Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10097/2008-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
MENOR
RESIDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1- Em matéria da competência para a regulação do poder paternal de menores filhos de cidadãos portugueses (ou pelo menos um dos progenitores e a própria criança) residentes em diferentes Estados membros da Comunidade europeia rege o Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27de Novembro (com as alterações introduzidas pelo Regulamento (CE) nº 2116/2004, de 2 de Dezembro, para o caso, não relevantes).
2- No concerne à responsabilidade parental determina o artº8 do Regulamento que o foro apropriado é o do tribunal competente do Estado membro da residência habitual da criança, com referência à data da instauração do processo.
3- O caso em particular suscita, contudo, a ponderação das situações de afastamento daquela regra geral através das excepções contempladas nos seus artº9, 10, 12 e 13 do Regulamento (CE) nº2201/20003, de 27/11, todas elas gizadas na prevalência da melhor e mais eficaz protecção do interesse do menor.
4- A determinante a ter em linha de conta é o da efectiva ligação do menor e dos seus progenitores a Portugal, país da nacionalidade de todos, dado que perdura por cerca de 5 anos, enquanto, à data da acção, o requerente reside em França e com ele a criança, há cerca de 1 ano, induzindo-se uma clara desvinculação, por ora, ao novo país.
5- A acção de regulação do poder paternal a tramitar-se num tribunal francês correria sérios riscos de não poder acautelar da mesma forma o supremo interesse do menor; sendo que o pai apesar de residir em França, optou, certamente pela ligação a Portugal pelo facto de a sua vida e condições e da progenitora serem aqui melhor identificáveis, contribuindo para uma decisão consentânea com a realidade familiar e a envolvente social e económica do menor e seus pais, integrando-se por conseguinte a situação na última parte do artº12 do Regulamento
6- A requerida, residente em Portugal, foi citada para os termos do recurso e silenciou, conformando-se, com a declaração por si subscrita, aceitando inequívoca e expressamente a competência dos tribunais portugueses para a regulação do poder paternal do filho - requisito que se enquadra na parte final do citado artº12.
(Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 7ªsecção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I – RELATÓRIO
A., residente em França, veio instaurar acção de regulação de exercício do poder paternal relativo ao filho menor C, contra sua mãe, B, residente em Almada.
Alegou par tanto que o filho vive com ele, e tendo a progenitora requerido a não homologação do acordo extrajudicial que correu termos no Tribunal …, vê-se na contingência de instaurar a presente acção e que o poder paternal seja regulado, designadamente, decidindo-se que o filho continue entregue à sua guarda e cuidados, como até hoje.
Após junção da certidão dos autos em referência, que correram termos no Tribunal …., o Sr.Juiz, em aplicação do disposto no artº8, nº1 do Regulamento Comunitário de 2201/03, decidiu que é no Tribunal da residência do menor, França, que o autor deverá instaurar a acção para regulação do poder paternal, declarando-se, em consequência, incompetente.
O Autor interpôs recurso de tal decisão que foi recebido adequadamente como de agravo e efeito suspensivo.
Na sua minuta de alegações, o recorrente culmina a sua discordância com o julgado nas seguintes conclusões:      
1.O Tribunal competente para apreciar a acção é o Tribunal português por força da extensão de competência prevista no artº12, nº3do Regulamento nº2201/03.
2.O Tribunal, mais bem colocado para apreciar a acção é o Tribunal português, nos termos do artº15 daquele diploma.
3.É no superior interesse do menor que o Tribunal português é competente tendo em conta a nacionalidade do menor e dos seus pais.
4.O facto de a residência habitual do menor e seu pai ter sido até ao ano transacto em Portugal,
5.O facto da residência habitual da mãe do menor ser em Portugal,
6.E, o facto de existir processo que correu termos em Portugal ao qual deverá correr por apenso a actual regulação.
Termina, pugnando pela revogação da decisão agravada e que se considere competente para a acção o Tribunal do Seixal.
 O Ilustre Magistrado do MºPúblico no seu direito legal de resposta produziu alegações, nas quais conclui que:
1.O Regulamento 2201/03 estabelece que as regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade.
2.Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos Tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinadas casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.
3.O Regulamento introduz uma possibilidade de recorrer ao Tribunal de um Estado Membro no qual a criança não tem a sua residência habitual, quer porque a questão se relaciona com uma acção de divórcio, quer por a criança tem uma ligação particular com esse Estado-membro.
4.Ora, o menor filho do requerente e requerida, nascido em 20/8/2000, é cidadão português e sempre viveu em Portugal até Agosto de 2005.
5.A requerida, mãe do menor é portuguesa, reside em Portugal, bem como a restante família alargada do menor.
6.O requerente pai do menor aceitou expressamente a competência do Tribunal Português.
7.A mãe do menor assim ou declaração de aceitação da competência do Tribunal.
8.Salvaguarda o superior interesse da criança que o processo seja conhecido no seu Estado Nacional.
9.Por força da extensão de competência prevista no artº12, nº3 do Regulamento, o Tribunal de Família de Menores do Seixal é o competente em razão da nacionalidade para apreciar a acção de regulação do poder paternal do menor.
No final pede a revogação da decisão recorrida.
A requerida foi citada para o recurso e termos da acção e silenciou.
O Sr.Juiz sustentou tabelarmente a decisão.  
 Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos com interesse são os que constam do relatório supra, e ainda que, o requerimento do pai do menor deu entrada em juízo em 8/2/2006, bem como que no âmbito do processo de homologação de acordo para a regulação do poder paternal do menor C, que correu termos no Tribunal…., sob o nº…, por decisão judicial de 19/01/2006, transitada em julgado, foi indeferida a homologação do acordo.
Resulta ainda assente, que o menor vive com o pai que foi residir para França em Agosto de 2005, onde se mantém, e a mãe da criança tem residência actual permanente na área de competência do Tribunal do Seixal.   

III -FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Uma única questão suscitada no recurso exige debate, qual seja, a de saber da competência para o conhecimento deste processo relativo à regulação do poder paternal do menor C, nascido em 20/9/2000, no Pragal, Almada, Portugal e filho do requerente e requerido não casados entre si, deverá ser tramitado e julgado num Tribunal da França, onde ora reside o pai que tem a guarda do menor, ou, em Tribunal Português, concretamente, o da área de residência da sua progenitora.
Sediamo-nos, pois, no âmbito da incompetência absoluta (regras da competência internacional) regulada no artº101 do CPC.
Suscita-se, então a aplicação do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27de Novembro (com as alterações introduzidas pelo Regulamento (CE) nº 2116/2004, de 2 de Dezembro, para o caso, não relevantes).
Em concreto, e para o que à solução importa, o Tribunal português declinou a competência em virtude de o menor cuja regulação do poder paternal se pede viver com o pai em França.
É ocioso falar aqui longamente da introdução da legislação comunitária após a integração do nosso país na Comunidade Europeia e a recepção (na maioria dos casos, automática) e  imposição aos Tribunais portugueses da aplicação dessas normas introduzidas na ordem jurisdicional, tal como vertido no artº8 da Constituição da República Portuguesa, numa clara concepção da prevalência do direito internacional sobre o direito interno português, exceptuando as normas constitucionais.[1]
Lembramos ainda a propósito o princípio do primado do direito comunitário que o Tratado de Roma veio instituir.   
Bom, e na matéria da competência para a regulação do poder paternal de menores filhos de cidadãos portugueses (ou pelo menos um dos progenitores e a própria criança) residentes em diferentes Estados membros da comunidade europeia, rege, na verdade a legislação que acima se identificou e cuja interpretação divide o Tribunal e o recorrente.
Continuando.
No que concerne à responsabilidade parental determina o artº8 do Regulamento referido de que o foro apropriado é o tribunal competente do Estado membro da residência habitual da criança com referência à data da instauração do processo.
Neste contexto, resulta provado nos autos que o C... encontra-se a residir com o pai em França desde Agosto de 2005 (desde os seus quase 5 anos de idade), e a mãe vive em Almada.
O Sr.Juiz, salvo o devido respeito, aplicou simplisticamente esta norma, não avançando para uma interpretação integrada de todo o Regulamento visado, em que prevê situações de afastamento daquela regra geral.
Falamos das excepções estabelecidas nos seus artº9, 10, 12 e 13 do Regulamento (CE) nº2201/20003, de 27/11, todas elas gizadas na prevalência da melhor e mais eficaz protecção do interesse do menor.
O que, no caso em análise, cremos se justificar a sua aplicação em toda a linha.
Assim, o menor C nasce em Setembro de 2000 em Portugal, Almada e reside no nosso país com os pais (ou só com um deles), sendo que a mãe ali continua a ter a sua residência habitual.         
Na verdade, a determinação do sentido e alcance da lei, como sabemos, não se cinge à sua letra, envolvendo, além do mais, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada – art. 9, n.º 1, do Código Civil.
Isto é, deverá ser interpretada, não apenas em função das palavras usadas pelo legislador, mas também em função de todo o condicionalismo envolvente do processo de criação e subsequente vigência.
Ora, no caso em apreço, tudo indica que a determinante – a ter em linha de conta primordial é o da efectiva ligação do menor e dos seus progenitores a Portugal, país da nacionalidade de todos, dado que ela perdura por cerca de 5 anos, enquanto, à data da acção, o requerente foi residir para França e com ele a criança há cerca de 1ano, induzindo-se uma clara desvinculação, por ora, ao novo país. Do que decorre que a acção de regulação do poder paternal a tramitar-se num tribunal francês corre sérios riscos de não poder acautelar da mesma forma o supremo interesse do menor; por outro lado, apesar do pai residir em França, optou, certamente pela ligação a Portugal pelo facto de a sua vida e condições e da progenitora serem aqui melhor identificáveis, contribuindo para uma decisão consentânea com a realidade familiar e  a envolvente social e económica do menor e seus pais.    
Em suma, entende-se que sendo o critério vertido no Regulamento o da proximidade da criança e seus pais, então no caso é com Portugal e não com França.
Integramos, por conseguinte, a situação na última parte do artº12 do Regulamento onde se lê:” (…) a competência deverá em ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado – Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.
Acresce que a requerida, residente em Portugal foi citada para os termos do recurso e silenciou, conformando-se, em harmonia, de resto, com a declaração por si subscrita e junta a fls. 38, na qual aceita inequívoca e expressamente a competência dos tribunais portugueses para procederem à regulação do poder paternal do filho C, requisito que se enquadra na parte final do citado artº12.
Não existem, pois, dúvidas que residindo a mãe do menor em Portugal, onde também vive a restante família alargada, aqui tendo sempre vivido o pai e o menor, que se apenas se encontrar em França há muito pouco tempo, o critério da proximidade, interpretado segundo o antes afirmado e previsto no artº12 do Regulamento, aponta a competência para os tribunais portugueses.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se dar provimento ao agravo, revogando a decisão do Tribunal do Seixal e, em consequência, se declara o mesmo competente para conhecer da acção de regulação de poder paternal.

Não são devidas custas.

                        Lisboa, 20 de Janeiro de 2009

                                    Isabel Salgado

                                   Conceição Saavedra

                                    Cristina Coelho

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[1] CRP anotada pelo Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 3ª, pag, 89 e 90.