido a título principal e outro a título subsidiário, a condenação do réu no pedido subsidiário permite ao autor recorrer, uma vez que não obteve a decisão mais favorável, que correspondia à procedência do pedido principal.” [11]
Assim, deveria a A. ter interposto recurso da sentença acautelando a absolvição da 1ª R. do pedido.
Donde, a decisão absolutória (quanto ao mais) se consolidou.
***
Retomamos agora a apelação da A..
A mesma delimita assim o objeto do seu recurso:
“A Recorrente não se conforma com a referida sentença, apenas na parte que se reporta aos créditos laborais reclamados e responsabilidade solidária das Recorridas, nada existindo a apontar quanto á ilicitude do despedimento que foi declarado pelo Tribunal a quo, a qual nos pareceu sempre evidente e incontornável”.
Invocou após as nulidades que já apreciámos, tendo obtido vencimento no que se reporta à invocação de omissão de pronúncia acerca da invocada solidariedade.
Cumpre, pois, apreciar tal questão.
Pretende a Apelante que a R. BBB responde solidariamente com a R. CCC pelos créditos emergentes do contrato de trabalho.
A R. CCC fica, por efeito da procedência desta apelação, absolvida do pedido contra si dirigido, não subsistindo, pois, qualquer condenação que possa sustentar a invocada solidariedade.
Em presença da delimitação do objeto do seu recurso, em causa ainda os créditos relativos a retribuição de férias do ano 2019, vencidas em 1/01/2020, o respetivo subsídio de férias, os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal e as horas de formação reclamados pelos seguintes valores, respetivamente:
- 765,57€,
- 765,67€,
- 191,40€ e
- 486,20€.
Créditos que, como já dito a sentença reconheceu.
Não se podendo falar de solidariedade na dívida, sendo certo que a R. BBB foi absolvida do pedido, também nos parece que a absolvição, em presença deste recurso, não se consolidou nesta parte. Ou seja, verdadeiramente a A. não se conformou com a absolvição desta R. no respeitante a tais valores, pouco relevando se responde só ou em solidariedade com outrem.
Nessa medida, e não se registando oposição da R. BBB ao reconhecimento que a sentença fez dos créditos, concede-se na respetiva condenação nesta parte.
Tendo a Apelante R. obtido vencimento na sua apelação, as respetivas custas devem ser suportadas pela A. nos termos do disposto no Art.º 527º do CPC.
Já as custas da apelação interposta pela A., apelação em que obtém ganho de causa (o vencimento/decaimento na invocada nulidade da sentença é, para este feito, irrelevante), serão suportadas pela R. BBB que aqui é parte vencida.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
a) Julgar a apelação interposta pela R. CCC procedente e, em consequência:
1.Modificar o acervo fático conforme sobredito;
2. Declarar a nulidade parcial da sentença e
3. Absolver a Apelante do pedido contra si dirigido.
Custas pela Apelada A..
b) Julgar a apelação interposta pela A. parcialmente procedente e, em consequência:
1. Declarar a nulidade parcial da sentença e
2. Condenar a R. BBB no pagamento à A. da quantia de dois mil duzentos e oito euros e oitenta e quatro cêntimos (2.208,84€).
Custas pela R. BBB.
Lisboa, 18/01/2023

MANUELA FIALHO
ALDA MARTINS
SÉRGIO ALMEIDA
_______________________________________________________
[1] Conforme retificação
[2] Estabelece o artigo 1.º da referida Diretiva 2001/23/CE, que:
“1. a) A presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.
b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória. (…)”
[3] (Novas, novíssimas e não tão novas questões sobre a transmissão da unidade económica em Direito do Trabalho, in Novos Estudos de Direito do Trabalho, Wolters Kluver / Coimbra Editora, p. 89 e ss.).
[4] Destaque nosso
[5] A factualidade ínsita nos pontos 37 a 40 não é elucidativa
[6] Neste sentido, Júlio Gomes, “Algumas reflexões críticas sobre a Lei n.º 14/2018, de 19 de Março”, in Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, n.º 1/2018
[7] Neste sentido o Ac. da RE de 27/05/2021, Proc.º 3951/18.2T8FAR
[8] No mesmo sentido o Ac. desta RLx. de 15/12/2022, Proc.º 9810/20..1T8SNT
[9] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 67
[10] Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Coimbra Editora, 19
[11] Do mesmo modo também na obra do autor Recursos em Processo Civil, Lex Edições Jurídicas, 163 ou Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Lim., 269