Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
68/17.0P5LSB.L1-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: INJÚRIAS CONTRA AGENTE DA AUTORIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Ao dirigir-se aos agentes da P.S.P., as palavras “Vocês são sempre a mesma merda! Andam a comer na mão do Musta! Andam sempre à caça dos mesmos! Vocês tenham vergonha nessa cara!”., torna-se por demais evidente que as expressões em causa são manifestamente ofensivas da honra e consideração, pessoal e profissional, dos respectivos agentes da P.S.P., que estavam, devidamente uniformizados, a zelar pela manutenção da ordem e respeito públicos, num momento em que as condições existentes no local mais faziam prever que os referidos interesses pudessem ser postas em causa.

II - A“baixeza” de princípios e a indiferença pelos valores jurídicos tutelados estão fortemente evidenciados no uso das expressões em causa, também por via destas foram a honra e a consideração dos agentes policiais grave e efectivamente lesadas e, consequentemente, a autoridade do Estado.

III - Esta é uma conduta perante a qual a sociedade não fica indiferente, reclamando a tutela que a confiança nos agentes da autoridade sempre haverá de merecer.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência (art.º 419.º, n.º 3, al. c), do C.P.P.), os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1 – No Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Juiz 2, Processo Sumário n.º 68/17.0P5LSB, onde é arguido r..., foi este julgado e condenado, como autor de dois crimes de “injúria agravada”, ps. ps. nos termos dos artºs. 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal e por cada um deles, na pena de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias prisão, havendo-o sido, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, sujeita a regime de prova, sob fiscalização e supervisão da DGRSP.

Porém, com esta decisão não se conformou o arguido, pelo que da mesma interpôs o presente recurso, o qual fundamentou na falta de legitimidade do Ministério Público para promover a acção penal relativamente ao agente da PSP P..., pois que dos autos não consta qualquer manifestação de vontade deste no sentido do respectivo procedimento criminal e, bem assim, no incorrecto julgamento da matéria de facto.

Da motivação do recurso extraiu as seguintes conclusões:
“(...)

1 - Mal andou a sentença recorrida ao condenar o ora recorrente pela prática de dois crimes de injúrias agravadas, p. e p. pelo arts. 181.° e 184.°, por referência à alínea l) do n.° 2 do art. 132.°, todos do Código Penal.

2 - É que apenas o ofendido A..., agente da PSP, apresentou queixa contra o recorrente e, como tal, soçobra o pressuposto da legitimidade da acção penal por parte da acusação pública que a Exma. Sra. Juíza junto da primeira instância não devia ter ignorado.

3 - Como inequivocamente consta do auto de notícia de fls. 1 e seguintes, foi autuante o ofendido A... e este agente é que, de igual forma, executou a intercepção policial do arguido ora recorrente. É este quem assina o auto.

4 - Por sua vez, foi testemunha da ocorrência e da intercepção, o agente P…. E nada mais consta a este respeito.

5 - Desde logo, inexiste qualquer manifestação de vontade no processo deste alegado ofendido desejar procedimento criminal contra o arguido, ora recorrente.

6 - Com efeito, ao invés do ofendido A..., o qual em sede de “informações complementares” no aludido auto de notícia declarou que “Desejo procedimento criminal contra o Sr. R..., das injúrias de que fui alvo no pleno exercício da minha função de órgão de Polícia Criminal”.

7 - Significa isto que, pura e simplesmente, o ofendido P... não apresentou queixa e, como tal, o arguido não podia ter sido condenado pela prática de tal crime.

8 - dispõe o art.º 188.º do Código Penal que “o procedimento criminal pelos crimes previstos no presente capítulo depende da acusação particular, ressalvados os casos (...) a) do artigo 184; (...) em que é suficiente a queixa ou a participação”.

9 - Estamos, pois, perante uma situação de um crime com natureza semi-pública.

10 - Ora, o Ministério Púbico apenas tinha legitimidade para prosseguir com a acção penal após a apresentação de queixa do ofendido, nos termos do art.º 113.°, n.° 1 do Código Penal.

