Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3180/13.1TBOER.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: PRESCRIÇÃO
PRAZO
PRESTAÇÕES PERIODICAMENTE RENOVÁVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.O preceituado no art. 310º, al. g) do CC, pressupõe que haja autonomia entre a prestação periódica e a relação jurídica unitária que a pressupõe, de forma que a última subsista sem a primeira e esta não importe pagamento parcial daquela.
2.Diferentemente, nas obrigações fraccionadas, há uma só obrigação cujo objecto é dividido em fracções, com vencimentos intervalados, faltando-lhes aquela nota de autonomia que a lei pretende traduzir ao aludir, não apenas à periodicidade da prestação, mas ainda à sua renovabilidade.
3.Consequentemente, às obrigações fraccionadas não é aplicável o prazo prescricional de cinco anos, mas sim o prazo ordinário de vinte anos (artº 309º do Código Civil).
4.A “ficção” – efeito interruptivo – estabelecida naquele n.º 2 do art.º 323º do C. Civil pressupõe
que a citação não tenha sido realizada no prazo de cinco dias e que o demandante não tenha adjectivamente contribuído para que a citação não chegasse ao demandado naquele prazo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


I.-H.STC., S.A., habilitada em substituição de Ge W.,S.A., intentou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário contra Roberta M. de M., pedindo a condenação desta no pagamento das seguintes quantias:
-€ 6.000,00, correspondente ao valor em dívida para com a A., acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contabilizados até 08.04.2013, no montante de € 2.099,68;
-juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento;
-despesas de devolução dos cheques, no montante de € 49,58.
Alegou, em síntese, ter no dia 28/08/2005 celebrado com a R. uma operação de crédito, formalizada através de escrito particular, denominado contrato de mútuo com taxa variável, que tinha por objecto o financiamento da aquisição de um veículo automóvel; que foi convencionado o pagamento de 72 prestações mensais sucessivas, no valor de €210,75 cada; que em 7/11/2009 a ré solicitou a antecipação do contrato para o que entregou à A, quantia em numerário e dois cheques, no valor global de €6.000,00, tendo a autora remetido por via postal toda a documentação relativa ao veículo; que os cheques foram apresentados a pagamento e vieram devolvidos com a informação de falta de provisão, o que acarretou despesas para a A.
A R. contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação, tendo invocado a prescrição do direito da autora e alegado que os cheques foram entregues à A. pela Trevocar, comerciante por si incumbida da venda do automóvel; que após ter recebido a documentação da viatura, vendeu o veículo a Fábio A…, a favor de quem foi registado em 18.12.2008; que nada deve à autora, sendo ilegítimo o exercício pela autora do seu alegado direito; que à data do contrato residia na Praceta …. …, n.º …, 7ºO, em Paço de Arcos, residência que posteriormente alterou, com conhecimento da autora, para a Rua … …, ,,,, 2º dtº, Carnaxide; que as eventuais demoras na citação são imputáveis à autora, pois que a morada indicada na p.i. não corresponde à sua última morada em Portugal conhecida da autora; que à data da sua citação já se encontravam prescritas as quantias peticionadas.

A autora apresentou articulado de resposta.

No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção de prescrição.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a R. no pagamento à A. da quantia de:
“1- € 6.000,00 (seis mil euros e zero cêntimos), correspondente ao valor em dívida para com a A, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contabilizados desde 08.04.2013, no montante de € 2.099,68 (dois mil e noventa e nove euros e sessenta e oito cêntimos).
2.juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento”.

Inconformada, veio a ré interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:

1.Pela aliás douta sentença recorrida, a R., ora recorrente, foi condenada a pagar o empréstimo contraído junto da A. para financiar a aquisição de um veículo automóvel, pela segunda vez, pois se a A. ainda não se encontra reembolsada é, única e exclusivamente, na melhor das hipóteses, por culpa sua, por ter agido sem cuidado, ao dar quitação da dívida sem cuidar de saber se os cheques que recebera de terceiro tinham sido pagos, fazendo a R. crer que já havia recebido. Com efeito,
2.Como resulta da p.i. e do documento nº 1 a ela junto, a A. celebrou com a R., a operação de crédito formalizada através do escrito particular que junta como documento número 1 (cfr. artigos 1º e 2º da p.i.), em cujos termos o reembolso foi garantido por hipoteca ou reserva de propriedade sobre o veículo automóvel.
3.Pedida a antecipação do pagamento (cfr. artigo 5º da pi.), a A. enviou à R., "toda a documentação referente ao referido veículo" (cit. artigo 7º da p.i. e documento número 7 junto à p.i.) em 5.12.2008.
4.Crente de que a A. estava paga, sem razões para disso duvidar (e, se duvidasse, sem forma de o confirmar), a R. emitiu e entregou os documentos necessários à venda do veículo (cfr. documento junto aos autos pela R. em 2.12.2014).
5.Os cheques recebidos pela A., no montante de € 1.750, datado de 2008-09-20, apresentado a pagamento em 2008-11-07 e outro datado de 2008-09-31 (sic), no montante de € 4.250, apresentado a pagamento na mesma data, por depósito em conta de que é titular a A., foram devolvidos por falta de provisão no dia 11-11-2008 (cfr. doc. nº. 5 e 6 juntos com a p.i.).
6.Na fundamentação da sentença devem ser atendidos os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, consideradas e compatibilizadas todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (d. artigos 413º e 607º, nº. 4 do CPC).

7.Atendendo ao objecto do litígio, além da matéria de facto considerada, deviam também ter sido dados como provados os seguintes factos, indicados nas alíneas E) e G) a K) infra, mantendo-se apenas a redacção dos números 1 a 4 da fundamentação de facto:
A.A "GE W., S.A./I tem por objecto, entre outros, a celebração de contratos de mútuo (Fundamentação, nº. 1).
B.No exercício da sua actividade, a "GE W., S.A.” celebrou com a R. a operação de crédito formalizada através de escrito particular com o nº- 68348599/VCR103308 (Fundamentação, nº. 2).
C.Este contrato tinha por objecto o financiamento para a aquisição a crédito do veículo automóvel da marca CHEVROLET, modelo KALOS, com a matrícula ..-..-.. (Fundamentação, nº. 3).
D.Nos termos do referido contrato ficou estipulado o reembolso do crédito concedido em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor de € 210,75 cada, vencendo-se a primeira em 28.09.2005 (Fundamentação, nº.4).
E.Nos termos do referido contrato o reembolso do crédito foi garantido por hipoteca ou reserva de propriedade, registada na Conservatória do Registo Automóvel (cfr. artigo 6º da contestação e documento junto em 2.12.2014.
F.Em 7.11.2008, a R. solicitou à A. a antecipação do pagamento da quantia em dívida, com efeitos no dia 20.11.2008 (Fundamentação, nº. 5)
G.A antecipação do pagamento destinava-se a permitir a venda do veículo (dr. doc. nº. 1 junto com a contestação e depoimento da testemunha VM..., prestado no dia 16-4-2015, ao mn 5:28).
H.Em 7.11.2008, a A. depositou na sua conta bancária aberta junto do Santander Totta, € 938,47 em numerário, o cheque nº. 1362557096,datado de 20.09.2008, no montante de € 1.750,00 e o cheque nº. 7144947086, no montante de € 4.250,00, ambos sacados por JG..., que vieram ambos a ser devolvidos por falta de provisão no dia 11 seguinte (cfr. docs. números 4 a 6).
I.Os referidos cheques foram entregues à A. pela Trevocar, comerciante incumbido da venda do automóvel (cfr. depoimento da testemunha VM..., prestado no dia 16-4-2015, aos minutos 5:22 e 17:09).
J.Por carta datada de 5.12.2008, a A. remeteu à R. a documentação necessária para distratar o ónus que incidia sobre o veículo para garantia do pagamento do empréstimo (cfr. doc. 7 junto à p.i.) e só não emitiu declaração expressa de quitação por assim lhe não ter sido solicitado (cfr. depoimento da testemunha VM..., prestado no dia 16-4-2015, ao minuto 14:55 e seguintes).
K.Recebida esta documentação, a R. vendeu o veículo a Fábio A..., a favor de quem foi registado em 18.12.2008 (cfr. documento junto aos autos em 2.12.2014).Por carta de 29.01.2009 a A. informou a R. que tinha na sua posse os dois cheques que se destinavam à liquidação do contrato e intimou-a a regularizá-los (cfr. doc. nº. 9 junto à p.i.).

8.Na, aliás douta sentença, devia por isso ter-se julgado provado que a R. fez o que devia quando, de posse dos documentos que a A. lhe enviou, concluiu que a divida se encontrava paga e emitiu por sua vez a declaração de venda do veículo automóvel! Com efeito,
9.A declaração negocial pode ser expressa ou tácita, isto é, pode se deduzir de "factos que, com toda a probabilidade, a revelam" (cit. artigo 217º do Código Civil), como é o caso quando o credor, voluntariamente, entrega ao devedor o título original do crédito, o que faz presumir a sua liberação (d. nº. 3 do artigo 786º do Código Civil). Assim,
10.Do documento número nº. 7 junto com a p.i. a R. concluiu - por outra conclusão não ser possível, que a A. estava reembolsada e vendeu o veículo, pagando assim as suas dívidas: a resposta à primeira questão incluída no objecto do litígio - "aferir sobre a qualificação jurídica do documento nº. 7, a fls. 17, junto com a p.i." - deveria por isso ter sido a de que se tratava de uma declaração de quitação do empréstimo cujo pagamento é pedido nos autos.
11.Ao assim não se decidir, na aliás douta sentença, violou-se o disposto nos artigos 413º e 607º, nº. 4 do CPC, 217º e 786º, nº. 3 do Código Civil. por sua vez,
12.Os novos factos referidos na, aliás douta sentença, a partir da Acta da Direcção de Controle de Crédito da A., de 17.02.2009, data em que há mais de dois meses a R. tinha pago o empréstimo, apenas interessam às questões incluídas nos números 3 e 4 do objecto do litígio:
13.Apurado o seu "lapso", a A., instituição de crédito, no lugar de assumir as suas responsabilidades, "empurrou-as" para a R., convencendo-a que a ela competia resolver o problema que não tinha criado, nem podia evitar.
14.A presente acção foi assim proposta em abuso de direito e sabendo a A., por não o poder ignorar, da falta de fundamento da sua pretensão, com o que litigou de má-fé, pelo que deveria ser condenada em multa e indemnização a favor da R. para reembolso de todas as despesas em que incorrer, incluindo os honorários do seu mandatário (dr. artigo 542º do CPC). De qualquer modo, sempre se dirá,
15.Também no, aliás, douto, despacho proferido na audiência prévia, se fez errada interpretação e aplicação do direito, ao julgar improcedente a invocada excepção de prescrição:
16.A R. requereu a antecipação do contrato com efeitos no dia 20.11.2008 (cf. Fundamentação nº. 5); a acção foi proposta por requerimento datado de 8.05.2013, sem que a citação tivesse sido requerida e sem que tivesse sido indicada a última morada conhecida da R.; a R. só veio a ser citada em 14.02.2014; o prazo de cinco anos contado de 20.11.2008 completou-se em 20.11.2013.
17.O prazo de prescrição de cinco anos, estatuído no artigo 310.º do Código Civil, aplica-se quer às prestações periodicamente renováveis, em que há uma pluralidade de obrigações distintas, emergentes de um vínculo fundamental ou relacionadas entre si, que reiteradamente se vão sucedendo no tempo, quer às situações de uma única obrigação cujo cumprimento é efectivado em prestações fraccionadas (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09- 05-2006, CARLOS MOREIRA, Processo 1815/2006-1). Assim,
18.Ao contrário do decidido, a A. não pode beneficiar do disposto no artigo 323º, nº. 2 do Código Civil, de que se fez errada aplicação, pois se a R. não foi citada mais cedo, foi por culpa da A. que não requereu a sua citação e a indicou como residente em local diferente do último que lhe conhecia (cf. documento número 7, junto à p.i.). E, de qualquer modo,
19.A A. peticionou juros calculados até 8.04.2013 no montante de € 2.099,68, cálculo este que a R. impugnou (cf. artigo 30º da contestação); no douto despacho proferido na audiência prévia, decidiu-se que o prazo de prescrição foi interrompido em 13.05.2013, pelo que sempre os juros anteriores a 13.05.2008 estariam prescritos e nunca a R. poderia ser condenada a pagar, de juros, o valor peticionado pela A., sem qualquer indicação da taxa aplicada no seu cálculo e em manifesto excesso, dado que representam 35% do capital. Pelo exposto,
20.Deve a, aliás, douta sentença ser revogada e a presente acção julgada improcedente, indo a R. absolvida do pedido e a A. condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da R. ou, quando menos, deve ser revogado o despacho proferido em audiência prévia e a dívida julgada prescrita, com as legais consequências, apenas assim se fazendo a costumada

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.
*

II.-As questões a decidir resumem-se a saber:

-se é caso de revogar a decisão que declarou improcedente a excepção da prescrição do direito da autora;
-se é caso de alterar a matéria de facto provada;
-se ao exercitar o seu direito de crédito a autora actuou com abuso de direito;
-se a autora litiga de má fé;
-se a condenação da ré no pagamento dos juros vencidos é excessiva.
*

III.-São os seguintes os factos considerados provados em 1ª instância:
1.A "GE W., S.A." tem por objecto, entre outros, a celebração de contratos de mútuo. [art. l.º_p.i.]
2.No exercício da sua actividade, a "GE W., S.A." celebrou com a R. a operação de crédito formalizada através de escrito particular com o n.º 6……….[art.2.º-p.i.]
3.Este contrato tinha por objecto o financiamento para a aquisição a crédito do veículo automóvel da marca CHEVROLET, modelo KALOS, com a matricula ..-..-... [art.3.º_p.i.]
4.Nos termos do referido contrato, ficou estipulado o reembolso do crédito concedido em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor de €210,75 cada, vencendo-se a primeira em 28.09.2005. [art.4.º-p.i.]
5.Em 07.11.2008, através de comunicação escrita dirigida à A. foi solicitada a antecipação do contrato celebrado entre as partes, com efeitos a partir de 20.11.2008, nos termos da cláusula 4.ª das condições gerais do contrato. [art. 5.º_p.i.] doc. n.º 3
6.Com vista à liquidação do valor de antecipação que, à data, ascendia ao montante de € 6.938,47, foi efectuado um depósito em numerário de € 938,47, bem como foram remetidos à A. dois cheques, um com o n.º ………., sacado sobre o Banco Português de Investimentos (BPI), no valor de € 1.750,00, datado de 20.09.2008 e outro, com o n.º …….6, sacado sobre o Millenium BCP, no valor de € 4.250,00, datado de 31.09.2008 [art.7.º-p.i.]
7.A A. remeteu à R., por via postal, toda a documentação referente ao referido veículo. [art.5.º-p.i.]
8.A A. apresentou a pagamento, em 10.11.2008, os supra identificados cheques, os quais vieram devolvidos por falta de provisão na conta do emitente. [art.8º-p.i.]
*

IV.Da questão de mérito:
Da excepção da prescrição:

Apurou-se que no exercício da sua actividade, a "GE W.,S.A." celebrou com a R. no dia 28/08/2005 a operação de crédito formalizada através de escrito particular com o n.º 68348599NCRI03308; que este contrato tinha por objecto o financiamento para a aquisição a crédito do veículo automóvel da marca CHEVROLET, modelo KALOS, com a matricula ..-..-..; e que nos termos do referido contrato, ficou estipulado o reembolso do crédito concedido em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor de €210,75 cada, vencendo-se a primeira em 28.09.2005.

Encontramo-nos assim em presença de um contrato de um contrato de crédito ao consumo (à data regulado pelo D.L n.º 359/91, de 21/09, alterado pelo decreto-lei n.º 101/2000, de 2/6).
Na decisão recorrida entendeu-se que o pedido formulado não se reporta a qualquer uma concreta prestação acordada, mas sim a uma quantia derivada da antecipação do pagamento, não sendo, por isso, aplicável ao caso o prazo prescricional de cinco anos a que alude o art. 310º, al. g) do C. Civil, mas sim o prazo de 20 anos estabelecido no art. 309º do mesmo diploma.

No que toca ao pedido de juros de mora, entendeu-se ser aplicável o prazo prescricional de cinco anos a que alude o art. 310º, al. g) do C. Civil, mas que embora a citação não tivesse ocorrido no prazo de cinco anos, tal não se deveu a causa imputável à autora, tendo-se por interrompida decorridos cinco dias após a propositura da acção, ou seja a 13/05/2013, nos termos do atrt. 323º, n.º 2, daquele diploma legal.

É contra este entendimento que se insurge a apelante, sustentando que o prazo de prescrição de cinco anos, estatuído no artigo 310.º do Código Civil, aplica-se quer às prestações periodicamente renováveis, em que há uma pluralidade de obrigações distintas, emergentes de um vínculo fundamental ou relacionadas entre si, que reiteradamente se vão sucedendo no tempo, quer às situações de uma única obrigação cujo cumprimento é efectivado em prestações fraccionadas.

O prazo ordinário da prescrição, que vale para qualquer situação para a qual a lei não preveja prazo diferente, é de vinte anos (artº 309º do Código Civil).

O Código Civil prevê prazos mais curtos, designadamente de cinco anos, para o exercício de certos direitos, por exemplo em relação às prestações periodicamente renováveis (ver artº 310º al. g) do Código Civil).

Sustenta o apelante que deve aplicar-se esta disposição legal ao caso dos autos por analogia, invocando em pról do por si sustentado o Ac. desta Relação de 2006.05.09 (relatado pelo Des. Carlos Moreira, acessível in www.dgsi.pt), no qual se entendeu que:
As razões justificativas das prescrições de curto prazo do art.º 310.º do CC são a da protecção da certeza e segurança do tráfico, a conveniência de se evitarem os riscos de uma apreciação judicial a longa distância, principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos e, “last but not the least”, evitar que o credor deixasse acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285.
(…)
Assim sendo, a alínea residual (g) que se reporta a «quaisquer outras prestações periodicamente renováveis» tem de ser interpretada, em sentido lato, ainda que, quiçá, menos conforme à melhor dogmática técnico-jurídica, de sorte a considerar-se que engloba na sua previsão, também, as obrigações unitárias mas satisfeitas em prestações fraccionadas ao longo do tempo, pois que não existem razões de qualquer índole – jurídica e pratica – para operar a restrição propugnada pela recorrente, antes pelo contrário.
Efectivamente, considerando as finalidades supra referidas prosseguidas com o curto prazo de prescrição fixado neste artigo, parece-nos que as mesmas são atendíveis para os dois tipos de situações, não se vislumbrando fundamento para limitá-las aos casos de obrigações periodicamente renováveis «srticto sensu».

Com o devido respeito, divergimos deste entendimento.

No caso vertente encontrarmo-nos perante uma situação de uma única obrigação, decorrente da outorga de um contrato de crédito, em que foi anuído ser cumprido através de prestações mensais e sucessivas.

Ora, como é sabido, quanto à maneira da sua realização temporal, as prestações debitórias, podem classificar-se em “instantâneas” e “duradouras”.

“Dizem-se instantâneas as prestações em que o comportamento exigível do devedor se esgota num só momento (quae unico actu perficiuntur)” (cf. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 5ª ed., pg. 85). Nas relações “duradouras”, a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação. Dentro das obrigações duradouras, coloca o doutrina as “prestações de execução continuada” e as “prestações reiteradas, periódicas ou de trato sucessivo”.

Nas primeiras, o cumprimento prolonga-se ininterruptamente, como ocorre com o locador, fornecedor de água, luz e gás.

Nas segundas o cumprimento depende de actos que “se verificam com determinados intervalos” (cf. Menezes Cordeiro in “Direito das Obrigações”, Vol. I, pg. 357).

É disso exemplo a obrigação do locatário.

Como ensina Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 4ª ed., pg. 81/82), não se confundem com as obrigações duradouras (onde se incluem as periódicas), as obrigações fraccionadas ou repartidas.

“Dizem-se fraccionadas ou repartidas, as obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual (preço pago a prestações…).

Nas obrigações duradouras, a prestação devida depende do factor tempo que tem influência decisiva na fixação do seu objecto; nas prestações fraccionadas, o tempo não influi na determinação do seu objecto, apenas se relacionando com o modo da sua execução”.

Como salienta Mário Júlio de Almeida e Costa (Direito das Obrigações, 4ª edição, pag. 469), a classificação de que nos ocupamos não tem mero interesse teórico. Sob vários aspectos se patenteia o seu significado prático.

Assim, no que respeita por exemplo aos efeitos da resolução do contrato, quando este é de “execução continuada ou periódica”, a resolução não abrange, em princípio, as prestações já efectuadas, operando somente quanto às futuras, contrariamente ao que acontece com as “prestações fraccionadas”. Isto acontece “porque as prestações continuadas ou periódicas se encontram idealmente ligadas ou adstritas às diversas fracções de tempo em que é possível dividir a sua duração, gozando assim as prestações já efectuadas e as que devem ser realizadas no futuro de certa independência entre si” (cfr. Antunes Varela, ob. cit. pg. 82).

A diferença também ressalta no caso de incumprimento de uma das prestações, pois que sendo estas fraccionadas, isso pode implicar o vencimento imediato das restantes, o que não acontece nas prestações duradouras ou periódicas.

“Tratando-se de prestações periódicas, pode prescrever uma delas pelo decurso do prazo de cinco anos e manter-se a obrigação geral (…)” – cfr. Almeida e Costa, ob. cit. pag. 470.

A estrutura própria destas obrigações periódicas explica o preceituado no art. 310º, al. g) do CC, nas quais existe uma pluralidade de obrigações distintas, embora todas emergentes de um vínculo fundamental.

Diferentemente, nas obrigações fraccionadas, há uma só obrigação cujo objecto é dividido em fracções, com vencimentos intervalados.

E, assim sendo, a prestação, encontra-se pré-fixada, ou seja, é, em si mesma, uma obrigação unitária, encontrando-se apenas fraccionada quanto ao seu cumprimento, de harmonia com o plano de pagamento também previamente acordado.

Falta-lhes, seguramente, essa nota de autonomia que, a nosso ver, a lei pretende traduzir ao aludir, não apenas à periodicidade da prestação, mas ainda à sua renovabilidade.

Assim, como se entendeu no Ac. STJ de 3 Fevereiro 2009 (relatado pelo Cons. Alves Velho; acessível in www.dgsi.pt), a prescrição de 5 anos deve abranger, por via da norma residual expressa no art. 310º, al. g) do C. Civil, os casos em que a analogia se verifique, o que pode acontecer quando haja autonomia entre a prestação periódica e a relação jurídica unitária que a pressupõe, de forma que a última subsista sem a primeira e esta não importe pagamento parcial daquela.

Não é isso que acontece nas prestações fraccionadas.

Concluímos, pois, que às obrigações fraccionadas em causa nos autos não é aplicável o prazo prescricional de cinco anos, mas sim o prazo ordinário de vinte anos (artº 309º do Código Civil).

Quanto à suposta prescrição da dívida de juros:

Na presente acção a autora peticiona o pagamento de juros de mora vencidos, intuindo-se da p.i. que peticiona esses juros desde o momento em que antecipação do contrato celebrado entre as partes produziu os seus efeitos (20.11.2008).

Estabelece o art. 310º, al. d) do CC que prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais.

Ora, a presente acção foi proposta dia 8/05/2013, tendo a ré apenas sido citada em 14/02/2014 (vide fls. 77).

Porém, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (art. 323º, n.º1, do C.C.); se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (n.º 2).

Sustenta, porém, a apelante que, ao contrário do decidido, a A. não pode beneficiar do disposto no artigo 323º, nº. 2 do Código Civil, de que se fez errada aplicação, pois se a R. não foi citada mais cedo, foi por culpa da A. que não requereu a sua citação e a indicou como residente em local diferente do último que lhe conhecia.

Vejamos.

Como é sabido, a citação constitui um acto que incumbe ao tribunal realizar oficiosamente, não carecendo de ser expressamente requerido pela parte – arts. 234º, 479ºdo CPC na redacção vigente à data daquele acto.

Basta, pois, a mera propositura da acção, ou seja, a apresentação do requerimento ou petição inicial no tribunal, cinco dias antes do termo do prazo prescricional.

Há, no entanto, que acautelar os direitos do credor no caso de atrasos na citação quando os mesmos não sejam imputáveis ao credor.

E daí que o n.º 2 do art. 323.º prescreva que se estes actos não tiverem lugar no prazo de cinco dias após terem sido requeridos, por causa não imputável ao credor, a prescrição se considera interrompida logo que decorram esses cinco dias.

Neste normativo a lei ficciona a efectivação do acto de citação no prazo máximo de cinco dias após a propositura da acção.

Ora, a “ficção” – efeito interruptivo – estabelecida naquele n.º 2 do art.º 323º pressupõe que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias e que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao Autor.

Aquele benefício, assim concedido ao credor, exige assim que o demandante não tenha adjectivamente contribuído para que a citação não chegasse ao demandado no sobredito prazo de cinco dias; caso contrário, isto é, se a demora lhe for imputável, a lei retira-lhe o ficcionado benefício e manda atender, sem mais, à data da efectiva prática do acto informativo – cfr. Ac STJ de 3 de Outubro de 2007, (relatado pelo Cons. Sousa Grandão) acessível, assim como o adiante citado, in www.dgsi.pt.

O atraso na citação será, portanto, da responsabilidade do requerente sempre que ele não pratique ou pratique mal os actos processuais que lhe incumbe realizar entre o momento da apresentação do requerimento e o decurso do referido prazo de cinco dias [cfr. Ac STJ 23-01-2014 (relatado pelo Cons. Fernando Bento)].

Ora, no caso sub judice, a citação não se efectuou nos cinco dias subsequentes à propositura da acção.

A questão está, porém, em saber se esse atraso se ficou a dever à autora.

Vejamos.

Nesta sede apurou-se que:
-Na p.i. a autora indicou como residência da ré a constante do contrato celebrado entre as partes: Praceta ... ..., Nº... -7º O, Paço de Arcos.
-Na cláusula geral 13ª desse contrato as partes estabeleceram:
Convenção de domicílio.

1.Quaisquer comunicações escritas a serem efectuadas ao abrigo deste contrato, serão expedidas para os endereços das partes que figuram nas Condições Particulares deste contrato.
2.Em caso de litígio, as parte convencionam expressamente, que o local onde se consideram domiciliadas, para o efeito de realização da citação ou da notificação, é o endereço que figura nas Condições Particulares do presente contrato.
-A autora remeteu à ré a carta que constitui fls. 17 (doc. n.º 7), datada de 5/12/2008, através da qual remeteu à mesma os documentos, carta essa expedida para a Rua ... ..., ,,,, 2º direito, Carnaxide.
-Posteriormente a autora remeteu à ré, para a mesma morada, uma outra carta, datada de 18/12/2008 (doc. n.º 8), o qual veio devolvida, por não ter sido recebida ou levantada pela ré na estação dos correios.
-A carta para citação da ré remetida dia 10/05/2013 para a morada constante do contratode crédito veio devolvida com a menção de que não atendeu (fls. 30).
-Tentada a citação através de solicitador de execução, foi lavrada certidão negativa, na qual se exarou que a citanda não reside na morada indicada.
-Foi então no dia 13/09/2013 remetida nova carta para citação da ré na Rua ... ...., ,,,, 2º direito, Carnaxide, a qual veio devolvida com a menção de “objecto não reclamado”.
-Tentada a citação através de solicitador de execução, foi no dia 18/01/2014 lavrada certidão negativa, na qual se exarou que a citanda não reside na morada indicada há cerca de dois anos.
-A ré veio a ser citada por carta registada com AR no Brasil (morada colhida nas Bases de dados da Segurança Social – fls. 43).
-Na contestação a ré alegou ainda que regressou ao Brasil em 19/03/2011 – art. 7º.

Dos dados que se deixam expressos decorre que a autora, ao enviar à ré a carta de fls. 17 (doc. n.º 7), datada de 5/12/2008, por referência à morada da Rua ... ..., ,,,, 2º direito, Carnaxide, tinha necessariamente conhecimento de que na ocasião a ré recebia a sua correspondência postal nessa morada.

Acontece que, antes da propositura da acção, a autora remeteu nova carta à ré por referência àquela morada, datada de 18/12/2008 (doc. n.º 8), a qual veio devolvida, por não ter sido recebida ou levantada pela ré na estação dos correios.

Daqui decorre que aquando da propositura da acção a autora não podia ter por certo que a ré residisse naquela morada.

Nestas circunstâncias, e tendo sido estabelecida uma convenção de domicílio, que não consta ter sido alterada por escrito, nada de mais natural que a autora indicasse, para a efectivação da citação, como morada da ré a constante daquela convenção.

Ademais, ainda que aquando da propositura da acção a citação tivesse sido tentada na morada de Carnaxide, essa diligência também estaria votada ao fracasso, pois que a ré nessa altura já residia no Brasil.

Por outro lado, ainda no decurso do prazo prescricional de cinco anos, foi tentada, sem êxito, a citação da ré nesta última morada.

Assim, não foi imputável à autora a não realização da citação da ré no decurso do prazo de cinco dias depois de ter sido requerida.

De igual modo, no período que decorreu posteriormente até à efectivação da citação, a autora não praticou de forma incorrecta e censurável qualquer acto processual conducente àquela citação.

Tem-se, pois, por interrompido o prazo prescricional no dia 13/05/2013, pelo que não se encontra prescrito o direito da autora aos juros de mora.

Improcede, assim, a apelação, na parte atinente à impugnação da decisão proferida no despacho saneador sobre a excepção da prescrição.

Da impugnação da matéria de facto:

A apelante propugna que se dêem como provados, para além dos elencados sob os n.ºs 1º a 4ª, os seguintes:
E.Nos termos do referido contrato o reembolso do crédito foi garantido por hipoteca ou reserva de propriedade, registada na Conservatória do Registo Automóvel (cfr. artigo 6º da contestação e documento junto em 2.12.2014.
F.Em 7.11.2008, a R. solicitou à A. a antecipação do pagamento da quantia em dívida, com efeitos no dia 20.11.2008 (Fundamentação, nº. 5)
G.A antecipação do pagamento destinava-se a permitir a venda do veículo (dr. doc. nº. 1 junto com a contestação e depoimento da testemunha VM..., prestado no dia 16-4-2015, ao mn 5:28).
H.Em 7.11.2008, a A. depositou na sua conta bancária aberta junto do Santander Totta, € 938,47 em numerário, o cheque nº. 1362557096,datado de 20.09.2008, no montante de € 1.750,00 e o cheque nº. 7144947086, no montante de € 4.250,00, ambos sacados por JG..., que vieram ambos a ser devolvidos por falta de provisão no dia 11 seguinte (cfr. docs. números 4 a 6).
I.Os referidos cheques foram entregues à A. pela Trevocar, comerciante incumbido da venda do automóvel (cfr. depoimento da testemunha VM..., prestado no dia 16-4-2015, aos minutos 5:22 e 17:09).
J.Por carta datada de 5.12.2008, a A. remeteu à R. a documentação necessária para distratar o ónus que incidia sobre o veículo para garantia do pagamento do empréstimo (cfr. doc. 7 junto à p.i.) e só não emitiu declaração expressa de quitação por assim lhe não ter sido solicitado (cfr. depoimento da testemunha VM..., prestado no dia 16-4-2015, ao minuto 14:55 e seguintes).
K.Recebida esta documentação, a R. vendeu o veículo a Fábio A..., a favor de quem foi registado em 18.12.2008 (cfr. documento junto aos autos em 2.12.2014).
L.Por carta de 29.01.2009 a A. informou a R. que tinha na sua posse os dois cheques que se destinavam à liquidação do contrato e intimou-a a regularizá-los (cfr. doc. nº. 9 junto à p.i.).
Baseia a sua impugnação na documentação junta aos autos e no depoimento da testemunha VM....
Ouvido o depoimento desta testemunha, cumpre apreciar a impugnação deduzida.

Quanto à alínea E):

Do documento junto dia 2/12/2014 (fls. 123) apenas resulta que a propriedade do veículo foi registada a favor da ré em 16/09/2005.
De sua vez, da cláusula 5ª das condições gerais do contrato de mútuo flui, além do mais, que a ora ré constituiu a favor da GE W. Finace, para bom e integral cumprimento de todas as obrigações decorrentes da celebração do contrato, hipoteca voluntária, até ao limite previsto nas condições particulares sobre o bem financiado.
Porém, não se demonstrou encontrar-se registada essa hipoteca.
Deste modo, dá-se como provado que nos termos da cláusula 5ª das condições gerais do contrato de mútuo de fls. 8 e 9 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, a ré constituiu a favor da mutuante GE W. Finance hipoteca voluntária sobre o bem financiado.

Quanto à alínea F):

O facto que se pretende seja considerado provado reconduz-se, em essência, ao considerado sob o n.º 5 dos factos provados:
Em 07.11.2008, através de comunicação escrita dirigida à A. foi solicitada a antecipação do contrato celebrado entre as partes, com efeitos a partir de 20.11.2008, nos termos da cláusula 4.ª das condições gerais do contrato. [art. 5.º_p.i.] doc. n.º 3
Atento o teor do doc. n.º 3 (fls. 11), bem como a declaração da ré que constitui fls. 183 dos autos, datada de 7/11/2008 (nesta a ré refere que: “vem com a presente solicitar irrevogavelmente que, todo o processo relativo à cessação do contrato de crédito que fiz respeito ao veículo acima identificado, seja tratado por João G..., a quem devem ser entregues os documentos relativos ao mesmo”), e com vista à melhor explicitação do facto enumerado em 1ª instância sob o n.º 5, considera-se provado que:
Em 7/11/2008, através das comunicações escritas que constituem fls. 11 e 183 dos autos, remetidas à G.E. W. Finance IFIC, a ré solicitou a antecipação do contrato celebrado entre as partes, com efeitos a partir de 20/11/2008, e que todo o processo relativo à cessação do crédito fosse tratado por João G....

Quanto à alínea G):

Do depoimento da testemunha VM... (exerce funções na White Star Solutions, como escriturário, na área do contencioso, a qual prestou serviços à GE e actualmente presta à H.)e da circunstância de no processo de antecipação do pagamento ter intervindo, a solicitação da ré, a Trevocar, na pessoa do
Sr. João G... (comercializava veículos automóveis), infere-se que a ré pretendia vender o veículo automóvel.
Assim, dá-se como provado que a antecipação do pagamento da totalidade da quantia mutuada destinava-se a permitir a venda do veículo.
 
Quanto à alínea H):

Trata-se de um facto que se prende com a factualidade considerada provada em 1ª instância sob o ponto 6.
Do teor dos docs. n.º 4º, 5º e 6º (fls. 12 a 16), o que flui é que o depósito dos cheques e da quantia em numerário de € 938,47foi efectuada na conta da GE no Santander Totta no dia 7/11/2008, não se tendo apurado quem efectuou tal depósito (se a autora, se João G..., representante da Trevocar – Comércio de Automóveis, Trifoglio Car, Lda) embora o tivesse sido por conta da dívida da ré.
Assim. e com vista à melhor explicitação daquele facto, considera-se provado que:
Com vista à liquidação do valor de antecipação que, à data, ascendia ao montante de € 6.938,47, foi no dia 7/11/2008 efectuado na conta bancária da GE W. Finance IFIC, SA aberta junto do Santander Totta, um depósito múltiplo, composto pela quantia de € 938,47 em numerário, e pelos cheques n.ºs 1362557096, datado de 20.09.2008, no montante de € 1.750,00, e 7344947086, no montante de € 4.250,00, datado de 31/09/2008, ambos sacados por JG..., que vieram a ser devolvidos por falta de provisão no dia 11 seguinte.

Quanto à alínea I):

A testemunha VM... referiu que os cheques acima referidos foram entregues pela Trevocar, na pessoa do seu representante João G..., à GE.
Porém, da carta da GE que constitui fls. 18 dos autos, datada de 18/12/2008 o que deriva é que o depósito foi efectuado por outrem, que não pela autora.
Por outro lado, não decorreu do depoimento da testemunha acima referenciada que o conhecimento pela mesma revelado daquele facto seja directo.
Assim sendo, em face do teor do documento de fls. 18 e do depoimento da testemunha VM... considera-se apenas provado que foi a Travocar – Comércio de Automóveis, Trifoglio Car, Lda, na pessoa do seu representante João G..., comerciante incumbida da venda do veículo pela ré, quem entregou à autora ou depositou os referidos cheques na conta desta.

Quanto à alínea J):

Decorre do doc.n.º 7 (fls. 17 dos autos) que a GE, por carta datada de 5/12/2008, remeteu à ré, por referência ao contrato n.º 103308, matrícula 33-AI-67, o Modelo 6 e Livrança.
No que tange ao documento de quitação, declarou a testemunha Vitor M... que naquela data se tivesse sido solicitado o documento de quitação, teria certamente sido enviado pela área administrativa da GE.
Deste modo, considera-se provado que a GE W. Finance, IFIC, por carta datada de 5/12/2008, remeteu à ré, por referência ao contrato n.º 103308, matrícula 33-AI-67, o Modelo 6 e uma Livrança e que nessa altura só não foi enviado documento de quitação por não ter sido solicitado pela ré.
 
Quanto à alínea K):

Deriva do doc. de fls. 123 que o veículo foi registado em nome de Fábio A... em 18/12/2008 e que anteriormente encontrava-se registado em nome da ré.
Em face deste meio de prova, considera-se provado que recebida a documentação acima referida, a ré vendeu o veículo a Fábio A..., a favor de quem foi registado em 18.12.2008

Quanto à alínea L):

Deriva do doc. nº. 9 junto à p.i. o facto em apreço (fls. 22 dos autos).
Deste modo, considera-se o mesmo provado.
*

Em face das alterações operadas na matéria de facto, são os seguintes os factos que se consideram provados:
1.A "GE W., S.A." tem por objecto, entre outros, a celebração de contratos de mútuo.
2.No exercício da sua actividade, a "GE W., S.A." celebrou com a R. a operação de crédito formalizada através de escrito particular com o n.º …………….
3.Este contrato tinha por objecto o financiamento para a aquisição a crédito do veículo automóvel da marca CHEVROLET, modelo KALOS, com a matricula ..-..-...
4.Nos termos do referido contrato, ficou estipulado o reembolso do crédito concedido em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor de €210,75 cada, vencendo-se a primeira em 28.09.2005.
5.Nos termos da cláusula 5ª das condições gerais do contrato de mútuo de fls. 8 e 9 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, a ré constituiu a favor da mutuante GE W. Finance hipoteca voluntária sobre o bem financiado.
6.Em 7/11/2008, através das comunicações escritas que constituem fls. 11 e 183 dos autos, remetidas à G.E. W. Finance IFIC, a ré solicitou a antecipação do contrato celebrado entre as partes, com efeitos a partir de 20/11/2008, e que todo o processo relativo à cessação do crédito fosse tratado por João G....
7.A antecipação do pagamento da totalidade da quantia mutuada destinava-se a permitir a venda do veículo.
8.Com vista à liquidação do valor de antecipação que, à data, ascendia ao montante de € 6.938,47, foi no dia 7/11/2008 efectuado na conta bancária da GE W. Finance IFIC, SA aberta junto do Santander Totta, um depósito múltiplo, composto pela quantia de € 938,47 em numerário, e pelos cheques n.ºs 1362557096, datado de 20.09.2008, no montante de € 1.750,00, e 7344947086, no montante de € 4.250,00, datado de 31/09/2008, ambos sacados por JG... , que vieram a ser devolvidos por falta de provisão no dia 11 seguinte.
9.Foi a Travocar – Comércio de Automóveis, Trifoglio Car, Lda, na pessoa do seu representante João G..., comerciante incumbida da venda do veículo pela ré, quem entregou à autora ou depositou os referidos cheques na conta desta.
10.A GE W. Finance, IFIC, por carta datada de 5/12/2008, remeteu à ré, por referência ao contrato n.º 103308, matrícula 33-AI-67, o Modelo 6 e uma Livrança.
11.Nessa altura só não foi enviado documento de quitação por não ter sido solicitado pela ré.
12.Recebida a documentação acima referida, a ré vendeu o veículo a Fábio, a favor de quem foi registado em 18.12.2008.
13.Por carta de 29.01.2009 a A. informou a R. que tinha na sua posse os dois cheques que se destinavam à liquidação do contrato e intimou-a a regularizá-los.

Da questão de fundo:

Apurou-se que em 7/11/2008, através das comunicações escritas que constituem fls. 11 e 183 dos autos, remetidas à G.E. W. Finance IFIC, a ré solicitou a antecipação do contrato celebrado entre as partes, com efeitos a partir de 20/11/2008 e que todo o processo relativo à cessação do crédito fosse tratado por João G... (representante da Trovocar, Lda, empresa a quem a ré incumbiu de proceder à venda da sua viatura).
Destes factos infere-se a existência de relações negociais, por um lado entre a GE e a ré, por outro lado entre esta e a Travocar – Comércio de Automóveis, Trifoglio Car, Lda, na pessoa do seu representante João G..., entidade incumbida da venda do veículo pela ré.

Assim:

Entre a GE e a ré foi celebrado um contrato de crédito ao consumo, tendo a operação de crédito por objecto o financiamento para a aquisição a crédito do veículo automóvel da marca CHEVROLET, modelo KALOS, com a matricula ..-..-...

Nos termos desse contrato, ficou estipulado o reembolso do crédito concedido em 72 prestações mensais e sucessivas, no valor de €210,75 cada, vencendo-se a primeira em 28.09.2005.

Acontece que em 7/11/2008, através da comunicação escrita que constitui fls. 11 dos autos, dirigida à G.E. W. Finance IFIC, a ré solicitou a antecipação do contrato celebrado entre as partes, com efeitos a partir de 20/11/2008, destinando-se tal a permitir a venda do veículo.

Na ocasião a ré mandatou a Travocar – Comércio de Automóveis, Trifoglio Car, Lda, na pessoa do seu representante João G..., a tratar em seu nome de todo o processo relativo à antecipação do pagamento da dívida para com a GE.

Com vista à liquidação do valor de antecipação que, à data, ascendia ao montante de € 6.938,47, foi no dia 7/11/2008 efectuado na conta bancária da GE W. Finance IFIC, SA aberta junto do Santander Totta, um depósito múltiplo, composto pela quantia de € 938,47 em numerário, e pelos cheques n.ºs 1362557096, datado de 20.09.2008, no montante de € 1.750,00, e 7344947086, no montante de € 4.250,00, ambos sacados por Joana Filipa de M. Grilo.

Foi a Travocar – Comércio de Automóveis, Trifoglio Car, Lda, na pessoa do seu representante João G..., quem entregou à autora ou depositou os referidos cheques na conta desta.

Fê-lo em representação da ré (mandato com representação), em cuja esfera jurídica se produziram os efeitos desses actos – art. 258º do C. Civil.

Ora, a entrega dos cheques supra referidos representa uma dação pro solvendo (art. 840º do CC), pelo que tendo aqueles cheques sido devolvidos por falta de provisão no dia 11/11/2008, mantém-se a dívida da ré para com a autora decorrente do contrato de crédito ao consumo, atenta a não satisfação dos aludidos valores.

A tal não obsta a circunstância da GE, por carta datada de 5/12/2008, ter remetido à ré o Modelo 6 e uma Livrança.

Diz porém a apelante que, na posse dos documentos que a GE lhe enviou, deduziu que a divida se encontrava paga, consubstanciando a carta que constitui o doc. n.º 7 junto com a p.i. uma declaração implícita de quitação.

Alegou ainda que convencida de tal, emitiu por sua vez a declaração de venda do veículo automóvel e que o “lapso” da GE é imputável a esta, não podendo empurrar as suas responsabilidades para si, quando foi aquela quem criou o problema.

Desde logo, importa precisar que a venda do veículo a um terceiro foi realizada pela Travocar, Lda, a quem a ré encarregou de proceder a esse negócio jurídico.

Mandato é um contrato de prestação de serviços em que o prestador (o mandatário) se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outro (o mandante) - cf. arts. 1154.º, 1155.º e 1157.º do CC.

Não se mostrando ter a ré/apelante outorgado procuração a favor da Travocar, movemo-nos no âmbito do mandato sem representação – art. 1180.º, do CC.
O que caracteriza o mandato sem representação é o facto do mandatário agir em seu nome próprio, do que resulta que este adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes do acto que celebra, embora o mandato seja conhecido do terceiro que participe no acto ou seja destinatário deste – Cfr. A. Varela, Código Civil Anotado volume II, 4ª edição, pag. 825.
Por outro lado, em cumprimento das suas obrigações contratuais para com a mandante (ré), a mandatária (Travocar) devia depois transferir para aquela o direito de crédito adquirido em execução do mandato, sendo que, nas relações entre a mandante e a mandatária, a eventual falta de cumprimento do mandato por parte desta pode gerar responsabilidade civil contratual – cf. arts.1181.º, n.º 1, e 798º do C. Civil.

Do que se deixa dito decorre que a ré apenas se pode queixar da sua mandatária, a qual começo, desde logo, por não cumprir as obrigações perante si assumidas de liquidar à GE o valor da antecipação do contrato de crédito ao consumo, sendo este facto que está verdadeiramente na origem do problema.
Não se ignora que à GE também se pode imputar uma falta de diligência ao não se inteirar do efectivo pagamento da dívida da ré antes de devolver a esta o Modelo 6 e a livrança.
Seja como for, a mandatária da apelante não podia ignorar a falta de provisão dos cheques, ou, no mínimo, sendo estes sacados sobre uma conta de um terceiro, tinha o dever de indagar do seu efectivo pagamento.
Consequentemente, não se pode considerar ter a mesma agido de boa fé.
Por outro lado, não se apurou que a Travocar não entregou à ré o preço da alienação da viatura pertencente a esta.
Deste modo, não se demonstrando tal, não se verificam desde logo os requisitos do abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium.

Como considera o Prof. Meneses Cordeiro (in ROA 1998, vol II, pag. 964), “podem apontar-se quatro pressupostos da protecção da confiança através do venire:

1.º-uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium);
2.º-uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;
3.º-um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara (sublinhados nossos);
4.º-uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível”.

Assim, considerando todas as circunstâncias apuradas, nomeadamente que a situação criada foi originada pela conduta da mandatária da ré, que se não provou a sua boa fé, nem que não tenha entregue à ré/apelante o preço da alienação do veículo, conclui-se que o exercício pela autora do seu direito não é ilegítimo, não excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, tanto mais que a eventual falta de cumprimento do mandato por parte da Travocar, Lda confere à ré o direito a indemnização.

Por outro lado, tal como se considerou na sentença recorrida, “nenhuma actuação da A se vislumbra como susceptível de integrar o requisitos da litigância de má fé, decorrendo antes do teor da petição inicial, ter a A. feito uso adequado dos mecanismos processuais ao seu dispor, não integrando qualquer actuação conforme o disposto no artigo 542º do CPC”.

Do montante dos juros de mora vencidos:

Na apelação a ré propugna que a A. peticionou juros calculados até 8.04.2013 no montante de € 2.099,68, cálculo este que a R. impugnou (cf. artigo 30º da contestação), não se indicando na sentença a taxa aplicada no seu cálculo, o qual é excessivo.
Na sentença os juros vencidos foram contabilizados nesse montante, sem se especificar a taxa de juros e o prazo.
Considerando que se apurou que em 7/11/2008, através da comunicação escrita que constitui fls. 11 dos autos, dirigida à G.E. W. Finance IFIC, a ré solicitou a antecipação do contrato celebrado entre as partes, com efeitos a partir de 20/11/2008, e que o cálculo das quantias devidas foi feita por referência a esta data, será a partir da mesma que são devidos os juros de mora.
Esses juros são devidos à taxa prevista para os juros comerciais.
Assim, os juros vencidos desde o dia 20/11/2008 até ao dia 8/04/2013 são devidos às taxas de juros de mora das empresas comerciais, sucessivamente em vigor – art. 102º, §3º do C.Com., Portaria 597/2005, de 19/07 e Avisos nºs. 2152/2008, de 8/01, 19995/2008, de 2/07, 1261/2009, de 2/01, 12184/2009, de 1/7, 597/2010, de 11/01, 13746/2010, de 12/07 e 2284/2011, de 21/01, 14190/2011, de 14/07, 692/2012, de 17/01, 9944/2012, de 24/07, e 594/2013, de 11/1.
Essas taxas são as seguintes:
- de 1/07/2008 a 31/12/2008, 11,07%
- de 1/01/2009 a 30/06/2009, 9,50%
- de 1/07/2009 a 31/12/2009, 8,00%
- de 1/01/2010 a 30/06/2010, 8,00%
 - de 1/07/2010 a 31/12/2011, 8,00%
- de 1/1/2011 a 30/06/2011, 8,00%,
- de 1/07/2011, a 31/12/2011, 8,25%;
- de 1/1/2012 a 30/06/2012, 8,00%,
- de 1/07/2012, a 31/12/2012, 8,00%;
- de 1/1/2013 a 8/04/2013,  7,75%.
Operando o cálculo dos juros vencidos no período de 20/11/2008 a 8/04/2013 alcançamos o montante de €2164,84, superior ao expresso na p.i. e na sentença (€ 2.099,68).
Não podendo a Relação condenar em montante superior, mantém-se este último montante.
De tudo o que se deixa dito decorre a improcedência da apelação.
***

V.Decisão:

Pelo acima exposto, decide-se:
Julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida;
Custas pela apelante;
Registe e notifique.

Lisboa, 3 de Maio de 2016

(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques - 2º Adjunto)