Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3512/06.9TTLSB.L1-4
Relator: DURO MATEUS CARDOSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
LESÃO ANTERIOR
INCAPACIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Sumário: I- No caso de lesão anterior não imputada a acidente de trabalho e que é agravada por acidente de trabalho posterior, é aplicável o disposto no art. 9º-2 da LAT/97 avaliando-se incapacidade como se tudo resultasse do 2º acidente. II- O disposto no art. 9º-3 da LAT/1997 é também aplicável aos casos de lesão anterior não imputada a acidente de trabalho e que é agravada por acidente de trabalho posterior. III- Para se apurar a diferença entre a incapacidade anterior e a que foi calculada como se tudo fosse imputado ao acidente de trabalho, incumbe aos Snrs. Peritos Médicos fornecer o necessário laudo quanto à incapacidade que afectava o sinistrado antes do acidente de trabalho de forma que a sentença a proferir possa dar adequado cumprimento ao disposto no art. 9º-3 da LAT/97. IV- Se na Junta Médica os Snrs Peritos não se pronunciaram quanto à incapacidade que resultou do primeiro acidente, que não era de trabalho, deve a decisão final proferida ser anulada, e a Junta médica completar o seu laudo.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


I- AA, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa de condenação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, CONTRA,
BB–COMPANHIA DE SEGUROS, SA, e
CC, LDA.

II- PEDIU que as rés sejam condenadas, cada uma na respectiva proporção da percentagem da transferência da retribuição que se vier a apurar estar ou não transferida, no seguinte:

- Numa indemnização resultante da incapacidade temporária absoluta que o autor sofreu desde 15.07.2006 até 02.05.2007;

- A indemnização referente às incapacidades temporárias que o autor sofreu desde aquela data e até à data da alta.

- A pensão anual vitalícia correspondente ao grau de desvalorização definitiva que lhe vier a ser fixado.

- A quantia de € 100,40 referentes a despesas com transportes.

- A quantia de € 31,75 referente a despesas com consultas e exames de diagnóstico complementares;

- As despesas que tenha ou venha a efectuar desde 2/3/2007, com vista à sua reabilitação e recuperação funcional, e inerentes à reparação deste acidente de trabalho – nomeadamente, consultas, tratamentos, medicamentos, despesas de transportes ou outras.

- No pagamento de juros de mora sobre as diversas quantias em que forem condenadas.

III- ALEGOU, em síntese, que:

- Sofreu um acidente a 14/7/2006 enquanto trabalhava sob a autoridade, direcção e fiscalização da 2ª ré mediante a remuneração mensal de € 461,00, acrescido de subsídios de Natal e de férias e ainda de um valor diário de 6,05€ a título de subsídio de alimentação, tendo de tal acidente resultado para si, designadamente, uma incapacidade parcial permanente e períodos de incapacidades temporárias, não se encontrando paga destas pelas rés.

- A 2ª ré transferiu para a primeira ré a responsabilidade infortunística, através de contrato de seguro, titulado por apólice mas por montante inferior à retribuição auferida.

- Realizou despesas com deslocações, tratamentos, exames, consultas e outras inerentes ao tratamento e cura das lesões do acidente.

IV- O Instituto da Segurança Social, IP, veio igualmente deduzir, contra as rés, pedido de reembolso de prestações por si pagas ao autor, como seu beneficiário, em virtude do acidente em causa, a título de subsídio de doença, por uma vez € 586,92, e por outra vez € 2376,94.
V- As rés foram citadas e a seguradora CONTESTOU, dizendo, no essencial, que:
- A entidade empregadora apenas transferira, através do contrato de seguro um valor relativo a salário base que lhe declarou relativo ao autor de € 452,00 x 14 meses base, num total anual de € 6.328,00;
- Não existe nexo causal entre as lesões alegadas pelo autor e o acidente dos autos, pelo facto de não haver qualquer relação entre as queixas apresentadas e o acidente ocorrido em 14/7/2006, inserindo-se tais alegadas lesões no âmbito das doenças naturais excluídas do âmbito da apólice;
- A lesão ora observada no autor é uma decorrência da intervenção cirúrgica a que o mesmo foi sujeito em 3/3/2005;
- O evento ocorrido em 14/7/2006 não podia ocasionar a lesão diagnosticada, sendo situação pré-existente.
- Desconhece os pagamentos que o Instituto da Segurança Social efectuou e a que título.
VI- Foi proferido despacho saneador e elaborou-se matéria de Facto Assente e Base Instrutória.
Constituiu-se Apenso para fixação de incapacidade e, realizada Junta Médica em que também se considerou que o sinistrado esteve com ITA entre 14/7/2006 e 13/9/2010, o Tribunal proferiu decisão em que fixou em 4% a IPP que afecta o sinistrado.
O processo seguiu os termos e foi proferida sentença em que se julgou pela forma seguinte: “III - Decisão:
Face ao exposto, julga-se a acção procedente por provada e, em consequência, face ao já anteriormente acordado e que resulta supra, condenam-se ambas as rés a pagar ao autor e ao ISS,IP, na proporção de 79,92% para a 1ª ré e de 20,08% para a segunda ré:
a) O capital de remição correspondente ao da pensão anual no valor global que resultar da aplicação da fórmula com base no vencimento anual global de € 7.918,10, com início em 14.09.2010;
b) A pagar ao ISS, IP, na referida proporção, o montante de € 3.120,16, acrescida de juros de mora desde 20.10.2007 (data da notificação do pedido);
c) Em indemnização ao autor por todo o período de incapacidade temporária absoluta, - 14.07.2006 a 13.09.2010, nos montantes e proporções já fixados na decisão provisória, deduzidos os montantes que entretanto a tal título hajam sido pagos pelas rés e pelo ISS,IP, a liquidar, se necessário, em momento posterior.
d) Condeno as rés a pagar ao autor as despesas por ele apresentadas relativas a transportes, no valor de € 100,40;
e) A pagarem-lhe a quantia de € 31,75 de gastos tidos com consultas, exames médicos e diagnósticos:
f) Condenar ainda as rés a pagaram ao autor as despesas que, além das referidas em d) e e), ele venha a ter, comprovadamente, da mesma natureza destas.
g) Condenar as rés no pagamento de juros de mora sobre as importâncias agora fixadas.
Dessa sentença, a ré interpôs recurso de Apelação a ré seguradora BB (fols. 459 a 476), apresentando as seguintes conclusões
(…)
O sinistrado contra-alegou (fols. 489 a 493) pugnando pela improcedência do recurso.
Correram os Vistos legais.

  VIII- A matéria de facto considerada provada em 1ª instância é a seguinte:

1- O autor trabalhou desde 01.06.2000 sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª ré, em execução de contrato de trabalho com esta celebrado, como pedreiro de 2ª – al. A);

2- Em Julho de 2006 o autor prestava o seu trabalho numa obra de construção civil que a 2ª ré tinha adjudicado, sita na Alta de Lisboa-Lumiar, em Lisboa – Al. B)

3- No dia 14.07.2006, da parte da tarde, quando o autor se encontrava a transportar um tubo galvanizado de um andar para o outro, naquela obra, e ao serviço da 2ª ré, deu um mau jeito à coluna vertebral – Alínea C);

4- A 2ª ré tinha a sua responsabilidade infortunística em função da retribuição do montante anula de € 452,00 x 14, 6.328,00 euros, transferida para a 1ª ré, pelo contrato de seguro titulado pela apólice nº 200029004 – al. D);

5- A quantia paga a título de subsídio de alimentação ao autor, no montante anual de € 1.464,10 não estava incluída naquela transferência de responsabilidade para a seguradora – Al. E);

6- A 2ª ré participou o acidente à seguradora – al. F);

7- Tal acidente veio a ser participado a tribunal pelo sinistrado, tendo-se dado início ao processo acima referenciado, no âmbito do qual o autor foi submetido ao exame médico – Al. G);

8- Nesse exame médico, o perito do tribunal fixou ao autor uma ITA desde a data do acidente até essa data – 02.02.2007 – e por mais de noventa dias – Al. H);

9- Realizada tentativa de conciliação em 02.03.2007, viria a mesma a frustrar-se, já que: / - a primeira ré não aceitou o acidente dos autos como de trabalho, nem o nexo de causalidade entre este e as lesões consideradas no exame médico, nem tão pouco a incapacidade atribuída – Al. I);

10- E a 2ª ré aceitou a existência e caracterização do acidente como de trabalho e o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões consideradas pelo perito médico no seu exame, bem como a incapacidade aí atribuída e bem assim que a retribuição que o sinistrado auferia à data do acidente ser no montante anual de € 7.918,10 – Al. I’);

11- O autor foi seguido clinicamente, principalmente no cento de Saúde do Feijó e no Hospital de Almada, em relação às lesões e sequelas resultantes do acidente de trabalho, uma vez que à data do mesmo morava na Rua (…), Feijó, tendo logo após mudado de residência – Alínea J);

12- Na sequência da participação do acidente, já junta aos presentes autos na fase conciliatória, o autor foi consultado na especialidade de Neurocirurgia, no Hospital CUF, em 18.07.2006 e foi-lhe diagnosticada “Lombociatalgia esquerda incapacitante”. – Al. L);

13- Tendo ainda os referidos serviços médicos verificado que o autor em 03.03.2005 foi operado a L4/5, ou seja, foi intervencionado a uma hérnia na coluna lombar – al. M);

14- E nessa sequência, foi solicitada autorização para a realização da intervenção cirúrgica, dado tratar-se a lesão agora observada de uma decorrência da intervenção cirúrgica a que foi sujeito o autor naquela data de 03.03.2005. – Al. N);

15- Em consequência do acidente ocorrido em 14.07.2006, o Instituto de Segurança Social, pagou ao autor, no período de 14.07.2006 a 21.09.2006, a quantia de € 586,92, a título de subsídio por doença - Al. O);

16- E bem assim lhe pagou, relativamente ao período de 22.09.2006 a 30.05.2007, a quantia de € 2.376,94, também a título de subsídio de doença – Al. P);

17- O autor à data do acidente, auferia um salário base no montante de € 461,00 por mês a que acrescia os subsídios de Férias e de Natal, bem como o subsídio de alimentação no valor de € 6,05 diários, numa retribuição anual de € 7918,10 – Resposta ao quesito 1º;

18- Em consequência do constante em 3) da matéria de facto assente o autor sofreu de lombalgia de esforço com lombociatalgia esquerda de que resultou discopatia com compressão radicular bilateral, lesões e sequelas melhor descritas nos autos de exame médico de fls. 95 – Qº 2º;

19- As lesões e sequelas do autor consideradas no auto de exame médico, são consequência do acidente mencionado em 3) da matéria de facto assente –resposta ao Qº 3º;

20- O autor deslocou-se, em número de vezes não apurado, ao Hospital de Carcavelos, após o acidente – resposta ao Qº 4º;

21- O autor deslocou-se ao Hospital de Almada, após o acidente – resposta ao Qº 5º;

22- O autor deslocou-se ao Hospital da CUF em número de vezes não apurado, após o acidente – resposta ao Qº 6º;

23- O autor deslocou-se pelo menos 7 vezes ao Centro de Saúde da Cova da Piedade, extensão do Feijó, após o acidente – resposta aos Qº.s 7, 8 e 9º;

24- O autor já despendeu a quantia de € 17,40 numa TAC efectuada em 12.10.2006 à coluna cervical – Qº 10º;

25- A quantia de € 10,25 (€ 2,05x5) com cinco consultas no Centro de Saúde de Feijó para renovar as baixas entre Setembro e Dezembro de 2006 – Qº. 11º;

26- E a quantia de € 4,10 (2,05x2) com duas consultas no Centro de Saúde de Feijó para renovar as baixas entre Janeiro e Fevereiro de 2006 – Qº. 12º;

27-O Autor continua a sofrer de uma incapacidade absoluta temporária pelo menos até 02.05.2007, conforme foi fixado no auto de exame médico de fls. 95 e com referência ao constante da alínea H) da matéria de facto assente – resposta ao Qº 13º;

28-A ré Seguradora, na sequência da indicação da sua assistência clínica, afastou a hipótese de que o evento ocorrido em 14.07.2006, pudesse ocasionar a lesão diagnosticada, por entender que as lesões não eram contemporâneas com o acidente dos autos e se tratar de doença natural – respostas aos Qºs 14º e 15º;

29- No âmbito do processo apenso para fixação de incapacidade do autor para o trabalho, em sua reunião de 12.11.2010, a Junta Médica determinou a existência de um coeficiente Global de incapacidade de 0,04% - fls. 131-133 do apenso;

30- Por sentença de 21.12.2010, transitada em julgado, proferida no âmbito desse apenso “A” de fixação de incapacidade, foi fixada ao autor uma IPP de 4% - cf. fls. 138 do apenso;

31- Também por Junta Médica reunida em 26.04.2012, foi deliberado, por unanimidade, manter a incapacidade já atribuída ao sinistrado, aqui autor de 4% de IPP, por inexistirem alterações objectiváveis desde então – cf. Laudo de fls.342-344;

32- E, por Junta Médica reunida em 13.12,2012, os mesmos membros da JM anterior consideraram existir um período de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA), do autor, desde a data do acidente e até 13.09.2010, data da alta – fls. 395-307;

33-Em 14.10.2010 o autor veio requerer a fixação urgente de uma indemnização provisória, invocando que se encontrava impossibilidade de trabalhar e sem outra fonte de rendimentos, e recusando a Segurança Social continuar a pagar-lhe subsídio de doença, pedindo uma indemnização diária de € 15,39 sendo da responsabilidade da seguradora 79,92% e da empregadora 20,08% - cf. requerimento de fls. 296;

34-Notificadas as rés não se pronunciaram quanto a tal pedido pelo que, por decisão judicial de 13.12.2010 foi fixada ao autor, a título provisório, uma indemnização diária do valor pedido de € 15,39, na proporção proposta, cabendo à 1ª ré pagar 12,31€ e à 2ª 3,08€ diários – cf. fls. 303.
IX- Nos termos dos arts. 684º-3, 690º-1, 660º-2 e 713º-2, todos do CPC aplicável, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.

Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão fundamental que se coloca nos presentes recursos é saber-se se estamos perante um acidente de trabalho indemnizável pelo facto de a lesão sofrida pelo sinistrado não ser um acontecimento causal exógeno à vítima.
            X- Decidindo.

O apelante, nas suas alegações de recurso (mas não nas respectivas conclusões) alude a uma lesão sofrida pelo sinistrado anteriormente ao acidente em causa nos autos, que lhe valeu uma operação a L4/5, em 3/3/2005. No entanto, não faz qualquer referência à aplicabilidade ao caso do disposto no art. 9º-2-3 da LAT/97. Aliás, a sentença recorrida também não faz qualquer enquadramento jurídico com tal preceito legal.

            Acontece que aquele artigo da LAT/97 existe e tem de ser convenientemente ponderado e subsumido aos factos apurados.

            Tendo o acidente ocorrido a 14/7/2006, é aplicável a Lei nº 100/97 de 13/9 (LAT/97).

O conceito legal de acidente de trabalho é-nos dado pelo art. 6º-1 da LAT/97, nos seguintes termos:"É acidente de trabalho o acidente aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte".

Tal definição corresponde à concepção doutrinal corrente de acidente de trabalho como evento anormal, em geral súbito, ou pelo menos de uma duração curta e limitada, que acarreta uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano.

  A expressão "lesão corporal", usada na aludida definição, abrange os "ferimentos corporais" em regra provenientes de qualquer traumatismo, como as "lesões de saúde".

Tal conceito é delimitado por três elementos cumulativos, sendo um espacial (o local de trabalho), outro temporal (o tempo de trabalho) e o último causal (o nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação ou doença).

Resultou provado (factos provados nºs 2 e 3) que a ocorrência danosa se verificou no local e tempo de trabalho: “Em Julho de 2006 o autor prestava o seu trabalho numa obra de construção civil que a 2ª ré tinha adjudicado, sita na Alta de Lisboa-Lumiar, em Lisboa” e No dia 14.07.2006, da parte da tarde, quando o autor se encontrava a transportar um tubo galvanizado de um andar para o outro, naquela obra, e ao serviço da 2ª ré, deu um mau jeito à coluna vertebral”.

 Só que isso não basta para o preenchimento da definição legal de acidente de trabalho, já que, e como se acentuou, deverá ainda exigir-se que haja uma relação de causalidade entre o acidente, a lesão e a incapacidade.

Como se sabe, a questão do nexo de causalidade desdobra-se em duas condições: uma, relativa ao nexo causa-efeito entre o acidente e a lesão corporal, perturbação ou doença; outra, que a lesão corporal, perturbação ou doença, seja a causa de incapacidade para o trabalho ou morte.

Ora, quer o art. 6º-5 da LAT/97 quer o art. 7º-1 do DL nº 143/99 versam sob a mesma realidade relativa ao estabelecimento de uma presunção de existência de nexo causal entre o acidente e as lesões. E tão só.

Na verdade, o art. 6º-5 da LAT/97 fixa a presunção de nexo entre a lesão e o acidente. E o art. 7º-1 do DL, no mero desenvolvimento daquela norma da Lei, clarifica que o reconhecimento a seguir ao acidente deve ser no local e tempo de trabalho (ou nas circunstâncias previstas no art. 6º-2 da LAT/97).

