Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
149/14.2TCFUN-E.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO
CONTA SOLIDÁRIA
EMBARGOS DE TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Num contrato de depósito sujeito ao regime da solidariedade, serão aplicadas as regras constantes dos artºs 513 e 516 do C.C, presumindo-se que os saldos nela depositados ou aplicados pertencem em partes iguais aos seus titulares.

Esta presunção é ilidível, podendo qualquer dos seus titulares provar que, os valores constantes desta conta lhe pertencem por inteiro, ou em diversa proporção.

O co-titular de conta bancária penhorada, terceiro à execução, pode lançar mão dos embargos de terceiro, com fundamento na propriedade por inteiro destes valores, direito este incompatível com a realização da diligência de penhora.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


A..., solteiro, residente..., veio deduzir os presentes embargos de terceiro, por apenso a execução instaurada pelo Banco ... contra S... Lda., S..., T..., A... e M..., peticionando que os presentes sejam recebidos e julgados procedentes e, em consequência, ser suspensa a execução e levantadas as penhoras incidentes sobre contas bancárias de que é co-titular, nº 0003.27832112020, contendo o montante de € 2.446,11, nº 0003.11913326069, contendo o montante de € 3.500,00, e nº 0003.11551852069, contendo o montante de € 5.000,00, do S... S.A., conjuntamente com a executada T..., alegando pertencer-lhe em exclusivo os montantes depositados nestas contas.

Foi proferido despacho liminar de recebimento dos embargos.

Notificados para tal, veio o embargado e exequente Banco..., contestar, impugnando o alegado, por desde a executada T..., ser desde 14 de Maio de 2008, co-titular das contas bancárias, ou seja há mais de seis anos, podendo movimentar a mesma.

Assim, entende que é irrelevante a origem dos saldos bancários, tendo a penhora sido efectuada de acordo com os normativos legais.

Os demais embargados não contestaram.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, no termo da qual o tribunal recorrido fixou a matéria de facto que considerou assente e proferiu a seguinte decisão:
“Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de facto e de direito supra mencionados, julgo procedentes, por provados, os presentes embargos e, em consequência, determino o levantamento da penhora realizada nos autos sobre o saldo bancário penhorado junto do Banco ..., na conta bancária com o NIB 0018.0000.32626186001.31 e a todas as contas associadas a esta, que constituem as verbas ns.º 2 a 4 do auto de penhora de 26.09.2014, também tituladas pelo ora embargante A..., e ordeno o cancelamento da mesma.”

Não conformado com esta decisão, impetrou o exequente/embargado recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

CONCLUSÕES:

A.Determinou a Mm Juiz a quo o levantamento da penhora realizada nos autos sobre o saldo bancário penhorado junto do Banco..., na conta bancária com o NIB ... e a todas as contas associadas a esta, que constituem as verbas ns.º 2 a 4 do auto de penhora de 26.09.2014, também tituladas pelo ora embargante A..., e ordenado o cancelamento da mesma.
B.Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, a M.º Juiz a quo não fez correcta nem adequada aplicação do direito.
C.Não resulta, quer da prova testemunhal produzida, quer da prova documental carreada para os autos, elementos que permitam concluir e dar como provados os factos referidos em 2 e 3 da sentença recorrida.
D.A depoente, Executada nos autos, irmã do Embargante e cujo depoimento foi considerado essencial para a "douta" decisão e estabelecimento dos factos dados como provados para além das relações familiares é ainda parte dos autos principais.
E.A conta nº 0003.4551852069, referida no artigo l.º da PI e penhorada não é titulada ou sequer co-titulada pelo Embargante.
F.A conta 0003.4551852069, à falta de produção probatória em sentido contrário, haveria de corroborar-se da titularidade única da executada.
G.As outras duas contas, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, deveriam ter sido consideradas da co-titularidade do Embargante e da Executada, pelo que, quanto muito, a penhora haveria de realizar-se de acordo com as regras atinentes às contas bancárias de natureza conjunta.
Não ficou provada a origem dos saldos e valores penhorados, não obstante, o tribunal a quo tenha considerado como facto provado (desconhece o Recorrente com que fundamento válido) que os saldos e valores em questão pertencem ao embargante A..., como resultado das suas poupanças que fez enquanto esteve emigrado em Inglaterra a trabalhar.
Embargante e Executada não lograram ilidir a presunção de co-titularidade, e cuja ilisão seria passível de melhor concretização mediante a junção aos autos de documentos comprovativos de constituição dos depósitos a prazo penhorados, pois essa documentação sempre haveria de demonstrar, sem espaço para dúvidas, quem concretizou essa constituição!
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso e revogando a sentença que determinou o levantamento da penhora realizada nos autos sobre o saldo bancário penhorado junto do Banco Santander Totta, na conta bancária com o NIB 0018.0000.32626186001.31 e a todas as contas associadas a esta, que constituem as verbas ns.os  2 a 4 do auto de penhora de 26.09.2014, também tituladas pelo ora embargante António Gouveia, e ordenado o cancelamento da mesma, ordenando em sua substituição a manutenção das penhoras e transferência das quantias para o Exequente, na medida necessária à salvaguarda senão da totalidade, de parte da quantia peticionada, fazendo, inteira e sã JUSTIÇA”

Pelo embargante de terceiro, ora recorrido, foram interpostas contra-alegações, com as seguintes:

“IVCONCLUSÕES
11.Pelo que fico exposto, conforme já foi atrás referido, esteve bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu.
12.É que, face o todo o provo disponível nos Autos, tem de concluir-se que:
a)-A sentença ora impugnada não padece de qualquer nulidade, designadamente da prevista na alínea b). do n." 1, do artigo 615.° do Código do Processo Civil, no medida em que contém, de forma exaustiva a respetiva fundamentação do decisão proferida.
b)-Sendo certo que a jurisprudência é uniforme ao considerar que apenas há nulidade da sentença quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito, o que não é, de todo, o caso.
c)-A impugnação da matéria de facto deduzida pelos Recorrentes deverá ser indeferido por não terem sido cumpridos os requisitos legais para o exercício de tal faculdade.
d)-O âmbito de um recurso é definido nas conclusões da respetiva alegação, não podendo o Tribunal ad quem apreciar outras matérias ou questões que nelas não se mostrem devidamente suscitadas e, por esse motivo, nas conclusões formuladas no final da sua alegação, quando seja impugnada a matéria de facto, o recorrente deve obrigatoriamente, sob pena de rejeição, (i) especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) identificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diferente; (iii) indicar com exatidão as passagens da gravação e identificar e localizar no processo os documentos em que funda a sua impugnação, bem como a decisão (de facto) que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada um dos pontos de factos impugnados (vd. nºs 1 e 2 do artigo 640.° do Código do Processo Civil).
e)-O Recorrente não cumpre tal ónus no recurso a que ora se responde, conforme resulta das respectivas conclusões, pelo que deve a referida impugnação ser rejeitada.
f)-Caso assim não se entenda, carece em absoluto de fundamento a impugnação do Recorrente relativamente à decisão sobre a matéria de fado considerada provada e não provada pelo Tribunal a quo.
g)-Acresce que, o Recorrente limita-se a questionar a valoração da prova pelo Digníssimo Tribunal a quo, valoração essa, livremente formada e fundamentada, com aplicação dos princípios da oralidade e da imediação.
h)-Falecem, assim, as críticas apontadas à sentença em apreço, que se baseia apenas e só na opinião do Recorrente, não tendo sido demonstrado que, face às regras da experiência comum, deveria ter sido outro o entendimento do Tribunal a quo.
i)-É unânime a jurisprudência dos tribunais superiores, ao esclarecer que quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.
j)-O Tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, devendo os raciocínios expendidos na sentença merecerem total concordância pois foi observado um processo lógico e racional de apreciação da prova, não se mostrando a decisão proferida sobre a matéria de facto sentença ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
k)-Na verdade, foram corretamente decididos os pontos referidos da matéria de facto, ao contrário do que pretende o Apelante.
I)-Neste contexto, nenhuma censura merece a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual deverá ser mantida integralmente.

NESTES TERMOS,
Julgando totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Recorrente, farão V. Exas., Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, o que é de inteira JUSTIÇA”

QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, a única questão a decidir que delimita o objecto deste recurso, consistem em apurar se:
a)-Da possibilidade de alteração da matéria de facto apreciada pelo tribunal recorrido;
b)-Da propriedade dos saldos bancários penhorados

Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:
1.Por auto de penhora datado de 26.09.2014, constam penhorados, além do mais:
- quota parte do depósito a prazo com a identificação N000327832112020 e descrição Poupa Garantida, titulada no Banco ..., em nome da executada T..., no valor de 2.446,11€;
- quota parte do depósito a prazo com a identificação N000311551852069, com a descrição Produtos Estruturados, titulada no Banco ..., em nome da executada T..., no valor de 5.000,00€;
- quota parte do depósito a prazo com a identificação N000311913326069, com a descrição Produtos Estruturados, titulada no Banco ..., em nome da executada T..., no valor de 3.500,00€;
2.Os saldos e valores referidos no ponto 1 supra pertencem ao embargante A..., como resultando das poupanças que fez enquanto esteve emigrado na Inglaterra a trabalhar.
3.O embargante pediu à executada, sua irmã, para ficar co-titular das mesmas para o caso de ficar impossibilitado de poder movimentar e aceder aos referidos saldos e valores.
A demais factualidade resultou como não provada.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se o recorrente da decisão que absolveu a recorrida do pedido formulado nos autos, discordando dos factos e do enquadramento jurídico que o tribunal fez, de acordo com as suas conclusões recursórias, esgrimindo em síntese os seguintes argumentos:
-não foi feita prova da titularidade dos saldos bancários, não valendo de prova o depoimento de parte da executada, interessada no processo;

Decidindo:
a)-Da possibilidade de alteração da matéria de facto apreciada pelo tribunal recorrido;
Dispõe o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, que:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

No que respeita à observância dos requisitos constantes do artº 640, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» (Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, 1060/07.)
Refere ainda o Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.
A saber:
-A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
-A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;
-E a decisão alternativa que é pretendida.
Efectivamente, sendo as conclusões uma súmula e síntese da indicação dos fundamentos por que se deduz a impugnação relativa à matéria de facto, deixariam de ter esse cunho se a Recorrente tivesse que inserir e especificar detalhadamente, em sede conclusiva, todos os elementos que compõem a impugnação e que se mostram enunciados nas diversas alíneas do nº 1 do art. 640º do NCPC, com a repetição exaustiva da fundamentação desenvolvida ao longo do conteúdo das alegações.”
Ora o recorrente nas suas alegações insurge-se contra a consideração dos factos reproduzidos nos pontos 2 e 3 da sentença sob recurso por o depoimento da executada Teresa P... não ser idóneo à prova de tal facto e dos docs. juntos, não resultar a titularidade única destes depósitos pelo embargante, sendo ainda a conta nº 0030.4551852069 da titularidade única da executada.
Alega o embargante recorrido que o embargado recorrente não obedece no seu recurso aos requisitos para impugnação da decisão em apreço, pelo que o recurso quanto a esta matéria deve ser indeferido.

Decidindo.

No que se reporta à reapreciação da matéria de facto, dispõe o artº 662º do Código de Processo Civil, que “1-A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem solução diversa.” e desde que do processo constem todos os elementos que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto posta em causa.

Como é sabido, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artº 607 n.º 4 do Código de Processo Civil, em princípio essa matéria é inalterável, só podendo ser alterada pela Relação nos casos previstos no Artigo 662º do Código de Processo Civil, onde se indicam as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto.

Por outro lado, a impugnação da decisão quanto à matéria de facto não pode consistir numa reapreciação da convicção do julgador, mas antes na alegação de concretos meios de prova que não foram tidos em consideração pelo julgador ou pela alegação de que factos já assentes e os meios de prova produzidos, impunham conclusão diversa.

É o que decorre do disposto artº 662º nº 1 do Código de Processo Civil (anterior artº 712º nº 1, als. a), b) e c) que tinha, no entanto, alguns contornos diferentes) ou seja, a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.(neste sentido vidé Acordão do Supremo Tribunal de 19/09/2006, relator Ribeiro de Almeida, Proc. nº 06ª2372).

Posto isto, invoca o recorrente, nas suas conclusões recursórias que:
“D. A depoente, Executada nos autos, irmã do Embargante e cujo depoimento foi considerado essencial para a "douta" decisão e estabelecimento dos factos dados como provados para além das relações familiares é ainda parte dos autos principais.
E. A conta nº 0003.4551852069, referida no artigo l.º da PI e penhorada não é titulada ou sequer co-titulada pelo Embargante.
F. A conta 0003.4551852069, à falta de produção probatória em sentido contrário, haveria de corroborar-se da titularidade única da executada.
G. As outras duas contas, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, deveriam ter sido consideradas da co-titularidade do Embargante e da Executada, pelo que, quanto muito, a penhora haveria de realizar-se de acordo com as regras atinentes às contas bancárias de natureza conjunta.”

Embora de forma deficiente, entende-se que o recorrente veio dar cumprimento ao disposto no artº 640 do C.P.C., indicando nas suas conclusões os concretos pontos de facto que deseja ver alterados e a resposta que a eles deveria ter sido dada, justificando ainda a sua discordância, com fundamento na ausência de prova quer documental, quer testemunhal, da propriedade dos depósitos e da titularidade da conta.

Cumprido este ónus, questão diversa consiste em apurar se se justifica a referida alteração.

É certo que, penhorados saldos de contas em co-titularidade, o ónus de prova de que os montantes depositados, ou seja a propriedade do dinheiro e valores deles constantes, pertence apenas a um dos titulares, incumbe ao titular ofendido na sua posse e no seu direito de propriedade (artº 342 nº1 e 3 do C.P.C.)

A titularidade de contas bancárias, só pode ser provada por documento.

A propriedade dos montantes pecuniários nelas depositados ou aplicados, pode ser provada por qualquer meio admissível por lei, documental, testemunhal ou inclusive por depoimento ou declarações de parte.

Após indicação das contas penhoradas nos autos de execução, o tribunal fundou a sua convicção quanto à propriedade dos montantes nela depositados, pontos 2 e 3, nos seguintes:
“A matéria dada como provada resulta da articulação dos documentos juntos aos autos, concretamente a declaração bancária junta a fls. 36 dos autos, com o depoimento da executada T...
Esta depôs de forma séria e segura, esclarecendo que a pedido do irmão ficou co-titular da conta do mesmo, atenta a idade avançada dos pais e morte de um deles, ao que se recordava.
Esta é executada e como tal tem um manifesto interesse nos autos, mas os termos e postura que assumiu, descrevendo o sucedido quanto à conta do irmão, o que distinguiu da conta que dispõe na mesma entidade com o marido, foi de molde a que o tribunal firmasse convicção segura na veracidade do declarado, razão pela qual foi o mesmo considerado. O descrito foi associado às regras de experiência e normalidade, das quais decorre ser comum a co-titularidade de contas bancárias entre pais e filhos, bem como irmãos, com vista a facilitar e garantir o acesso aos valores em caso de urgência.
Em audiência foram ainda ouvidos V... e J.., amigos do embargante, os quais conheciam apenas o que aquele lhes tinha relatado.”

Efectivamente decorre das declarações juntas aos autos e emitidas pelo S... em 23/01/2015 e 19/05/2015, que a conta bancária com o NIB 0018.0000.32626186001.31, foi aberta pelo embargante em 12/11/96 e que esta conta só passou a ser co-titulada pela executada T... em 14/05/2008, 12 anos após a sua abertura.

Desta declaração e da restante documentação junta aos autos resulta a titularidade desta conta pelo embargante de terceiro, bem como das contas de aplicações financeiras a ela associadas.

Relativamente ao depoimento de parte da executada, foi este vertido em acta, nos termos do disposto no artº 463 do C.P.C., por ser considerado confessório, confissão e assentada esta não objecto de reacção por parte do exequente embargado.

Acresce que a conta por si referida e que pretende ver considerada apenas da titularidade da executada T..., não está referenciada no ponto 1 dos actos assentes, nem está indicado qualquer documento que permita retirar a conclusão pretendida pelo embargante.

Dir-se-á ainda que se concorda com a argumentação expendida pelo tribunal recorrido.

A data de abertura destas contas e a inclusão da irmã do embargante, homem solteiro e sem filhos, conforme referido pelas demais testemunhas, é ocorrência comum, com vista a facilitar e garantir o acesso aos valores em caso de urgência.

Mantém-se pois inalterada a factualidade fixada pelo tribunal recorrido.

a)- Da propriedade dos saldos bancários penhorados
Considerou a decisão recorrida, fixados os factos, o seguinte regime jurídico “Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro, nos temos do n.º 1, do artigo 342º, do CPC.
São incompatíveis com a penhora e, consequentemente, também com o arresto, que a antecipa, o direito de propriedade e os demais direitos reais menores de gozo que, considerada a extensão da penhora, viriam a extinguir-se com a venda executiva, bem como, quando a penhora incida sobre um direito, a titularidade deste de que um terceiro se arroga (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Anotado, vol. 1.º, pág. 616).
“A impugnação da penhora mediante embargos de terceiro pode fundamentar-se em:
- Ofensa da posse em nome próprio correspondente ao direito de propriedade ou a um direito real limitado de gozo (artigo 1251º do Cód. Civil); - Ofensa do direito de propriedade,
 de direito real limitado de gozo ou de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da penhora” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.03.2011, relator: Isabel Canadas, www.dgsi.pt).
Porém, não basta ser terceiro em relação à execução para lançar mão da tutela conferida pelos embargos de terceiro, é ainda necessário que o mesmo tenha uma situação possessória ou a titularidade de um direito incompatível com a diligência.
O embargante arroga-se titular dos valores e saldo bancário penhorados na execução, conforme supra apurado, o que se mostra incompatível com a realização da diligência de penhora.
Sustenta o invocado direito no facto de tais valores terem sido resultado do seu trabalho, sendo que a co-titularidade da conta como a executada Teresa apenas teve como objectivo assegurar o acesso às mesmas.
Deste modo, o embargante arroga-se titular do direito de propriedade sobre os saldos penhorados, o que logrou demonstrar, e se mostra incompatível com a realização da diligência, pelo que os presentes embargos procedem, o que se decide.”

Concorda-se com o entendimento explanado na decisão recorrida.

O depósito pode ser singular, se apenas uma pessoa é a sua titular, ou plural, se a titularidade pertencer a mais que uma pessoa ou entidade.

Estes depósitos plurais, titulados por mais do que uma pessoa, podem ser conjuntos ou solidários, consoante qualquer dos titulares da conta tenha a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja, o reembolso de toda a quantia depositada (e juros se houver) e em que a prestação assim efectuada libera o devedor (banco depositário) para com todos eles.

Sendo a conta sujeita ao regime da solidariedade, serão aplicadas as regras constantes dos artºs 513 e 516 do C.C. No caso em apreço estamos face a uma conta co-titulada pela requerida, em que qualquer dos seus titulares, em princípio, a poderia movimentar e a que se aplicariam as regras dos artºs 513 e 516 do C.C.

Presume-se pois pelo regime de solidariedade, que aos seus titulares pertencem estes valores em partes iguais (artº 516 do C.C.)

Claro que tal presunção é ilidível, podendo qualquer dos seus titulares provar que os valores constantes desta conta lhe pertencem por inteiro, ou em diversa proporção.

Com efeito, na “conta solidária, dono do dinheiro depositado é aquele que puder afirmar o seu direito de propriedade ou compropriedade sobre ele.”, pelo que  “Os embargos de terceiro ajustam-se à defesa de qualquer direito (incluindo, pois, os meros direitos de crédito), de que seja titular quem não seja, parte na causa, incompatível com a realização ou o âmbito de uma diligência ordenada judicialmente”. (Ac. do T.R. Porto de 13/11/2000, proc. nº 0050788)

Nos presentes autos, mostra-se ilidida a presunção de propriedade em relação à titular T..., pelo que a penhora não pode incidir sobre os saldos desta conta e das que lhe estão associadas, por ofenderem o direito de propriedade de terceiro não executado.

Improcede, na totalidade, pelas razões acima apontadas o recurso interposto pela recorrente.

DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.



Lisboa, 23/11/2017


                                  
Cristina Neves
Manuel Rodrigues                                 
Ana Paula A.A. Carvalho



[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de
9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.

Decisão Texto Integral: