Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
301/21.4YHLSB.L2-PICRS
Relator: PAULA POTT
Descritores: MEDICAMENTOS GENÉRICOS
AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO
PATENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: Tutela conferida pela Lei 62/2011 – Autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos antes de expiradas as patentes ou os certificados complementares de protecção dos medicamentos de referência – Acção não contestada – Não aplicação de sanção pecuniária compulsória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

1. A autora/recorrente, propôs junto ao Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal a quo, Tribunal recorrido ou Tribunal de primeira instância), a presente acção declarativa, nos termos e para os efeitos do artigo 3.º da Lei 62/2011 de 12 de Dezembro (Lei 62/2011), com base na publicação, pelo INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. (INFARMED, I.P.), de um pedido de três Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) de medicamentos genéricos, apresentado pela ré.

2. Invocou, em síntese, como fundamentos da sua pretensão:

§ A autora é titular de cinco patentes e dois certificados complementares de protecção dos medicamentos de referência contendo “Rivaroxabano”;
§ Em 29 de Junho de 2021, foram publicados na página do INFARMED, três pedidos apresentados pela ré, de AIM de medicamentos genéricos contendo a substância protegida pelas patentes e certificados complementares de protecção de que é titular a autora;
§ Os pedidos de AIM foram apresentados com uma antecedência que varia de três a sete anos, em relação ao termo de vigência dos direitos de propriedade industrial da autora, prevendo a lei a caducidade das AIMs na falta de comercialização efectiva durante três anos consecutivos, por qualquer motivo fora dos previstos no artigo 77.º n.º 4 do Estatuto do Medicamento;
§ A autora não concedeu à ré autorização para exploração desses medicamentos;
§ O pedido de AIM não constitui uma infracção aos direitos de propriedade industrial, gozando a autora da tutela judiciária conferida pela Lei 62/2011, ao abrigo da qual intenta a presente acção;
§ Em caso de comercialização, pela ré, dos medicamentos genéricos, antes de expirados os direitos de propriedade industrial da autora, esta sofreria prejuízos resultantes da diminuição de vendas do medicamento de referência;
§ Para assegurar que a ré acatará a decisão que venha a ser proferida nestes autos deve ser fixada uma sanção pecuniária compulsória ao abrigo do disposto no artigo 829.º A do CPC.

3. A autora pediu a condenação da ré a:

a) Abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, os medicamentos genéricos constantes das A.I.M.’s em causa nos presentes autos, até à caducidade do CCP 346, EP 1411932, EP 1689370, EP 1720866, EP 1845961, EP 2099453, e respectivo CCP 883, objecto da presente acção;
b) Abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, qualquer medicamento contendo a substância activa “RIVAROXABANO”, até à caducidade do CCP 346, objecto da presente acção;
c) Abster-se de importar, armazenar, fabricar, manipular, embalar, colocar em circulação, vender ou pôr à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, qualquer medicamento contendo a substância activa “RIVAROXABANO”, utilizado em conformidade com o âmbito de protecção das EP 1411932, EP 1689370, EP 1720866, EP 1845961, EP 2099453, e respectivo CCP 883, objecto da presente acção, até à caducidade dos referidos direitos;
d) Não transmitir a terceiros as A.I.M.’s em causa nos presentes autos, até à caducidade das patentes e CCPs objecto da presente acção;
e) Pagar uma sanção pecuniária compulsória, à razão diária de € 35.000, por cada dia de importação, armazenamento, fabrico, manipulação, embalamento, colocação em circulação e a venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, de qualquer produto farmacêutico contendo a substância activa “RIVAROXABANO”, em infracção dos direitos de propriedade industrial da Autora e em caso de eventual incumprimento da condenação que vier a ser proferida de acordo com os pedidos supra indicados, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil.

4. Citada a ré/recorrida, a mesma não contestou, encontrando-se representada nos autos por mandatário judicial.

5. O Tribunal a quo, por sentença de 20.5.2022 com a referência Citius 487159, cujo teor se dá aqui por reproduzido, julgou improcedente por não provada a acção, absolvendo a ré do pedido, em síntese, com os seguintes fundamentos:
§ Falta de alegação da existência de violação do direito à patente da autora;
§ Ausência de litígio entre as partes à luz do sistema previsto nos artigos 102.º e 103.º do Código da Propriedade Industrial (CPI) e no Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, do qual resulta que, o pedido e concessão de AIM não viola os direitos decorrentes da patente.

6. É dessa decisão que a autora vem interpor recurso para o Tribunal da Relação, pedindo que seja revogada a decisão do Tribunal a quo que absolveu a ré do pedido, com as legais consequências.

7. Na argumentação das alegações de recurso, vertida nas conclusões, a autora invoca, em síntese, o seguinte:

§ Para que os titulares das patentes e/ou de certificados complementares de protecção dos medicamentos de referência gozem da tutela judicial conferida pela Lei n.º 62/2011, basta a publicitação do pedido de AIM dos medicamentos genéricos, independentemente de qualquer infracção ou ameaça iminente de infracção aos seus direitos de propriedade industrial;
§ Este entendimento foi confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 8.4.2021 assim como pelo acórdão da Tribunal da Relação anteriormente proferido nos presentes autos;
§ A ligação (linkage) entre a protecção da patente e a AIM não foi totalmente eliminada pelo artigo 3.º da Lei 62/2011.

8. A ré/recorrida, não contra-alegou.

Delimitação do âmbito do recurso

9. Tem relevância para a decisão do recurso as seguintes questões:

A. Sistema de patent linkage mitigado consagrado pela Lei 62/2011 quando estão em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos

B. Efeito da não dedução de contestação

C. Sanção pecuniária compulsória

Factos provados
Nota: O tribunal mantém a seguir a referência às alíneas pelas quais foram enunciados os factos provados na sentença recorrida, para facilitar as remissões.
10. a) A autora é titular dos seguintes:
- CCP 346 concedido com base na EP 1261606, e com validade até 02/04/2024 – cfr. certidão junta supra como doc. 8 pela autora.
- EP 1411932, com validade até 07/06/2022 – cfr. certidão junta supra como doc. 9 pela autora.
- EP 1689370, com validade até 13/11/2024 – cfr. certidão junta supra como doc. 10 pela autora.
- EP 1720866, com validade até 13/11/2024 – cfr. certidão junta supra como doc. 11 pela autora.
- EP 1845961, com validade até 19/01/2026 – cfr. certidão junta supra como doc. 12 pela autora.
- EP 2099453, com validade até 19/10/2027 – cfr. certidão junta supra como doc. 13 pela autora.
- CCP 883 concedido com base na EP 453, o qual tem início de vigência em 20/10/2027 e fim de vigência 24/05/2028 – cfr. certidão junta supra como doc. 14 pela autora.

11. b) O Certificado Complementar de Protecção (CCP) nº. 883 tem por referência a substância ativa “RIVAROXABANO”.

12. c) A Ré requereu junto da INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., em 21 de Maio de 2021 (publicados em 29 de Junho de 2021), a concessão das Autorizações de Introdução no Mercado para os seus medicamento genéricos contendo “RIVAROXABANO”, como substância ativa, para Portugal, nos termos que constam da publicação no site https://app.infarmed.pt/listpmg/default.aspx.

Factos não provados
Não há.
Quadro legal relevante
Lei 62/2011 de 12 de Dezembro

Artigo 3.º
Instauração do processo
1 - No prazo de 30 dias a contar da publicitação na página eletrónica do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P. (INFARMED, I. P.), de todos os pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos, o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do Tribunal da Propriedade Intelectual ou, em caso de acordo entre as partes junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada.
2 - A não dedução de contestação, no prazo de 30 dias após citação na ação intentada no Tribunal da Propriedade Intelectual ou da notificação para o efeito pelo tribunal arbitral, implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não pode iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do número anterior.
3 - No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes.
4 - No processo arbitral:
a) As provas devem ser oferecidas pelas partes com os respetivos articulados;
b) Apresentada a contestação, é designada data e hora para a audiência de produção da prova que haja de ser produzida oralmente;
c) A audiência a que se refere a alínea anterior tem lugar no prazo máximo de 60 dias posteriores à apresentação da oposição.
5 - Sem prejuízo do disposto no regime geral da arbitragem voluntária no que respeita ao depósito da decisão arbitral, a falta de dedução de contestação ou a decisão arbitral, conforme o caso, é notificada, por meios electrónicos, às partes, ao INFARMED, I. P., e ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P., o qual procede à sua publicitação no Boletim da Propriedade Industrial.
6 - Para os efeitos previstos no número anterior, cabe ao tribunal decidir quais os elementos da decisão que não devem ser objeto de publicação, devendo, sendo o caso, remeter ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P., a decisão a publicar já sem esses elementos.
7 - Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo.
8 - Em tudo o que não se encontrar expressamente contrariado pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regulamento do centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, escolhido pelas partes e, subsidiariamente, o regime geral da arbitragem voluntária.
Código da Propriedade Industrial ou CPI

Artigo 102.º
Direitos conferidos pela patente
1 - A patente confere o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português.
2 - A patente confere ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento:
a) O fabrico, a oferta, a armazenagem, a colocação no mercado ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados;
b) A utilização do processo objeto da patente ou, se o terceiro tem ou devia ter conhecimento de que a utilização do processo é proibida sem o consentimento do titular da patente, a oferta da sua utilização;
c) A oferta, a armazenagem, a colocação no mercado e a utilização, ou a importação ou posse para esses fins, de produtos obtidos diretamente pelo processo objeto da patente.
3 - A patente confere também ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, a oferta ou a disponibilização a qualquer pessoa que não tenha o direito de explorar a invenção patenteada dos meios para executá-la no que se refere a um seu elemento essencial, se o terceiro tem ou devia ter conhecimento de que tais meios são adequados e destinados a essa execução.
4 - O disposto no número anterior não se aplica se os meios forem produtos que se encontram correntemente no mercado, salvo se o terceiro induzir a pessoa a quem faz a entrega a praticar os atos previstos no n.º 2.
5 - Para os efeitos previstos no n.º 3, as pessoas que pratiquem os atos previstos nas alíneas a) a d) do artigo seguinte não são consideradas pessoas habilitadas a explorar a invenção.
6 - O titular da patente pode opor-se a todos os atos que constituam violação da sua patente, mesmo que se fundem noutra patente com data de pedido ou data de prioridade posterior, sem necessidade de impugnar os títulos, ou de pedir a anulação das patentes em que esse direito se funde.
7 - Os direitos conferidos pela patente não podem exceder o âmbito definido pelas reivindicações.
8 - O titular de uma patente pode solicitar ao INPI, I. P., mediante o pagamento de uma taxa, a limitação do âmbito da proteção da invenção pela modificação das reivindicações.
9 - Se, do exame, se concluir que o pedido de limitação está em condições de ser deferido, o INPI, I. P., promove a publicação do aviso da menção da modificação das reivindicações, sendo, em caso contrário, o pedido indeferido e a decisão comunicada ao requerente.

Artigo 103.º
Limitação aos direitos conferidos pela patente
1 - Os direitos conferidos pela patente não abrangem:
a) Os atos realizados num âmbito privado e sem fins comerciais;
b) A preparação de medicamentos feita no momento e para casos individuais, mediante receita médica nos laboratórios de farmácia, nem os atos relativos aos medicamentos assim preparados;
c) Os atos realizados exclusivamente para fins de ensaio ou experimentais, relacionados com o objeto da invenção patenteada, incluindo experiências para preparação dos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes, não podendo, contudo, iniciar-se a exploração industrial ou comercial desses produtos antes de se verificar a caducidade da patente que os protege;
d) A utilização de material biológico para fins de cultivo ou descoberta e desenvolvimento de novas variedades vegetais;
e) A utilização a bordo de navios dos outros países membros da União ou da OMC do objeto da invenção patenteada no corpo do navio, nas máquinas, na mastreação, em aprestos e outros acessórios, quando entrarem, temporária ou acidentalmente, nas águas do País, desde que a referida invenção seja exclusivamente utilizada para as necessidades do navio;
f) A utilização do objeto da invenção patenteada na construção ou no funcionamento de veículos de locomoção aérea, ou terrestre, dos outros países membros da União ou da OMC, ou de acessórios desses veículos, quando entrarem, temporária ou acidentalmente, em território nacional;
g) Os atos previstos no artigo 27.º da Convenção de 7 de dezembro de 1944 relativa à aviação civil internacional se disserem respeito a aeronaves de outro Estado, ao qual, porém, se aplicam as disposições do referido artigo;
h) A utilização por um agricultor do produto da sua colheita para fins de reprodução ou multiplicação na sua exploração, desde que o material vegetal de reprodução tenha sido vendido ou comercializado de outro modo pelo titular da patente, ou com o seu consentimento, ao agricultor para fins agrícolas;
i) A utilização por um agricultor, para fins agrícolas, de animais protegidos, desde que os animais de criação ou outro material de reprodução animal tenham sido vendidos ou comercializados de outro modo ao agricultor pelo titular da patente ou com o seu consentimento;
j) Os atos e a utilização das informações obtidas nos termos permitidos pela legislação vigente em matéria de proteção jurídica dos programas de computador, nomeadamente pelas respetivas disposições em matéria de descompilação e interoperabilidade.
2 - Para os efeitos previstos na alínea i) do número anterior, a utilização aí mencionada inclui a disponibilização do animal ou de outro material de reprodução animal para fins da atividade agrícola, mas não a respetiva venda tendo em vista uma atividade de reprodução com fins comerciais ou no âmbito da mesma.
3 - A proteção referida nos n.ºs 3 a 5 do artigo 98.º não abrange a matéria biológica obtida por reprodução, ou multiplicação, de uma matéria biológica comercializada pelo titular da patente, ou com o seu consentimento, no espaço económico europeu, se a reprodução ou multiplicação resultar, necessariamente, da utilização para a qual a matéria biológica foi colocada no mercado, desde que a matéria obtida não seja, em seguida, utilizada para outras reproduções ou multiplicações.

Artigo 116.º
Pedido de certificado
1 - Pedido de certificado complementar de proteção para os medicamentos e para os produtos fitofarmacêuticos, apresentado junto do INPI, I. P., deve incluir um requerimento, redigido em língua portuguesa, que indique ou contenha:
a) O nome, a firma ou a denominação social do requerente, a sua nacionalidade e o domicílio ou lugar em que está estabelecido, o número de identificação fiscal quando se trate de um residente em Portugal e o endereço de correio eletrónico, caso exista;
b) O número da patente, bem como a epígrafe ou título da invenção protegida por essa patente;
c) O número e a data da primeira autorização de introdução do produto no mercado em Portugal e, caso esta não seja a primeira autorização de introdução no espaço económico europeu, o número e a data dessa autorização;
d) A referência à apresentação simultânea de um pedido de prorrogação da validade do certificado complementar de proteção, quando aplicável;
e) A assinatura ou a identificação eletrónica do requerente ou do seu mandatário.
2 - Ao requerimento deve juntar-se cópia da primeira autorização de introdução no mercado em Portugal que permita identificar o produto, compreendendo, nomeadamente, o número e a data da autorização, bem como o resumo das características do produto.
3 - Deve indicar-se a denominação do produto autorizado e a disposição legal ao abrigo da qual correu o processo de autorização, bem como juntar-se cópia da publicação dessa autorização no boletim oficial, se a autorização referida no número anterior não for a primeira para colocação do produto no mercado do espaço económico europeu como medicamento ou produto fitofarmacêutico.
4 - O pedido de certificado complementar de proteção é publicado no Boletim da Propriedade Industrial com indicação dos elementos referidos no n.º 1, acompanhados da menção ao produto que é identificado pela autorização de introdução do produto no mercado.
5 - Da publicação prevista no número anterior exclui-se o número de identificação fiscal, o domicílio ou o lugar em que está estabelecido e o endereço eletrónico do requerente.

Regulamento 469/2009 (Certificado Complementar de Protecção para os medicamentos)

Artigo 4.º
Objecto da protecção

Dentro dos limites da protecção assegurada pela patente de base, a protecção conferida pelo certificado abrange apenas o produto coberto pela autorização de introdução no mercado do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do certificado.

Artigo 5.º
Efeitos do certificado
Sem prejuízo do disposto no artigo 4.o, o certificado confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações.

Artigo 6.º
Direito ao certificado
O direito ao certificado pertence ao titular da patente de base ou aos seus sucessores a qualquer título.

Directiva 2001/83/CE que estabelece um código comunitário para os medicamentos de uso humano (versão consolidada)

Artigo 6.º
Não pode ser introduzido um medicamento no mercado de um Estado-Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado-Membro uma autorização de introdução no mercado, em conformidade com a presente directiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização em conformidade com o Regulamento (CE) n.º 726/2004, em conjugação com o Regulamento (CE) n.º 1901/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativo a medicamentos para uso pediátrico ( 7 ) e com o Regulamento (CE) n.º 1394/2007.
Sempre que um medicamento tiver obtido uma autorização inicial de introdução no mercado nos termos do primeiro parágrafo, quaisquer dosagens, formas farmacêuticas, vias de administração e apresentações adicionais, bem como quaisquer alterações e extensões, devem também receber uma autorização nos termos do primeiro parágrafo ou ser incluídas na autorização inicial de introdução no mercado. Considera-se que todas estas autorizações de introdução no mercado fazem parte da mesma autorização de introdução no mercado global, nomeadamente para efeitos da aplicação do n.º 1 do artigo 10.º
1- A. O titular da autorização de introdução no mercado é responsável pela introdução do medicamento no mercado. A designação de um representante não exonera o titular da autorização de introdução do mercado da sua responsabilidade jurídica.
2.   A autorização mencionada no n.º 1 é igualmente exigida para os geradores de radionuclídeos, os «kits» de radionuclídeos e os produtos radiofarmacêuticos precursores de radionuclídeos, bem como para os medicamentos radiofarmacêuticos preparados industrialmente.


Artigo 8.º
1. Tendo em vista a concessão da autorização de introdução de um medicamento no mercado que não seja objecto de processo previsto pelo Regulamento (CEE) n.º 2309/93, deve ser apresentado um pedido à autoridade competente do Estado-Membro em causa.
2.  A autorização de introdução no mercado só pode ser concedida a requerente estabelecido na Comunidade.
2-A.   Em derrogação do n.º 2, podem ser concedidas autorizações de introdução no mercado pelas autoridades competentes do Reino Unido no que diz respeito à Irlanda do Norte a requerentes estabelecidos em partes do Reino Unido que não a Irlanda do Norte.
2-B.   Em derrogação do n.º 2, podem ser concedidas autorizações de introdução no mercado pelas autoridades competentes do Reino Unido no que diz respeito à Irlanda do Norte e, até 31 de dezembro de 2024, pelas autoridades competentes de Chipre, da Irlanda e de Malta, em conformidade com o procedimento de reconhecimento mútuo ou o procedimento descentralizado previstos no capítulo 4 do presente título, a titulares de autorizações de introdução no mercado estabelecidos em partes do Reino Unido que não a Irlanda do Norte.
As autoridades competentes do Reino Unido no que diz respeito à Irlanda do Norte e, até 31 de dezembro de 2024, as autoridades competentes de Chipre, da Irlanda e de Malta, podem prorrogar as autorizações de introdução no mercado concedidas antes de 20 de abril de 2022 a titulares de autorizações de introdução no mercado estabelecidos em partes do Reino Unido que não a Irlanda do Norte.
As autorizações de introdução no mercado concedidas ou prorrogadas pelas autoridades competentes de Chipre, da Irlanda ou de Malta em conformidade com o primeiro e segundo parágrafos caducam, o mais tardar, em 31 de dezembro de 2026.
3.  O pedido deve ser acompanhado das informações e documentos apresentados em conformidade com o anexo I:
a)  Nome ou firma e domicílio ou sede social do requerente e, eventualmente, do fabricante;
b) Nome do medicamento;
c) Composição qualitativa e quantitativa de todos os componentes do medicamento, compreendendo a menção da sua denominação comum internacional (DCI) recomendada pela OMS, caso exista uma DCI para o medicamento, ou a menção da denominação química relevante;
c-A) Avaliação dos riscos que o medicamento poderia apresentar para o ambiente. Esse impacto deve ser estudado e, caso a caso, devem ser previstas disposições particulares que visem limitá-lo.
d) Descrição do modo de fabrico;
e) Indicações terapêuticas, contra-indicações e reacções adversas;
f) Posologia, forma farmacêutica, modo e via de administração e prazo de validade;
g) Fundamentos na base de quaisquer medidas preventivas e de segurança a adoptar no armazenamento do medicamento, na sua administração a doentes e na eliminação de resíduos, bem como indicações dos riscos potenciais do medicamento para o ambiente;
h) Descrição dos métodos de controlo utilizados pelo fabricante;
h-A) Uma confirmação escrita de que o fabricante do medicamento verificou, mediante a realização de auditorias, o cumprimento, por parte do fabricante da substância activa, dos princípios e das directrizes de boas práticas de fabrico, nos termos da alínea f) do artigo 46.o. A confirmação escrita deve incluir uma referência à data da auditoria e uma declaração de que o resultado da mesma atesta que o processo de fabrico cumpre os princípios e as directrizes de boas práticas de fabrico;
i) Resultados dos ensaios:
— farmacêuticos (físico-químicos, biológicos ou microbiológicos),
— pré-clínicos (toxicológicos e farmacológicos),
— clínicos;
i-A) Um resumo do sistema de farmacovigilância do requerente, que deve incluir o seguinte:
—  prova de que o requerente dispõe dos serviços de uma pessoa qualificada responsável pela farmacovigilância,
—  os Estados-Membros de residência e actividade da pessoa qualificada,
—  as coordenadas da pessoa qualificada,
— uma declaração, assinada pelo requerente, atestando que dispõe dos meios necessários para cumprir as tarefas e as responsabilidades constantes do título IX,
—  uma referência ao local onde se encontra o dossiê principal do sistema de farmacovigilância relativo ao medicamento em causa;
i-AA) O plano de gestão dos riscos descrevendo o sistema de gestão de riscos que o requerente irá aplicar para o medicamento em causa, juntamente com o resumo desse plano de gestão dos riscos;
i-B) Comprovativo de que os ensaios clínicos realizados fora da União Europeia respeitam os requisitos éticos da Directiva 2001/20/CE;
j) Um resumo das características do medicamento, em conformidade com o artigo 11.o, uma reprodução da embalagem exterior com as menções estabelecidas no artigo 54.o e do acondicionamento primário do medicamento com as menções estabelecidas no artigo 55.o, bem como o folheto informativo em conformidade com o artigo 59.o;
k) Um documento que demonstre que o fabricante está autorizado a produzir medicamentos no seu país;
l) Cópias dos seguintes documentos:
—  todas as autorizações de introdução no mercado obtidas noutro Estado-Membro ou num país terceiro, um resumo dos dados relativos à segurança, incluindo os dados constantes dos relatórios periódicos actualizados de segurança, caso existam, e as notificações de suspeitas de reacções adversas, juntamente com uma lista dos Estados-Membros que estejam a proceder à análise de pedidos de autorização apresentados nos termos da presente directiva,
—  o resumo das características do medicamento proposto pelo requerente nos termos do artigo 11.o ou aprovado pela autoridade competente do Estado-Membro nos termos do artigo 21.o e o folheto informativo proposto nos termos do artigo 59.o ou aprovado pela autoridade competente do Estado-Membro nos termos do artigo 61.o,
—  informações pormenorizadas sobre todas as decisões de recusa de autorização, quer na União quer num país terceiro, e a respectiva fundamentação;
m) Uma cópia de qualquer designação do medicamento como medicamento órfão ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 141/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1999, relativo aos medicamentos órfãos (8), acompanhada de uma cópia do respectivo parecer da Agência;
Os documentos e as informações relativos aos resultados dos ensaios farmacêuticos, pré-clínicos e clínicos referidos na alínea i) do primeiro parágrafo devem ser acompanhados de resumos pormenorizados elaborados em conformidade com o disposto no artigo 12º.
O sistema de gestão de riscos referido na alínea i-AA) do primeiro parágrafo é proporcional aos riscos identificados e aos riscos potenciais do medicamento, e à necessidade de dados de segurança após autorização.
As informações referidas no primeiro parágrafo são actualizadas se e quando apropriado.

Artigo 10.º
1.   Em derrogação da alínea i) do n.º 3 do artigo 8.o e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6.o há, pelo menos, oito anos num Estado-Membro ou na Comunidade.
Os medicamentos genéricos autorizados nos presentes termos só podem ser comercializados 10 anos após a autorização inicial do medicamento de referência.
O primeiro parágrafo é igualmente aplicável quando o medicamento de referência não tiver sido autorizado no Estado-Membro em que tenha sido apresentado o pedido relativo ao medicamento genérico. Neste caso, o requerente deve indicar no pedido o nome do Estado-Membro em que o medicamento de referência está ou foi autorizado. A pedido da autoridade competente do Estado-Membro em que o pedido tiver sido apresentado, a autoridade competente do outro Estado-Membro deve transmitir, no prazo de um mês, a confirmação de que o medicamento de referência está ou foi autorizado, bem como a composição completa do medicamento de referência e, se necessário, a demais documentação relevante.
O período de dez anos referido no segundo parágrafo será alargado a um máximo de onze anos se, nos primeiros oito desses dez anos, o titular da autorização de introdução no mercado obtiver uma autorização para uma ou mais indicações terapêuticas novas que, na avaliação científica prévia à sua autorização, se considere trazerem um benefício clínico significativo em comparação com as terapias existentes.
2.   Para efeitos do presente artigo, entende-se por:
a)  Medicamento de referência, um medicamento autorizado, nos termos do artigo 6.o, em conformidade com o disposto no artigo 8.º;
b) Medicamento genérico, um medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, a mesma forma farmacêutica que o medicamento de referência e cuja bioequivalência com este último tenha sido demonstrada por estudos adequados de biodisponibilidade. Os diferentes sais, ésteres, éteres, isómeros, misturas de isómeros, complexos ou derivados de uma substância activa são considerados uma mesma substância activa, a menos que difiram significativamente em propriedades relacionadas com segurança e/ou eficácia, caso em que o requerente deve fornecer dados suplementares destinados a fornecer provas da segurança e/ou da eficácia dos vários sais, ésteres ou derivados de uma substância activa autorizada. As diferentes formas farmacêuticas orais de libertação imediata são consideradas como uma mesma forma farmacêutica. O requerente pode ser dispensado da apresentação dos estudos de biodisponibilidade, se puder demonstrar que o medicamento genérico satisfaz os critérios pertinentes definidos nas directrizes pormenorizadas na matéria.
3.   Nos casos em que o medicamento não esteja abrangido pela definição de medicamento genérico da alínea b) do n.º 2, ou em que a bioequivalência não possa ser demonstrada através de estudos de biodisponibilidade, ou no caso de alterações da ou das substâncias activas, das indicações terapêuticas, da dosagem, da forma farmacêutica ou da via de administração relativamente às do medicamento de referência, os resultados dos ensaios pré-clínicos ou clínicos adequados devem ser apresentados.
4.   Caso um medicamento biológico que seja similar a um medicamento biológico de referência não satisfaça as condições da definição de medicamento genérico, devido, em especial, às diferenças relacionadas com as matérias-primas ou a diferenças entre os processos de fabrico do medicamento biológico e do medicamento biológico de referência, os resultados dos ensaios pré-clínicos ou clínicos adequados relacionados com essas condições devem ser apresentados. A natureza e a quantidade dos dados adicionais a fornecer devem corresponder aos critérios pertinentes do Anexo I e às orientações circunstanciadas conexas. Não devem ser apresentados os resultados de outros ensaios constantes do processo do medicamento de referência.
5.   Para além do disposto no n.º 1, quando for apresentado um pedido para uma nova indicação de uma substância bem estabelecida, será concedido um período de um ano de exclusividade dos dados, desde que tenham sido realizados ensaios pré-clínicos ou clínicos relativos à nova indicação.
6.   A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.ºs 1, 2, 3 e 4 e os consequentes requisitos práticos não são considerados contrários aos direitos relativos à patente nem aos certificados suplementares de protecção de medicamentos.

DL 176/2006 de 30 de Agosto – Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano ou Estatuto do Medicamento

Artigo 25.º
Indeferimento
1 - O requerimento de autorização de introdução no mercado é indeferido sempre que um dos seguintes casos se verifique:
a) O requerimento, apesar de validado, não foi apresentado em conformidade com o disposto no artigo 15.º;
b) O processo não está instruído de acordo com as disposições do presente decreto-lei ou contém informações incorretas ou desatualizadas;
c) O medicamento é nocivo em condições normais de utilização;
d) O efeito terapêutico do medicamento não existe ou foi insuficientemente comprovado pelo requerente;
e) O medicamento não tem a composição qualitativa ou quantitativa declarada;
f) A relação benefício-risco é considerada desfavorável, nas condições de utilização propostas;
g) O medicamento é suscetível, por qualquer outra razão relevante, de apresentar risco para a saúde pública.
2 - O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º.
3 - Para determinar se um medicamento preenche as condições previstas nas alíneas c) a f) do n.º 1, o INFARMED, I.P., tem em conta os dados relevantes, ainda que protegidos.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, apenas o requerente é responsável pela exatidão dos documentos e dos dados que apresente.

Apreciação do recurso
A. Sistema de patent linkage mitigado consagrado pela Lei 62/2011 quando estão em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos

13. No presente recurso a autora defende que, nas acções intentadas ao abrigo da Lei 62/2011, a mera publicitação das AIMs pelo INFARMED basta para obter a condenação da ré nos pedidos formulados, contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, ao julgar a acção improcedente por inexistência de violação actual ou iminente dos direitos de propriedade industrial invocados pela autora. O Tribunal a quo, para fundamentar a sentença recorrida, baseou-se, além do mais nas exceções ao direito exclusivo do titular da patente, que resultam do artigo 103.º do CPI, em conjugação com o artigo 25.º do DL 176/2006 ou Estatuto do Medicamento.

14. A questão colocada ao Tribunal é, assim, a de saber se nos litígios cobertos pela Lei 62/2011, sempre que não se prove que, o requerente da AIM inicia ou demonstra intenção de iniciar, antes da patente expirar, a exploração do medicamento genérico, a autora, titular do direito invocado, pode, com êxito obter a tutela judiciária prevista nessa lei.

15. A resposta a esta questão é positiva, pelos motivos seguintes, que em parte este Tribunal já explicou no acórdão anteriormente proferido nestes autos, em 23.3.2022 (cf. recurso n.º 301/21.4YHLSB.L2/referência citius 18248797). Embora esse acórdão tenha apreciado a questão do interesse em agir, parte dos seus fundamentos são igualmente válidos no que diz respeito à apreciação do mérito da causa, na parte em que se aplicam aos elementos da causa de pedir.

16. Assim, afigura-se que o artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011, aplicável quando não há contestação, como sucede no presente caso, não exige a violação actual ou iminente do direito à patente para que seja conferida a tutela conservatória aí prevista.

17. Com efeito, nos termos do artigo 3.º da Lei 62/2011, a causa de pedir na presente acção consiste na invocação dos seguintes factos jurídicos: (i) a publicitação, na página electrónica do INFARMED, do pedido de AIM de medicamentos genéricos; (ii) e o direito de propriedade industrial da autora, quanto aos medicamentos de referência correspondentes.

18. A lei 62/2011  não pôs completamente fim ao sistema de patent linkage (que consiste em fazer depender a concessão da AIM de medicamentos da titularidade do direito à patente desses medicamentos) mas consagrou um sistema mitigado de patent linkage (cf. Dario Moura Vicente, O Regime Especial de Resolução de Conflitos em matéria de Patentes (Lei N.º 62/2011) (Conferência proferida em 2 de março de 2013 no IV Curso Pós-Graduado de Direito Intelectual, organizado pela faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e pela associação Portuguesa de Direito Intelectual).

19. Ou seja, a Lei 62/2011:

§ Por um lado, dissociou a concessão da AIM de medicamentos genéricos, dos direitos de propriedade industrial sobre os medicamentos de referência que lhes correspondem, em conformidade com a Directiva 2001/83/CE, que estabelece um Código Comunitário relativamente aos medicamentos para uso humano (cf. artigos 6.º, 8.º e 10.º da referida directiva e artigo 2.º - A do Regime Geral das Comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aditado ao anexo i do DL 48-A/2010 de 13 de Maio);

§ Por outro lado, consagrou um regime especial de composição dos litígios, no qual, a concessão da AIM de medicamentos genéricos, não é inteiramente desligada da apreciação dos direitos de propriedade industrial sobre os medicamentos de referência correspondentes, que está na origem do presente contencioso.

20. A Directiva 2001/83/CE, encontra-se transposta para o direito nacional, designadamente no DL 176/2006 de 30 de Agosto, que aprovou o Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano, cujos artigos 25.º n.º 2 e 179.º n.º 2 consagram, no plano nacional, o esquema de separação da concessão da AIM da titularidade da patente.

21. Destes preceitos extrai-se, que a concessão da AIM não constitui uma ameaça ao direito da autora, mas é, ao invés, um acto lícito à luz do direito da União. Com efeito, este preceito prevê uma limitação à protecção da patente que aproveita aos titulares da AIM para medicamentos genéricos. Assim, o artigo 3.º da Lei 62/2011 ao conferir uma tutela mitigada à patente, não pode colocar em causa o esquema consagrado pela Directiva 2001/83/CE, cuja razão de ser é alcançar o justo equilíbrio entre, por um lado, os direitos dos titulares das patentes e, por outro lado, o interesse público – e.g. dos serviços nacionais de saúde e dos utentes – em obter a comercialização dos medicamentos genéricos a preços mais acessíveis dos que os praticados para a venda dos medicamentos de referência. É nesse contexto que são autorizados certos actos durante a vigência da patente, como a concessão de AIM para medicamentos genéricos e a prática de actos exclusivamente destinados a fins de ensaio ou experimentais, como prevê o esquema consagrado nos artigos 6.º a 12.º da Directiva 2001/83/CE.

22. Em particular, o artigo 10.º n.º 6 da Directiva 2001/83/CE, consagrou uma excepção à protecção das patentes (comummente designada por excepção “Bolar” por ter por base a jurisprudência no caso Roche Products Inc. v. Bolar Pharmaceutical Co., 733 F.2d 858 Fed. Cir. 04/23/1984, United States Court of Appeals for the Federal Circuit), com vista a permitir que sejam praticados licitamente, designadamente pelos titulares da AIM dos medicamentos genéricos, certos actos preparatórios da introdução no mercado dos genéricos, antes do termo da vigência das patentes dos medicamentos de referência. Essa excepção encontra-se transposta para o direito nacional no artigo 103.º n.º 1 – c) do CPI, que, tal como refere a decisão recorrida, constitui uma limitação aos direitos conferidos aos titulares das patentes, que, tendo em vista a concessão da AIM, se destina a permitir os preparativos experimentais e de ensaio, de modo que os medicamentos genéricos possam ficar imediatamente disponíveis no mercado, após a expiração da patente, desde que observados os demais requisitos legais.

23. Por seu lado, no que diz respeito à protecção dos direitos de propriedade industrial nos quais se incluí o direito à patente, os artigos 9.º e 11.º da Directiva 2004/48/CE impõem aos Estados Membros o dever de preverem medidas inibitórias e sanções, determinadas à luz dos critérios previstos no artigo 3.º dessa directiva, em caso de violação ou de violação iminente dos direitos de propriedade intelectual. Estes preceitos legais encontram-se transpostos, respectivamente, nos artigos 345.º (providências cautelares) e 349.º (medidas inibitórias), do CPI.

24. Neste contexto, o artigo 2.º n.º 1 da Directiva 2004/48/CE permite aos Estados Membros preverem uma protecção mais favorável aos titulares dos direitos de propriedade intelectual do que a imposta por esta directiva e afigura-se ser esse o caso da protecção adicional e opcional conferida pela Lei 62/2011. Assim, à luz dos artigos 9.º e 11.º da Directiva 2004/48/CE, a solução consagrada no artigo 3.º da Lei 62/2011 consiste em prever uma medida inibitória para protecção do direito à patente, ainda que não haja violação actual ou iminente do direito de propriedade industrial (como pressupõem aqueles preceitos da directiva e os artigos 345.º e 349.º do CPI). Solução legislativa essa que confere uma tutela judicial adicional aos direitos do titular da patente, indo além da imposta pelos artigos 9.º e 11.º da Directiva 2004/48/CE na medida em que exige menos requisitos, embora, simultaneamente, tenha de respeitar o quadro legal imposto pela Directiva 2001/83/CE, já acima enunciado.

25. Em consequência, apesar de a concessão das AIMs aqui em crise ser licita, como é mencionado na decisão recorrida, este Tribunal julga que, contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo, não se afigura necessário, para a procedência da presente acção, a prova da violação actual ou iminente dos direitos de propriedade intelectual da autora. Basta a prova da publicitação das AIMs concedidas à ré e a prova dos direitos de propriedade intelectual da autora, para que seja concedida a tutela judicial prevista na Lei 62/2011.

26. É certo que, uma solução mais exigente quanto à apreciação do interesse em agir, evitaria a proliferação de acções nos casos em que o direito de propriedade industrial não é contestado e, portanto, não existe um verdadeiro litígio, como defende a doutrina citada supra no parágrafo 18. Mas a verdade é que a jurisprudência não tem sido unânime sobre esta questão (cf. acórdãos deste Tribunal da Relação proferidos nos processos números 515/20.4YHLSB.L1 e 2/22.6YHLSB.L1), pelo que, na falta de um acórdão uniformizador de jurisprudência, afigura-se preferível, no caso em análise, optar por uma solução assente na interpretação literal do artigo 3.º da Lei 62/2011 (cf.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo 219/19.0YHLSB.L1.S1).

27. Por todo o exposto, deve ser revogada a sentença recorrida.

28. Uma vez que é revogada a sentença do Tribunal de primeira instância e estando o Tribunal da Relação em condições de conhecer das questões cuja apreciação ficou prejudicada pela decisão revogada, aplica-se a regra da substituição prevista no artigo 665.º n.º 2 do CPC em consequência da qual este Tribunal procede à apreciação que se segue. Sendo essa apreciação debatida nas alegações de recurso e tendo a contraparte sido notificada para contra-alegar, foi observado o contraditório quanto a tal questão. Pelo que, não há lugar a decisão surpresa nem é necessário cumprir o disposto no artigo 665.º n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC) cuja finalidade é suprir a falta de contraditório quanto a questões sobre as quais as partes não tenham alegado.

B. Efeito da não dedução de contestação

29. Dos factos provados (cf. parágrafo 10) resulta que a autora é titular de quatro patentes europeias com os números EP 1689370, EP 1720866, EP 1845961 e EP 2099453, cujo período de validade não expirou. Tais patentes protegem o processo inovador de fabrico dos medicamentos de referência em causa. O processo inovador de fabrico constitui um bem imaterial, objecto de apropriação exclusiva pela autora (cf. artigos 63.º n.º 1 e 64.º da Convenção de Munique sobre a Patente Europeia). As patentes europeias válidas gozam, em Portugal, de protecção equivalente à conferida às patentes nacionais (cf. artigos 77.º a 85.º do CPI). Assim, a autora, tem o direito exclusivo de explorar essas quatro patentes em território nacional e de impedir que terceiros as explorem, sem a sua autorização, conforme resulta do artigo 102.º do CPI. Extrai-se dos factos provados e dos documentos juntos aos autos, que as AIMs dos medicamentos genéricos requeridas pela ré se referem aos medicamentos de referência cujo processo de fabrico está protegido por estas quatro patentes – cf. factos provados mencionados no parágrafo 10 e documentos juntos com a referência citius 90985  (Doc. 1, Doc.2, Doc.3, Doc. 5 e Doc. 6), com a referência citius 90986 (Doc. 1, Doc. 2, Doc. 3 e Doc. 4) e com a referência citius 90987, dos quais resulta a prova do teor do CCP 346, da patente EP 1845961, da patente EP 2099453, do CCP 883, das três AIMs, da patente EP 1411932, da patente EP 1689370, da patente EP 1720866 e da patente EP 1261609, que o Tribunal leva aqui em conta nos termos do artigo 607.º  n.º 4 aplicável por força do artigo 663.º n.º 2, do CPC.

30. No que diz respeito a duas das outras patentes europeias aqui em causa – as patentes de base EP 1261606 e EP 453 – a autora provou que é titular, respectivamente, de dois certificados complementares de protecção ou CCP ainda válidos, respectivamente o CCP 346 e o CCP 883, que protegem a substância activa ou composição das susbstâncias activas cobertas pela AIM do medicamento de referência e pela respectiva patente de base (cf. artigos 4.º a 6.º do Regulamento 469/2009). Estes CCPs prolongam a eficácia da patente após a sua caducidade relativamente ao produto que obteve a AIM enquanto medicamento de referência, mas, não produzem efeitos em relação à totalidade de cada uma das patentes de base entretanto extintas (cf. João Paulo F. Remédio Marques, Direito Europeu das Patentes e Marcas, Almedina, página 333). A esta luz, o Tribunal leva em conta que a ré requereu AIMs para medicamentos genéricos contendo “RIVAROXABANO”, substância coberta pelo CCP 883 que tem por patente base a EP 453 e que abrange a substância ativa “RIVAROXABANO” (cf. factos provados nos parágrafos 11 e 12).

31. Quanto à patente europeia EP 1411932, a sua validade terminou em 07.06.2022, pelo que a autora já não goza da protecção prevista nas disposições legais acima mencionadas, que aqui não será ordenada por inutilidade superveniente.

32. Feito este enquadramento jurídico dos factos, a não dedução de contestação implica que a ré não pode iniciar a exploração industrial ou comercial dos medicamentos genéricos objecto das AIM que solicitou, na vigência dos direitos de propriedade intelectual da autora emergentes das patentes e dos CCP acima referidos nos parágrafos 29 e 30.

33. Na verdade, a falta de contestação implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não pode iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados (cf. artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011).

34. Motivos pelos quais, os pedidos da autora acima enunciados no parágrafo 2, alíneas a) a d), procedem parcialmente, a saber, apenas na medida em que se enquadrem na proibição constante do artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011 e dentro dos limites aí previstos, atenta a natureza da presente acção que visa o mero acertamento de direitos e não tem por causa de pedir nenhuma violação actual ou iminente dos direitos de propriedade intelectual invocados.

35. Com efeito, na falta de contestação, o Tribunal só pode ordenar a proibição de a ré iniciar a exploração industrial ou comercial do medicamento genérico visado pelas AIMs conferidas à ré, mencionadas no facto provado c) da decisão recorrida (cf. parágrafo 12).  No que toca aos pedidos que ultrapassam o jus prohibendi previsto no artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011, a sua procedência depende da alegação e prova da existência de infracção, nomeadamente através da tutela judicial alternativa prevista nos artigos 345.º ou 349.º do CPI, mas nos presentes autos não foi alegada a existência de tal infracção.

C. Sanção pecuniária compulsória

36. A autora pede a condenação da ré no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória ao abrigo do disposto no artigo 829.º - A do Código Civil (CC).

37. O sistema de tutela judicial previsto na Lei 110/2018 de 10 de Dezembro, que simultaneamente alterou o artigo 3.º da Lei 62/2011 e aprovou o novo CPI, prevê a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias nos artigos 345.º n.º 4 e 349.º n.º 4 do CPI, em conformidade com a Directiva 2004/48/CE, ou seja, desde que exista violação actual ou iminente de um direito de propriedade intelectual. Porém, não prevê idêntica sanção no caso de ser judicialmente ordenada a proibição resultante do artigo 3.º da Lei 62/2011

38. À luz da Directiva 2001/83/CE, que  dissociou a concessão da AIM de medicamentos genéricos dos direitos de propriedade intelectual sobre os medicamentos de referência que lhes correspondem, em particular do seu artigo 10.º n.º 6, que prevê a licitude de certos requisitos práticos levados a cabo pelo titular da AIM durante o período de vigência da patente, assim como dos princípios da proporcionalidade e da necessidade, que devem reger a aplicação das medidas de protecção dos direitos de propriedade intelectual, consagrados no artigo 3.º da Directiva 2004/48/CE, não se afigura existir justificação plausível, nomeadamente de interesse público, nem analogia substancial de situações, uma vez que não existe violação actual ou iminente dos direitos de propriedade intelectual da autora, para conferir uma protecção acrescida aos direitos conferidos pelas patentes e/ou CCPs, determinada por via jurisprudencial, através da aplicação analógica, seja do artigo 349.º n.º 4 do CPI, seja do artigo 829.º A do CC, na situação prevista no artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011, em causa nos presentes autos.

39. No caso em análise, a medida inibitória que resulta do jus prohibendi previsto no artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011 conjugada com a publicação da decisão que resulta do artigo 46.º do CPI, afiguram-se ser as medidas necessárias, suficientes e proporcionais à protecção dos direitos de propriedade intelectual da autora no contexto da tutela prevista no artigo 3.º n.º 2 da Lei 62/2011, interpretado à luz do disposto no artigo 3.º da Directiva 2004/48/CE.

40. Em consequência, improcede o pedido de fixação de uma sanção pecuniária compulsória, formulado pela autora.

Decisão
Acordam as juízas que compõem a presente secção em julgar parcialmente procedente o recurso e em conformidade:
I. Revogar a decisão recorrida.
II. Condenar a ré a abster-se de iniciar a exploração comercial ou industrial dos medicamentos objeto dos pedidos de Autorização de Introdução no Mercado  (AIM) cuja concessão requereu junto do INFARMED IP, em 21 de Maio de 2021, publicados em 29 de Junho de 2021, para os  medicamentos genéricos contendo “RIVAROXABANO” como substância ativa, para Portugal, nos termos que constam da publicação no site https://app.infarmed.pt/listpmg/default.aspx, enquanto se mantiverem em vigor as patentes europeias com os números EP 1689370, EP 1720866, EP 1845961 e EP 2099453 e os certificados complementares de protecção (CCP) 346 e 883.
III. Absolver a ré da restante parte do pedido.
IV. Ordenar ao Tribunal de primeira instância que, após trânsito e baixa dos autos cumpra o disposto no artigo 46.º do CPI.
V. Condenar em custas ambas as partes, na proporção do decaimento, que é fixado em 1/5 a cargo da autora e 4/5 a cargo da ré – artigo 527.º do CPC.

Lisboa, 10 de Março de 2023
Paula Pott
Eleonora Viegas
Ana Mónica Pavão