Ou seja, o nexo de causalidade entre o acidente e a lesão presume-se quando esta for reconhecida logo a seguir ao acidente, isto é, quando a lesão, perturbação ou doença forem aparentes, superficiais ou de evidenciação imediata.

Há, neste caso, uma presunção legal iuris tantum a favor do acidentado, cabendo à entidade responsável o ónus de a ilidir. Ela é estabelecida em benefício do sinistrado, ao qual incumbe somente alegar e provar o facto que serve de base à presunção, ou seja, que a lesão foi observada (ou reconhecida, segundo a expressão da LAT/97) no local e no tempo de trabalho, como decorre do preceituado nos arts. 349° e 350°-1 do Cod. Civil.

Retira-se do facto provado nº 3 que houve verificação da lesão logo a seguir ao acidente e no local e tempo de trabalho. Ademais o facto provado nº 19 estabelece, sem dúvidas, que as lesões do sinistrado são consequência do acidente

Independentemente deste reconhecimento o que é certo é que a presunção não funciona em relação à incapacidade, isto é, não é legítimo presumir que do acidente resultou determinada incapacidade permanente parcial, cabendo ao sinistrado o ónus de provar o nexo de causalidade entre o acidente e a invocada incapacidade, que as lesões determinativas da mesma resultaram do acidente, não sendo pré-existentes.
Assim, não beneficia o sinistrado de presunção de existência de nexo causal entre as lesões e a incapacidade permanente apurada.
Mas, percorrendo a matéria de facto dada como provada, designadamente dos factos provados nºs 29 e 31, retira-se ter ficado apurado que devido às lesões descritas no facto provado nº 18, o sinistrado ficou afectado de incapacidade permanente, pelo está também estabelecido o nexo causal entre as lesões e a incapacidade permanente.

Importa ainda, todavia, verificar se as lesões apuradas eram pré-existentes, com defende o apelante e qual a sua repercussão na determinação da incapacidade a atribuir ao sinistrado.

Como se retira dos factos provados nºs, 8, 13 e 31, (e mesmo do doc. de fols. 54) antes do acidente dos autos, o autor já fora operado a L4/5, a uma hérnia na coluna lombar, tendo a Junta Médica, por maioria, considerado existir “um reagravamento da discopatia L4-L5 prévia em 2005”.

Existindo a lesão anterior (não imputada a outro acidente de trabalho e que foi agravada pelo acidente dos autos) importa fazer o respectivo enquadramento no âmbito do art. 9º -2-3 da LAT/97.

A sentença recorrida, considerando, e bem, como se viu, estar-se perante um acidente de trabalho, fez uso da IPP de 4% atribuída pela Junta Médica realizada no apenso de fixação de incapacidade onde, manifestamente, se ponderou a capacidade restante do sinistrado como integral (ou 1), apesar de ali se ter feito constar que se estava perante um agravamento de lesão anterior.

Mas será que a Junta Médica ponderou, de forma correcta, unicamente a capacidade integral do sinistrado ? ou deveria também ter feito constar a capacidade restante em função de incapacidade permanente resultante de anterior lesão ?

Vejamos então.

No art. 9º-2 da LAT/97 dispõe-se: “Quando a lesão ou doença consecutiva ao acidente for agravada por lesão ou doença anterior, ou quando esta for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 17º.”

E no nº 3 do mesmo artigo: “No caso de o sinistrado estar afectado de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.

Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., 2000, Almedina, a pag. 71, escreve, a propósito dos nºs 2 e 3 do art. 9º da LAT/97, que “Também se não verifica a existência de lesão ou doença anteriores ao acidente, mas não originárias de acidente de trabalho reparado, situação prevista no nº 2. A hipótese do nº 3 é diversa: a lesão ou doença aqui contemplada é, apenas a resultante de um outro acidente de trabalho anterior, de que haja resultado incapacidade permanente, já quantificada e fixada.”. Acrescenta ainda que “o que o nº 3 do artigo 9º, vem dizer é que a reparação deste segundo acidente tem que ter em conta a capacidade integral já diminuída, isto é, uma capacidade parcial.”.

Nestes casos de agravamento, através de um 2º acidente, da lesão sofrida no primeiro acidente é aplicável o disposto no art. 9º-2, 2ª parte, da LAT/97, com a incapacidade a ser avaliada “como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 17º”.

Portanto, no caso em apreço, tendo havido lesão resultante de anterior acidente, que não de trabalho, e que foi agravada por novo e posterior acidente rege o disposto no art. 9º-2, 2ª parte, da LAT/97, avaliando-se a incapacidade como tudo resultasse do 2º acidente, este de trabalho (Neste sentido, veja-se o Ac. do STJ de 21/6/2006, disponível em www.dgsi.pt/jstj, P. nº 06S896, embora referindo-se à equivalente Base VIII da anterior LAT- Lei nº 2127 mas considerando dois acidentes, ambos de trabalho).

Questão fulcral e final prende-se agora com a aplicabilidade, ou não, à situação dos autos do disposto no art. 9º-3 da LAT/97.

Como já vimos, Carlos Alegre considera que “a lesão ou doença aqui contemplada é, apenas a resultante de um outro acidente de trabalho anterior, de que haja resultado incapacidade permanente, já quantificada e fixada.”

Salvo o devido respeito, que é muito, por quem muito sabe de acidentes de trabalho, não se pode concordar com a referida posição do citado autor infortunístico.

Desde logo porque a norma não distingue entre incapacidade permanente resultante de anterior acidente de trabalho e incapacidade permanente resultante de anterior acidente não enquadrável como de trabalho.

Depois porque o entendimento expresso por aquele autor levaria a inaceitável desigualdade e iniquidade de tratamento de situações que, na essência são iguais.

Na verdade, não se vê qualquer justificação para que no caso de os dois acidentes serem de trabalho se descontar a incapacidade anterior e no caso de o 1º acidente não ser de trabalho não se efectuar esse desconto levando a que a entidade responsável suporte a reparação resultante de uma parte da incapacidade que nada teve a ver com o desempenho laboral do sinistrado.

Porque há-de uma entidade empregadora ser também responsável por uma reparação em razão de incapacidade que resultou para o seu trabalhador por, durante o fim-de-semana, ter caído de uma árvore do seu quintal quando lá foi apanhar cerejas ? Não se vê como.

Como acima citamos, o Dr. Carlos Alegre escreveu, e neste particular muito bem, que “o que o nº 3 do artigo 9º, vem dizer é que a reparação deste segundo acidente tem que ter em conta a capacidade integral já diminuída, isto é, uma capacidade parcial.”.

Entendemos também aqui que o art.9º-3 da LAT/97 se aplica a casos em que a incapacidade anterior ao acidente de trabalho resulta de um acidente que não é de trabalho e a casos em que a incapacidade anterior resulta de um acidente de trabalho.

Aqui chegados constata-se que no caso dos autos não foi encontrada a diferença entre a incapacidade anterior e a que foi calculada como tudo fosse imputado ao 2º acidente, ou seja, atribui-se a IPP de 4% com base na capacidade integral do sinistrado sem referência à incapacidade anterior.

A Junta Médica cumpriu com rigor o disposto no art. 9º-2 da LAT/97, mas os Exmºs Facultativos não forneceram o necessário laudo quanto à incapacidade que afectava o sinistrado antes do acidente de trabalho dos autos de forma que a sentença a proferir pudesse dar adequado cumprimento ao disposto no art. 9º-3 da LAT/97.

Diga-se, também, que o Mmº Juíz a quo, apesar desta deficiência relevante, em vez de solicitar à Junta Médica que se pronunciasse também quanto à IPP de que o sinistrado padecia antes do acidente de trabalho dos autos, associou-se ao referido laudo e proferiu despacho fixando a IPP em 4%, não atendendo a que, embora o art. 9º-2 da LAT/97 ficciona juridicamente a existência de nexo causal entre o acidente e as lesões ou doenças anteriores ao acidente por aquele agravadas, haveria de determinar-se igualmente qual a incapacidade do sinistrado antes do acidente dos autos para se poder aplicar o art. 9º-3 da LAT/97.

Importa, pois concluir que se terá de determinar que a Junta Médica complete o seu laudo e se pronuncie também quanto à incapacidade de que o sinistrado padecia antes do acidente de trabalho dos autos.

XI- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em:

A) Anular a sentença de fols. 418 a 429;

B) Determinar que a Junta Médica complete o seu laudo esclarecendo qual a incapacidade de que o sinistrado padecia antes do acidente de trabalho em causa nestes autos;

D) Determinar que o Mmº Juiz "a quo", após, profira nova sentença em que tenha também em devida conta o disposto no art. 9º-2-3 da LAT/97.

Custas desta apelação pelo vencido a final.

Lisboa, 19/11/2014

Duro Mateus Cardoso

Isabel Tapadinhas

Leopoldo Soares

Decisão Texto Integral: