Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2137/13.7TVLSB-C.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
ROL DE TESTEMUNHAS
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: –Para aquilatar da justificabilidade da apresentação de articulado superveniente, é fundamental ponderar os contornos do pedido e da causa de pedir da acção, reveladores do direito que se pretenda exercer em sede jurisdicional;
–Resulta da combinação do disposto na al. d) do art. 572.º do Código de Processo Civil com o estabelecido no art. 598.º do mesmo Código que: a) o rol de testemunhas e os demais requerimentos instrutórios têm que ser apresentados na contestação; b) caso tenha apresentado requerimento instrutório na contestação, a parte demandada pode pode alterar esse requerimento na audiência prévia; c) o rol de testemunhas apresentado (e unicamente este) pode ser «aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias»;
–O art. 20.º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva, em coerência com proclamações paralelas feitas ao nível do Direito Internacional Pactício e do Direito da União Europeia, referindo a necessidade de disponibilização de mecanismos de pleno acesso dos cidadãos e das empresas à Justiça e aos Tribunais. Não incide, por não ser o seu objecto, sobre os contextos em que são as próprias partes a prescindir do exercício dos seus direitos e dos mecanismos colocados à sua disposição com vista à respectiva demonstração e protecção;
–Por constituir mera indicação de regras, processos e mecanismos de exercício de carácter veicular e viabilizador e não criação de estruturas de bloqueio e obstaculização, a produção de normas processuais que estabeleça termos, prazos e consequências do não exercício de direitos de dimensão adjectiva não viola o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e menos o faz o reconhecimento judicial dessas preclusões emergentes do desrespeito dos comandos normativos;
–Não é tecnicamente defensável, a qualquer luz interpretativa, que o rol de testemunhas possa ser apresentado à margem das regras definidas na lei processual, ultrapassando todos os descuidos e inépcias, pelo simples facto de as partes terem inalienável direito ao pleno exercício do contraditório, nem este implica a possibilidade de criação de regras adjectivas privativas;
–São as partes quem mais deve zelar pela possibilidade de plenamente exercerem os seus direitos e faculdades aparecendo a exercitá-los sob as condições pré-definidas na lei e nos prazos legais, não sendo admitida a criação de novas normas ou a integração analógica (aliás proscrita no processo civil) com o fito de as proteger a todo o custo da sua própria incúria ou inércia.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–RELATÓRIO:

                   
C..., LDA., com os sinais identificativos constantes dos autos,  instaurou «acção declarativa comum de simples apreciação» contra a C..., S.A., neles também melhor identificada, por intermédio da qual solicitou que fosse declarada «verificada a caducidade da garantia bancária prestada pelo Réu», referida na petição inicial. Alegou, para o efeito, que: dedica-se às actividades indicadas no articulado inicial; no desenvolvimento da sua actividade comercial, celebrou, em 09.09.2009, com o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e Inovação (IAPMEI) um contrato de concessão de incentivos financeiros; no âmbito do referido contrato, foi prestada pela Requerente ao IAPMEI uma garantia bancária do tipo “on first demand”, como caução do bom e correcto cumprimento por parte da Requerente do acordado entre as partes; de acordo com o disposto no contrato de prestação de garantia, foi definido ser esta válida “até à data de conclusão do investimento, acrescida de 3 meses, automaticamente prorrogável por mais 12 meses”; o período de investimento deste projecto decorreu entre 2009.01.20 e 2010.12.31; o prazo de conclusão do projecto foi prorrogado até 31.12.2011; a Autora concluiu integralmente o investimento até esta data; assim, verificou-se a invocada caducidade daquela garantia; no dia 04.10.2013, a Demandante informou o Banco Réu da caducidade da aludida garantia bancária; porém, tal Banco, informou, tão-somente, o beneficiário da garantia (IAPMEI) de que a Autora tinha suscitado a sua caducidade.