11 - Assim, a sentença recorrida violou o disposto nos artºs. 188.° e 113.°, n.° 1, ambos do Código Penal, pois condenou o arguido, ora recorrente, pela prática de um crime de natureza semi-pública cuja possibilidade de acção penal dependia do prévio exercício do direito de queixa.

12 - Repita-se: não existe qualquer manifestação expressa da vontade do ofendido P... em pretender procedimento criminal contra o arguido, ora recorrente.

13 - “O Código Penal e, o Código de Processo Penal, não contêm normas sobre a formalidade da queixa, o que legitima o entendimento de que a manifestação inequívoca do ofendido de que se exerça o procedimento criminal por um certo facto deve ser considerada queixa, independentemente da expressão formal dessa manifestação Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, página 675, § 1086)”, pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/12/2007, vide in www.dgsi.pt ).

14 - É que, como bem se observa no douto aresto supra ora citado, “Não constando do auto de notícia por detenção, nem posteriormente, o registo de qualquer queixa pelo crime de injúria agravada, por qualquer dos agentes de autoridade ofendidos, não pode presumir-se que descrição dos factos integrantes desse ilícito criminal, no auto de notícia por detenção da arguida, equivale a queixa por tal crime, e, por conseguinte, não assumindo tal crime natureza pública, não tem o Ministério Público legitimidade para acusar, por tal crime”. (cfr. acórdão citado)

15 - Também neste sentido, entre tantos outros, decidiu mais recentemente o Tribunal da Relação de Coimbra:

“1.- O auto de notícia lavrado, por imposição legal e no exercício das funções pelos agentes de autoridade relatando facto injurioso de que foram alvo, só por si não revela uma manifestação inequívoca de que desejam procedimento criminal.

2.- Inexistindo qualquer declaração dos ofendidos onde refiram que consideram essas palavras ofensivas à sua honra e consideração, ou declaração de que desejam procedimento criminal, por tais factos, contra a arguida, ou que desejam que lhes seja atribuída uma indemnização pelos danos morais de que foram vítimas, não tem o M.º P.º legitimidade para promover o processo”. (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 18/01/20125 no âmbito do Proc. n.º 45/10.2 GDCVL.C1 in www.dgsi.pt ) (negritos da peça).

16 - Impõe-se, pois, sem mais, a absolvição do arguido pela prática de um crime de injúrias agravadas contra o agente P....

17 - O recorrente impugna expressamente e para todos os devidos e legais efeitos os pontos 4 (parcialmente) e 5 da matéria de facto dada como provada:

4 - (...), os quais (ofendidos) se sentiram atingidos na sua honra e brio profissional pelas suas palavras, revelador da especial censurabilidade do arguido.

5 - Ao dirigir-se aos agentes da P.S.P. A... e P..., que se encontrava no exercício das suas funções e devidamente uniformizados, com as palavras acima referidas, o arguido sabia que as mesmas eram atentatórias da sua honra, dignidade pessoal e brio profissional e ainda assim não se coibiu de as proclamar”.

18 - Com efeito, no crime de injúrias agravada que nos ocupa, as expressões proferidas pelo arguido agente A... não têm a virtualidade de ofender a honra ou consideração pessoal ou profissional do visado.

19 - Ainda mais, tratando-se um agente policial “Spoter” habituado a acompanhar grupos de adeptos onde o vocabulário utilizado não será, de todo, palaciano...

20 - A jurisprudência nacional já se tem pronunciado a respeito e estabelece a diferença entre o que seja a fronteira da violação da ordem do trato social (uma falta de educação, uma deselegância) ou a violação das regras de respeito e educação que careçam de tutela penal.

21 - Nas relações entre as pessoas deve existir um dever comportamental de educação e respeito. Todavia, nem tudo o que viola as regras de bom comportamento e de boa educação, constitui crime tutelado pelo artigo 181.° do Código Penal pois que as condutas típicas aqui incriminadas configuram sempre a concretização de uma expressão paradigmática de danosidade social intolerável que, assim sendo, obriga à intervenção da tutela penal.

22 - Por isso mesmo, são inúmeras as decisões dos tribunais superiores que, por exemplo, entendem que a expressão “és um palhaço” ainda que proferida para manifestar desconsideração, não é ofensiva da honra ou consideração do visado.

23 - Num acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2009, considerou-se que as “as expressões “palhaço” e “camelo” dirigidas a um agente da PSP, constituem uma grosseria mas não excedem o âmbito da falta de educação nem têm aptidão para ofender a honra e consideração do visado” (cfr. www.dgsi.pt ) (negrito da peça).

Dissequemos, pois, no caso concreto as expressões utilizadas pelo arguido, ora recorrente, e proferidas contra o agente A...:

- “Vocês são sempre a mesma merda”

- “Andam a comer na mão do Musta!”

- “Andam sempre à caça dos mesmos”

- “Vocês tenham vergonha nessa cara!”

24 - Têm estas expressões a aptidão para ofender a honra e consideração pessoal e profissional do Sr. Agente da PSP? A interrogação é propositadamente retórica pois a resposta negativa é intuitiva. É claro que não!

25 - Situam-se ainda no âmbito das descortesias, de expressões que visavam -como foi comummente reconhecido por todos - exprimir desagrado e desconsideração pela actuação policial em curso (ainda mais num dia de festa, de celebração do “Tetracampeonato”, em futebol, pelo Sport Lisboa e Benfica).

26 - Isso mesmo foi inclusivamente reconhecido pelo ofendido que admitiu que, no fundo, o arguido já o estava a chatear pois por três vezes o mandou calar e ir embora.

27 - É o próprio queixoso a salientar que foi a repetição das palavras proferidas que o levou a agir no sentido da detenção. E tal não pode deixar de significar que não foram as palavras, em concreto, mas sim a sua repetição no contexto de actuação policial que ditaram uma intervenção.

28 - Não está em causa o conteúdo de falta de educação ou grosserias das expressões proferidas pelo arguido, ora recorrente, mas estas, sem dúvida, não têm a virtualidade de ofender a honra e consideração do ofendido.

29 - Aliás, o valor semântico das palavras proferidas não é indissociável do efeito que produzem, razão pela qual se entende, de facto, que o arguido não praticou o crime de que vinha acusado, impondo-se a sua absolvição. (…)”.

*

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

*

Notificado da interposição do recurso, apresentou o Ministério Público a respectiva “resposta”, tendo, a final, formulado as seguintes conclusões:

“(…)

1. O arguido foi, nestes autos, condenado na pena única de 7 meses de prisão suspensa na sua execução sujeita a regime de prova pela prática de dois crimes de injúria agravada p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do CP.

2. Veio o mesmo recorrer da sentença proferida nos presentes autos, por considerar que existiu falta de legitimidade do Ministério Público para prosseguir o procedimento criminal contra o arguido por dois crimes de injúria por apenas um ofendido ter apresentado queixa e bem ainda por considerar que as expressões dirigidas aos agentes visados não têm a virtualidade de ofender a honra e consideração pessoal e profissional dos mesmos sobretudo por se tratarem de agentes habituados a acompanhar os adeptos dos diversos clubes futebolísticos.

3. O exercício do direito de queixa, elaborado e assinado pelo agente P... pelos factos constantes no auto de notícia, encontra-se nos autos a fls. 26.

4. Assim, não padece o procedimento criminal contra o arguido de qualquer vício.

5. O recorrente impugna os factos dados como provados nos pontos 4 e 5 da sentença mas o que está em causa não é um erro na apreciação da prova mas mera discordância do recorrente com a matéria considerada provada e com a apreciação da mesma feita pelo tribunal.

6. Consubstancia o erro notório da apreciação da prova uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, um erro perante o qual se conclui que o tribunal violou as regras da experiência, se baseou em juízos ilógicos, contraditórios, arbitrários ou que desrespeitou regras sobre o valor da prova vinculada.

7. As expressões concretas proferidas atingem pelo seu teor, modo e local em que foram proferidas a honra e consideração dos ofendidos.

8. Neste sentido vejam-se os acórdãos do TRC, proferidos nos autos 471/09.0PBTMR.C1 a 18-09-2013 e nos autos 594/11.5T3AVR.P1.C1.

9. Efectivamente não só os agentes foram, pelo arguido, apodados de “merdas” como lhes foi pelo arguido imputado que estariam a “comer na mão do Musta” insinuando que os mesmos estavam a actuar a mando do líder de um grupo organizado de adeptos de clube rival ao que o arguido segue e apoia, ou seja, seriam corruptos e não estando a actuar no interesse da missão que lhes foi confiada e que deviam desempenhar no âmbito da sua profissão mas usando a sua actuação para prosseguirem interesses particulares.

10. O contexto no qual são proferidas as expressões em consideração tem que ser tomado em consideração, para se poder aferir da capacidade ofensiva das expressões.

11. Efectivamente, estavam a decorrer os festejos relativos à obtenção de um título por um clube futebolístico da cidade todavia, os intervenientes não estavam todos a festejar os ofendidos estavam a desenvolver a sua actividade profissional garantindo a segurança de todos os presentes.

12. Não é pelo facto de muitas vezes os adeptos dos clubes de futebol utilizarem mais expressões em vernáculo que se deverá considerar socialmente aceite, na sua interacção com terceiros ou com a polícia, as expressões e linguagem utilizada pelos mesmos.

13. O facto de o arguido ter repetido por diversas vezes a sua conduta deve ser antes considerado como contribuindo para aumentar a culpa do arguido mostrando o particular o empenho e força volitiva com o qual praticou os factos.

14. Assim, atendendo a tudo o acima exposto, forçoso será considerar que bem andou a Mm.ª Juíza quando, na decisão recorrida, condenou o arguido em dois crimes de injúria agravada, pelo que deve a decisão proferida nestes autos ser mantida nos seus precisos termos.

Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, negando provimento ao recurso e, em consequência, mantendo, na íntegra, a douta decisão recorrida (…)”.

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Neste Tribunal a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, o qual, por isso, deve ser admitido, havendo-lhe, também, sido correctamente fixados o efeito e o regime de subida.

*

2 - Cumpre apreciar e decidir:

É o objecto do recurso em causa a falta de legitimidade do Ministério Público para promover a acção penal relativamente ao agente da PSP P... e o incorrecto julgamento da matéria de facto.

 

Realizado o julgamento e na parte em que a mesma releva para o conhecimento do objecto do recurso, foi a seguinte, no essencial, em termos de matéria de facto, a decisão recorrida:

“(…)

No dia 14.05.2017, entre as 2h20min e as 02h25min, na Avenida General Norton de Matos, em Carnide, junto ao Recinto Desportivo do Estádio da Luz, nesta cidade e comarca de Lisboa, os agentes da P.S.P. A... e P..., os quais se encontravam no exercício das suas funções e devidamente uniformizados, abordaram o arguido.

Nessa altura, e sem que nada o fizesse prever, o arguido dirigiu-se aos agentes da P.S.P. A... e P... e disse “Vocês são sempre a mesma merda! Andam a comer na mão do Musta! Andam sempre à caça dos mesmos! Vocês tenham vergonha nessa cara!”.

A alusão, feita pelo arguido, ao “Musta” refere-se ao líder do grupo organizado de adeptos “Juventude Leonina”, o qual é figura sendo sobejamente conhecida no mundo desportivo.

O arguido agiu motivado por razões atinentes ao exercício da actividade profissional dos agentes de autoridade, conhecia a qualidade profissional dos agentes da P.S.P. A... e P... e sabia que os mesmos se encontravam no exercício das suas funções, os quais se sentiram atingidos na sua honra e brio profissional pelas suas palavras, revelador da especial censurabilidade do arguido.

Ao dirigir-se aos agentes da P.S.P. A... e P..., que se encontrava no exercício das suas funções e devidamente uniformizados, com as palavras acima referidas, o arguido sabia que as mesmas eram atentatórias da sua honra, dignidade pessoal e brio profissional, e ainda assim não se coibiu de as proclamar.

O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, e, ainda assim, não se coibiu de as adoptar. (…)”.

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Começa o recorrente por fundamentar o recurso na falta de legitimidade do Ministério Público para promover a acção penal relativamente ao agente da P.S.P. P..., pois que o mesmo, contrariamente ao que se verificara com o autuante A..., não manifestou nos autos o desejo de procedimento criminal.
Ora, a arguição em causa alicerça-se num lapso manifesto do recorrente, que não atentou, na análise feita dos autos, que de fls. 26 destes consta a vontade expressa e inequívoca do referido agente Paulo Jorge Ribeiro Lopes de ver instaurado procedimento criminal contra o arguido/recorrente R....
Assim, ante a referida manifestação de vontade e o disposto, designadamente, nos artºs. 184.º e 188.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal, 48.º e 49.º, n.º 1, do C.P.Penal, tem o Ministério Público legitimidade para promover o processo, também, em relação ao ofendido P....
E, porque assim é, sempre a condenação do arguido/recorrente haverá de ter-se como definitiva relativamente ao agente em causa, nos precisos termos em que foi proferida, pois que o mesmo arguido, na impugnação feita da matéria de facto, visou sempre e só o agente A....        

Insurge-se o recorrente, depois, contra o julgamento feito da matéria de facto, designadamente o constante dos pontos 4 e 5 daquela que foi dada como provada.
Ora, desde logo, querendo o mesmo recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, impunha-se-lhe especificar “os concretos pontos que considerava incorrectamente julgados” e “as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida”, com referência ao respectivo suporte magnético, indicando-se, com precisão, as passagens em que se funda a mesma impugnação, como é imposto no art.º 412.º, nºs. 3 e 4 do C. P. Penal – diploma onde se integram as disposições legais a seguir citadas sem menção de origem.

Porém, isso não fez o recorrente, que se limitou a contrariar, sem mais, a convicção firmada pelo tribunal “a quo” relativamente às provas produzidas.
Deste modo, ante o incumprimento em causa, sempre a respectiva factualidade haverá, desde logo, de ser tida como definitivamente fixada e, à luz da mesma, ajustada a condenação do arguido/recorrente.
Todavia, ainda assim, dir-se-á que a argumentação por este aduzida nada mais é do que a tentativa de ver reconhecida pelo tribunal de recurso a valoração/coloração por si feita dos factos, contrariando aquela que foi a convicção formada pelo tribunal “a quo”, o qual terá, na sua perspectiva, incorrido numa “espécie” de erro notório na apreciação da prova.
Ora, começa-se por dizer que o referido tribunal valorou as provas à luz do Princípio consagrado no art.º 127.º, segundo o qual, as provas são apreciadas livremente pelo tribunal, sem nenhuma escala de hierarquização e de acordo com a convicção que geram no espírito do julgador, o qual, todavia, na formação da mesma convicção, como se vem dizendo repetidamente, deve obediência àquilo que são os dados colhidos da experiência comum, dos princípios da lógica e dos juízos correntes de probabilidade, sem que, com isto, deixe de se fazer salientar, como, também, o referiu Maia Gonçalves em anotação ao preceito em causa, que apreciação livre da prova não pode ser confundida com apreciação arbitrária nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova.

Para Teresa Pizarro Beleza, in Revista do Ministério Público, n.º 74 – 1998, pág. 40, “o P.º da Livre Apreciação da Prova significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré estabelecido, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na liberdade para a objectividade”.

Por outro lado, sendo certo que com o registo feito das provas produzidas em audiência se visa a reapreciação das mesmas, verdade também é que para as instâncias de recurso nunca isso constituirá um novo e verdadeiro julgamento da matéria de facto, pois que às referidas instâncias apenas está reservada a possibilidade de sanarem vícios pontuais, evidentes e relevantes que possam inquinar a decisão proferida pelo tribunal recorrido, vícios esses que, por isso mesmo, deverão ser assinalados de forma precisa e sustentados em inequívocos meios de prova oferecidos aquando da respectiva arguição.

Depois, como temos vindo a repetir e é de comum reconhecimento e aceitação, ante o exclusivo do “P.º da imediação” que o adorna, o verdadeiro julgamento da matéria de facto, como regra, é aquele que é feito na primeira instância, conferindo-se-lhe, assim, a credibilidade necessária ao reconhecimento do seu maior acerto e verdade. Foi assim, aliás, que o entendeu, também, Cunha Rodrigues, in “Jornadas de Direito Processual Penal do CEJ”, quando disse que “(…) o  julgamento em que é legítimo apostar como instrumento preferencial de uma correcta administração da justiça é o da primeira instância (…)”.

Ora, esse verdadeiro julgamento também se entende ter sido feito no caso dos autos pelo tribunal “a quo”, o qual fundamentou de forma ajustada e suficiente a decisão proferida.

Insinua o recorrente, porém, ter o mesmo tribunal incorrido em “erro notório na apreciação da prova”, na medida em que “as expressões por si proferidas não têm a virtualidade de ofender a honra e a consideração pessoal ou profissional do visado”.

Todavia, ainda que assim fosse, nunca se estaria aqui perante o referido vício.

Efectivamente, o “erro notório na apreciação da prova”, previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. c), no dizer, v.g., de Simas Santos e Leal Henriques, em anotação ao preceito em causa, in Código de Processo Penal (anotado), só se verifica “quando existe falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável; (...) quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.

Erro notório, no fundo, é a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).

Deste modo, não poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efectuar à forma como o tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no art.º 127.º (…)”. 
Assim sendo, “o erro tem de ser de tal modo crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela algum facto essencial (…)”.
Trata-se aqui, como se tem dito, de um erro grosseiro ou ostensivo, perceptível, até, já que se está no campo da matéria de facto, pelo próprio cidadão comum, medianamente formado ou esclarecido.

Ora, não é este, manifestamente, o caso dos autos.

A questão que se coloca prende-se, tão só, com a qualificação jurídica que dos factos dados como provados e assumidos pelo arguido foi feita pelo tribunal “a quo”. Porém, também nesta parte não merece qualquer censura a decisão recorrida.

Efectivamente, ante o circunstancialismo fáctico dado como comprovado, torna-se-nos por demais evidente que as expressões em causa são manifestamente ofensivas da honra e consideração, pessoal e profissional, dos respectivos agentes da P.S.P., que estavam, devidamente uniformizados, a zelar pela manutenção da ordem e respeito públicos, num momento em que as condições existentes no local mais faziam prever que os referidos interesses pudessem ser postas em causa.

Pese embora isso, de forma de todo despropositada, imprevista e “desnecessária”, o arguido, que, saliente-se, já regista várias condenações anteriores, sendo uma delas, também, por crime de injúria agravada, invectiva contra os agentes policiais, apoucando-os e ridicularizando-os até ao mais baixo nível (“merda”), apelidando-os de corruptos, por estarem ao serviço do “Musta”, acusando-os de parcialidade e de falta de pudor ou vergonha.

Conformar-se algum agente policial com este tipo de juízos ou censura ultrajante, independentemente de o ser, ou não, perante várias dezenas de pessoas, é, desde logo, não só abdicar do respeito exigível a si próprio, tutelado pelo art.º 26.º da C.R.P., como, principalmente, do devido ao exercício das suas funções, enquanto agente da autoridade que o Estado em si delegou. Não mais teria legitimidade moral para, de cabeça erguida e sem tibiezas, poder exercer as suas funções!

Assim, se a “baixeza” de princípios e a indiferença pelos valores jurídicos tutelados estão fortemente evidenciados no uso das expressões em causa, também por via destas foram a honra e a consideração dos agentes policiais grave e efectivamente lesadas e, consequentemente, a autoridade do Estado. Esta é uma conduta perante a qual a sociedade não fica indiferente, reclamando a tutela que a confiança nos agentes da autoridade sempre haverá de merecer. 

Depois, se o recorrente foi advertido várias vezes para o desajustado do seu comportamento e, pese embora isso, nele reincidiu, como bem diz o Ministério Público na sua “resposta” ao recurso, é esse motivo revelador do elevado grau de culpa com que actuou, impondo-se, assim, a conclusão de que a pena imposta peca por defeito, até pelos seus antecedentes criminais.
Nesta medida, ante tudo o que se expôs, haverá de negar-se provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a decisão proferida pelo tribunal “a quo”.


3 - Nestes termos e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos Juízes, em conferência, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

Notifique.

Lisboa, 11.01.2018

Almeida Cabral

Rui Rangel