Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4566/2008-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: TRABALHO SUPLEMENTAR
REGISTO
REGISTO INFORMÁTICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Sumário: I- Da circunstância de o artº 204º do Código do Trabalho determinar que o registo das horas do início e do termo do trabalho suplementar seja anotado antes do início e logo após o termo da respectiva prestação e que esse registo seja visado pelo trabalhador imediatamente a seguir à prestação não se pode inferir que o registo tenha de estar fisicamente no local onde é prestado o trabalho suplementar, tanto mais quanto o registo pode ser efectuado por via informática.
II- Sendo a arguida uma empresa de prestação de serviços de segurança privada, desenvolvendo-se a actividade dos trabalhadores com funções de vigilante no exterior, em instalações de um cliente, o registo do trabalho suplementar por eles prestado não tem que estar fisicamente nas instalações do cliente, o que não obsta que se exija que esse registo reuna as condições para permitir a imediata consulta e impressão sempre que necessário, de forma a satisfazer a sua finalidade – permitir a fiscalização do cumprimento da lei quanto ao trabalho suplementar, quer pelo próprio trabalhador quer pela IGT ora ACT.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

            A….– Companhia de Segurança, Ldª, arguida no processo de contra-ordenação nº 010700163 de 2007 da delegação de Almada da IGT, impugnou judicialmente a decisão daquela entidade que lhe aplicou a coima única no valor de € 2.304,00 (dois mil trezentos e quatro euros) pela prática de duas contra-ordenações graves previstas e punidas nos termos das disposições conjugadas dos artigos 663.º nº 2 com referência ao 204º nºs 1, 2 e 3 e 620.º, n.º 3, al. e), todos do Código do Trabalho, tendo o Mmº Juiz do Tribunal do Trabalho de Almada, após audiência de discussão e julgamento, proferido a sentença de fls. 83/90 que julgou o recurso improcedente e condenou a recorrente na coima de 20 ucs, ou seja, 1780 €.

            De novo inconformada, recorreu a arguida para esta Relação, terminando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
(…)

Termos nos quais deve a decisão em recurso ser revogada, por improcedente e não provada, e a ora impugnante absolvida da mesma em conformidade.

            O M.P. no tribunal recorrido respondeu, concluindo pela improcedência, no que foi acompanhado pelo digno PGA neste tribunal.

           

            O objecto do recurso consiste em reapreciar se a recorrente incorreu na infracção que lhe é imputada, e, no caso afirmativo, se a sanção aplicada é adequada à gravidade da ilicitude e da culpa.

 

Na sentença recorrida foram dados por assentes os seguintes factos:

1. A arguida prossegue a actividade de segurança privada, com sede na Av…., em Lisboa e tem local de trabalho, além de outros, nas instalações do Parque T…, em Almada.

2. No dia 3 de Janeiro de 2007, pelas 11.30h e pelas 12.20h, foram efectuadas visitas inspectivas ao local de trabalho supra referido.

3. No decurso daquelas visitas, a arguida mantinha ao seu serviço, sob suas ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição, os trabalhadores:

- C…, admitido no dia 7 de Setembro de 1990, com a categoria de vigilante, a auferir a retribuição mensal de € 595,13, subsídio de alimentação e trabalho nocturno, o qual na altura da visita inspectiva se encontrava na portaria das instalações do Parque …T, a efectuar as suas funções de vigilância, a praticar naquele dia o horário de trabalho com entrada às 00h e saída às 8h;

- E…, com a categoria de vigilante, a auferir a retribuição mensal de € 595,13, subsídio de alimentação e trabalho nocturno, o qual na altura da visita inspectiva se encontrava na portaria das instalações atrás referidas, a efectuar as suas funções de vigilância, embora o trabalhador preste normalmente serviço nas instalações da L….

4. No dia da visita inspectiva, o horário de trabalho do trabalhador C… havia terminado às 8h.

5. Contudo, devido à falta do trabalhador que deveria iniciar o turno às 8 horas, aquele trabalhador recebeu instruções da arguida para prestar trabalho suplementar.

6. Pelo que, no momento da visita inspectiva, encontrava-se a prestar trabalho suplementar desde as 8h, que decorreu até às 12h.

7. O seu horário de trabalho é das 00h às 8h ou das 16h às 24h, e ao fim de semana das 12h às 24h ou das 00h às 12h.

8. O horário de trabalho do trabalhador E… havia terminado às 16h do dia 2 de Janeiro de 2007 e no dia da visita inspectiva teria o seu dia de descanso semanal.

9. Porém, através de comunicação telefónica por parte da arguida, foi-lhe solicitado que fosse prestar trabalho suplementar naquela portaria do Parque T….

10. Aquando da visita inspectiva, o trabalhador em causa encontrava-se a prestar trabalho suplementar a partir das 12h, hora em que o trabalhador anteriormente identificado terminou a prestação de trabalho suplementar.

11. O horário do posto de trabalho alvo da visita inspectiva tem a duração de 24 horas diárias, com início às 00h e saída às 24h.

12. Existem 4 vigilantes.

13. Os trabalhadores efectuam horário de trabalho com entrada às 00h e saída às 8h e entrada às 16h e saída às 24h, e uma trabalhadora efectua horário de trabalho com entrada às 8h e saída às 16h.

14. Através da análise da escala de turnos e dos registos de horário de trabalho diários de cada trabalhador, verifica-se que é efectuada prestação de trabalho suplementar durante o fim-de-semana.

15. No acto da visita inspectiva foi solicitado aos trabalhadores o registo de trabalho suplementar, em livro próprio ou outro suporte documental, mas os mesmos declararam não o possuir e nunca terem visto o mesmo.

16. A arguida não possuía no local de trabalho um registo de trabalho suplementar, no qual, antes do início da sua prestação e logo após o seu termo, estivessem anotadas as horas de início e de termo do trabalho suplementar, com a indicação expressa do fundamento da prestação do mesmo, e visado pelo trabalhador imediatamente a seguir à sua prestação.

17. A arguida possui o registo do trabalho suplementar efectuado pelos seus trabalhadores na sede da empresa, em Lisboa.

18. De há cerca de 15 anos a esta parte, a arguida procede ao registo do trabalho suplementar através de sistema informático, não dispondo desse registo nos seus locais de trabalho.

19. Os trabalhadores, aquando da entrada e saída do serviço, contactam, via telefone, rádio ou telemóvel, para a Central de Controlo, departamento que presta apoio aos vigilantes que a arguida tem ao seu serviço, a qual está encarregue de registar as horas de entrada e de saída dos trabalhadores, incluindo os períodos em que aqueles efectuam trabalho suplementar.

20. A arguida indicou um volume de negócios superior a € 10.000.000,00.

21. A arguida possui cerca de 7.000 vigilantes, espalhadas por todo o país em centenas de locais de trabalho.

            Apreciação     
            A recorrente foi condenada pela prática, na forma negligente, de duas infracções ao disposto pelo art. 204º do CT previstas no art. 663º nº 2 do mesmo diploma como contra-ordenações graves, por não ter, no local da prestação de trabalho, o registo do trabalho suplementar dos trabalhadores ali em exercício.
Considerou o Mmº Juiz resultar do art. 204º, no seu conjunto, que, para o registo do trabalho suplementar poder ser visado pelo trabalhador imediatamente a seguir à sua prestação, por um lado e, para que o controlo da realização do trabalho suplementar, bem como da respectiva retribuição, tanto pelo próprio trabalhador, como pela Inspecção Geral do Trabalho (ao fim e ao cabo a razão de ser de tal imposição) possa ser efectiva, o registo do trabalho suplementar deve existir, em suporte documental, no local da prestação de trabalho, apesar de ser admitido o registo em suporte informático.
A recorrente insurge-se contra este entendimento, que considera ir para além da previsão legal, sendo que, em matéria contra-ordenacional, a que se aplica supletivamente o regime penal, por força do princípio da legalidade, tal não é admissível.
Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que lhe assiste razão.
O direito das contra-ordenações está sujeito ao princípio da legalidade (art. 2º do RGCO[1], aplicável às contra-ordenações laborais por força do disposto no art. 615º do CT), não podendo ser punido como contra-ordenação e passível de coima facto não previsto por lei.
O art. 653º do CT tipifica como contra-ordenação grave a violação dos nºs 1, 2, 3, 4 e 6 do art. 204º.
            Dispõe o artigo 204.º:
1. O empregador deve possuir um registo de trabalho suplementar onde, antes do início da prestação e logo após o seu termo, são anotadas as horas de início e termo do trabalho suplementar.
2. O registo das horas de trabalho suplementar deve ser visado pelo trabalhador imediatamente a seguir à sua prestação.
3. Do registo previsto no número anterior deve constar sempre a indicação expressa do fundamento da prestação de trabalho suplementar, além de outros elementos fixados em legislação especial.
4. No mesmo registo devem ser anotados os períodos de descanso compensatório gozados pelo trabalhador.
5. O empregador deve possuir e manter durante cinco anos a relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar, com discriminação do número de horas prestadas ao abrigo dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 199.º e indicação do dia em que gozaram o respectivo descanso compensatório, para fiscalização da Inspecção-Geral do Trabalho.
6. Nos meses de Janeiro e Julho de cada ano o empregador deve enviar à Inspecção-Geral do Trabalho relação nominal dos trabalhadores que prestaram trabalho suplementar durante o semestre anterior, com discriminação do número de horas prestadas ao abrigo dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 199º, visada pela comissão de trabalhadores ou, na sua falta, em caso de trabalhador filiado, pelo respectivo sindicato.
7. A violação do disposto nos n.ºs 1 a 4 confere ao trabalhador, por cada dia em que tenha desempenhado a sua actividade fora do horário de trabalho, o direito à retribuição correspondente ao valor de duas horas de trabalho suplementar.
Ora verifica-se desde logo que a lei – ao contrário do critério adoptado no que concerne à afixação do mapa de horário de trabalho, em que estabelece que tal afixação tenha lugar em todos os locais de trabalho, cfr. art. 179º nº 1 -  não especifica o lugar onde fisicamente deve estar o registo de trabalho suplementar. A circunstância de determinar que o registo das horas do início e do termo do trabalho suplementar seja anotado antes do início e logo após o termo da respectiva prestação e que esse registo seja visado pelo trabalhador imediatamente a seguir à prestação, parece pressupor que o registo esteja no local onde o trabalho é prestado (será essa, aliás, a situação mais comum e frequente, em que o local de trabalho corresponde a  instalações do empregador). Mas isso não significa, de modo algum, que a lei imponha que o registo tenha de estar fisicamente no local onde é prestado o trabalho suplementar, tanto mais quanto, como se sabe, o registo pode ser efectuado por via informática[2], conforme prevê o RCT aprovado pela L. nº 35/2004 de 29/7.
Com efeito, a questão do registo do trabalho suplementar encontra-se regulamentado no capítulo XVII do RCT, nos seguintes termos:
art. 188º
1- Sem prejuízo do nº 2 do art. 204º do CT, o visto do registo de horas de início e de termo do trabalho suplementar é dispensado quando o registo for directamente efectuado pelo trabalhador.
2- O registo de trabalho suplementar deve conter os elementos e ser efectuado de acordo com o modelo aprovado por portaria do ministro responsável pela área laboral[3].
3- O registo referido no nº anterior é efectuado em suporte documental adequado, nomeadamente em impresso adaptado a sistemas de relógio de ponto, mecanográficos ou informáticos, devendo reunir as condições para a sua imediata consulta e impressão, sempre que necessário.
4- Os suportes documentais de registo de trabalho suplementar devem encontrar-se permanentemente actualizados, sem emendas nem rasuras não ressalvadas.
Art. 189º
1- O trabalhador que realize o trabalho suplementar no exterior da empresa deve visar imediatamente o registo de trabalho suplementar após o seu regresso, ou mediante devolução do registo devidamente visado.
2- A empresa deve possuir, devidamente visado, o registo de trabalho suplementar no prazo máximo de 15 dias a contar da prestação.
O disposto neste art. 189º do RCT mostra claramente, funcionando como norma interpretativa do art. 204º do CT, que este não impõe que, quando o trabalho é prestado no exterior da empresa, o registo do trabalho suplementar tenha que estar fisicamente no local da prestação do trabalho. Aliás se fosse essa a intenção do legislador não deixaria de a exprimir com clareza, como fez no referido art. 179º nº 1.
A ora recorrente é uma empresa de prestação de serviços de segurança privada. A   actividade dos trabalhadores com funções de vigilante referidos no ponto 4 era desenvolvida no exterior, em instalações de um cliente, na portaria das instalações do Parque T…. O registo do trabalho suplementar por eles prestado, sendo efectuado por via informática nos termos descritos em 20, cumpria o disposto no art. 204º nº 1, não tendo que estar fisicamente nas instalações do cliente. Deveria, é certo, o registo reunir as condições para permitir a imediata consulta e impressão sempre que necessário, de forma a satisfazer a sua finalidade – permitir a fiscalização do cumprimento da lei quanto ao trabalho suplementar, quer pelo próprio trabalhador quer pela IGT ora ACT. Por se tratar de trabalho prestado no exterior, a imediação do visto do trabalhador ter-se-á por satisfeita desde que obedeça  ao disposto no art. 189º do regulamento. Não dispomos de elementos para ajuizar se nesta parte a lei foi observada, mas no que respeita à localização do registo do trabalho suplementar entendemos que não foi violada a lei por esse registo estar na sede da empresa, em Lisboa.
Em suma, não exigindo a lei que o registo esteja fisicamente no local da prestação do trabalho, não podemos acompanhar a sentença recorrida quando considerou a arguida incursa no ilícito que lhe foi imputado, pelo que a decisão terá de ser revogada.
Procede pois o recurso.

Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar o recurso procedente revogando a sentença recorrida e absolvendo a recorrente da contra-ordenação que lhe foi imputada.
Sem custas.
            Lisboa, 2 de Julho de 2008

Maria João Romba

Paula Sá Fernandes

__________________________________________________

[1] Aprovado pelo DL 433/82 de 27/10, com as alterações subsequentes, designadamente as decorrentes do DL 244/95 de 14/9 e L. 109/2001 de 24/12
[2] O que já sucede desde as alterações introduzidas ao DL 421/83, de 2/12 pelo DL 398/91, de 16/10, dispensando, nesse caso, o visto do trabalhador.
[3] Portaria nº 712/2006 de 13/7 do MTSS