A Ré contestou impugnando factos e pedindo a intervenção principal provocada do IAPMEI. Terminou solicitando que fosse declarada a improcedência da acção por ausência de prova fundamento legal e que fosse admitida a referida intervenção provocada.

O Tribunal «a quo» veio a admitir tal intervenção.

O aludido Instituto não apresentou contestação. Veio, porém, já após anulação, por este Tribunal, de sentença proferida e recomeço do processado, apresentar articulado superveniente com os seguintes fundamentos:
No dia 30-01-2017 o Presidente do Conselho Diretivo do IAPMEI rescindiu o contrato de concessão de incentivos n° 2009/5139 assinado com a Autora (...)
O ato administrativo rescisório foi notificado à Autora por carta registada de 09-02-2017 (...)
Até à data a Autora não reagiu nem graciosa nem contenciosarnente.
(...)
Conforme consta da notificação o IAPMEI solicitou à Autora o pagamento da quantia de € 117.269,81, acrescido de juros no prazo de trinta dias úteis.
(...)
Caso a Autora não proceda ao respetivo pagamento no prazo previsto é intenção do  IAPMEI interpelar a Caixa Geral de Depósitos para pagamento do montante assegurado pela garantia bancária com fundamento na não conclusão do investimento na data constante do contrato, nem posteriormente, pelo que não se iniciou sequer a contagem do prazo previsto no texto da garantia para a prorrogação da sua vigência por mais doze meses.

O mesmo IAPMEI, em sede de audiência prévia, arrolou uma testemunha.

Relativamente a estas duas últimas intervenções processuais, foram proferidas as seguintes decisões judiciais:
Atentos os fundamentos jurídicos e fácticos supra referidos, afigura-se a este Tribunal que, visando a Autora, mediante a instauração da presente ação, se declare  verificada a caducidade da garantia bancária prestada pela Ré em beneficio do  lapmei no âmbito do contrato celebrado entre a Autora e o lapmei, fundando a  Autora a alegada caducidade daquela garantia no alegado cumprimento pela Autora das obrigações contratuais que assumiu perante o Lapmei, é manifesto que a ulterior resolução do contrato celebrado com a Autora pelo Iapmei é matéria que em nada, mas absolutamente em nada, contende com o presente litígio, porquanto, das duas uma:
a)– a Autora logra fazer prova que cumpriu o contrato celebrado com o Iapmei e os demais requisitos que depende a declaração da caducidade da  garantia, e a presente ação procederá, e provada a extinção da garantia nada mais há a resolver;
b)– ou a Autora não prova a verificação daqueles requisitos e improcede a  presente ação e eventualmente haverá, ou não - matéria que não cumpre a este Tribunal apreciar -, fundamento para o lapmei resolver o contrato.
Significa isto, que os factos alegados em sede de articulado superveniente  não são constitutivos, modificativos, sequer extintivos, sendo aliás, totalmente irrelevantes, do direito de caducidade da garantia bancária que a Autora pretende ver declarada nos presentes autos.
Alias, enfatize-se, a ter ocorrido a caducidade da garantia bancária, esta teve que ser anterior à propositura da presente ação.

Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no art.º 588°, n.º 4 do CPC,  porque não se encontram preenchidos os requisitos legais enunciados no n.º 1 daquele art." 588°, indefiro liminarmente o articulado superveniente apresentado pelo Interveniente lapmei.

Conforme supra se disse, o rol de testemunhas carece de ser apresentado pelas partes nos respetivos articulados, ou seja, no caso, na contestação apresentada pelo Interveniente, caso a tivesse apresentado.

O n.º 2 do art. 552º do Cód. Proc. Civil estatui norma especial em relação ao  art.º 598º n.º 1 do CPC que, a ser aplicável, significaria que, então, aquele princípio  regra, seria por esta forma afastado, uma vez que o rol passaria a ser apresentado  em sede de audiência prévia - porque é que as partes haveriam de apresentar o rol  com os articulados, conforme estatui o art.º 552º n.º 2 do CPC, se sempre poderiam apresentar o rol em sede de audiência? - à boa maneira portuguesa, a regra seria: o rol apresenta-se em sede de audiência prévia.

Quanto à alegada denegação da justiça, sempre se dirá que "justiça" é um conceito, é a justiça processualmente válida, ou seja, a que se atinge com o cumprimento das regras processuais, por cujo cumprimento as partes são responsáveis.

Se as partes não contestam são condenadas, se não apresentam o rol, não têm rol - são estas as regras processuais.

No caso, é aplicável o n.º 2 do art.º 598º do CPC, mas este tem como pressuposto que a Interveniente tenha apresentado o rol com a sua contestação, já que não se pode aditar ou alterar aquilo que não existe.

Assim sendo, atentos os fundamentos fáticos e de direito acima referidos, não se admite a testemunha ora arrolada pela Interveniente lapmei.

É dessas decisões que vem o presente recurso interposto pelo IAPMEI – AGÊNCIA PARA A COMPETITIVIDADE E INOVAÇÃO, IP, que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedidos:
I–O Interveniente Principal que não acorre ao chamamento pode apresentar articulado superveniente na audiência prévia.
II–O articulado superveniente oportunamente apresentado só pode ser rejeitado por extemporaneidade ou por manifesta impertinência para a boa decisão da causa.
III–O Meritíssimo Juiz a quo fundamenta o indeferimento liminar na manifesta impertinência para a boa decisão da causa, mas tendo a intervenção sido admitida pelo Tribunal com fundamento na existência de litisconsórcio necessário entre a Ré e o IAPMEJ, porque a apreciação da bondade da pretensão da Autora envolve a  averiguação do cumprimento pela Autora do contrato de concessão de incentivos que assinou com o IAPMEI, é manifesto que o conhecimento nos autos de que este rescindiu unilateralmente o contrato por falta de cumprimento pela Autora de obrigações contidas no contrato importa à boa decisão da causa.
IV–O cumprimento ou incumprimento do contrato por parte da Autora tem de reportar-se a determinadas obrigações contratuais e não a generalidades e se o IAPMEI diz que a Autora não cumpriu determinadas obrigações que enunciou, deve a Autora lograr a prova desse cumprimento.
V–Por isso as obrigações contratuais que o IAPMEI diz que a Autora incumpriu devem ser integradas nos temas da prova, de forma a que o julgamento verse também sobre esses temas
VI–É certo que o ato administrativo rescisório é ulterior mas baseia-se em factos ocorridos dentro do prazo da garantia, na ótica sustentada pela Autora (e com a qual o lAPMEI não concorda).
VII–O princípio da concentração ou da peclusão comporta exceções e uma delas é quando ocorre defesa diferida, nomeadamente quando o Réu pretende alegar factos supervenientes, o que sucede no caso vertente, porque o interveniente apresentou articulado superveniente.
VIII–O interesse no triunfo da verdade aconselha que até ao momento da decisão definitiva se deixe a porta aberta a todas as deduções embora tardias, porque podem trazer ao Juiz novos elementos de convicção favoráveis aos fins da justiça.
IX–Caso a apelação proceda quanto à admissão do articulado superveniente fica prejudicada a questão da não admissibilidade da testemunha arrolada pelo Réu porque coincide com a constante desse articulado superveniente.
X–Caso não proceda. o que não se concede. mas se admite por dever de patrocínio ainda assim a testemunha arrolada deve ser admitida porque o interveniente principal goza de todos os direitos de parte principal e se é certo que aceita a causa no estado em que se encontrar. goza de todos os direitos de parte principal a partir do momento da sua intervenção.
XI–Um dos direitos é o de arrolar testemunhas e se não puder usar desse direito é certo  que não goza de todos os direitos. recaindo sobre ele como que um intolerável capitis deminutio.
XII–Que sentido tem participar na audiência prévia e no julgamento se os seus direitos nessas fases processuais são arbitrariamente cerceados?
XIII–A interpelação da norma do art° 598º do CPC no sentido de que o interveniente principal que não contestou e só posteriormente interveio nos autos não pode arrolar testemunhas na audiência prévia é inconstitucional por violação do art° 200 da Constituição da República.
XIV–Ainda que assim se não entenda, o que não se concede. mas se admite por dever  de patrocínio, sempre se dirá como Alberto dos Reis que a intervenção pode ter o seguinte efeito: coloca ao lado do autor outro autor e coloca ao lado do Réu outro Réu, como se a ação tivesse sido proposta por dois autores contra dois Réus.
XV–E sendo assim a testemunha arrolado pelo IAPMEI na audiência prévia poderá considerar-se um aditamento ao rol apresentado pelo Réu na sua contestação, assim satisfazendo em termos literais e por quem tiver essa posição quanto ao direito, o disposto no art° 598º do CPC.
As decisões proferidas pelo Meritíssimo Juiz a quo desaplicaram as normas os artes 588º nº 4 e 599 nº 1 do CPC.
Nestes termos e nos melhores de direito, vem requerer a V.Exª se digne julgar provada e procedente a presente apelação revogando as decisões proferidas sobre o indeferimento liminar do articulado superveniente, que deve ser substituído por outra que ordene a notificação da parte contrária para responder em dez dias, ou caso assim se não entenda a anulação de lodo o processado por inobservância do disposto no artº 567º do CPC.
Bem assim R. a V.Exª se digne revogar a decisão proferida que indeferiu o arrolamento de uma testemunha do lAPMEI.

C..., L.DA respondeu às alegações concluindo:
A)Não obstante pretender recorrer de duas decisões (indeferimento liminar do articulado superveniente e inadmissibilidade da apresentação de rol de testemunhas), o Recorrente apenas procedeu ao pagamento de uma taxa de justiça.
B)–Tendo procedido ao pagamento de apenas uma taxa de justiça, não especificou qual dos recursos apresentados pretende seja apreciado.
C)–Atenta a factualidade alegada na PI, em síntese, a causa de pedir dos presentes autos reconduz-se à alegada verificação da caducidade da garantia bancária emitida pela Ré C... SA, a pedido da Autora, aqui Recorrida, em benefício do Recorrente.
D)–“ … a caducidade opera a extinção não retroactiva dos efeitos jurídicos, em virtude da verificação de um facto jurídico strictu senso … assim sendo, de acordo com a relação controvertida, a ser certa a tese da Autora, tendo ocorrido a caducidade, essa caducidade operou em momento anterior à propositura da presente acção.”.
E)–“o que o Iapmei no articulado superveniente vem alegar é que, em 09-02-2017, por ato administrativo rescisório, pôs termo àquele contrato. Ora, a ser certa a tese do Iapmei, tal facto nenhuma repercussão jurídica tem no âmbito dos presentes autos, porquanto das duas, uma: ou ocorreu a caducidade do contrato, matéria esta sobre que versam os presentes autos, e então não há nada a rescindir; ou não ocorreu a caducidade do contrato, e então o contrato podia ser rescindido, porque se mantinha em vigor pelo Iapmei, matéria esta que, contudo (verificar se se verificavam ou não os pressupostos da rescisão contratual), não cabe no âmbito da presente ação.”.
F)–A invocada resolução do contrato pelo Iapmei, em data posterior ao pedido de declaração da caducidade da garantia bancária em apreço, não constitui facto essencial, relevante à boa decisão da causa, tal como esta foi configurada pela Autora.
G)–“[o]s factos constitutivos, modificativos e extintivos do direito que sejam supervenientes, previstos no artigo 588º nº1 do CPC e que a parte pode alegar no articulado superveniente, são apenas os factos essenciais a que se refere o artigo 5º nº1 do CPC. – Tratando-se de factos supervenientes, mas meramente instrumentais, a rejeição liminar do articulado superveniente integra-se na rejeição com o fundamento na impertinência dos factos para a boa decisão da causa, prevista no n.º 4 do artigo 588º.” – Ac. TRL, de 13 de Dezembro de 2016, Proc. n.º 1469-12.6TVLSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt.
H)–Concluindo, a resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros, em data superveniente à interposição da acção de simples apreciação, não constitui facto impeditivo, modificativo ou extintivo da caducidade da garantia bancária celebrada entre a Autora e a Ré C....
I)–Admite-se nas alegações de recurso que, “[é] certo que o IAPMEI não apresentou prova porque decidiu não apresentar contestação, sendo lícita esta posição processual que adotou. Daí não decorre que não tendo apresentado contestação não possa arrolar testemunhas no momento adequado que nos termos processuais se lhe deparam, ou seja, na audiência prévia.” (...).
J)–Nos termos do disposto na alínea d) do art. 572.º do CPC, é elemento da contestação o requerimento de prova.
K)–Sendo que, deve, “… desde logo (obrigatoriamente), ser oferecida com os articulados…” – Cfr. Francisco Manuel Freitas de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, pp. 251 (sublinhado nosso).
L)–Ora, não tendo o Recorrente apresentado contestação, nem aderido à contestação do Réu, quando para tal foi regularmente citado e, por consequência, não tendo apresentado rol de testemunhas, ou tomado como seu o rol de testemunhas do Réu, não pode, agora, arrogar-se o direito estatuído no n.º 2 do art.º 598, de alterar algo que nunca existiu, por não apresentado ou algo a que nunca aderiu, tomando como seu.
M)“[j]ustifica-se plenamente que à parte que não indicou as testemunhas nos momentos processuais próprios seja vedado lançar mão do mecanismo do artigo 512º-A para as indicar pela primeira vez, pois que entender diversamente equivaleria, afinal, a estabelecer como prazo normal para a indicação de testemunhas o do artigo 512º-A, situação legitimamente não pretendida pelo legislador.” (O texto dos n.ºs 2 e 3 do actual art. 598º do Código de Processo Civil corresponde ao anterior art.º 512º-A, aditado pelo Dec. Lei n.º 180/96, de 26 de Fevereiro) – Ac. do Tribunal Constitucional, processo n.º 519/00, de 29.11.2000, Disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
N)–“[q]uebrando a tradição do nosso processo civil, impõe-se às partes o ónus de apresentarem os seus requerimentos probatórios nos respectivos articulados, como resulta do art. 552.º 2 e do art. 572.º d) …”, pois, “[t]em a vantagemde permitir que haja mais cedo nos autos uma noção sobre as implicações processuais das estratégias probatórias das partes.” – Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, pp. 295.
O)–Por fim, não colhe, igualmente, o argumento de que “… estando o interveniente principal ao lado do Réu, e tendo este contestado e arrolado testemunhas poder-se-á considerar que o seu requerimento a arrolar uma testemunha é um aditamento ao rol inicialmente apresentado na contestação pelo Réu.”, pois, caso assim fosse, o interveniente principal assumia a posição do Réu, como se de uma só parte se tratasse, não sendo, manifestamente, esta a disciplina do disposto nos art. 312.º e ss do CPC, na medida em que, “[o] interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa.
Terminou sustentando a manutenção das decisões impugnadas.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões a avaliar:
1.– As decisões impugnadas violaram o disposto no n.º 4 do  art. 588.º e no n.º 1 do  art. 599.º, ambos do Código de Processo Civil?
2.– A interpretação do art. 598.º do Código de Processo Civil no sentido de que o interveniente principal que não contestou e só posteriormente interveio nos autos não pode arrolar testemunhas na audiência prévia é inconstitucional por violação do art. 20.º da Constituição da República?

II.–FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto
Relevam, aqui, os factos processuais supra-lançados.

Fundamentação de Direito
1.– As decisões impugnadas violaram o disposto no n.º 4 do  art. 588.º e no n.º 1 do art. 599.º, ambos do Código de Processo Civil?
Nos termos do disposto no n.º 1 do  art. 588.º do Código de Processo Civil, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito brandido em juízo e que se mostrem supervenientes «podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão».

Para aquilatar da justificabilidade da alegação posterior é, pois, fundamental, ponderar os contornos do pedido e da causa de pedir da acção, reveladores do direito que se pretenda exercer em sede jurisdicional.

No caso em apreço, confrontamo-nos com uma causa de pedir complexa que integra a celebração de um contrato de concessão de incentivos financeiros, a prestação, ao IAPMEI, de uma garantia bancária «on first demand», a alegada realização integral do investimento e a consequente caducidade da garantia. Quanto ao pedido, temos que o mesmo corresponde à pretensão de obtenção de declaração judicial de verificação dessa caducidade.

Já o articulado superveniente pretende levar-nos, em acção iniciada em 18.12.2013, para facto reportado ao início do ano de 2017 (decisão unilateral do IAPMEI de rescisão do contrato de concessão de incentivos), narra a notificação e ausência de reacção da Recorrida, o seu pedido de pagamento de «€ 117.269,81, acrescido de juros no prazo de trinta dias úteis» e a sua intenção de interpelar a «Caixa Geral de Depósitos para pagamento do montante assegurado pela garantia bancária com fundamento na não conclusão do investimento na data constante do contrato, nem posteriormente».

Se exceptuarmos a unidade objectiva – pactos negociais e garantia – não há, na realidade, zonas de confluência entre os factos ulteriores e o thema decidendum da acção.

Quanto às relações recíprocas temos que, caso a acção proceda, perderá objecto a intenção anunciada no articulado rejeitado e tudo o aí dito se tornará irrelevante. Se improceder, nada poderá ser decidido quanto a essa matéria, na acção em que se gerou o recurso, por se extravasar o pedido e a causa de pedir acima enunciados. Acresce que a discrepância que desloca os factos do tempo do pedido para um quadro unilateral e intencional de referente temporal irrelevante inutiliza também a arguição para os efeitos da acção apreciada pelo Tribunal «a quo», sendo irrelevante o que decidiu agora a parte interessada no destino do processo e que nada carreia quanto aos factos que cumpre avaliar.

Flui do exposto, com linear nitidez, não se preencherem as condições de admissibilidade superveniente enunciadas no preceito supra-apontado.

Sendo manifesto que os factos não interessavam à boa decisão da causa, deu o Tribunal «a quo» bom cumprimento ao estabelecido no n.º 4 do artigo referenciado ao rejeitar o articulado que os continha.

Quanto à prova testemunhal rejeitada, certamente que o Recorrente invocou por lapso o  art. 599.º do Código de Processo Civil como tendo sido violado, já que se trata de preceito que refere que «A audiência final decorre perante juiz singular, determinado de acordo com as leis de organização judiciária», logo sem relação com a temática em apreço. Terá, certamente, face às alegações anteriores sobre a matéria, querido referir o art. 598.º do mesmo Código.

A este respeito, importa referir que, desejando produzir prova, o Recorrente estava obrigado a cumprir as regras processuais relativas à instrução da acção. Avultava, entre os comandos adjectivos inafastáveis e geradores de preclusões a al. d) do  art. 572.º do Código de Processo Civil que lhe impunha que apresentasse o rol de testemunhas e requeresse outros meios de prova na contestação.

O referido  art. 598.º é um preceito complementar deste. Não tem, nem poderia ter, atentas as regras interpretativas aplicáveis, autonomia ou efeitos derrogatórios – cf.  art. 9.º do Código de Processo Civil. Assim sendo, há que atender ao que resulta, com cristalino suporte literal, da combinação desses dois preceitos, ou seja, que:
a)- O rol de testemunhas e os demais requerimentos instrutórios têm que ser apresentados na contestação;
b)- Caso tenha apresentado requerimento instrutório na contestação, a parte Demandada pode pode alterar esse requerimento na audiência prévia;
c)- O rol de testemunhas apresentado (e unicamente este) pode ser «aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias».

É este o regime legal aplicável. Não se vislumbram nem se mostram indicadas outras normas adjectivas que possam intervir no percurso interpretativo e sejam suceptíveis de nos desviar deste resultado. Eram estas as regras que os Ex.mos profissionais do foro envolvidos tinham necessidade imperativa de respeitar com vista a poder desempenhar com eficácia os seus poderes de representação, sob pena de os seus representados não exercerem em plenitude os seus direitos.

É claramente negativa a resposta às duas vertentes da questão proposta.

2.– A interpretação do art. 598.º do Código de Processo Civil no sentido de que o interveniente principal que não contestou e só posteriormente interveio nos autos não pode arrolar testemunhas na audiência prévia é inconstitucional por violação do art. 20.º da Constituição da República?

O art. 20.º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva, em coerência com proclamações paralelas feitas ao nível do Direito internacional pactício e do Direito da União Europeia que seria ocioso referenciar a este nível. O que aí se dispõe refere a necessidade de disponibilização de mecanismos de pleno acesso dos cidadãos e das empresas à Justiça e aos Tribunais. Não incide, por não ser o seu objecto, sobre os contextos em que são as próprias partes a prescindir do exercício dos seus direitos e dos mecanismos colocados à sua disposição com vista à respectiva demonstração e protecção.

Por constituir mera indicação de regras, processos e mecanismos de exercício de carácter veicular e viabilizador e não criação de estruturas de bloqueio e obstaculização, a produção de normas processuais que estabeleça termos, prazos e consequências do não exercício de direitos de dimensão adjectiva não viola o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa e menos o faz o reconhecimento judicial dessas preclusões emergentes do desrespeito dos comandos normativos.

Não é tecnicamente defensável, a qualquer luz interpretativa, que o rol de testemunhas possa ser apresentado à margem das regras definidas na lei processual, ultrapassando todos os descuidos e inépcias, pelo simples facto de as partes terem inalienável direito ao pleno exercício do contraditório, nem este implica a possibilidade de criação de regras adjectivas privativas, se necessário. Tal não tem qualquer suporte legal nem enquadramento no sistema vigente não representando colisão com o travejamento constitucional a imposição de regras processuais cogentes que definam momentos, termos, prazos e consequências do não exercício dos direitos. Aliás, são as partes quem mais deve zelar pela possibilidade de plenamente exercerem os seus direitos e faculdades aparecendo a exercitá-los sob as condições pré-definidas na lei e nos prazos legais, não sendo admitida a criação de novas normas ou a integração analógica (aliás proscrita no processo civil) com o fito de as proteger a todo o custo da sua própria incúria ou inércia. Mal estaríamos, aliás, se estas, omitindo o cumprimento dos seus deveres, pudessem culpabilizar o sistema de administração de justiça pelos seus próprios erros e omissões ou invocar inconstitucionalidades ao primeiro esquecimento. Dificilmente os processos alguma vez chegariam ao seu termo.

Quanto aos mecanismos de tutela, temos que, caso o não cumprimento de regra processual que mandava apresentar o rol de testemunhas na contestação resulte de instruções da parte representada, a mesma só a si própria se poderá culpar. Se o não exercício de direito de relevo processual brotar de opção assumida, esquecimento, erro ou inépcia dos seus representantes, sempre a parte tem ao seu dispor os mecanismos de responsabilização que resultam do Direito constituído. O que não pode é exportar culpas e responsabilidades próprias e confundir o travejamento constitucional protector com a tutela das suas omissões e opções deslocadas.

É também negativa a resposta a esta questão.

III.–DECISÃO.
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos as decisões impugnadas.
Custas pelo Apelante.



Lisboa, 11.01.2018



Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto)
Decisão Texto Integral: