Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6522/21.2T8SNT.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: INDEFERIMENTO LIMINAR
NULIDADE
APERFEIÇOAMENTO DO REQUERIMENTO INICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Sumário: I -  No presente caso, uma vez que não estamos perante qualquer uma das situações previstas no art.º 187.º do Código de Processo Civil que dão origem à ineptidão da petição inicial e à nulidade de todo o processo, mas sim perante articulado que apresenta insuficiências e obscuridades suscetíveis de sanação, deve ser proferido despacho a convidar a Autora a aperfeiçoar a sua petição inicial e não despacho de indeferimento liminar como foi decidido pelo juiz a quo.
II - Uma vez que a omissão desse convite é suscetível de influir no exame e decisão da causa, ocorre a prática de nulidade, art.º 195.º, do Código de Processo Civil, o  que implica a anulação do referido despacho que deve ser substituído por outro a formular o pertinente convite ao aperfeiçoamento da petição.
(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
1.1. AAA intentou a presente ação, de declarativa de condenação para pagamento de quantia certa, com processo comum”, contra BBB. e CCC., pedindo que:
“Deverá ser a presente acão ser considerada procedente por provada e as RR. serem condenadas a pagar à A., todas as remunerações e créditos remuneratórios supra peticionados, já vencidos, no montante de € 16.761,53, acrescidas das que se vencerem até decisão final, de juros à taxa legal de 4% ao ano desde a citação das R.R. e até integral pagamento, custas, selos e procuradoria condigna.”
A Mma. Juíza proferiu despacho nos seguintes termos:
“Julga-se verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, e em consequência indefere-se liminarmente a petição.
Custas pela Autora [cfr. artigo 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil , aplicável ex vi do artigo 1º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho].”
1.2. Inconformada com esta decisão dela recorre a Autora, concluindo nos seguintes termos:
(…)
1.3. A recorrida contra-alegou, concluindo que:
(…)
2. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artigos 635.º, n.º s 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado. Assim, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em verificar se ocorre nulidade nos termos do art.º 195.º do Código de Processo Civil com a prolação do despacho de indeferimento liminar da petição inicial; se se infringiram os princípios da gestão processual, da cooperação, da adequação formal, do contraditório, da verdade material e do inquisitório e se deve ser formulado convite para a Autora aperfeiçoar a sua petição inicial.
3. Fundamentação de facto
Os factos provados são os do relatório que antecede.
4. Fundamentação de Direito
4.1. Da ocorrência de nulidade nos termos do art.º 195.º do Código de Processo Civil
Insurge-se a Autora contra o despacho de indeferimento liminar da sua petição inicial, que (segundo se depreende), deveria ter sido antecedido do convite ao seu aperfeiçoamento e se traduz na prática de nulidade nos ternos do art.º 195.º do Código de Processo Civil.
Antes de se abordar a questão, com vista a uma melhor compreensão, traça-se um “apanhado” do alegado pela Autora na sua petição inicial.
A mesma refere que trabalhou sob as ordens e fiscalização da 1.ª Ré desde 14 de novembro de 2006 até 3 de novembro de 2020, possuindo a categoria de jornalista, mediante a retribuição de euros 902,40 (artigos 1.º a 3.º).
A Ré comunicou-lhe que ia fazer cessar o seu contrato de trabalho, através da realização de um despedimento coletivo, sendo que na data da efetiva cessação do seu contrato de trabalho a 1ª Ré não pagou qualquer crédito devido que pela prestação laboral de novembro de 2020, quer pelo despedimento. Tendo-lhe ficado a dever o salário desse mês de novembro, proporcionais do subsídio de Natal de 2020, 105 horas de formação profissional, proporcionais das férias vencidas com a cessação do contrato de trabalho e respetivo subsídio (art.º 8.º).
Alegou também a Autora que a Ré invocou para justificar o não pagamento, encontrar-se sobre a proteção de um PER (art.º 10.º). Sendo que até à presente data, e mesmo após os efeitos suspensivo do PER, a Ré não pagou os créditos laborais a que a Autora tem direito, com o despedimento a que foi sujeita (art.º 11.º).
Mais refere que os créditos vencidos em outubro, novembro, e com a cessação do contrato são créditos novos, pelo que não estariam sob a proteção do PER (art.º 15.º).
À data do despedimento a Autora tinha direito a receber € 8.490,08 a título de compensação por despedimento (art.ºs 9.º e 38.º). Assiste-lhe ainda o direito a receber €752,00 a título de férias vencidas com o termo do contrato, bem como igual importância relativa ao respetivo subsídio (art.º 41.º), igual quantia a título de proporcionais de subsídio de Natal, € 624,75 de formação profissional e €902,40 a título de salários em atraso referentes aos dias de trabalho prestado de outubro e novembro (artigos 39.º a 45º.). Ao não pagar todos os créditos laborais devidos com o despedimento e a respetiva compensação após o temo do PER, podendo fazê-lo, pois foi considerada solvente, a Ré incorreu na ilicitude prevista no art.º 383.º alínea c) do Código do Trabalho (art.º 34.º).
Estando a 1.ª Ré a pagar salários em atraso ao longo do tempo, é de presumir que esta conduta é reiteradamente negligente e, como tal, é a Autora credora do acréscimo remuneratório previsto no CCT supra referido (art.º 48.º).
Tem assim a Autora direito a ser indemnizada pelo despedimento e ainda ao recebimento das remunerações já vencidas e supra discriminadas acrescidas das que se vencerem até decisão final - art.ºs 389.º a 391.º inclusive do Código do Trabalho (art.º 49.º).
A  2ª. Ré, detém a quase totalidade do capital social da 1.ª R., que face aos sucessivos processos PER, está numa situação que se pode designar de pré-insolvência (art.º 66.º) A 2ª. Ré é quem de facto e de Direito, põe e dispõe na 1ª. R., estando a proceder-se – neste preciso momento, veja-se que em 27 de abril de 2021, o presidente do conselho de administração tentou fazer aprovar a sua renúncia ao cargo, não tendo logrado o pretendido efeito - a profundas alterações de cargos e de intervenientes nos órgãos sociais do designado Grupo Impala, do qual a 1.ª Ré, era o principal ativo (art.º . 67.º).
A2ª. Ré deverá ser tanto, ou mais ainda, responsabilizada pelos créditos aqui reclamados e assumir a responsabilidade pelo seu integral pagamento, subsidiariamente à aqui 1.ª Ré (art.º 68.º)
Finaliza a Autora com o seguinte pedido:
Deverá ser a presente ação ser considerada procedente por provada e as Rés serem condenadas a pagar à Autora, todas as remunerações e créditos remuneratórios supra peticionados, já vencidos, no montante de € 16.761,53, acrescidas das que se vencerem até decisão final, de juros à taxa legal de 4% ao ano desde a citação das Rés e até integral pagamento, custas, selos e procuradoria condigna. remuneratórios supra peticionados, já vencidos, no montante de € 16.761,53, acrescidas das que se vencerem até decisão final, de juros à taxa legal de 4% ao ano desde a citação das Rés até integral pagamento, custas, selos e procuradoria condigna.
Vejamos.
O art.º 552.º do Código de Processo Civil define o conteúdo da petição inicial. Nela deve o autor, entre o mais, “Indicar a forma de processo”, “Expor os fastos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”, “Formular o pedido” (alíneas c), d), e e), do n.º 1, do art.º 552.º do Código do Trabalho.
À luz da teoria da substanciação consagrada no art.º 581.º n.º 4 do Código de Processo Civil, pode definir-se a causa de pedir como sendo o ato ou facto jurídico de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor. E, “quando se diz que a causa de pedir é o ato ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto cujos contornos se enquadram na definição legal. (Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-11-2013, proc. 04B835, www.dgsi.pt).
Por seu turno, o pedido, é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo Autor, o efeito jurídico que o Autor quer obter com a ação (Antunes Varela e Outros, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pág. 243).
Nos termos do art.º 54.º n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, “Recebida a petição, se o juiz nela verificar deficiências ou obscuridades, deve convidar o Autor a completá-la ou esclarecê-la, sem prejuízo do seu indeferimento nos termos do n.º 1 do art.º 590.º do Código de Processo Civil”.
Determinando, por seu turno, o art.º 590.ºdo Código de Processo Civil, que:
Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º ” (n.º 1)
Mais aí se determinado que:
O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa” (n.º 3).
“Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido” (n.º 4).
Resulta dos citados preceitos legais, que o convite ao aperfeiçoamento dos articulados, tem em vista suprir irregularidades, designadamente quando os mesmos careçam de requisitos legais ou não tenha sido apresentado documento essencial ou que lei faça depender o prosseguimento da causa, bem como os casos de imprecisões ou insuficiências na exposição fática.
Em sintonia com Leite Ferreira, “Código de Processo do Trabalho Anotado”, 4.º Edição, Coimbra Editora, pág. 265, uma vez que “a deficiência e obscuridade podem ser motivo de indeferimento liminar” importa, em primeira linha, averiguar se tais vícios se verificam.
Nos termos do art.º 187.º do Código de Processo Civil,
1. “É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial”. 
2. Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
Analisada a petição verifica-se que nela consta indicado o pedido (condenação dos Réus nas remunerações e créditos reclamados pela Autora), bem como os factos que servem de fundamento essa pretensão (contrato de trabalho celebrado entre as partes,  retribuições daí decorrentes e despedimento coletivo ilícito perpetrado pela 1.ª Ré), não padecendo, pois, a mesma de falta do pedido ou da ininteligibilidade prevista na alínea a), do citado preceito.
Refira-se, ainda, que in casu entre a causa de pedir e o pedido, não emerge “um verdadeiro antagonismo”,  como é exigido na alínea b), “quanto muito (alguma) desadequação entre uma coisa e outra”, face à causa de pedir consubstanciada, nomeadamente, no despedimento coletivo alegadamente ilícito e pedido formulado. (Vd. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, 2.ª Edição, Almedina, pág. 233, citando Castro Mendes, “Direito Processual Civil”, FDL, Vol III, pág. 49).
Acresce que a Autora não deduziu cumulativamente contra as Rés causas de pedir ou pedidos que sejam substancialmente incompatíveis entre si (art.º 555.º do Código de Processo Civil), no sentido de serem os seus efeitos opostos ou antagónicos (Vd. o Ac. do TRG de 16-01-2020, proc. 5533/18.0T8GMR.G1 e também o Ac. do TRE de 11-05-2017, proc. 74/14.7T8LAG.E1). A Autora alega, como se viu, que a Ré lhe não pagou remunerações decorrentes do contrato de trabalho e lhe são devidos créditos decorrentes do despedimento, formulando o correspondente pedido.
Para além disso, uma vez que a idoneidade da forma de processo se afere em função “do tipo de pretensão formulado pelo autor e não em função da pretensão que deveria ter sido por ele deduzida”, tendo a Autora pedido a condenação das Rés nos alegados créditos, e deduzido processo comum para o efeito (art.º 51.º e segs. do Código de Processo do Trabalho), tão pouco vislumbramos situação enquadrável em erro na forma de processo (art.º 193.º, do Código de Processo Civil). Cfr. Abrantes Geraldes e Outros, “Ob. Cit.” pág. 245 e também o Ac. do TRG 12-03-2015, proc. 1107/13.0TTGMR.G1.
No presente caso, a situação enquadra-se, antes, a nosso ver, em petição que apresenta insuficiências e obscuridades que são suscetíveis de sanação, pelo que deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento, e não despacho de indeferimento liminar da petição inicial como foi decidido pela Mma. Juiza a quo.
Uma vez que a omissão desse convite, é suscetível de influir no exame e decisão da causa, ocorre a prática de nulidade - o que implica a anulação do referido despacho - art.º 195.º, do Código de Processo Civil (Cfr. Ac. do TRP 30-04-2020, proc. 639/18.8T8PRD.P1). Despacho esse que deve ser substituído por outro a formular o pertinente convite ao aperfeiçoamento da petição.
Com efeito, tendo a Autora invocado ter sido alvo de despedimento coletivo ilícito por parte da 1.ª Ré, deverá a mesma designadamente enunciar os trâmites formais e materiais em que assentou o despedimento, explicitando cabalmente as razões por que qualifica o mesmo de ilícito. Assim como deverá especificar pormenorizadamente os direitos (e créditos) que para si advêm de tal despedimento - designadamente o montante da indemnização a que terá direito.
Importará ainda que a mesma explicite, em termos de facto e de direito, a razão de demandar a 2.ª Ré, pois que segundo emerge da petição a sua entidade patronal era apenas a 1.ª Ré.
Pelo que fica dito, apenas resta concluir pela procedência da presente questão, quedando prejudicada a análise das demais questões.

5. Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso, pelo que se anula o despacho recorrido, que deve se substituído por outro a convidar a Autora a apresentar nova petição inicial aperfeiçoada onde constem indicados os aspetos supra assinalados.
Custas pela Ré.

Lisboa, 2021-11-24
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Alves Duarte
Decisão Texto Integral: