Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2417/13.1T3SNT-A.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
AUTOLIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I. A dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça constitui um mero adiamento da obrigação de a pagar, não desonerando dessa obrigação o utilizador do serviço judiciário;

II. O nº2, do art.15, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei nº7/2012, de 13Fev., evidencia a regra da não gratuitidade da atividade judiciária, justificando-se a realização da notificação aí prevista mesmo em relação à parte que obtenha vencimento na lide, de modo que o custo do processo seja suportado preferencialmente por quem dele beneficia em vez de ser suportado pela comunidade;

III. A não realização dessa notificação, por erro da secretaria, com "...a decisão que decida a causa principal...", como é previsto nesse nº2, do art.15, do RCP, não extingue a obrigação imposta por esse preceito legal, nem prejudica a parte, que poderá apresentar a nota justificativa das custas de parte após o pagamento da quantia exigida.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº 1. Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular), por sentença de 23Maio14, transitada em julgado, além do mais, foi julgado procedente o pedido cível deduzido pelo Instituto da Segurança Social, I.P. (apresentado em 29Julho13) e declarado aquele pedido isento de custas.

Por ofício de 3Mar.15, o Instituto da Segurança Social, I.P. foi notificado para "... nos termos do disposto no art.15, nº2, do RCP ..., no prazo de dez dias, proceder à autoliquidação da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização formulado nos presentes autos...", contra o que reclamou o ISS, pedindo que aquela notificação fosse dada sem efeito, após o que foi, em 20Mar.15, proferido o seguinte despacho:

“…

Fls. 351 e seguintes:

Vem o Instituto de Segurança Social, IP. requer que seja dado sem efeito o pagamento da taxa de justiça devida pela dedução do pedido de indemnização civil, pois o mesmo foi considerado totalmente procedente, pelo que não há fundamento para pagamento de qualquer taxa.

A Sra. Contadora pronunciou-se nos termos contantes de fls. 349.

O M.P. concordou com o teor da informação de fls.350, promovendo que se indefira o requerido.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 1.° do D.L. n°214/2007, de 29.05 (Orgânica do Instituto da Segurança Social, IP) que:

"1 - O Instituto da Segurança Social, IP., abreviadamente designado por ISS, LP., é um instituto integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio.

2- O ISS, IP. prossegue atribuições do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS), sob superintendência e tutela do respectivo ministro".

Assim, quando deduz pedido de indemnização civil, o ora reclamante está a exercer as atribuições estatutárias conferidas pelas al. x) do art.3, n°1, do DL n°214/2007, de 29.05: "Assegurar nos termos da lei, as acções necessárias à eventual aplicação dos regimes sancionatórios referentes a infracções criminais praticadas por beneficiários e contribuintes no âmbito do sistema de segurança social;"

Havendo unanimidade em como ao momento da apresentação do pedido vigorava o RCP, na sua versão decorrente da Lei n°7/2012, de 13.02, significava isso então, que de harmonia com os n°s1 e 2 do respectivo art.8, tal autoliquidação só estava prevista nas situações de constituição de assistente e na de abertura da instrução, pelo que nos demais casos a taxa de justiça é paga a final.

Note-se, que ao momento da sua dedução, o ISS, IP, não apresentou essa autoliquidação, e tal não mereceu qualquer reparo. Assim, terá de proceder agora ao aludido pagamento?

Desde logo não nos podemos esquecer que o artigo 523.° do C.P.P. remete para "as regras aplicáveis ao processo civil, o qual tem em vista, apenas, o quadro geral que define a "responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil".

Por outro lado, no art.15, n°2, daquele Diploma prevê-se, que "as partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias".

Assim sendo, in casu e independentemente de condenação, há lugar ao pagamento da respectiva taxa de justiça.

Pelo exposto, indefiro a presente reclamação.

…”.

2. O Instituto da Segurança Social, I.P., , recorre deste despacho, motivando o recurso com as seguintes conclusões:

2.1 O âmbito objectivo do presente recurso concerne ao facto de o Recorrente nos autos à margem identificados, ter sido notificado para proceder à autoliquidação da taxa de justiça devida pela dedução do pedido de indemnização civil, e, na sequência de reclamação apresentada, o Tribunal "a quo", ter indeferido o requerido, entendendo que há lugar ao pagamento da taxa de justiça.

2.2 Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pelo despacho recorrido, o Recorrente entende que, pela dedução do pedido de indemnização cível nos autos contra os arguidos, não deve proceder ao pagamento da Taxa de Justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 15° n°2 do Regulamento das Custas Processuais.

2.3 O Recorrente não se encontra obrigado ao pagamento de taxa de justiça no caso sub judice, É que,

2.4 De acordo com a douta sentença proferida e tendo sido condenados os demandados, na íntegra, no pagamento da indemnização civil peticionada, foi determinado, relativamente às custas civis: "Sem custas, pela isenção em função do pedido".

Ora, ....

2.5 A taxa de justiça faz parte das custas, nos termos do art.3, n° 1 do RCP.

Pelo que,

2.6 Tendo sido determinado que os demandados estavam isentos do pagamento de custas, não existe, por conseguinte, fundamento legal para o pagamento de taxa de justiça pelo Recorrente., Ainda que assim não se entenda,

2.7 O RCP continuou a distinguir a fixação da taxa de justiça devida em geral (artigo 6), relativamente a outros processos ou fases processuais (artigos 7 e 8), bem como aos actos avulsos (artigo 9).

2.8 No caso da taxa de justiça devida em processo penal, o legislador enumerou taxativamente os casos de autoliquidação e prévio pagamento, os quais estão expressamente previstos no seu artigo 8.°, e reconduzidos somente à constituição de assistente (8, n°1) e à abertura de instrução (8, n°2), e não ao pedido civil deduzido em processo penal.

2.9 Por sua vez, estipulou como regra geral que "Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III" (artigo 8.°, n.° 5 do RCP).

2.10 O modo de pagamento dessa taxa de justiça encontra-se regulado pelo artigo 13.° do. RCP, sendo paga nos termos fixados pelo Código de Processo Civil (447.°, n.° 2 e 447.°-A do C. P. Civil), designadamente em função do respectivo impulso processual, estando a oportunidade desse pagamento, quando seja devida a taxa de justiça prévia, prevista no subsequente artigo 14.°, n.° 1 e 2 do mesmo RCP.

2.11 Isto significa que, como de resto já sucedida anteriormente na vigência do CCJ, que não há lugar ao pagamento prévio de taxa de justiça " Nas acções cíveis declarativas e arresto processados conjuntamente com a acção penal" (29.°, n.° 3, al. f) CCJ), atenta a autonomia do processo penal em relação ao processo civil (Cfr. Acórdãos da Relação do Porto, de 2011/Abr. /04, 2011/Mai. /18, 2011/Set. /28. 2012/Jun. /20. todos em www.dgsi.pt).

2.12 O acto processual que consiste na dedução do pedido cível não é uma acção autónoma, nem pode ser equiparado à petição inicial na acção cível, isto porque, no processo penal o pedido de indemnização civil tem que ser fundado na prática de um crime (artigos 129° do Código Penal e 71° do Código de Processo Penal).

2.13 A decisão sobre custas relativas ao pedido civil enxertado na acção penal, que não foi objecto de indeferimento ou rejeição, tendo prosseguido para julgamento, é proferida a final, isto é, na sentença ou acórdão (cf. artigos 374.°, n.° 4 e 377.°, n.° 3 e n.° 4 do CPP).

2.14 A este propósito, pode ler-se o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/10/2011, proferido no Proc. n.° 193/10.9GCGRD-A.C1 e com transcrição de parte do acórdão da Relação do Porto de 06/ 04/ 2011,..." o facto do lesado não ter de autoliquidar taxa de justiça quando deduz o pedido cível não significa que a não tenha de pagar a final, caso venha a ser condenado em custas na sentença (altura em que pagará a taxa de justiça respectiva, uma vez que esta faz parte das custas)" e o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/ 04/ 2013 proferido no Proc. n° 2359/08.2TAVFX-A.L1, "Atento tudo quanto ficou exposto e conjugando o estatuído nos artigos 6° n° 1, 13° n° 1, 14° n° 1 e 8°, todos do Regulamento das Custas Processuais, verifica-se que a dedução de pedido cível em processo penal não está sujeita ao prévio pagamento da taxa de justiça (razão pela qual a taxa de justiça, que se integra no conceito de custas, apenas é paga a final, nos termos fixados na decisão final) - (sublinhados nossos).

2.15 Ora, o Recorrente não foi condenado em quaisquer custas em sede de sentença, pois, pode ler-se na mesma o seguinte: "Sem custas, pela isenção em função do pedido".

2.16 De facto, foi considerado totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no processo contra os arguidos, condenando as mesmas ao pagamento do montante de 4.952,55€, acrescido dos respetivos juros de mora, pelo que o Recorrente não se encontra obrigado ao pagamento de taxa de justiça.

2.17 Assim, não havendo lugar a autoliquidação de taxa de justiça pela dedução de pedido de indemnização civil e não tendo o Recorrente sido condenado, a final, no pagamento de custas, inexiste qualquer fundamento legal para se proceder ao pagamento de qualquer taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do artigo 15.° n.° 2 do Regulamento das Custas Processuais.

2.18 Mas ainda que assim não se entenda, e não concedendo, tal notificação sempre careceria de fundamento legai. É que,

2.19 Nos termos do art° 15° n° 2 do RCP, "As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento, no prazo de 10 dias";

Ora,

2.20 O Recorrente apenas vem a ser notificado para o efeito em 09/03/2015, praticamente um ano após o trânsito em julgado da referida sentença.

E,

2.21 O Recorrente só poderia vir a exigir da parte vencida o reembolso do valor pago a título de taxa de justiça, caso o fizesse até 5 dias após trânsito em julgado da sentença, nos termos e para os efeitos do art° 25° do RCP. Porém,

2.22 Tal prazo encontra-se, desde há muito, ultrapassado. Ou seja,

2.23 A admitir-se a notificação para pagamento da taxa de justiça efetuada nestes moldes, ficaria o Recorrente, parte vencedora, irremediavelmente onerado com o pagamento de uma taxa pela qual não é, de todo em todo, a final, responsável.

Ora,

2.24 Nos termos do art.157, n°6 do CPC "Os erros e omissões praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes".

Pelo que,

2.25 A notificação para pagamento da taxa de justiça carece de fundamento legal porque viola diretamente o disposto no art.15, n°2 do RCP, e, consequentemente, impede, devido a erro da secretaria judicial, e por decurso do prazo para o solicitar à parte vencida, que o Recorrente venha a obter o reembolso da taxa de justiça.

2.26 Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão datado de 16/10/2013, Processo n° 0975/13 in www.dgsi.pt:

"I - Nos termos do n° 2 do art° 15° do RCP, a notificação para autoliquidação da taxa de justiça, relativamente às partes dispensadas do seu pagamento prévio, deve ser feita em simultâneo com a notificação da decisão da causa principal.

II- Se a dita notificação para autoliquidação da taxa de justiça, ocorreu posteriormente tal não pode ser irrelevado pois, no caso concreto, acarretaria, como consequência, a impossibilidade da Fazenda Pública exigir custas de parte, enquanto parte vencedora, pois que há muito se tinha verificado o trânsito em julgado da decisão que decidiu a causa.

III- Consequentemente, deve declarar-se ilegal a notificação para autoliquidação da taxa de justiça em causa."

2.27 Encontram-se violados no douto despacho impugnado proferido pelo Tribunal "a quo" ps seguintes preceitos legais: artigos 6º n°1, 8°, n°1, 14° n°1, 15° n°2, 29.° e 30.°, todos do Regulamento das Custas Processuais, artigos 4.° e 6.° da Portaria n.° 419-A/2009, de 17 de Abril.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido e ordenado que o pagamento da autoliquidação de taxa de justiça devida pela dedução do pedido de indemnização civil, seja dada sem efeito, requerendo a sua anulação, com todas as legais consequências, assim se fazendo por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva.

3. O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, após o que o Ministério Público respondeu, concluindo:

3.1 O Recorrente não beneficia da isenção do pagamento de custas prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea g), do RCP.

3.2 Efectivamente, na actual formulação legal, que se afasta da anteriormente vigente, a isenção estabelecida na alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP apenas se aplica às entidades públicas que actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias.

3.3 Ora, nos presentes autos, o Recorrente deduziu pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelo artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, estando a diligenciar pela cobrança de contribuições em dívida e não a agir na defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos.

3.4 Por conseguinte, tendo beneficiado da dispensa do prévio pagamento da taxa de justiça devida pela dedução do pedido de indemnização civil, o Recorrente é responsável pelo respectivo pagamento nos termos do disposto no artigo 15.º, n.º 2, do RCP.

3.5 Donde se conclui pelo acerto da decisão impugnada, que deve ser integralmente mantida, julgando-se improcedente o recurso a que se responde.

4. Neste Tribunal, a Exma. Srª Procuradora-geral Adjunta apôs visto.

5. Após os vistos legais, realizou-se a conferência.

6. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se o recorrente está obrigado a proceder ao pagamento da taxa de justiça, para que foi notificado nos termos do art.15, nº2, do RCP.

IIº 1. Destacamos os seguintes dados que resultam do processo, relevantes para apreciação da questão colocada:

a) Em processo criminal, o Instituto da Segurança Social, I.P., deduziu em 29Julho13 pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a condenação dos mesmos a lhe pagarem a quantia de €4952,55, acrescida de juros;

b) Por sentença de 23Maio14, a acusação foi julgada procedente, os arguidos condenados pelo crime de que tinham sido acusados e julgado procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, I.P., nele tendo sido condenados os arguidos /demandados;

c) Em relação aos custas relativas ao pedido civil, o tribunal decidiu naquela sentença "Sem custas, pela isenção em função do valor";

d) Por ofício de 3Mar.15, o Instituto da Segurança Social, I.P. foi notificado para "... nos termos do disposto no art.15, nº2, do RCP ..., no prazo de dez dias, proceder à autoliquidação da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização formulado nos presentes autos...";

2. Na sua resposta em 1ª instância, o Ministério Público, alega que o recorrente não beneficia de isenção de custas, o que, aliás, não é questionado.

Tal problemática foi objeto de alargada discussão e sobre ela se pronunciaram os nossos tribunais superiores, nomeadamente este Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido de que o ISS, IP não beneficia, naquelas ações, de isenção de custas, isenção que foi abolida com a publicação do DL n.º 324/03, de 27/12, que alterou o Código das Custas Judiciais.

Com a entrada em vigor do novo Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/2, a situação não se alterou, nele não se prevendo a isenção para o recorrente, a qual não cabe na alínea g) do n.º 1 do art. 4.º, e da qual não goza o próprio Estado, ao qual se equipara o ISS, IP, para o efeito, conforme melhor explanado no acórdão desta Relação e 5.ª Secção, proferido no Proc. nº1838/11.9TDLSB.L1, relatado pelo Exºmo Desembargador Dr. Luís Gominho, para cuja fundamentação remetemos, por nele ser recorrente aquele mesmo Instituto[1].

Não se questiona, também, o facto de o recorrente não estar obrigado ao  pagamento prévio de taxa de justiça pela dedução do pedido de indemnização civil em processo penal pois, como refere o despacho recorrido, no momento em que foi deduzido esse pedido vigorava o RCP, na versão introduzida pela Lei n°7/2012, de 13.02 que, de harmonia com os n°s1 e 2 do respetivo art.8, só previa tal autoliquidação nas situações de constituição de assistente e de abertura da instrução, sendo a taxa de justiça paga a final nos demais casos[2].

A dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça não desonera o sujeito processual beneficiário, da liquidação da taxa que for devida como contrapartida pela utilização e prestação do serviço judiciário, constituindo essa dispensa um mero adiamento do seu pagamento.

É o que resulta expressamente do nº2, do art.15, do RCP, na redação introduzida pela Lei nº7/2012, de 13Fev., com entrada em vigor em 29Mar.12 "2 – As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que suscetível de recurso, para efetuar o seu pagamento no prazo de 10 dias".

A aplicação deste preceito veio a suscitar algumas dúvidas em relação aos processos pendentes na altura da sua entrada em vigor, questão que não se coloca no caso em apreço, uma vez que o processo foi instaurado depois de 29Mar.12[3].

Em relação às razões que determinaram a introdução do nº2, do citado art.15, pela Lei nº7/2012, de 13Fev., o parecer nº40/2011, da Procuradoria Geral da República (Diário da República, 2.ª série — N.º 113 — 12 de junho de 2012), refere:

"... Desconhecemos as razões que determinaram esta alteração, sendo que a exposição de motivos da Proposta de lei que esteve na base do diploma não as referenciam. Os debates parlamentares e os pareceres emitidos no decurso do procedimento legislativo também são omissos quanto a tais razões. Admitimos, no entanto, que a solução legislativa tenha que ver com a necessidade de se garantir e obter, com um maior grau de eficácia, o pagamento das taxas de justiça devidas pela utilização da máquina judiciária. No regime anterior à apontada alteração, podia suceder que o sujeito processual condenado nas custas, onde, como se disse, se deveriam incluir tanto a sua própria taxa de justiça, como a taxa relativa à outra parte (vencedora), que fora dispensada do seu pagamento prévio, não procedesse ao seu pagamento voluntário, havendo necessidade da sua cobrança coerciva, através do Ministério Público. Nesta situação poderia acontecer que não se conseguisse arrecadar qualquer importância por inexistência de bens penhoráveis do devedor/executado. O risco do não pagamento da taxa de justiça relativa à parte vencedora que fora dispensada do seu prévio pagamento, era assumido, em exclusivo, pela entidade pública credora das custas. De certa forma, deparamo-nos com uma situação que apresenta alguma semelhança com a que se descreve no preâmbulo do Decreto -Lei nº324/2003, a que já se aludiu, para justificar o abandono do sistema da restituição da taxa de justiça. Também na situação agora em apreço pode suceder que não se consiga, no final do processo arrecadar «qualquer quantia a título de taxa de justiça, bastando, para esse efeito, que a parte vencida não proceda a qualquer pagamento no decurso da ação e que não possua bens penhoráveis. Ora, sendo certo que o processo existiu, correu os seus termos e teve um custo efetivo, tal significa que foi a comunidade,  globalmente considerada, quem o suportou, em detrimento de quem motivou o recurso ao tribunal». Não obstante a efetiva prestação do serviço público de justiça, sucede, nesta situação, que nem a parte que dele beneficiou o paga, nem o pagamento se consegue obter do sujeito processual vencido e, enquanto tal, condenado nas custas. Agora, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do RCP, a parte dispensada do seu prévio pagamento, ainda que obtenha ganho de causa, passa a ter de liquidar a taxa de justiça que, nos termos legais, corresponda à ação, procedimento ou incidente, assim se manifestando, em toda a sua plenitude, a regra, já enunciada, da não gratuitidade da atividade judiciária, segundo a qual, «as custas correspondem às despesas ou encargos judiciais causados com a obtenção em juízo, seja qual for o processo, da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctica».

No caso, tendo o recorrente beneficiado da prestação efetiva de um serviço público, não tem razão para se eximir o pagamento da prestação pecuniária exigida pelo Estado aos utentes do serviço judiciário, da qual apenas beneficiou de adiamento do seu pagamento.

A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, como prevê art.6, nº1 do RCP, pago no momento em que é desencadeado o impulso processual, ou no momento previsto no art.15, nº2, do RCP, nos casos de dispensa do prévio pagamento, em que há um diferimento desse pagamento.

É certo que, no caso, o recorrente obteve vencimento na lide e não foi condenado nas custas, mas essa é questão que se refletirá na conta que oportunamente será elaborada, onde serão tidas em conta as custas de parte.

Pode acontecer que a parte vencida não pague as custas da sua responsabilidade e não seja viável a sua execução, o que determinará prejuízo para quem obteve vencimento na lide, mas tendo presente a regra da não gratuitidade da atividade judiciária, é mais justo que o custo do processo seja suportado por quem dele beneficiou do que pela comunidade.

Alega o recorrente que já não está em prazo de apresentar a nota justificativa das custas de parte a que se refere o art.25, do CCJ, por já ter decorrido o prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da sentença.

Essa nota, porém, nunca pode ser apresentada antes do pagamento das quantias exigidas, razão por que em caso de pagamento posterior ao trânsito em julgado da sentença, a sua apresentação deve ser admitida nos cinco dias posteriores a esse pagamento.

Sublinha o recorrente o facto do nº2, do art.15, do RCP, prever a notificação das partes para o pagamento das quantias em causa "... com a decisão que decida a causa principal...".

Contudo, o erro da secretaria ao não proceder a tal notificação em simultâneo com a "... a decisão que decida a causa principal...", não extingue a obrigação imposta por esse preceito legal, sendo certo que também não pode prejudicar a parte (nº6, do art.157, do CPC), o que no caso será conseguido com  a permissão de apresentação da nota justificativa das custas de parte após o pagamento da quantia exigida.

Assim, com o devido respeito, não concordamos com o douto Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 16Out.13, citado pelo recorrente (acessível em www.dgsi.pt, Relator Cons. ASCENSÃO LOPES), quando conclui que a notificação para os efeitos do nº2, do citado art.15, posterior ao trânsito em julgado, por erro da secretaria, torna inexigível essa obrigação, o que se traduziria na atribuição ao erro da secretaria da virtualidade de extinguir uma obrigação pecuniária que recai sobre quem recorre aos tribunais, quando o art.157, nº6, do CPC, expressamente salvaguarda os interesse atingidos por esses erros, prevendo que não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, o que, no caso em apreço se alcança com a possibilidade de a parte apresentar a nota justificativa das custas de parte após o pagamento da taxa de justiça, mesmo que já tenha transitado a decisão que conheceu do mérito da lide, daí não advindo qualquer prejuízo para o andamento do processo, pois só posteriormente será elaborada a conta.

Concluindo:

A dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça não desonera o sujeito processual beneficiário dessa dispensa, da obrigação de liquidar a taxa de justiça devida como contrapartida pela utilização e prestação do serviço judiciário, constituindo aquela dispensa um mero adiamento do seu pagamento;

O nº2, do art.15, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pela Lei nº7/2012, de 13Fev., evidencia a regra da não gratuitidade da atividade judiciária, justificando-se a realização da notificação aí prevista mesmo em relação à parte que obtenha vencimento na lide, de modo que o custo do processo seja suportado preferencialmente por quem dele beneficia em vez de ser suportado pela comunidade;

A não realização dessa notificação, por erro da secretaria, com "...a decisão que decida a causa principal...", como é previsto no citado nº2, do art.15, do RCP, não extingue a obrigação imposta por esse preceito legal, nem prejudica a parte, que poderá apresentar a nota justificativa das custas de parte após o pagamento da quantia exigida;

IIIº DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, em conferência, em negar provimento ao recurso interposto pelo Instituto da Segurança Social, I.P.

Condena-se o recorrente em três UCs de taxa de justiça.

Lisboa, 26 de Maio de 2015

...............................................

(Relator: Vieira Lamim)

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(Adjunto: Ricardo Cardoso)

[1]             Neste sentido, de o Instituto de Segurança Social, em situações como a presente, não gozar de isenção de custas, ainda:

               Acs. da Relação do Porto, de 28 de Setembro de 2011 (processo 1008/09.6TAPRD-A.P1, relatado por Airisa Caldinho), de 20 de Dezembro de 2011 (processo 339/10.7TASTS-A.P1, relatado por Lígia Figueiredo), de 6 de Junho de 2012 (processo 1316/09.6TASTS-A.P1, relatado por Maria Leonor Esteves), de 20 de Junho de 2012 (processo 1038/10.5TASTS-B.P1, relatado por Artur Oliveira) e de 21 de Novembro de 2012 (processo 1319/10.8TASTS-A.P1, relatado por Francisco Marcolino);

               Acs. da Relação de Coimbra, de 1 de Fevereiro de 2012 (processo 2297/10.9TACBR-A.C1, relatado por Alice Santos;

                Acs. da Relação de Lisboa, de 3 de Abril de 2013 (processo 2359/08.2TAVFX-A.L1-3, relatado por Jorge Langweg) e de 10 de Maio de 2013 (processo 10317/05.2 TDLSB-A.L1, relatado por Alda Casimiro).

               No mesmo sentido, Salvador da Costa (Regulamento das custas processuais anotado, 5.ª edição, p. 161), ao dizer, em anotação ao mencionado artigo 4.º, n.º1, alínea g): "Dado o elemento literal deste normativo e o seu fim, esta isenção não abrange o Instituto de Segurança Social, IP, relativamente a pedidos cíveis enxertados na acção penal com vista à realização de direitos de crédito da titularidade da segurança social".
[2]             Os Acs. do Trib. da Relação de Coimbra, de 6Abr.11 e de 3Abr.13, citados pelo recorrente, não são invocáveis para o caso em apreço, pois são anteriores à vigência da Lei nº7/12, de 13Fev.
[3]             Em relação a processos pendentes na altura da entrada em vigor das alterações introduzidas Lei nº7/2012, de 13Fev., cfr. Parecer nº40/2011, da Procuradoria Geral da República (Diário da República, 2.ª série — N.º 113 — 12 de junho de 2012) e Ac. desta Secção de 17Dez.14 (Pº826/09.0TDLSB.L1 -5, Relator Jorge Gonçalves, acessível em ww.dgsi.pt), onde se decidiu "... aos processos pendentes é aplicável a versão do Regulamento das Custas Processuais na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 7/2012, se o dispensado não for condenado a final no pagamento das custas. Deve entender-se que o consagrado no nº 9, do artigo 8º desta lei vale apenas para as situações em que em processos pendentes o dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça foi condenado a final no pagamento das custas, já não quando por elas não é responsável".