Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1021/09.3T2AMD.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: De acordo com o disposto no artº 640º nº 1 do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar :

-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.

-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

II-  As causas de nulidade da Sentença vêm taxativamente enunciadas no artº 615º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece que é nula a sentença :

-Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)).

-Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).

-Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).

-Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).

-Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).

III-  A nulidade referida no artº 615º nº 1, al. c) do Código de Processo Civil (é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível) está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs. 154º e 607º nºs. 3 e 4, de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), não ocorrendo essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação.

IV-  A nulidade referida no artº 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil ocorre quando o Juiz, na Sentença, não resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.  Além disso, o Juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.

(Sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :

I – Relatório

1-  “AD, Ldª” instaurou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo sumário, contra CS, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe :

-A quantia de 20.842,72 € a título de danos patrimoniais.

-A quantia de 3.500 € a título de danos não patrimoniais.

Para fundamentar a sua pretensão alegando, em síntese, que a R. é técnica oficial de contas da A., desde 1999.

Dessa relação decorre a obrigação da R. de preencher e submeter as declarações anuais de rendimentos da A. (I.R.C. – modelo 22 e anexo A), as declarações trimestrais do I.V.A., as declarações relativas a P.E.C.’s e P.P.C.’s e a declaração anual de informação contabilística e fiscal (actualmente designada I.E.S.), bem como a obrigação de informar os representantes legais da A. dos prazos e montantes dos pagamentos a efectuar em sede de tributação fiscal.

Em contrapartida, a A. obrigou-se a entregar os documentos pedidos pela R. para efectuar as funções supra descritas atempadamente, bem como a pagar-lhe uma remuneração mensal no valor de 185 €.

A R. não cumpriu, com culpa, as obrigações que lhe estavam acometidas, o que teve como consequência a existência de vários processos de execução fiscal contra a A..

Devido à actuação culposa da R. resultou para a A. um encargo, que teve de suportar perante as Finanças, de 17.092,72 €, a que acresce a quantia de 3.750 €, relativa a juros pagos ao Banco, em virtude do mútuo que teve de contrair para liquidar a dívida fiscal e que se encontra amortizar.

Alega, ainda, ter sofrido danos não patrimoniais, do montante de 3.500 €.

2-  Regularmente citada, veio a R. contestar, defendendo-se por impugnação, por excepção e deduzindo pedido reconvencional.

Em sede de impugnação e excepção alega, em resumo que um dos sócios da R., encarregue de realizar o trabalho de entrega da documentação contabilística à A., passava largos meses sem lhe entregar a documentação, assim como não procedia ao pagamento dos impostos e até ao pagamento da avença à R., apesar de inúmeros telefonemas que esta lhe fazia nesse sentido.

Por outro lado, qualquer eventual direito de indemnização que a A. tivesse sobre a R., relativamente aos factos que alega, encontra-se prescrito.

Deve, assim, a acção ser julgada improcedente, por não provada, e a R. absolvida do pedido.

Em sede reconvencional alega que a A. não pagou à R. os honorários de Janeiro a Julho de 2008, pelo que, esta, em 18/7/2008, remeteu carta registada à A., através da qual rescindiu o contrato com esta firmado.

-A A. agiu de má-fé, tentando obter da R. um benefício que sabe não ter direito.

Conclui pedindo que o pedido reconvencional seja julgado procedente e a A. condenada a pagar à R. a quantia de 1.356,45 €, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano sobre a quantia de 1.295 €, desde a contestação e até integral pagamento.

3-  A A. respondeu, impugnando os factos aduzidos pela R. e concluindo como na petição inicial.

4-  Depois de saneada a acção e seleccionada a matéria de facto provada e a provar, seguiram os autos para julgamento, o qual se realizou com observância do legal formalismo.

5-  Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e o pedido reconvencional improcedente nos seguintes termos :

“Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a ré a pagar à autora a importância de 1.516,11 €, absolvendo a ré do mais peticionado.

Julgo a reconvenção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo a autora do pedido reconvencional.

Julgo o incidente de litigância de má-fé improcedente, por não provado, e, em consequência, absolvo a autora do peticionado.

Custas por autora e ré, na proporção, respectivamente, de 90% e de 10%.

Registe e notifique”.

6-  Desta decisão interpôs a A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :

“A – Recorre-se, deste modo, da Douta Decisão “a quo”, pois a mesma viola o disposto nos artigos 660º, nº 2, e 668º, nº 1, al. c) e d), do C.P.C. e 562º, 563º, 564º, nº 1, 566º, 798º e 799º do C.C..

B – Manifestamente, verificou-se erro na apreciação da prova produzida e carreada para os autos e na aplicação do direito ao caso concreto, estando os fundamentos em oposição com a Decisão.

C – A Decisão de que se recorre concluiu, erradamente, que apenas se provou a relação de causa e efeito entre o cumprimento defeituoso da Recorrida e o prejuízo da Recorrente no que diz respeito aos factos referidos em 12., 15., 16., 18. e 19. da Sentença, ou seja, os processos de execução fiscal nºs …, …, …, … e …, totalizando a quantia de 1.516,11 €.

D – Erra a Decisão ao não condenar a Recorrida no pagamento dos prejuízos de 6.929,38 €, referente ao IRC do exercício de 2004, e de 5.038,36€, referente ao IRC do exercício de 2005.

E –A Decisão incorre ainda em contradição e falta de pronúncia quando, por um lado, dá como provado a responsabilidade da Recorrida quanto às coimas aplicadas à Recorrente por entrega fora de prazo de declarações mas não condena a Recorrida no pagamento da coima aplicada no processo …, no valor de 266,65 €.

F – A Decisão desconsidera, também, a condenação da Recorrida no pagamento à Recorrente da quantia de 248,94 €, do exercício de 2006, e da quantia de 3.500,00 € a título de danos morais, pelos prejuízos causados à imagem e bom nome da Recorrente.

G – A Recorrida deveria ter sido condenada a pagar à Recorrente a quantia total de 17.499,44 € (dezassete mil quatrocentos e noventa e nove euros e quarenta e quatro cêntimos), ao abrigo da responsabilidade civil contratual.

H – A própria decisão da O…ntas é prova determinante quanto à má actuação da Recorrida e à sua responsabilidade nos prejuízos sofridos pela Recorrente.

I – A não pronúncia nesse sentido é geradora de nulidade, o que se requer.

J – Ao apreciar erradamente a questão jurídica, designadamente a prova testemunhal e os documentos juntos aos autos pela Recorrente, não condenou a Recorrida na medida em que deveria ter condenado.

Termos em que deve o presente recurso merecer procedência e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença recorrida e proferido Douto Acórdão que condene a Recorrida no pagamento à Recorrente da quantia de 17.499,44 € (dezassete mil quatrocentos e noventa e nove euros e quarenta e quatro cêntimos).

Assim se fazendo a costumada Justiça”.

7-  A R. contra-alegou, aduzindo com as seguintes conclusões :

“1. A Recorrente nas suas alegações de recurso não recorreu da matéria de facto dada como provada pela Primeira Instância, em obediência ao disposto no artigo 685º-B do C.P.C., pelo que tem-se por definitiva a matéria dada como assente na douta sentença em recurso.

2. Alega a Recorrente que existe erro da douta sentença ao não condenar a ora Recorrida no pagamento das quantias de 6.929,38 € referente ao IRC do ano de 2004, de 5.038,36 € referente ao IRC do ano de 2005, e de 248,94 € quanto ao exercício do ano de 2006, que alega ter tido de prejuízo.

3. Para apurar sobre a alegada responsabilidade da Recorrida no pagamento da quantia de 6.929,38 € referente ao IRC do ano de 2004 foi quesitado o nº 1 da Base Instrutória, que teve resposta negativa.

4. Para apurar sobre a alegada responsabilidade da Recorrida no pagamento da quantia de 5.038,36 € referente ao IRC do ano de 2005 foi quesitado os nºs. 2, 3 (2ª parte), 5. e 6. da Base Instrutória, que tiveram, todos eles, resposta negativa.

5. Por sua vez, para apurar da responsabilidade da recorrida quanto ao pagamento da quantia de 248,94 € relativo ao exercício do ano de 2006 foi quesitado o nº 17 da Base Instrutória, que igualmente teve resposta negativa.

6. Face àquelas respostas negativas, que arredaram qualquer responsabilidade da Recorrida quanto ao pagamento das referidas quantias, nunca a Recorrida por elas poderia ter sido condenada.

7. Contrariamente ao alegado pela Recorrente nas suas alegações de recurso, verifica-se que a fundamentação da decisão relativa à matéria de facto controvertida encontra-se em total concordância com a prova produzida (testemunhal e documental) e com aquela decisão.

8. No nº 13. dos factos assentes na douta sentença em recurso, foi dado como provado que “O processo de execução fiscal nº … teve origem no não pagamento de uma coima aplicada em processo de contra-ordenação por apresentação fora de prazo da declaração periódica de rendimentos referente ao ano de 2005 (modelo 22 – IRC) (M) da matéria assente).”

9. Não ficou provado nos autos qual o valor da coima a que se referia aquele processo fiscal, pelo que não poderia a Recorrida ser condenada no pagamento de qualquer valor com referência ao mesmo.

10. Quanto aos danos morais peticionados pela Recorrente, no valor de 3.500,00 €, não se encontra provado nos autos qualquer facto que resulte ter a Recorrente sofrido qualquer prejuízo no que se refere à sua imagem e bom nome, como alega.

11. Não merece assim, qualquer censura a douta sentença proferida nos autos ao absolver a Recorrida de tal pedido.

12. A decisão proferida pela C… junta aos autos teve apenas a virtualidade de apurar o respeito pelas regras do seu Estatuto e Código Deontológico, e não qualquer responsabilidade civil por parte da ora Recorrida.

13. Com referência a essa decisão, a Recorrente nenhum pedido formulou nos autos.

14. Não se verifica assim, qualquer falta de pronúncia ou nulidade no que se refere a tal decisão.

15. A douta sentença em recurso, no que se refere à matéria objecto do recuso da Recorrente, não merece qualquer censura.

Termos em que não deverá ser concedido provimento ao recurso a que se responde, assim se fazendo a habitual Justiça”.

*  *  *

II – Fundamentação

a)  A matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, é a seguinte :

(…)

b)  Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil (anteriores artºs. 684º nº 3 e 685º-A nº 1), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.

Perante as conclusões da alegação da recorrente as questões em recurso são :

-Saber se existem razões para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância.

-Saber se ocorreu nulidade da Sentença por estarem os fundamentos em oposição com a decisão

-Saber se ocorreu nulidade da Sentença por omissão de pronúncia.

-Saber se existem razões para a acção proceder na totalidade.

c)  Vejamos, em primeiro lugar, se existem razões para alterar a matéria de facto considerada provada na 1ª instância.  

Nas suas alegações refere a apelante que “é manifesto o erro na apreciação da prova” (artigo 2º) e ainda que “a  prova produzida nos autos de que se recorre apontam, porém, para outro sentido que não o explanado na Douta Sentença” (artigo 7º).  Apenas nos artigos 9º e 10º da alegação é apontado que “a testemunha MJ, TOC de profissão, mencionou que da análise dos documentos contabilísticos da Recorrente, que foram devolvidos pela Recorrida, é possível constatar a falha apontada à determinação dos custos com serviços” e ainda que essa testemunha teria referido que “seria preciso uma análise aprofundada dos elementos contabilísticos da Recorrente para determinar o concreto valor de IRC a pagar relativamente ao exercício de 2004”.

Em sede de conclusões, como acima se vê, a recorrente é ainda mais parca no que diz respeito à alusão ao recurso sobre a matéria de facto e, curiosamente, na sua primeira conclusão aponta as normas legais que, em seu entender, teriam sido violadas pelo Tribunal “a quo” sem, porém, incluir qualquer um dos preceitos referentes à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Ora, de acordo com o disposto no artº 640º nº 1 do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-B nº 1), quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar :

-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.

-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Há que realçar que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artº 690º-A, posterior artº 685º-B e actual artº 64º do Código de Processo Civil, quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição.

De qualquer modo, há que não esquecer que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do artº 655º, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.

É inquestionável que, pretendendo a recorrente que a 2ª instância aprecie do acerto da decisão da 1ª instância proferida sobre a matéria de facto, tem ela de observar determinadas regras e ónus processuais, a que acresce (para que a modificação da matéria de facto seja possível) a necessidade de verificação de determinados pressupostos.

Assim, como já referimos, de acordo com o disposto no artº 640º nº 1 do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-B, nº 1), em primeiro lugar, deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição :  Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;  quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida ; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

E, no caso previsto no artº 640º nº 1, al. b) do Código de Processo Civil, obriga ainda o nº 2 do mesmo preceito legal, que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, que o recorrente deva, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

Depois, exigível é, também, que se constate verificar-se qualquer um dos pressupostos previstos no artº 662º nº 1 do Código de Processo Civil (anterior artº 712º nº 1, als. a), b) e c) que tinha, no entanto, alguns contornos diferentes) ou seja, a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Tendo presentes tais regras e pressupostos orientadores e exigíveis, para que ao Tribunal da Relação seja lícito alterar a decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, e tal como bem nota Abrantes Geraldes (in “ Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 2010, pg. 152), dir-se-á que o legislador (“maxime” com as alterações introduzidas na lei adjectiva aquando da publicação do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/8) veio introduzir mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto, com a indicação exacta dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na acta.

Postas estas breves considerações, há que verificar se logrou a apelante cumprir a sua obrigação processual.

Ora, desde logo se verifica que a recorrente, em sede de alegações da instância recursória, desde logo não cumpriu aquilo que lhe era exigido no que respeita à indicação de quais os concretos pontos de facto que considera merecerem diferente resposta.  Além disso, apenas indicou um dos concretos meios probatórios, constantes do processo e sobre os quais deveria este Tribunal voltar a debruçar-se, nomeadamente o depoimento de uma testemunha.

Nas conclusões a apelante volta a não indicar qual a matéria impugnada, e não indica quais os concretos (quais os depoimentos testemunhais e documentos a atender) meios probatórios que justificam uma decisão diversa da recorrida.

A propósito da forma da correcta observância dos diversos ónus a que aludia o artº 685º-B nº 1 do Código de Processo Civil (agora artº 640º), importa recordar que, e por diversas ocasiões de resto, o S.T.J. (cf. por todos o Acórdão do S.T.J. de 23/2/2010, consultado na “internet” em www.dgsi.pt) defendeu que no âmbito do exacto cumprimento dos mesmos e a cargo do recorrente, não é de exigir que deva ele, nas conclusões, reproduzir o que alegou anteriormente, sob pena de, ao assim proceder, transformar as conclusões, não numa síntese (como o refere o artº 639º nº 1 do Código de Processo Civil, anterior artº 685º-A nº 1 do Código de Processo Civil), como se exige que sejam, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório.

O que o recorrente não está dispensado é, tão só, de nas conclusões deixar claro que visa a apelação interposta a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nelas indicando outrossim, quais os pontos concretos que pretende ver reapreciados, sendo que, ao ler as conclusões das alegações que lhe antecedem, permitido é ao Tribunal “ad quem” aferir de quais as diferentes respostas que o recorrente pretende sejam proferidas.

Manifesto é assim que, o recorrente, no tocante à necessária indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, bem assim, no âmbito da alusão às diferentes e concretas respostas pretendidas, e aos concretos meios probatórios em que as mesmas se baseiam, cumpra minimamente o que lhe é exigido.

Sucede que, nas conclusões em apreço, nada diz a apelante sobre o recurso da matéria de facto, nomeadamente qual a matéria impugnada e quais os depoimentos das testemunhas que, no seu entender, exigem uma decisão diversa quanto aos pontos de facto visados (aliás, nas conclusões o recurso é totalmente omisso sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, até parecendo não a impugnar…).

E não o indica a apelante, não porque tal não lhe era possível fazê-lo, mas porque pura e simplesmente o omitiu.

Ora bem, como vimos já, mas insiste-se mais uma vez, quando os meios probatórios invocados como fundamento do invocado erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos (como “in casu” sucede), deve o recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por si iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

Tal equivale a dizer que, ainda que o queira fazer e o faça, transcrevendo por sua iniciativa quais as passagens da gravação em que se funda, tal não exime o recorrente de, querendo incluir no âmbito da instância recursória a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, obrigatoriamente proceder à identificação precisa e separada dos depoimentos.

Ou seja, e dito de uma outra forma, caso seja possível (considerando o modo da gravação efectuado e a elaboração da acta da audiência) a identificação precisa e separada dos depoimentos, exige-se ao recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto com base neles, que proceda à indicação exacta das passagens da gravação em que se funda, sem embargo porém da apresentação facultativa da respectiva transcrição (cf. Abrantes Geraldes, in “ Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 2010, pg. 154 e Acórdãos do S.T.J. de 22/9/2009 e de 15/9/2011, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt).

É bem verdade que, como bem salienta o S.T.J. (cf. Acórdão do S.T.J. de 11/10/2011, consultado na “internet” em www.dgsi.pt), a falta de indicação das concretas passagens dos depoimentos das testemunhas na gravação efectuada, o início e o termo de cada uma das partes ou passagens dos depoimentos a reapreciar, não é em rigor impeditiva da reapreciação da prova produzida e gravada, mas, em todo o caso, se o recorrente omitir qualquer das especificações exigidas, entende-se que a falta a esse encargo que a lei lhe atribuiu como contrapartida do benefício de um verdadeiro segundo grau de jurisdição é cominada com “a rejeição imediata do recurso da decisão da matéria de facto, à semelhança da imediata declaração de deserção do recurso no caso de falta (absoluta) de alegação”, não havendo lugar, sequer, à prolação de um qualquer despacho de aperfeiçoamento (cf. Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 2010, pg. 154, e Carlos Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª Ed., pg. 585).

Igualmente não se olvida que, não raro, se descortinam entendimentos que, além de utilizarem uma “bitola larga” no âmbito da aferição e fiscalização do cumprimento dos ónus processuais que incidem sobre as partes, como que apelam ainda a que o julgador faça “vista grossa” (“maxime” quando a parte contrária nada diz) em sede de análise da observância pelos recorrentes dos ónus previstos no artº 640º do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-B), considerando designadamente as drásticas consequências legais do respectivo incumprimento.

Em todo o caso, como bem refere Abrantes Geraldes (in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 2010, pgs. 158 e 159), pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo ele uma pretensão a um Tribunal que não intermediou a produção da prova, é antes compreensível “uma maior exigência (…), sem possibilidade de paliativos (…), importando observar (…) ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor”.  Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.

Em face do acabado de expor, e tendo em atenção as alegações em apreço, não sendo dado cumprimento pela recorrente ao ónus assinalado do artº 640º nº 2 do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-B nº 2), a lei comina com a rejeição do recurso a postergação de tal ónus, motivo pelo qual só nos resta em não atender, no âmbito da instância recursória, à pretendida impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Em consequência, ao abrigo do disposto no artº 640º nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-B nºs. 1 e 2), rejeita-se o recurso na parte atinente à impugnação da decisão da matéria de facto por parte da apelante.

d)  Não se podendo considerar como impugnada a decisão sobre a matéria de facto, só os factos considerados provados pela 1ª instância podem servir de fundamento à solução a dar ao litígio.

e)  Vejamos, agora, se a Sentença sob recurso é nula.

Ora, as causas de nulidade da Sentença vêm taxativamente enunciadas no artº 615º nº 1 do Código de Processo Civil (antigo artº 668º nº 1), onde se estabelece que é nula a sentença :

-Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)).

-Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).

-Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).

-Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).

-Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).

O Prof. Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 297), na análise dos vícios da Sentença enumera cinco tipos :

-vícios de essência ;

-vícios de formação ;

-vícios de conteúdo ;

-vícios de forma ;

-vícios de limites.

Refere o mesmo Professor (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 308), que uma Sentença nula “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”.

Por seu turno, o Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, pg. 686),
no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do artº 668º do Código de Processo Civil (actual artº 615º), salienta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.

Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pgs. 668 e 669) considera que apenas a “falta de assinatura do juiz” constitui fundamento de nulidade, pois trata-se de “um requisito de forma essencial. O acto nem sequer tem a aparência de sentença, tal como não tem a respectiva aparência o documento autêntico e o documento particular não assinados”.  A respeito das demais situações previstas na norma, considera o mesmo autor tratar-se de “anulabilidade” da sentença e respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença”.

f)  A primeira nulidade invocada pela apelante encontra-se referida no artº 615º nº 1, al. c) do Código de Processo Civil (antigo artº 668º nº 1, al. c)), segundo o qual ocorre nulidade da sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou seja quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa.

Ora, afirma a recorrente nas suas conclusões que “a Decisão de que se recorre concluiu, erradamente, que apenas se provou a relação de causa e efeito entre o cumprimento defeituoso da Recorrida e o prejuízo da Recorrente no que diz respeito aos factos referidos em 12., 15., 16., 18. e 19. da Sentença, ou seja, os processos de execução fiscal nºs. …, …, …, … e …, totalizando a quantia de 1.516,11 €”.

E continua referindo que “erra a Decisão ao não condenar a Recorrida no pagamento dos prejuízos de 6.929,38 €, referente ao IRC do exercício de 2004, e de 5.038,36 €, referente ao IRC do exercício de 2005”.

Aponta, ainda, mais uma contradição pois, “por um lado, dá como provado a responsabilidade da Recorrida quanto às coimas aplicadas à Recorrente por entrega fora de prazo de declarações mas não condena a Recorrida no pagamento da coima aplicada no processo …, no valor de 266,65 €”.

Na Jurisprudência do S.T.J. tem-se entendido que essa nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs. 158º e 659º nºs. 2 e 3 do Código de Processo Civil (actuais artºs. 154º e 607º nºs. 3 e 4), de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), e que não ocorre essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação.

A oposição que, no entender da recorrente, possa existir entre os meios de prova produzidos no processo, a decisão sobre certos pontos da decisão de facto e a decisão de Direito, não constitui qualquer nulidade da Sentença recorrida que (basta lê-la) tem os fundamentos de facto e de direito em concordância lógica com a decisão.

Com efeito, a verdade é que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.  Se na fundamentação da Sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.  Esta oposição, porém, não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta.  Isto é, quando embora mal, o Juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.

Deste modo, afigura-se-nos, que, como acima salientámos, a questão invocada pela apelante não se enquadra na apontada causa de nulidade de Sentença (oposição entre os fundamentos e a decisão), antes se prendendo com a subsunção dos factos às normas jurídicas efectuada pelo Tribunal recorrido e com a qual não se conforma.

Assim essa situação não configura a alegada causa de nulidade da Sentença, nomeadamente a que decorre da oposição entre os fundamentos e a decisão.

Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso.

g)  Em segundo lugar, afirma a recorrente que a Sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia (artº 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil – anterior artº 668º nº 1, al. d)).

O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” (cf. artº 608º nº 2 do Código de Processo Civil – antigo artº 660º nº 2).

Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito que o Juiz na Sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ;  não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Ora, como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “CPC Anotado”, Vol. V, pg. 143) :

“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artº 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido :  por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida ;  por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (artº 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”.

Resulta desta interpretação que a Sentença não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.

No caso em apreço refere a recorrente que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a condenação da recorrida a pagar determinados montantes (ver conclusões E., F. e G.).

Vejamos :

Verifica-se que o Juiz do Tribunal “a quo” analisou a questão que lhe foi colocada pela apelante e sobre ela pronunciou-se expressamente.

Com efeito, na Sentença posta em crise é dito expressamente, depois de se concluir pela condenação da apelada no pagamento de determinadas quantias :

“Já quanto às demais importâncias, que constituíram prejuízos da autora, não se logrou a apurar factos que permitam estabelecer essa relação de causa efeito”.

Perante este extracto da Sentença, teremos de concluir que tal peça processual conheceu expressamente da questão que lhe foi colocada pela recorrente.

Assim, afigura-se-nos, que a questão invocada pela apelante não se enquadra na apontada causa de nulidade de sentença (omissão de pronúncia), antes se prendendo com uma divergência com a decisão proferida pelo Tribunal, com a qual não se conforma.

Há, assim, que indeferir a invocada nulidade da Sentença com fundamento no facto de esta não ter conhecido de questões sobre as quais se devia ter pronunciado.

Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso.

h)  Vejamos, por fim, se existem razões para a acção proceder na totalidade.

Alegou a recorrente que celebrou com a recorrida um contrato de prestação de serviços (se bem que na sua petição inicial não o qualifique), em virtude do qual esta lhe deve a quantia de 24.342,72 €.

A apelante alegou o cumprimento defeituoso do contrato por parte da apelada.

Encontramo-nos, pois, no âmbito da responsabilidade decorrente da violação das obrigações contratuais, ou seja, do incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação.

Segundo o disposto no artº 798º do Código Civil, “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.

Para a ocorrência de responsabilidade civil contratual (tal como na extracontratual), é necessária a verificação dos seguintes requisitos :  Facto objectivo (acção ou omissão), a ilicitude, a culpa, o prejuízo do devedor e o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo.

Na responsabilidade contratual, a ilicitude advém da relação de desconformidade entre a prestação debitória devida e o comportamento observado.

Segundo Antunes Varela (in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 4ª ed., pg. 97), é ao credor que incumbe a prova do acto ilícito do não cumprimento.

Contudo, tal entendimento não é pacífico.

Assim, Inocêncio Galvão Teles (in “Direito das Obrigações, 7ª ed., pg. 334 a 336) defende que, em regra, é sobre o devedor que recairá o ónus da prova do cumprimento:  Se, quando o credor pretende fazer valer apenas o crédito originário, nenhuma dúvida há de que não é ele que tem de provar a falta de cumprimento, mas sim o devedor o cumprimento, “seria ilógico que a solução se alterasse pelo facto de o credor reclamar uma indemnização”.

Quanto à culpa, e ao contrário do que ocorre na responsabilidade civil extracontratual (em que incumbe ao lesado fazer a prova da culpa do lesante tal como de todos os outros pressupostos da obrigação de indemnizar), a lei é clara em fazer recair sobre o devedor o ónus da prova da ausência de culpa :  No caso de não cumprimento da obrigação, é ao devedor que incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (cf. artº 799º nº1 do Código Civil).

Ou seja, tal norma consagra uma presunção de culpa a cargo do devedor, partindo do princípio de que, na responsabilidade contratual, “o dever jurídico infringido está de tal modo concretizado, individualizado ou personalizado, que se justifica que seja o devedor a pessoa onerada com a alegação e aprova das razões justificativas ou explicativas do não cumprimento” (cf. Antunes Varela, in “Direito das Obrigações, 7ª ed., pgs. 96 e 97).

Como fundamento da presunção de culpa que recai sobre o inadimplente aponta-se a consideração, retirada da experiência comum, de que o inadimplemento da obrigação é, em regra, culposo (devido a negligência) e a ideia de que o devedor está em melhores condições para alegar a provar os factos que tornam inimputável o não cumprimento do que o credor para provar o contrário (cf. Antunes Varela, in “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 4ª ed., pg. 97).

No caso em apreço, é pacífico (pois as partes nem sequer põem essa subsunção em causa) encontrarmo-nos perante um contrato de prestação de serviços, previsto no artº 1154º do Código Civil, numa modalidade atípica (as modalidades típicas são tão só o mandato, o depósito e a empreitada).

Ora, no âmbito do referido contrato de prestação de serviços de contabilidade, as partes acordaram que a recorrente entregaria todos os meses à recorrida a documentação necessária à elaboração da sua contabilidade (nomeadamente facturas emitidas e despesas custeadas) reportada ao mês anterior, nunca ultrapassando os três meses devido ao prazo de entrega do IVA, (trimestral) a que estava sujeita.

Mais acordaram que após a realização da declaração trimestral do IVA, a recorrida telefonaria à apelante para proceder ao pagamento do valor apurado, o qual seria pago por esta última.

No que diz respeito ao IRC, acordaram que após a entrega da respectiva declaração, a recorrente seria notificada pelas Finanças da respectiva nota de liquidação e procederia ao seu pagamento.

Posteriormente, foi também acordado que o PEC e o PPC seriam pagos directamente pelos representantes legais da recorrente no Serviço de Finanças, entregando de seguida o respectivo comprovativo para lançar na contabilidade da empresa.

i)  Põe a recorrente em causa a não condenação da recorrida no que diz respeito aos valores respeitantes aos processos :

-De execução fiscal nº …, no valor total de 8.076,75 €, referente ao não pagamento do IRC devido pela apelante relativamente ao exercício de 2004.

-De execução fiscal nº …, no valor total de 6.630,56 €, referente ao não pagamento do IRC devido pela apelante relativamente ao exercício de 2005.

Ora, para apuramento da responsabilidade da recorrida, e na sequência do alegado pela recorrente na petição inicial, formulou o Tribunal “a quo” os seis primeiros quesitos :

“1º- O processo referido em I) (ou seja, o nº …) ocorreu porque a ré, na organização da contabilidade da autora, não imputou como despesas uma quantia global de 6.000,00 € a 7.000,00 € (comunicações, 2.400,00 €; despesas de transporte 500,00 € a 2.000,00 €; 1.000,00 € material informático e honorários da ré de 2.220,00 €), conforme documentos contabilísticos que lhe foram remetidos pela autora para processamento ?”.

“2º- Por referência ao facto referido em J) dos factos assentes (ou seja o processo nº …), no ano de 2005 a autora teve custos de 7.000,00 €, acrescidos de 207.218,62 € com custos de mercadorias… ?”.

“3º- … mas a ré fez constar da respectiva declaração que estes custos eram de 172.342,79 € relativos a mercadorias e 2.513,50 € relativos a serviços, contra a documentação que lhe foi entregue pela autora… ?”.

“4º- …e a ré declarou como proventos e ganhos da autora a quantia de 189.386,11 €… ?”.

“5º- …contra a documentação que lhe foi entregue pela autora que indicava proventos de 211.362,99 €… ?”.

“6º- …o que implicou que a autora tivesse que entregar à Administração Fiscal a quantia de 6.630,56 €, sendo 5.086,93 € de I.R.C., 1.410,36 € de juros de mora e 133,27 € de custas ?”.

Ora, quanto ao processo de execução fiscal nº …, apenas se apurou que o mesmo se refere ao não pagamento do IRC devido pela apelante relativamente ao exercício de 2004.

No que diz respeito ao processo de execução fiscal nº …, provou-se que o mesmo se refere ao não pagamento do IRC devido pela recorrente relativamente ao exercício de 2005.  Também se apurou que a recorrida fez constar da declaração de rendimentos (IRC) da recorrente, relativa a esse ano, custos e perdas, no valor total de 172.342,79 € referentes a mercadorias e serviços, sendo que a apelada declarou como proventos e ganhos da apelante a quantia de 189.386,11 €.  Nada mais se provou.

Ou seja, não se apurou que os valor constantes de tais processos tenha resultado da não apresentação atempada das respectivas declarações, pois, o valor pago a título de IRC, prende-se com os resultados de exercício.

Daí que, como é evidente, inexistindo factos que permitam imputar qualquer nexo de causalidade entre a actuação da recorrida e o prejuízo resultante para a apelante com a instauração daqueles processos, sempre teria a decisão recorrida de a absolver de tais pedidos.

j)  No que diz respeito ao valor de 266,65 € peticionados pela recorrente, e respeitantes ao processo de execução fiscal nº ….

Apurou-se que o mesmo teve origem no não pagamento de uma coima aplicada em processo de contra-ordenação por apresentação fora de prazo da declaração periódica de rendimentos referente ao ano de 2005 (modelo 22 – IRC).

Para efeitos de responsabilização da recorrida no pagamento do montante peticionado, foi formulado o quesito 9º, com o seguinte teor :

“9º-  O processo referido em M) (ou seja, o nº …) ocorreu porque a ré, na organização da contabilidade da autora, não entregou à Administração Fiscal a respectiva declaração, conforme documentos contabilísticos que lhe foram remetidos pela autora ?”.

Ora, quanto a tal quesito apenas se provou que a apelada, na organização da contabilidade da apelante, não entregou à Administração Fiscal a declaração de rendimentos (IRC), relativa ao exercício de 2006, dentro do prazo previsto para o efeito.

Nada mais se apurou.  Nem a razão pela qual foi apresentada fora de prazo da declaração periódica de rendimentos referente ao ano de 2005, nem qual o valor da coima a que se referia o processo em causa.

Assim, outra alternativa não restava ao Tribunal “a quo” que não fosse a de absolver a apelada de tal pedido.

Por tal motivo, haverá que, nesta parte, confirmar a Sentença recorrida.

k)  No que diz respeito ao processo de contra-ordenação nº … em que foi aplicada à recorrente uma coima no montante de 324,71 €, pelo não pagamento do PEC relativo ao período 2004/10.

Para eventual responsabilização da recorrida no pagamento de tal valor, foi formulado o quesito 12º, onde se perguntava :

“12º- O referido em Q) (ou seja, a aplicação da referida coima) ocorreu porque a ré não procedeu à entrega do valor respectivo à Administração Fiscal, em contrário aos documentos contabilísticos e valores que lhe foram remetidos pela autora ?”.

Tal quesito mereceu a resposta de “Não provado”.

 E, assim sendo, mais uma vez, fica indemonstrado que exista um nexo de causalidade entre a actuação da recorrida e o prejuízo resultante para a apelante com a aplicação da aludida coima.

Deste modo, também nesta parte teria de improceder a acção, pelo que haverá que, nesta parcela, confirmar a decisão sob recurso.

l)  Finalmente, no que diz respeito ao pedido de pagamento da quantia de 248,94 €, referente ao IRC do ano de 2006.

Apurou-se que, quanto ao exercício de 2006, a apelada declarou que a apelante apresentou um lucro de 995,77 €, daí ter pago o supra referido valor a título de IRC.

Para efeitos de responsabilização da recorrida no pagamento de tal valor, foi formulado o quesito 17º, onde se perguntava :

“17º- O referido em T) (ou seja, a declaração daquele lucro de 995,77 €) ocorreu porque a ré não teve em atenção o valor das despesas fixas com fornecimentos e serviços externos, na ordem dos 6.000,00 € a 7.000,00 €, conforme documentos contabilísticos que lhe foram entregues pela autora ?”.

Tal quesito mereceu a resposta de “Não provado”.

Assim, não se mostra provada a existência de nexo de causalidade entre a actuação da recorrida e o prejuízo resultante para a apelante com o pagamento de IRC no valor de 248,94 €.

Deste modo, sempre teria a acção de improceder a acção, motivo pelo qual, nesta parte, haverá que confirmar a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.

m)  Refere-se ainda a recorrente à condenação da recorrida por danos não patrimoniais que alega ter sofrido.

Ora, perante a matéria de facto apurada (e que não sofreu alteração nesta instância), afiguram-se-nos ser pertinente a posição assumida na decisão recorrida, que não nos merece qualquer censura.

“No caso em apreço, provou-se o incumprimento da ré (em parte), mas, para além do montante que se apurou ter a autora pago à administração fiscal, em virtude daquela actuação contratual defeituosa da ré, não se apuraram outros factos que concretizem os danos morais provocados.  Porém, recorrendo às regras da experiência sempre se dirá que tal terá ocasionado aborrecimentos inesperados no normal desenvolvimento da actividade da ré ;  no entanto, são contratempos a que uma sociedade comercial está sujeita no desenvolvimento da sua actividade, não chegando a assumir dignidade suficiente para merecer a tutela do direito, ao nível do ressarcimento por danos morais (cf. artº 496º, nº 1 do CC)”.

Assim, também nesta parte há que confirmar a decisão recorrida.

n)  Deste modo, sempre terá de improceder a pretensão da recorrente.

Não merece, pois, censura, a Sentença recorrida, sendo o recurso improcedente.

*  *  *

III – Decisão

Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.

Custas :  Pela recorrente (artigo 527º do Código do Processo Civil).

Processado em computador e revisto pelo relator

Lisboa, 9 de Julho de 2014

(Pedro Brighton)

(Teresa Sousa Henriques)

(Isabel Fonseca)