Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1173/12.5TVLSB.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
COMPRA E VENDA
CADUCIDADE DA ACÇÃO
DENÚNCIA DE DEFEITOS
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Sendo a pretensão da A. a de receber uma indemnização fundada numa violação contratual que tinha na sua base defeitos das coisas vendidas - não peticionando a substituição daquelas por parte da R., mas as despesas por si havidas por via da substituição a que ela própria procedeu por a R. se ter recusado a fazê-lo - face ao disposto no art. 917 e no nº 4 do art. 921, por interpretação extensiva, a acção caducava decorridos que fossem seis meses sobre a denúncia dos defeitos.
II – Cabia à A., na réplica, o ónus de deduzir a contra execepão do reconhecimento do direito por parte do R., causa impeditiva da caducidade; não o tendo feito surge agora, na alegação de recurso como uma questão nova.
III - Nunca havendo a R. reconhecido o direito da A. à substituição dos cabos, nem à indemnização decorrente de ela própria, A., ter feito essa substituição, não ocorre o reconhecimento do direito por parte da A..
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
I - «A» intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra «B».
            Alegou a A., em resumo:
       Por contrato celebrado em 30-12-2008 a «C» adjudicou ao consórcio EPC “D” - em que a A. se inclui - a empreitada de construção da subestação da sua nova Central de Cogeração, situada na refinaria de Matosinhos.
  Na sequência a «A» celebrou com a R. um contrato de fornecimento de diversos materiais e serviços, adjudicando-lhe o fornecimento de cabos de alta tensão, supervisão e execução de caixas de terminais e de união a serem instaladas na subestação, sendo que de entre os materiais estava incluído o fornecimento de 16 bobinas de cabo de AT de 60 kv.
   Quando da colocação na obra de um primeiro cabo, em 7-7-2010, foi detectado um enrugamento na bainha exterior do mesmo, perfeitamente visível a olho nu, do que a “A” alertou logo a R., permitindo aquela e a dona da obra, tendo em consideração as garantias prestadas pela R., que ela procedesse à correcção do enrugamento verificado mediante a substituição da bainha exterior.
Quando do lançamento de um outro cabo, em 22-7-2010, verificou-se que o isolamento externo desse cabo apresentava gretas e deformações e nos dias seguintes foram detectados defeitos semelhantes em dois outros cabos.
A R. apresentou relatório revelando que as desconformidades apresentadas quanto a estes três cabos se ficara a dever a erro de produção, a um defeito de fabrico.
   Foram realizados ensaios por uma entidade terceira que concluiu que das oito bobinas de cabos entregues pela R. até 10-8-2010, cinco apresentavam defeitos que impediam a sua funcionalidade, máxime ao nível do seu isolamento.
Por carta de 16-8-2010 a A. rejeitou os cabos fornecidos pela R. tendo exigido a sua substituição por cabos novos que não apresentassem defeitos, em conformidade com o nº 2 da cláusula 13ª e o nº 1 da cláusula 11ª do contrato celebrado entre as partes.
            A R. apenas se disponibilizou a reparar em obra os defeitos existentes, o que não era tecnicamente viável e teria prejuízos para o regular andamento da obra, sendo a única reparação correcta a efectuar a substituição da totalidade dos materiais.
        A dona da obra instruiu a A. no sentido de proceder à recolha e substituição dos cabos entregues pela R. por cabos novos e a A. insistiu com a R. nesse sentido, mas a R. recusou-se a proceder à substituição o que consubstanciou um manifesto inadimplemento das obrigações contratuais assumidas perante a A., tendo a A. alertado a R. para esse facto em 4 de Setembro de 2010.
       Perante a recusa da R. a A. teve, a expensas suas, de comprar cabos novos e contratar a operacionalização da substituição pretendida o que teve custos no valor global de 540.437,24 €, quantia que a R. se negou a pagar.
    Concluiu a A. que ao abrigo do princípio da liberdade contratual, na vertente da livre fixação do conteúdo dos contratos as partes acordaram expressamente que os defeitos existentes seriam reparados através da “substituição total ou parcial dos materiais”, pelo que em caso de defeito dos materiais fornecidos, como sucedeu, a A. poderia proceder à sua rejeição e exigir a substituição de todos os materiais, de onde a recusa da R. em proceder à substituição corresponde a um incumprimento das cláusulas contratuais a que se encontrava adstrita.
  A R., ilícita e culposamente, incumpriu as suas obrigações contratuais o que causou prejuízos à A., no valor global de 540.437,24 €.
            Pediu a A. que a R. seja condenada a pagar à A. a quantia de 540.437,24 €, acrescida dos juros de mora comerciais vencidos desde o dia 5-3-2012.
           Na contestação apresentada a R. defendeu-se por excepção e por impugnação.
  No que à matéria de excepção concerne, alegou designadamente:
           O regime legal aplicável ao contrato é o de compra e venda de coisas defeituosas – arts. 913 e seguintes do CC.
            Nos termos do art. 916 do CC o comprador deve denunciar o vício no prazo de 30 dias após o conhecimento do defeito, sendo que o prazo para propor a competente acção em juízo caduca em seis meses contados desde a denúncia, conforme o art. 917.
          Da factualidade invocada pela A. resulta que esta denunciou o contrato no prazo previsto na lei, mas após a denúncia efectuada em Agosto de 2010, a presente acção apenas deu entrada em Maio de 2012, pelo que o direito da A. caducou.
  Na réplica apresentada e no que concerne a esta específica excepção defendeu a A. que demandou a R. não por ter cumprido defeituosamente a obrigação de fornecimento de cabos a que se obrigara, mas por se ter recusado, sem motivo justificativo, a cumprir uma das obrigações que desse contrato para si resultavam, em especial a obrigação de substituir os cabos fornecidos com defeito por outros, novos, que não apresentassem anomalias ou vícios que afectavam a sua funcionalidade.
No saneador-sentença na sequência proferido, foi julgada procedente a excepção da caducidade do direito de acção e a R. absolvida do pedido.
Apelou a A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: (…)
            A R. contra alegou nos termos de fls. 551 e seguintes.
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            II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1 – Na presente acção, a autora pretende a condenação da ré no pagamento do montante que alegadamente despendeu para retirar os cabos fornecidos pela ré (ao abrigo do contrato de fornecimento de cabos, cuja cópia consta de fls. 317 e ss, o qual se dá por reproduzido), para comprar novos cabos e para colocar na obra os cabos adquiridos.
2 – O fundamento da pretensão da autora assenta na alegada existência de defeitos nos cabos fornecidos pela ré.
3 – A detecção dos defeitos nos cabos fornecidos pela ré e a respectiva denúncia ocorreram em 2010 (nomeadamente, Agosto).
4 – A presente acção deu entrada em Maio de 2012, tendo sido autuada em 1 de Junho de 2012.
5 – A cláusula nº 7, alínea d), do contrato celebrado entre as partes estabelece que “São obrigações da segunda outorgante as seguintes: d) Garantia contra defeitos de fabricação e montagem, pelo período de cinco anos…”.
6 – A cláusula nº 11, ponto 1, do contrato celebrado entre as partes, estabelece que “Os defeitos e avarias resultantes de má execução serão rápida e devidamente reparados, sem encargos para a primeira outorgante, entendendo-se que a reparação pode significar a substituição total ou parcial dos materiais.”.
7 – A autora invoca que se viu constrangida a actuar conforme descrito em 1, dado pretender cumprir o contrato de empreitada que havia celebrado com a Pocoger…o (contrato constante fls. 33 e ss).
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III - Como é sabido, são as conclusões da alegação de recurso que delimitam o respectivo objecto. Assim, considerando o teor das conclusões da apelação, as questões que se colocam reconduzem-se essencialmente ao seguinte:
- se a sentença é nula, nos termos do disposto no nº 1 do art. 661 e do nº 1-e) do art. 668, ambos do CPC;
- se a excepção da caducidade do direito não se verificaria, tendo em conta os termos em que a A. configura a acção, como uma acção por responsabilidade contratual, e não como uma acção de reparação de defeitos, de substituição de coisa defeituosa, ou de anulação do contrato por erro;
            - se, havendo a A. reconhecido a existência dos defeitos e a obrigação de os reparar (devendo a factualidade correspondente ser aditada ao elenco dos factos provados), tal obsta a que opere a caducidade do direito de acção.
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            IV – 1 – No caso dos autos a pretensão da A., é a de que a R. a indemnize por não haver cumprido o contrato celebrado entre ambas, na parte em que este previa que os defeitos existentes nos materiais fornecidos seriam reparados através da sua substituição total ou parcial, tendo a R. recusado proceder à substituição (e, apenas, acedendo a reparar aqueles materiais) – o que, segundo a A., corresponderia a um incumprimento ilícito e culposo do contrato. O pedido formulado é o de condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 540.437,24 €, valor dos prejuízos sofridos com a substituição que ela própria levou a cabo.
        Na sentença recorrida foi entendido que a pretensão da A. se prende directamente com a reparação efectiva dos defeitos detectados nos cabos fornecidos pela R., que aquilo que a A. pretende é que a R. proceda ao pagamento da reparação do defeito, pelo que tendo em conta o disposto no art. 921, nº 4, do CC, procede a excepção da caducidade invocada.
    Sustenta a apelante que a sentença recorrida é nula, nos termos dos arts. 661, nº 1 e 668, nº 1-e), tendo em conta que atento o princípio do pedido a sentença deverá adequar-se às pretensões das partes - tendo a apelante requerido a intervenção do Tribunal para apreciar o incumprimento da obrigação contratual de substituição dos materiais e não do fornecimento dos materiais defeituosos.
            Vejamos.
Nos termos do art. 668, nº1-e) do CPC a sentença é nula quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Esta disposição legal está em directa correlação com o que determina o art. 661, nº 1, do mesmo Código: a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
O juiz está limitado pelos pedidos das partes e não pode deles extravasar; a decisão não pode pronunciar-se sobre mais do que foi pedido ou sobre coisa diversa da que foi pedida. Não pode ultrapassar nem em quantidade nem em qualidade os limites do pedido formulado.
Não se entende que tal se tenha verificado no caso dos autos.
O julgador de 1ª instância observou os limites determinados pelo nº 1 do art. 661, não condenando/absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido.
O que sucedeu foi que, conhecendo de uma excepção invocada pela R., interpretou os factos aduzidos pelas partes qualificando-os e aplicando-lhes o direito de modo diverso do que a A. o fizera, tudo isto dentro dos limites previstos no art. 664 do CPC.
            Não se verifica, pois, a invocada nulidade da sentença.
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       IV – 2 - Não é posto em causa no processo que o contrato que A. e R. celebraram tem o conteúdo do documento de fls. 317 e seguintes e que por via do mesmo a R. se comprometeu a fornecer à A., designadamente, cabos de alta tensão.
            Aliás, as partes acordam nos articulados (art. 6 da p.i. e art. 3 da contestação) de que entre os materiais se encontrava o fornecimento pela R. de 16 bobinas de cabo de AT (alta tensão) de 60 kv.
    Nos termos da clª 7-d) a R. obrigou-se à garantia contra defeitos de fabricação e montagem, pelo período de cinco anos, a partir da recepção provisória.
Nos termos da clª 11, nº 1, os “defeitos e avarias resultantes de má execução serão rápida e devidamente reparados, sem encargos para a primeira outorgante, entendendo-se que a reparação pode significar a substituição total ou parcial dos materiais.”.
E nos termos da clª 13ª, nº 2 se “se constatar defeito que indique falha geral na qualidade dos materiais, estes podem ser rejeitados, devendo ser substituídos totalmente, mesmo os que não tiveram avarias durante o tempo de serviço”.
Cuidamos agora, tão só, de ponderar se o direito de acção da A. – considerando a pretensão por ela formulada – caducou (ou não), tendo em conta o disposto nos arts. 917 e 921, nº 4 do CC, sem cuidar da bondade de tal pretensão.
Na hipótese de o vendedor entregar ao comprador a coisa realmente devida, segundo o contrato celebrado, mas que sofra de alguns vícios ou defeitos, elencados pelo art. 913, do CC (sofra de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim), existirá uma venda de coisa defeituosa ([1]).
É certo que no âmbito de um contrato de compra e venda - como o será o de fornecimento pela R. das 16 bobinas de cabo de AT (alta tensão) de 60 kv – poderá haver uma venda de coisa defeituosa, como referido, mas também um cumprimento defeituoso.
Assim, explicava Antunes Varela ([2]):
«O cumprimento defeituoso da obrigação verifica-se não apenas em relação à obrigação de entrega da coisa proveniente da compra e venda, mas quanto a toda e qualquer outra obrigação proveniente de contrato ou qualquer outra fonte.
E apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela ao objecto da obrigação a que estava adstrito».
No caso de venda de coisa defeituosa a lei disciplina, então, naquele art. 913 e nos seguintes, vários “remédios”: anulação do contrato por erro ou dolo, reparação ou substituição da coisa, indemnização ([3]).
Reforçando a posição do comprador em complemento à tutela que a lei oferece nos arts. 913 e seguintes pode ser fixada no concreto contrato celebrado uma garantia de bom funcionamento dada pelo vendedor.
Assim, dispõe o nº 1 do art. 921 do CC que se o vendedor estiver obrigado, nomeadamente por convenção das partes, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, caber-lhe-á repará-la ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.
Referem Pires de Lima e Antunes Varela ([4]) que tanto pelo sentido dos termos como pelas origens da figura, esta garantia visa de modo especial as máquinas, mas estende-se a qualquer outra forma de aptidão da coisa para o uso a que ela se destina. Acrescentam que a garantia importa para o vendedor uma de duas obrigações: a de reparar a coisa ou a de a substituir, não se exigindo culpa do devedor ou que o comprador esteja em erro, tratando-se do cumprimento de uma obrigação assumida no contrato (ou, noutros casos, imposta pelos usos).
Dizendo-nos Menezes Leitão ([5]) que a garantia de bom funcionamento implica o assegurar pelo vendedor de determinados requisitos que a coisa deve possuir em ordem a garantir o seu adequado funcionamento, aproximando-se, por isso, da garantia contra vícios da coisa e que a maioria da doutrina considera que o art. 921 consagra uma responsabilidade especial do vendedor de natureza objectiva que tem por base a assunção pelo vendedor do risco relativo a defeitos de funcionamento da coisa.
Também Romano Martinez ([6]) menciona ter sido aqui estabelecida uma responsabilidade sem culpa do vendedor, tratando-se de uma responsabilidade objectiva que só vale com respeito aos deveres de reparar a coisa e de proceder à sua substituição.
No caso dos autos, foi estipulada no contrato uma garantia contra defeitos de fabricação e montagem, pelo período de cinco anos, obrigando-se a R./vendedora a reparar devidamente os defeitos e avarias resultantes de má execução, «entendendo-se que a reparação pode significar a substituição total ou parcial dos materiais» e consignando-se que se for constatado defeito «que indique falha geral na qualidade dos materiais, estes podem ser rejeitados, devendo ser substituídos totalmente, mesmo os que não tiveram avarias durante o tempo de serviço».
Temos, pois, que foi estabelecida contratualmente uma garantia de bom funcionamento, nos termos apontados, estando por força dela a R. obrigada a reparar ou substituir os cabos vendidos que apresentassem defeitos consoante fora definido no contrato.
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IV – 3 - Como salienta Calvão da Silva ([7]) a mais do direito à reparação ou substituição da coisa «temos o direito à indemnização dos danos resultantes do mau funcionamento, quer dizer, pelos prejuízos derivados do cumprimento inexacto da prestação garantida ou, se se preferir, do atraso com que o comprador recebeu a coisa em perfeito funcionamento» (em que devem ser observados os princípios gerais, exigindo-se a culpa, ainda que presumida, do devedor).
A indemnização pretendida pela apelante tem, todavia, um âmbito diverso e mais alargado.
A A., tendo em conta as obrigações assumidas pela R. que garantira a reparação/substituição dos cabos com anomalias e face ao estipulado sobre se o defeito indicar falha geral na qualidade dos materiais, estes poderem ser rejeitados, devendo ser substituídos totalmente, entende que apenas a substituição dos cabos permite observar o cumprimento do convencionado, que não a simples reparação.
O incumprimento contratual a que a A. se reporta é o de (na sua perspectiva) não ter a R. agido em conformidade com o estipulado no contrato com respeito à substituição dos cabos fornecidos com defeito; o pedido de indemnização formulado pela A. tem na sua base o incumprimento da obrigação de substituição por parte da R..
A A. não vem pedir que a R. substitua (agora) os cabos com defeito, mas entendendo que os deveria ter substituído antes vem pedir uma indemnização por aquela substituição não ter ocorrido oportunamente, na sequência da denúncia dos defeitos dos cabos, apenas se prontificando a R. a reparar as “irregularidades” apresentadas. A indemnização peticionada (540.437,24 €) corresponde aos custos que a A. afirma ter suportado, ela própria, com a substituição por cabos novos.
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IV – 4 - A estipulação contratual de uma garantia de bom funcionamento - de acordo com a previsão do art. 921 - acresce à tutela que para o comprador sempre adviria das disposições dos arts. 913 e seguintes.
Ora, no que respeita à indemnização por danos sofridos haverá, no âmbito da venda de coisa defeituosa, três fundamentos de indemnização: indemnização em caso de dolo (arts. 913 e 908), limitada aos danos que não teriam ocorrido se o contrato não fora celebrado, ao interesse contratual negativo; indemnização em caso de simples erro (arts. 913, 915 e 919), limitada aos danos emergentes do contrato e que não é devida no caso em que o vendedor ignorava sem culpa o vício ou falta de qualidade da coisa; indemnização por incumprimento da obrigação de reparação ou de substituição da coisa (arts. 913 e 907, sendo a referência ao incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato substituída pela referência à obrigação de reparar ou substituir a coisa, referida no art. 914).
Esta indemnização por incumprimento da obrigação de reparação ou de substituição da coisa, se faz sentido para os casos em que não se coloca a existência de garantia de funcionamento, também o fará (se não ainda mais), naqueles casos em que há uma garantia, a qual tem as consequências acima apontadas.
Explica Menezes Leitão ([8]) que «sendo a obrigação de reparação ou substituição uma obrigação como outra qualquer  (art. 397º), naturalmente que o vendedor estará sujeito, nos termos gerais à responsabilidade obrigacional, em caso de incumprimento (art. 798 e ss.), impossibilidade culposa (arts. 801º e ss.) ou mora no cumprimento (art. 804º e ss). Nada impede, por isso, que também na venda de coisas defeituosas o comprador peça indemnização ao vendedor pelo incumprimento da obrigação de reparar ou substituir a coisa ou por mora nesse cumprimento» (itálico nosso).
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IV – 5 - É entendimento pacífico que os prazos de caducidade aludidos no art. 917 do CC a propósito da acção de anulação são aplicáveis, igualmente, às acções com vista à reparação ou substituição da coisa.
Assim, diziam-nos Pires de Lima e Antunes Varela ([9]) que terá sido intenção do legislador a aplicabilidade do prazo de seis meses previsto no art. 917, por interpretação extensiva, às acções que visem obter a reparação ou a substituição da coisa, sem o que haveria uma incompreensível desarmonia com o nº 4 do art. 921.
Efectivamente, o nº 4 do art. 921 prevê que a acção com vista à reparação do defeito ou à substituição da coisa, caduca passado seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.
Neste contexto, no acórdão do STJ de 4-12-96 (acórdão 2/97, publicado no DR I série de 30-1-1997) foi uniformizada jurisprudência nos seguintes termos: «A acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artigo 917.º do Código Civil».
Calvão da Silva ([10]) defende que se justifica a extensão do art. 917 às acções dos demais direitos conferidos pela lei – para além da acção de anulação, ás acções que visem obter a reparação ou a substituição da coisa ou, ainda, a redução do preço e o pagamento de uma indemnização.
Concretamente dizendo:
«Justifica-se a extensão do art. 917 que refere apenas a acção de anulação, às acções dos demais direitos referidos, porque e na medida em que através delas se fazem valer pretensões no quadro da garantia e à garantia ligadas; porque e na medida em que através delas se realize ou materialize a mesma garantia pelos vícios; numa palavra, porque e na medida em que são recursos contratuais por vícios da coisa». Acrescentando: «Na verdade, seria incongruente não sujeitar todas as acções referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário, permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade. Ora, em todas as acções de exercício de faculdades decorrentes da garantia, qualquer que seja a escolhida, vale a razão de ser do prazo breve …»
Também Romano Martinez ([11]) conclui que apesar de o art. 917 ser omisso, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, dever-se-á entender que o prazo de seis meses é válido, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato «como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso» e que se o art. 917 «não fosse aplicável por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos».
Como assinalado no acórdão do STJ de 13-02-2014 ([12]) a «jurisprudência tem vindo a decidir de modo uniforme que este  preceito [art. 917] se aplica, por interpretação extensiva, às ações de indemnização que visam obter o pagamento de indemnização por violação contratual ainda que o pedido seja desacompanhado do pedido de reparação ou substituição da coisa ou de redução do preço».
Assim, decidira-se no acórdão do STJ de 6-11-2007 ([13]) que «…o comprador pode escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente de cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao devedor ( arts 798, 799 e 801, nº1, do C.C.), sem fazer valer outros remédios, ou seja, sem pedir a resolução do contrato, a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa (…).
Só que esta acção, em que prejuízos indemnizáveis tenham origem no vício da coisa, não pode deixar de obedecer aos prazos curtos previstos especialmente para a venda de coisas defeituosas (…)
Com efeito, não se vê razão para deixar de seguir o entendimento largamente maioritário da doutrina e da jurisprudência de que o prazo de caducidade previsto no art. 917 do C.C. (6 meses) se deverá aplicar, por interpretação extensiva, para além da acção de anulação, também às acções que visem obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual».
E fora entendido no acórdão do STJ de 02-11-2010 ([14]):
Estamos «…perante pretensões fundadas em violação contratual que tem na origem os defeitos da coisa que integra a prestação do vendedor e cujos danos resultam desses vícios, rectius, da mesma causa de pedir: - o valor da coisa que teve de ser substituída, por imprestável por causa dos defeitos, e o valor do custo da sua aplicação, que, devido aos mesmos defeitos, teve de ser repetida.
Trata-se, sempre, de fazer valer direitos cuja fonte é a existência de vício ou defeito previsto no art. 913º C. Civil, e, por isso, “justifica-se a extensão do art. 917º, que refere apenas a acção de anulação, às acções dos demais direitos, porque e na medida em que através delas se fazem valer pretensões no quadro da garantia e à garantia ligadas”.
Na verdade, seria incongruente não sujeitar todas as acções referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário, permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade”…»
No caso dos autos, sendo a pretensão da A. a de receber uma indemnização fundada numa violação contratual que tinha na sua base defeitos das coisas vendidas, não peticionando a substituição daquelas por parte da R., mas as despesas por si havidas por via da substituição a que ela própria procedeu por a R. se ter recusado a fazê-lo, entende-se que, face ao disposto no art. 917 e no nº 4 do art. 921, por interpretação extensiva – nos termos acima aludidos – a presente acção caducava decorridos que fossem seis meses sobre a denúncia.
Tendo a detecção dos defeitos nos cabos fornecidos pela R. e a respectiva denúncia ocorrido em 2010 (nomeadamente, Agosto) e a presente acção dado entrada em Maio de 2012 (tendo sido autuada em 1 de Junho de 2012), o prazo de caducidade mostra-se integralmente decorrido.
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IV – 6 - A A. contrapõe agora, na alegação de recurso, uma “contra excepção” invocando factos que obstariam à procedência da excepção peremptória da caducidade, tendo em conta o disposto no nº 2 do art. 331 do CC.
Para o efeito, pretende que deveriam ter sido incluídos entre os factos julgados provados (por confissão), factos que se retirariam da contestação apresentada pela R. e se reconduziriam ao seguinte: que a R. reconheceu a existência de defeitos nos cabos fornecidos; que a R. assumiu perante a A. a obrigação de os reparar.
Muito embora, de acordo com o art. 328 do CC, o prazo de caducidade não se suspenda nem se interrompa senão nos casos em que a lei o determine, o art. 331 do mesmo Código dispõe que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, mas que quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido.
Trata-se, como resulta aliás da epígrafe do artigo, de uma causa impeditiva da caducidade.
Como decorre do nº 1 do art. 502 do CPC, se forem deduzidas excepções á matéria destas pode o A. responder na réplica. É nesta peça processual que o autor tem o ónus de deduzir as contra excepções (excepções às excepções deduzidas pela parte contrária) que tenha a opor à contestação, alegando os factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos efeitos dos alegados pelo réu em sede de excepção ([15]).
Na réplica que apresentou a A. respondeu à invocada caducidade nos artigos 132 a 151 daquele articulado, mas nada disse com referência à contra excepção do reconhecimento do direito por parte da R..
Na sequência, na decisão recorrida o Tribunal de 1ª instância não se pronunciou sobre a mesma – que não fora mencionada – a qual surge agora, na alegação de recurso, como uma questão nova, nunca antes levantada ou suscitada nos autos.
Dispondo o nº 1 do art. 627 do actual CPC (como o fazia anteriormente o nº 1 do art. 676 do anterior Código) que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, daí decorre que este tribunal – tribunal de recurso - não deverá conhecer de questões novas que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido. Efectivamente, os recursos destinam-se a reapreciar questões suscitadas e decididas no tribunal recorrido e não a apreciar questões novas, anteriormente não suscitadas. Como refere Amâncio Ferreira ([16]) «vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre».
Referindo Abrantes Geraldes ([17]): «Na fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, sem prejuízo da possibilidade de se suscitarem ou de serem apreciadas questões de conhecimento oficioso, como a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos, o abuso de direito ou a caducidade em matéria de direitos indisponíveis, relativamente às quais existam nos autos elementos de facto».
Tratando-se a questão agora suscitada pela apelante de questão nova e que não é de conhecimento oficioso, não cumpre a este Tribunal dela conhecer.
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IV – 7 - Mesmo que assim não fosse.
A R. reconhece que após o fabrico e a entrega dos cabos, em 5 das bobinas dos mesmos foram detectadas na bainha exterior dos cabos irregularidades, com causas e origens diferentes umas das outras (art. 4 da contestação), que em nada afectavam o funcionamento dos mesmos (art. 7) e que tendo-se a R. disposto a eliminar as irregularidades que eram facilmente reparáveis a A. rejeitou aceitar qualquer reparação, rejeitando os cabos fornecidos e exigindo o fabrico de novos cabos para substituição (arts. 9 e 10), exigência que a R. reputa de absurda (art. 11).
Do conteúdo da alegação de recurso da A. resulta afirmar esta que a R. reconheceu o direito da A. à reparação dos cabos (ponto 48 da motivação da alegação e 14ª conclusão) – e não que reconheceu o direito à substituição dos cabos ou à sucedânea indemnização, o que não é a mesma coisa (daí a divergência).
 Como consideram Pires de Lima e Antunes Varela ([18]) «a caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica; por isso, o reconhecimento impeditivo da caducidade tem de ter o mesmo efeito de tornar certa a situação».
Indo mais longe, referem, que o simples reconhecimento do direito, antes do termo da caducidade, por aquele contra quem deve ser exercido não tem relevância se «através desse reconhecimento, se não produzir o mesmo resultado que se alcançaria com a prática tempestiva do acto… Só nos casos em que o reconhecimento assuma o mesmo valor do acto normalmente impeditivo é que deixará de verificar-se a caducidade». E, mais adiante, citando Vaz Serra: «Se se trata do prazo de proposição de uma acção judicial, o reconhecimento “deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido”».
Este entendimento tão restritivo não é, contudo unânime. Assim, diz-nos Romano Martinez ([19]) que o nº 2 do art. 331 fala só em reconhecimento do direito, não exigindo que tal confirmação revista o mesmo valor do acto que deveria ser praticado em seu lugar.
 Referindo Menezes Cordeiro ([20]) que «a jurisprudência exige que o reconhecimento tenha o mesmo efeito do que a prática do acto sujeito a caducidade», não valendo como tal uma «simples admissão genérica, mas um reconhecimento concreto, preciso, sem ambiguidades ou de natureza vaga ou genérica».
No acórdão do STJ de 8-5-2013 ([21]) foi considerado: «Tem sido entendimento maioritário quer da jurisprudência quer da doutrina que o reconhecimento do direito, a que alude o art. 331ºnº2 do CC, deve ser expresso, concreto ou preciso, de modo a não subsistirem dúvidas sobre a sua aceitação pelo devedor dos direitos do credor, não sendo suficiente a simples admissão vaga e genérica desse direito. Não será, contudo, exigível que tenha de revestir o mesmo valor do acto que deveria ser praticado. De qualquer forma o reconhecimento do direito não pode ter uma interpretação tão restritiva que esvazie o conteúdo do nº2 do art.331º do CC. Reconhece, expressamente, o direito, o devedor que por palavras ou actos confirma as pretensões do credor».
Sucede que, como emerge da própria alegação de recurso da apelante, a R. nunca reconheceu o direito da A. à substituição dos cabos, nem à indemnização decorrente de ela própria, A., ter feito essa substituição.
Pelo que não ocorreu qualquer causa de impedimento da caducidade, sendo deslocada, pelo que se acabou de dizer, atento o contexto apontado, a invocação do abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”.
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V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
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Lisboa, 3 de Abril de 2014

Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
                                 
Isabel Canadas

[1] Ver o acórdão do STJ de 4-5-2010 Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 2990/06.0TBACB.C1.S1.
[2] Em Parecer com o título «Cumprimento Imperfeito do Contrato e Compra e Venda», publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XII, tomo 4, pag. 21 e segs..
[3]Alerta-nos Romano Martinez (em «Direito das Obrigações», Parte Especial, Contratos, Almedina, 2ª edição, pag. 141) para a circunstância de os diversos meios jurídicos a que se reportam o art. 913 e seguintes do CC terem uma sequência lógica, não podendo ser exercidos em alternativa: em primeiro lugar o vendedor está adstrito a eliminar o defeito da coisa e, não sendo possível ou apresentando-se como demasiado onerosa a eliminação do defeito, a substituir a coisa vendida; frustrando-se estas pretensões pode ser exigida a redução do preço, mas não sendo este meio satisfatório cabe ao comprador pedir a resolução do contrato. A indemnização cumular-se-á com qualquer das pretensões com vista a cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios.
[4]  No «Código Civil Anotado», Coimbra, 1981, vol. II, pag. 196.
[5]  Em «Direito das Obrigações», vol. III, Contratos em Especial, Almedina, 3ª edição, pag. 131.
[6] «Direito das Obrigações», Parte Especial, Contratos, Almedina, 2ª edição, pag. 141.
[7]              Em «Compra e Venda de Coisas Defeituosas», Almedina, 5ª edição, pags. 70-71.
[8]Em «Direito das Obrigações», vol. III, Contratos em Especial, Almedina, 3ª edição, pag. 123.
[9]  Obra citada, vol. II, pag. 193.
[10]  Na obra citada pags. 80-82.
[11]Em «Cumprimento Defeituoso – Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada», Almedina, 2001, pags. 367-368.
[12]Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 1115/05.4TCGMR.G1.S1.
[13] Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 07A3440.
[14]Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 6473/06.0TBALM.L1.S1.
[15] Ver Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», Coimbra, vol. II, pag. 331.
[16] «Manual dos Recursos em Processo Civil», 8ª edição, pag. 147.
[17]Em «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, pag. 25.
[18] No «Código Civil Anotado», vol. I, pag. 293-294.
[19] Obra citada, pags. 380-381.
[20]«Tratado de Direito Civil Português», Almedina, I, Parte Geral, tomo 4, pag. 225.
[21]Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 1079/06.7TBMTS.P1.S1.
Decisão Texto Integral: