Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
411/15.7T8FNC-B.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: INSTÂNCIA DESERTA
NEGLIGÊNCIA DA PARTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A instância só se considera deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, nos termos do nº 1 do artigo 281º do CPC.

II. Os autos não têm estando parados por negligência dos autores, nos últimos seis meses, uma vez que estes têm diligenciado pela citação da interveniente RB, sendo a secretaria quem tem a incumbência de concretizar essa citação.

SUMÁRIO: (elaborado pelo próprio)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


IRELATÓRIO:


Por requerimento de 17.10.2017 (fls.117 a 120), os réus AP e esposa vieram requerer que a instância seja julgada deserta, nos termos do artigo 281º nº 1 do CPC, uma vez que os autores não juntaram aos autos a habilitação notarial dos herdeiros do falecido António Ferreira.

Os autores responderam (fls 122 a 125), pugnando pelo indeferimento da pretensão dos réus, não devendo ser julgada deserta a instância.

Por DESPACHO de 06.12.2017 (fls 126 e 127) foi indeferido o requerido, por não estarem verificados os pressupostos da deserção da instância, nos termos do artigo 281º nº 1 do C.P.C.

Não se conformando com tal decisão dela recorreram os réus, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
A) Os apelantes, por requerimento de 17.10.2017, requereram que o sr. juiz "a quo" retirasse as devidas ilações de direito do Acórdão da Relação de Lisboa de 09.02.2017, no que diz respeito ao não cumprimento pelos autores do que lhes fora ordenado pelos doutos despachos de 23.10.2015 (fls.242) e o de 04.12.2015 (fls.269), constando neste último despacho o alerta para as consequências do seu não cumprimento.
B) O sr. juiz “a quo", nos fundamentos do seu despacho de 06.12.2017, alegou nomeadamente que o Acórdão da Relação de Lisboa de 09.02.2017 se limitou a deixar de considerar justificado que os autores não apresentem a habilitação notarial por morte do falecido AF não obstante os autores terem optado por continuar a não apresentar a referida habilitação, tendo concluído que não se encontram verificados os pressupostos para que fosse julgada deserta a instância.
C) Ora, no douto despacho de 04.12.2015 consta os seguintes dizeres "Aguardem os autos que os AA. cumpram o determinado no despacho de 23.10.2015, no que respeita à junção aos autos da habilitação notarial do falecido AFsem prejuízo do disposto no artigo 281° n°l do C.P.C".
D) Deste despacho foram as partes, na pessoa dos seus mandatários judiciais, notificadas em 07.12.2015, tendo transitado em julgado,
E) Ou seja, formou caso julgado formal, com força obrigatória nos presentes autos sobre aquela concreta decisão (os autos ficam a aguardar que os autores juntem a referida habilitação notaria], sem prejuízo do previsto no n°1 do artigo 281° do CPC), nos termos dos nº 1 e 3 do artigo 613° e n°1 do 620°, todos do Código de Processo Civil.
F) Tal caso julgado formal encontra-se confirmado pelo aludido Acórdão da Relação de Lisboa de 09.02.2017 – processo n°411/15.7T8FNC-A.L1, 6ª seção, com trânsito em julgado.
G) Ora, consta no despacho “a quo" (o de 06.12.2017) que o aludido acórdão, repita-se, apenas "(...) deixou de se considerar justificado que os AA não apresentem a abilitação de herdeiros
por morte do falecido António Ferreira", apesar destes (autores) jamais terem cumprido com o ordenado no despacho de 04.12.2015.
H) Neste despacho, supra transcrito, consta o alerta de que o impulso processual encontra-se objectivamente dependente da junção aos autos pelos autores da habilitação notarial do falecido AF tendo-se iniciado a contagem do prazo nos termos e para os efeitos previstos nº 1 do artigo 281° do Código de Processo Civil.
I) E o prazo de seis meses previstos no n°1 do artigo 281° do Código de Processo Civil encontra-se, em muito, ultrapassado, sem esquecer que os autores não cumpriram, por sua inércia, com o determinado no aludido despacho de 04.12.2015.
J) Pelo que, contrariamente ao entendimento do sr. juiz "a quo", encontram-se objectivamente verificados os pressupostos para que a instância seja julgada deserta, até porque vigora no processo civil actual o princípio da auto-responsabilização das partes pelo andamento do processo.
K) Na sequência do decidido, o sr. Juiz °a quo° nenhuma ilação de direito retirou, como lhe era exigido, do Acórdão da Relação de Lisboa de 09.02.2017.
L) Ora, o sr. juiz "a quo", salvo o devido respeito que lhe é devido, ao ter interpretado o aludido acórdão nos termos em que o fez, violou o caso julgado formal que se formou sobre a concreta decisão que consta nos aludidos despachos por si proferidos em 23.10.2015 e em 04.12.2015 e negou o conteúdo do aludido douto Acórdão da Relação de Lisboa de 09.02.2017 que confirmou estes despachos.
M) Legitimou erradamente a conduta omissiva dos autores ao permitir-lhes o não cumprimento do ónus do impulso processual cuja omissão impede o prosseguimento da causa.
N) E uma vez formado caso julgado formal, esgotou-se o poder jurisdicional do sr. juiz "a quo" relativamente àquela decisão (a do despacho de 04.12.2015), nos termos do n°1 e 3 do artigo 613° do Código de Processo Civil,
O) Pelo que ficaram prejudicadas, salvo sempre diferente e melhor opinião, a eficácia de todas as decisões que se produziram como consequência direta e necessária da violação do caso julgado formal,
P) O que se estende ao aludido despacho do sr. Juiz "a quo" de 27.05.2016, nomeadamente à parte que convidou os autores a requererem a intervenção principal provocada sem que estes hajam junto aos autos a exigida habilitação notarial do falecido António Ferreira.
Q)E o âmbito objetivo do caso julgado estende-se aos fundamentos da decisão que com ele estejam conexionados.
R) Ora, o aludido douto Acórdão da Relação de Lisboa de 09.02.2017 julgou procedente as conclusões dos apelantes, constando nas mesmas (conclusões) nomeadamente que "A junção aos autos da habilitação notarial dos herdeiros do falecido AFque é um documento dotado de fé pública, é da exclusiva responsabilidade dos autores e só por seu desinteresse é que a mesma não foi, passados estes 6 meses, junta aos autos, devendo tal conduta ser objecto de apreciação nos termos e para os efeitos previstos no nº 1 do artigo 281º do Código de Processo Civil".
S) E a exigida habilitação notarial é o documento idóneo onde se poderá comprovar, nos termos previstos no nº 1 do artigo 2091° do Código Civil e artigo 33° do Código de Processo Civil, a situação de litisconsórcio necessario activo dos herdeiros do falecido António Ferreira.
T) Por tudo o referido, o sr. juiz "a quo", salvo o devido respeito que sempre lhe é devido, não obedeceu ao caso julgado formal, nem à decisão do tribunal superior ao não ter apreciado, como lhe competia e se exige, a conduta objectivamente negligente dos autores (não promoveram o andamento do processo mediante a junção aos autos da habilitação notarial do falecido António Ferreira), nos termos e para os efeitos previstos no n°1 do artigo 281° do Código de Processo Civil.
U) O despacho "a quo" violou, entre outros, a parte final do n 1 do artigo 152° n°1, do 281°, os n°1 e 3 do 613°, o nº 1l do 620°, todos do Código de Processo Civil.
 
Terminam, requerendo que o despacho "a quo" seja revogado e substituído por outro que, na sequência do aludido caso julgado formal, julgue deserta a instância, nos termos e para os efeitos previstos no n°1 do artigo 281° do Código de Processo Civil.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

IIFUNDAMENTAÇÃO.

A)Fundamentação de facto.

Considera-se relevante a seguinte matéria de facto:
a)- A 23.10.2015 os autores foram notificados para em 10 dias juntarem aos autos a habilitação notarial dos herdeiros do falecido AF (fls. 90).
b)- A 04-12-2015 foi proferido despacho que determinou que os autos aguardassem que os autores cumprissem o determinado no despacho de 23-10-2015, no que respeita à junção aos autos da habilitação notarial dos herdeiros do falecido AF sem prejuízo do disposto no art.º 281º nº 1 do C.P.C. (fls. 91).
c)- A 27-05-2016 (fls. 101) foi proferido despacho, considerando-se justificada a não junção daquela escritura de habilitação e também, em face da documentação junta aos autos, considerou-se comprovado que RB é filha do falecido AF pelo que esta teria necessariamente de intervir nos presentes autos.
d)- A 01-06-2016 os autores requereram a intervenção principal provocada de RB (fls. 105 e 106), sendo que os réus AP e MP vieram deduzir oposição nesse incidente.
e)- A 16-06-2016 os réus AP e MP apresentaram recurso do despacho acima referido na alínea c).
f)- A 29-06-2016 foi proferida decisão naquele incidente de intervenção, transitada em julgado, admitindo a requerida intervenção principal provocada de RB e determinando-se a sua citação (fls. 108).
g)- A 16-09-2016 foi enviada carta com A/R para citar a
interveniente RB, residente na Venezuela.
h)- A 09-02-2017 o Tribunal da Relação de Lisboa acordou em julgar procedente o recurso acima referido em e), revogando o despacho de 27-05-2016, acórdão cuja notificação foi remetida às partes a 13-02- 2017 (fls 110 a 112).
i)- A 03-04-2017 os autores foram informados pelo tribunal que não se mostrava junto aos autos o comprovativo da citação da interveniente, sendo que estes vieram requerer em 18.04.2016 o envio de nova carta de citação (fls 114 e 115), o que foi deferido por despacho de 17-05-2017 (fls 116).

B)Fundamentação de direito.
A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, consiste em saber se se mostram verificados os pressupostos da deserção da instância e da aplicação do disposto nos nºs 1 e 4 do artigo 281º do NCPC.

Cumpre decidir.

Preceitua o artigo 281º nº 1 do C.P.Civil sob a epígrafe “Deserção da instância e dos recursos” que:
“Sem prejuízo do disposto no nº 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
O regime do DL nº 41/2013, de 26-06, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses sem passar, portanto, pelo patamar intermédio da interrupção da instância[1].

Estando os autos a aguardar há mais de seis meses impulso processual por negligência da parte, o juiz deve, sem mais, lavrar despacho a julgar deserta a instância (artigo 281º nº 4 do C.P.Civil)?
É evidente que não.
No regime actual, a deserção da instância deixou de ser automática carecendo de ser julgada por despacho do juiz, ao contrário do que acontecia no sistema anterior no qual a instância ficava deserta independentemente de qualquer decisão judicial.
Sucede, porém, que no despacho de julga deserta a instância o julgador terá de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que lhe incumbe efectuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência destas.

Considera-se, assim, na esteira do entendimento consagrado no acórdão citado em nota de rodapé, que o tribunal, antes de exarar o despacho a julgar extinta a instância por deserção, deverá ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas.
Ademais, o princípio da cooperação, reforçado no NCPC, justifica que as partes sejam alertadas para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo, decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto.

Neste mesmo sentido se colhe a opinião de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro:
“ De modo a evitarem-se equívocos, pode justificar-se a notificação da parte, esclarecendo-se que o processo aguarda o seu impulso (artº 7º)”[2].

Foi o que fez a primeira instância com a prolação do despacho de 09.11.2017 (fls 121), ouvindo os autores para se pronunciarem relativamente ao requerimento dos réus de 17.10.2017. E os autores pronunciaram-se (fls 122 a 125) contra a pretensão dos réus vertida naquele requerimento.

Aqui chegados, verificamos que a primeira instância, em notável síntese, decidiu a questão com muito acerto e sem motivo para reparos.

Assim, e no seguimento da decisão recorrida de 06.12.2017, “os autos não têm estando parados por negligência dos autores, nos últimos seis meses, uma vez que se tem estado a diligenciar pela citação da interveniente RB, sendo a secretaria quem tem a incumbência de concretizar essa citação. Na verdade, o despacho que admitiu a requerida intervenção provocada de RB, por ser filha do falecido AF não foi objecto de qualquer recurso, razão pela qual se tem estado a diligenciar pela citação da referida interveniente, tendo-se em conta o disposto no art.º 635º, nº 5 do C.P.C. Com efeito, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.02.2017 apenas teve por objecto o despacho de 27-05-2016, revogando-o, pelo que deixou de ser considerar justificado que os AA não apresentem a habilitação de herdeiros por morte do falecido AF. Ora, na sequência daquele acórdão, deixou de se considerar justificada a não apresentação de habilitação notarial dos herdeiros de AF pelo que, tendo os autores optado por continuar a não apresentar a referida habilitação de herdeiros, sendo a legitimidade dos autores questão controvertida sujeita a prova, tendo os mesmos o ónus da prova nessa matéria, o tribunal terá de apreciar, em sede de decisão final, o valor dessa recusa para efeitos probatórios, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 417º, nº 2 do C.P.C. Em face do exposto, conclui-se que não estão verificados os pressupostos da deserção da instância, nos termos do art.º 281º, nº 1 do C.P.C., pelo que se indefere o requerido”.

CONCLUSÃO.
- A instância só se considera deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, nos termos do nº 1 do artigo 281º do CPC.
- Os autos não têm estando parados por negligência dos autores, nos últimos seis meses, uma vez que estes têm diligenciado pela citação da interveniente RB, sendo a secretaria quem tem a incumbência de concretizar essa citação.

IIIDECISÃO.

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.



Lisboa, 22-03-2018


Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais 
Isoleta de Almeida Costa



[1]Ac RP de 02-02-2015, procº nº 4178/12.2TBGDM.P1, in www.dgsi.pt/jtrp
[2]Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, vol I, pág. 273.