Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1863/07.4PBPDL.L1-5
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RECEPTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – O tipo de crime de receptação previsto no art. 231º, nº 2 do CP tem sido visto como tipo doloso ou tipo negligente ou tipo que pode ser preenchido dolosa ou negligentemente.
II – Mesmo para quem entenda que o tipo é negligente, o mesmo pode ser considerado preenchido por uma conduta dolosa eventual.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da 5ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa que constam abaixo assinados:

O arguido José P… foi condenado nestes autos, por sentença lida e depositada a 30/06/2009, como autor de um crime de recetação (art. 231/2 do Código Penal = CP), na pena de 50 dias de multa, à razão diária de 7€.
Este processo dizia respeito ainda a um outro arguido, tendo este outro sido condenado como autor de um crime de furto qualificado [art. 204/2e do CP) na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa, à razão diária de 5€.
O arguido José P… interpôs recurso daquela condenação, pedindo a sua revogação e substituição por decisão que o absolva, formulando as seguintes conclusões das suas motivações:
a) A decisão recorrida condenou o recorrente como autor de um crime de recetação na forma negligente (art. 231/2 do CP), tanto dizendo que o mesmo não observou os deveres de cuidado a que estava obrigado, assim como agiu livre, deliberada e conscientemente, facto que o arguido não aceita, pois não foi dada como provada qualquer matéria que comprove o dolo por parte do recorrente;
b) Em nenhum momento da decisão condenatória se surpreendem as “características do vendedor” que seriam, no entender do Tribunal, a evidência clara de os objetos dos autos terem origem ilícita – quem sabe se o vendedor fosse cidadão cigano ou “junkye”, não seriam estas características de desconfiar? Não se sabe, porque o douto Tribunal não o disse;
c) Em ocasiões anteriores o arguido João R… vendeu ao arguido José P…. materiais idênticos aos dos autos, a ele dados pelo encarregado da empresa queixosa;
d) Ao arguido José P… foram vendidos várias vezes objetos da queixosa e que foram várias vezes transportados em veículos conduzidos por empregado do arguido José P… – declarações gravadas do arguido João R… e da testemunha M… – pontos 4,33; 5,06 e 5,31 do CD.
e) De outras vezes era o arguido João R… que transportava os próprios objetos;
f) Perante tal profusão de vendas, o douto Tribunal, salvo o devido respeito, deveria ter surpreendido um quadro de normalidade de comportamento do recorrente, no que respeita às relações comerciais que estabelecia com pessoas que trabalhavam na empresa queixosa;
g) Não existe qualquer testemunho, e muito menos gravado – ao invés, há-os ao contrário – que permitisse ao Tribunal concluir que o arguido José P…, na altura dos factos, se encontrava numa situação em que lhe era exigível atender a características de quem lhe propunha o negócio – pessoa sobejamente conhecida e de perto – ou que lhe fosse exigível que suspeitasse que os objetos tinham origem ilícita;
h) Os objetos dos autos encontravam-se em estado de usados e com ferrugem;
i) O arguido José P… remete, na sua profissão – aquela em que atuou nos autos – o ferro que se apresenta em estado de uso avançado para a Siderurgia Nacional, para reciclagem.
j) A douta decisão recorrida enferma dos vícios de: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; Contradição insanável da fundamentação e a fundamentação e a decisão; erro notório na apreciação da prova.
k) Face ao exposto, violou a douta decisão recorrida, o disposto nos artigos 14; 15 e 231/2, todos do CP, art. 410/2 do Código de Processo Penal (= CPP).
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O MP na 1ª instância, nas suas contra-alegações concluiu pela improcedência do recurso, por inexistência de quaisquer dos vícios invocados [que analisa, com recurso a doutrina e jurisprudência] e disse que o tipo de crime de recetação do nº. 2 do art. 231 do CP é doloso [sendo, porém, suficiente que o agente represente, ao menos a título de dolo eventual […] a aquisição ou o recebimento da coisa e os fatores que a tornam, em concreto, suspeita, tendo, pois, de representar, pelo menos, a possibilidade de a coisa provir de facto ilícito típico contra o património, conformando-se com tal representação (neste sentido acórdão do TRL de 02/07/2002 – este acórdão, de que está apenas publicado o sumário na base de dados do ITIJ, sob o nº. 0019055, tem um voto de vencido – a parte em itálico é da responsabilidade do redator deste acórdão)].
A Srª Procuradora-Geral-Adjunta, nesta relação, deu parecer negativo à procedência do recurso.
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A sentença recorrida disse o seguinte quanto aos factos provados:
1. No dia 06/10/2007, a hora não apurada, o arguido João R… dirigiu-se ao estaleiro da empresa C…, sito na Rua Francisco C…, em Ponta Delgada, com o propósito, concretizado, de se apoderar dos objetos de valor que ali encontrasse e fazê-los seus, não obstante saber que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do legítimo proprietário.
2. Ali chegado, arrombou o cadeado que fechava o portão de acesso ao espaço onde se encontrava diverso material e entrando apoderou-se e fez suas: 36 chapas metálicas de cofragem, medindo 80 cm por 50 cm, com o valor unitário de 6€; e 63 chapas metálicas de cofragem, medindo 50 cm por 50 cm, com o valor unitário de € 4€; tudo no valor de 468€.
3. Nesse mesmo dia deslocou-se às instalações da I…, na mesma artéria, e vendeu as referidas chapas metálicas ao arguido José P…, que as comprou, pelo preço de 87,04€, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência o que lhe era exigível atento o preço pedido e as características do vendedor.
4. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei não se abstendo de as prosseguir.
Mais se provou que:
5. O material referido em 2 foi totalmente recuperado.
6. Em ocasiões anteriores, o encarregado da C… deu materiais de sucata ao arguido João R… e este vendeu-os à empresa de José P…. 7. Os materiais referidos em 6, eram em poucas quantidades e transportados pelo próprio.
8. As chapas referidas em 2 estavam com ferrugem, mas eram ainda utilizáveis.
9. O ferro que se apresenta em estado de uso avançado é remetido, pelo arguido José P…, para a Siderurgia Nacional, para reciclagem.
10. Do Certificado de Registo Criminal dos arguidos nada consta.
11. O arguido João R… vive num quarto, com subsídio de renda pela Associação N…, desenvolvendo atividade, também no âmbito do apoio concedido por esta Associação, auferindo 35€ por semana.
12. O arguido João R… tem o 4º ano de escolaridade.
E considerou que da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
a) O arguido José P…. não comparece diariamente nas instalações da empresa I… - Resíduos Sólidos e Líquidos, Lda.
b) A compra das chapas metálicas foi efetuada por um trabalhador do arguido.
c) O João R… disse que as chapas lhe tinham sido dadas pelo encarregado da C….
d) Cada quilograma de ferro é vendido, pela empresa do arguido, pelo preço que pouco oscila, conforme as cotações dos metais, de 0,11€ ao quilo.
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Começando pela impugnação dos factos,
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Assim, a melhor é a versão do arguido João R…, em relação à alternativa posta acima, devendo, com base nas declarações do mesmo, modificar-se a redação do ponto 7 dos factos provados, de modo a parcialmente dar razão à impugnação do arguido José P…., do modo seguinte:
7. Os materiais referidos em 6, eram em poucas quantidades e transportados pelo próprio, exceto numa ocasião em que foram transportados numa carrinha da empresa do arguido José P....
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Assim, no ponto 8 intercala-se, “entre 2”, e “estavam”, a frase: “eram usadas,”.
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O que está em causa é saber se é no exercício da sua profissão que ele faz o que consta de 9 dos factos provados.
Ora, isso já resulta do que se foi dizendo – designadamente quanto ao uso em alternativa, das expressões: “do arguido” e “da empresa do arguido” pelo que se aditará esses factos ao ponto 9, do modo seguinte:
9. O ferro que se apresenta em estado de uso avançado, é remetido, pelo arguido José P…, agindo no exercício da sua atividade profissional, para a Siderurgia Nacional, para reciclagem.

Assim, há apenas que eliminar do nº. 3 dos factos provados a referência às características do vendedor. Deste modo:
3. Nesse mesmo dia deslocou-se às instalações da I…, na mesma artéria, e vendeu as referidas chapas metálicas ao arguido José P…, que as comprou pelo preço de 87,04€, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, o que lhe era exigível atento o preço pedido.
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Assim, com as quatro alterações à matéria de facto que resultam do que antecede, passa-se agora a discutir as questões de direito levantadas pelo arguido nas suas conclusões que ainda não tenham sido consideradas:
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Na conclusão a) diz o arguido:
A decisão recorrida condenou o recorrente como autor de um crime de recetação na forma negligente (art. 231/2 do CP), tanto dizendo que o mesmo não observou os deveres de cuidado a que estava obrigado, assim como agiu livre, deliberada e conscientemente, facto que o arguido não aceita, pois não foi dada como provada qualquer matéria que comprove o dolo por parte do recorrente.
Ou seja, duas questões:
Quanto à questão da natureza do crime.
A sentença recorrida e o MP, nas suas contra-alegações (e ao deduzir a acusação, atento os termos em que o fez) seguiram a posição de que “o nº. 2 do art. 231 não pune a negligência culposa ou negligente”, mas sim uma conduta dolosa, com a diferença, em relação ao nº. 1, de que o dolo pode ser meramente eventual [e não tem de haver a intenção de obter a vantagem patrimonial].
É a posição de Pedro Caeiro, na obra citada acima, que a fundamenta nas págs. 496 a 499, sendo essa também a posição, segundo lembra este autor, de Rodrigo Santiago aí citado (num estudo que está publicado na RPCC, ano 4, págs. 497 a 560, sendo que a parte que diretamente interessa ao caso está de págs. 521 a 523). E isso resultaria desde logo do facto de nº. 2 do art. 231 do CP não se prever a punição por negligência, tal como teria de ocorrer por força do art. 13 do CP; explicando ainda Pedro Caeiro que “a imposição de um dever de informação acerca da proveniência legítima da coisa não se coadunaria com a configuração negligente do tipo, ao menos nos casos em que o agente atua com negligência inconsciente. Tal imposição só faz sentido se o agente efetivamente suspeitar da proveniência da coisa, pois só aí se compreende que sobre ele impenda um especial dever de informação acerca dela, dever que não existe para o comum das transações patrimoniais” (págs. 496/497).
Ora, quando a sentença diz que “o arguido José P…, atento ao facto de ser proprietário de uma empresa que se dedica a este tipo de compras, tem, por maioria de razão, um dever de especial cuidado, para se assegurar que o seu negócio não se torna depositário de bens ilicitamente obtidos”, isso vem na sequência da afirmação de que ele, ao ter adquirido as chapas ao arguido João R…, não se tinha assegurado de que as chapas pertenciam a este arguido. Ou seja, na sequência da afirmação da violação do dever de informação de que já acima se falou como elemento do tipo objetivo de ilícito em causa. Ou seja, não está a dizer que o arguido José P… tenha atuado de forma apenas negligente.
Assim, a sentença é coerente com a posição que toma e essa posição tem forte suporte doutrinário, para além da espécie jurisprudencial citada pelo MP (vejam-se ainda os acórdãos do TRG de 14/09/2009, nº. 869/02.4PBGMR; do TRC de 20/05/2009, nº. 1065/08.2TAFIG.C1; do TRP de 28/11/2007, nº. 0744033; do TRC de 27/04/2005, nº. 1142/05, todos na base de dados do ITIJ).
Outros autores consideram que o tipo subjetivo do crime do nº. 2 prevê a negligência e o dolo eventual (é o caso de Paulo Pinto de Albuquerque - Comentário do CP, Dez2008, UCE, pág. 638, nota 19 - que cita vários autores no mesmo sentido, o que em nada afetaria a sentença recorrida.
Mas mesmo para quem não entenda assim as coisas (ou seja, que o crime do nº. 2 é um tipo doloso, pelo menos eventual), considerando pois, ao contrário, que o crime do nº. 2 do art. 231 é negligente (vejam-se os vários autores citados por PP de Albuquerque e Pedro Caeiro, obras citadas e ainda o artigo de Germano Marques da Silva, Notas sobre branqueamento de capitais em especial das vantagens provenientes da fraude fiscal, ponto 6.2, Concurso com a recetação e o favorecimento pessoal, nos estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles: 90 anos, Almedina, Maio2007, pág. 472), não se vê como é que poderia defender que alguém, por ter praticado a recetação com dolo eventual e não com negligência, não deveria ser punido. Ou seja, não se vê que alguém que tivesse tido um comportamento mais grave do que a negligência, deveria ser absolvido.
Pelo que, seja qual for a posição que se tome quanto à questão, sempre a sentença recorrida estaria correta ao considerar que, no caso, o arguido, tendo atuado com dolo eventual, devia ser punido pelo nº. 2 do art. 231 do CP.
Dito de outro modo: a questão que deriva das diversas tomadas de posição quanto à natureza do crime, têm apenas importância no caso em que se considera que o agente apenas atuou com negligência e se considera que o tipo de crime em causa é exclusivamente doloso. Aí não se poderia punir o arguido. O que não é o caso dos autos em que há dolo eventual, pelo que, mesmo que o crime seja negligente, pode ser punido.
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A outra questão é a de, segundo o arguido, dizer-se, na sentença, que ele agiu livre, deliberada e conscientemente, o que o arguido diz não aceitar, pois não foi dada como provada qualquer matéria que comprove o dolo por parte do recorrente.
Ou seja, apesar do que ele diz, estará antes a referir-se à falta de prova e não à falta de dados provados. É que, como até resulta do que ele diz, tais factos foram dados como provados. Foram-no ponto 4 da matéria de facto, em termos aliás mais completos do que os por ele invocados: os arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei não se abstendo de as prosseguir (sendo a parte sublinhada a parte não citada por ele).
E quanto à falta de prova de o arguido ter atuado com dolo eventual?
O arguido não fundamenta a afirmação – até porque não a fazia expressamente – e por isso não há nada que ponha a causa a fundamentação da sentença quanto a tal matéria.
Fundamentação que aliás resultaria de uma evidência: como diz Pedro Caeiro, obra citada, págs. 497/498, “Na verdade, não pode esquecer-se que o preenchimento do tipo objetivo e a afirmação do dolo relativamente aos factos que tornam a coisa suspeita, conduzirá normalmente à prova (por presunção judicial) de que o agente suspeitou que a coisa provinha de facto ilícito típico contra o património. Com efeito, a aptidão da coisa para criar a suspeita que se exige para o preenchimento do tipo objetivo, ao apelar ao juízo que sobre ela faria o homem medianamente sagaz e diligente (suspeita razoável), implicará as mais das vezes, de acordo com as regras da experiência comum utilizáveis na atividade probatória, a afirmação de que o agente efetivamente suspeitou da proveniência ilícita da coisa (neste sentido, de novo, Rodrigo Santiago 523)”
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Os factos 6 e 7, com a alteração introduzida no último, põe em causa as conclusões da sentença?
É o que o arguido sugere com a conclusão f).
Perante tal profusão de vendas, o Tribunal deveria ter surpreendido um quadro de normalidade de comportamento do recorrente, no que respeita às relações comerciais que estabelecia com pessoas que trabalhavam na empresa queixosa.
Na motivação completa o que antecede: perante isto, e não tendo havido nem estando gravado qualquer depoimento que demonstre que o arguido José P… tinha razões para crer que, da vez dos autos, os objetos eram de origem ilícita, ao contrário das outras vezes em que nada ocorreu de ilegal, não era exigível ao arguido José P… que se assegurasse daquela vez, da origem dos objetos! A origem era a mesma que das outras vezes, em que sempre tudo decorreu dentro da normalidade, sem que algum dia alguém pusesse em causa os preços praticados por um sucateiro, que não é o mesmo daquele que resulta da ideia de alguém em dar serventia de construção civil a chapas idênticas às dos autos – ou até àquelas, embora já com ferrugem e usadas quem sabe se perigosas para o uso e destino inicial.
Só que o facto aditado ao ponto 7 da matéria de facto provada não permite tudo isto que o arguido argumenta. O que dela resulta, aliás de acordo com as declarações e depoimentos parcialmente transcritos, é que o arguido João R… por diversas vezes vendeu poucas quantidades de material de sucata ao arguido José P…, materiais que lhe tinham sido dados pela C… e que ele eram por ele levados até ao arguido José P…. Só uma vez é que isto não aconteceu assim e esses materiais foram transportados numa carrinha da empresa do arguido José P….
Não existe, por isso, qualquer profusão de vendas, e qualquer hipótese de o tribunal constatar um quadro de normalidade de comportamento do recorrente, no que respeita às relações comerciais que estabelecia com pessoas que trabalhavam na empresa queixosa.
Também não ajudam notoriamente a conclusão diferente – pode-se agora dizer, tendo em conta tudo o que antecede -, os pequenos aditamentos introduzidos aos pontos 8 e 9 da matéria de facto provada. Até porque o facto de ser como consta de 8 e 9 não implica que fosse esse o destino das chapas dos autos.
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Na conclusão j) o arguido recorrente faz uma afirmação genérica de preenchimento dos vários vícios previstos no art. 410/2 do CPP.
Tudo o que ele disse de concreto sobre estas questões, nas conclusões, já acima foi apreciado. E as “acusações genéricas” (de vícios) não têm de ser apreciadas.
De qualquer modo, aproveite-se ainda, a este título, aquilo que o arguido, nas motivações, diz sobre o facto não provado d) [Cada quilograma de ferro é vendido, pela empresa do arguido, pelo preço que pouco oscila, conforme as cotações dos metais, de 0,11€ ao quilo]:
[…] a justificação, a fundamentação para dar o facto como não provado foi […] “…O documento junto a fls. 83 nada prova quanto ao preço do material, mas apenas que aquela compra, em concreto, foi efetuada àquele preço”.
Sucede que aquela compra é de material precisamente igual àquele objeto dos autos, e que a empresa do arguido só se dedica a vender material para reciclagem e não para uso decorrente da própria natureza dos objetos que compra.
Deveria a Srª juíza a quo, atenta a equivalência dos materiais representados pelo documento e os que estavam em causa nos autos, se necessário, socorrer-se do disposto no art. 340/2 do CPP, para atingir a verdade material, inclusive fazer operar a intervenção de perito daquela atividade económica, a fim de colher factos reais dos preços de sucata dos materiais em causa nos autos.
Primeiro, como já foi sugerido, se o arguido queria pôr em causa a decisão de facto quanto a este facto, teria que ter levado a questão a alguma conclusão, o que não fez, o que permite afastar desde já o relevo desta argumentação. Segundo, este facto, por si, não tem qualquer relevo. Mesmo que ele fosse dado como provado – e está-se a colocar a hipótese apenas para colocar a questão seguinte – nenhum relevo teria para a decisão da causa, pois que nem sequer constam dos outros factos que o tribunal pode ter em consideração quais os quilos que no caso estavam em causa…, para que, a partir daí, se pudessem fazer as contas… contas cujo resultado nem sequer, aliás, o arguido diz que questão podiam esclarecer…. Terceiro, não se provou que os bens vendidos fossem idênticos aos em causa no documento referido…
Por fim, de tudo o que se foi vendo, não surgiu qualquer dos vícios em causa, sendo ainda certo que os factos provados preenchem o tipo de crime em causa, quer objetivo quer subjetivo, e não se verificam quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpa da conduta do arguido e a pena mostra-se fixada dentro da moldura penal respetiva, já com a atenuação devida à recuperação.
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Em suma, para além das referidas quatro alterações à matéria de facto, que são irrelevantes para a decisão da causa, tudo o resto das conclusões do arguido improcede.
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Pelo exposto, alteram-se os factos 3, 7, 8 e 9, que passam a ter a seguinte redação:
3. Nesse mesmo dia deslocou-se às instalações da I…, na mesma artéria, e vendeu as referidas chapas metálicas ao arguido José P…, que as comprou pelo preço de 87,04€, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, o que lhe era exigível atento o preço pedido.
7. Os materiais referidos em 6, eram em poucas quantidades e transportados pelo próprio, exceto numa ocasião em que foram transportados numa carrinha da empresa do arguido José P….
8. As chapas referidas em 2, eram usadas, estavam com ferrugem, mas eram ainda utilizáveis.
9. O ferro que se apresenta em estado de uso avançado é remetido, pelo arguido José P…, agindo no exercício da sua atividade profissional, para a Siderurgia Nacional, para reciclagem.
No mais, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo arguido recorrente, com 3 UC de taxa de justiça.

Lisboa, 13 de Abril de 2010

Pedro Martins
Nuno Gomes da Silva