Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | FILIPA COSTA LOURENÇO | ||
Descritores: | SENTENÇA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE NULIDADE DE SENTENÇA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/07/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NULIDADE DA SENTENÇA | ||
Sumário: | I-De acordo com as disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a falta de enumeração dos factos provados e dos factos não provados gera a nulidade da sentença; II- A prova de factos feita numa sentença, por remissão para outras peças processuais ínsitas nos autos, no elenco dos factos provados ( ou não provados), não é legalmente admissivel; III- Para além da sentença ser fulminada com a nulidade, torna-a “opaca” por ficar imperceptivel, em virtude da adopção desta deficiente técnica juridica, a qual por nada valer, não concretiza os factos, logo não os enumera, tornando-os invisíveis logo insidicáveis; IV- O legislador foi muito preciso e claro quando, em analepse exige uma concreta enumeração de todos os factos que resultaram provados e não provados, quer estejam eles na acusação, na pronúncia, contestação e pedidos cíveis e contestações, para perfectibilizar uma decisão judicial, não se bastando sequer com as referências por pura e dura remissão, pois enumerar significa uma descrição especificada dos factos, que, como tal se consideram, sendo necessário indicá-los um a um. (sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA SUMÁRIO: I-De acordo com as disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a falta de enumeração dos factos provados e dos factos não provados gera a nulidade da sentença; II- A prova de factos feita numa sentença, por remissão para outras peças processuais ínsitas nos autos, no elenco dos factos provados ( ou não provados), não é legalmente admissivel; III- Para além da sentença ser fulminada com a nulidade, torna-a “opaca” por ficar imperceptivel, em virtude da adopção desta deficiente técnica juridica, a qual por nada valer, não concretiza os factos, logo não os enumera, tornando-os invisíveis logo insidicáveis; IV- O legislador foi muito preciso e claro quando, em analepse exige uma concreta enumeração de todos os factos que resultaram provados e não provados, quer estejam eles na acusação, na pronúncia, contestação e pedidos cíveis e contestações, para perfectibilizar uma decisão judicial, não se bastando sequer com as referências por pura e dura remissão, pois enumerar significa uma descrição especificada dos factos, que, como tal se consideram, sendo necessário indicá-los um a um. RELATÓRIO A arguida M..., devidamente identificada nos autos, nº 388/14.6GBSLX-Comarca de Lisboa, Seixal-Inst.Local-Secção Criminal-J1 foi condenada por sentença proferida em 24 de Maio de 2016, pela prática de um crime de furto simples, p.p. pelo artº 203º, nº1 do Código Penal, na pena de 220 dias de multa, à taxa diària de €5,00, perfazendo a quantia global de €1100,00, tendo sido ainda julgado parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização formulado pela demandante, e, em consequência condenar a demandada a pagar-lhe a quantia global de €7000,00 ( sete mil euros), ou seja €3000,00 ( três mil euros) a titulo de danos patriminiais e €4000,00( quatro mil euros) a titulo de danos morais. Inconformada com tal decisão, interpôs a arguida, supra identificada, o presente recurso ( extraindo-se das suas motivações as seguintes conclusões): CONCLUSÕES A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa – Seixal – Instância Local, a qual condenou a recorrente como autora material na forma consumada de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1., do Código Penal. B. E julgou ainda procedente, por parcialmente provado, o pedido de indeminização cível formulado pela ora demandante, e, em consequência, condenar a demandada a pagar-lhe a quantia global de 7.000,00 (sete mil euros), ou seja, 3.000,00 (três mil euros) a título de danos patrimoniais e €4.000,00 (quatro mil euros a título de danos não patrimoniais). C. Entende a Recorrente, com o devido respeito, que a douta sentença enferma dos seguintes vícios: Nulidade da sentença; Incorreção do julgamento da matéria de facto. D. Relativamente à nulidade da sentença o dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, dispondo o artigo 205º, n.º 1, da Lei Fundamental que, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. E. A fundamentação deve revelar as razões de bondade da decisão, permitindo que ela se imponha, dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência já que através dela se faculta aos respectivos e à comunidade, a compreensão de juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador. F. Sendo que é através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da atividade decisória pelo tribunal de recurso, designadamente no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto. G. Ora, da sentença do tribunal a quo e daquele se recorre, todos os factos provados e não provados quer da acusação quer do pedido de indeminização cível não foram indicados de forma especificada mas por mera remissão. H. Sendo que, na douta sentença apenas se refere que: “embora não exista prova directa, posto que, conjugadas as suas declarações, com a prova testemunhal e até com a prova documental e o exame pericial, as conclusões a tirar não podem ser outras. Até porque, se verifica que as características e descrição das peças em ouro que a arguida diz serem dela, não são de todo coincidência, quando se tratam de peças que correspondem às características das peças desaparecidas à queixosa.” I. Pelo que, é nosso entendimento, salvo melhor opinião e com o devido respeito, não se mostra feita a indicação completa das provas, nem em absoluto o exame crítico das mesmas, que formaram a convicção do tribunal. J. Não se mostram indicados de forma completa as prova, por exemplo, a indicação da prova documental é deficiente. K. Importava determinar que documentos, em concreto, relevaram e para que factos contribuíram, directamente e indirectamente, isoladamente ou em conjunto com outros meios de prova, para a formação da convicção do julgador, o que se desconhece por falta de indicação do julgador. L. Que todos os documentos tenham contribuído é impossível, uma vez que existem documentos nos autos, nomeadamente fotografias da Recorrente/Arguida com várias peças de ouro similares às que constam do documento a fls. 49 dos presentes autos, facturas de aquisição de peças de ouro, que contrariam os factos que o Tribunal a quo deu como provados. M. Também não se mostra feito o exame crítico das provas que fundamentaram a convicção do tribunal a quo. N. Relativamente ao depoimento quer da Recorrente/Arguida, quer das testemunhas, quer da Lesada/Queixosa, são patentes nas mesmas divergências em aspectos essenciais sem que se explique em concreto o meio de prova que relevou, em função da credibilidade que lhe atribuiu, para a decisão da matéria de facto. O. Atente-se, por exemplo, a título de divergência, a Lesada/Queixosa arguiu que lhe havia sido furtada uma pulseira a dizer André que é o nome do meu filho; uma medalha fininha a dizer Janeiro (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20160503145426 2´45’’), sendo que o Senhor H... (dono da casa do ouro), disse de forma peremptória, e sem qualquer hesitação que se recebesse uma medalha que dissesse o nome Carla, ou uma data de nascimento, colocaria essa menção na declaração de venda (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20160510142426 6´08’’). P. Ora, nenhuma das declarações de venda/compra de ouro efetuada pela Recorrente/Arguida contém tal informação. Q. Pelo que, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse exposto, ainda que de forma concisa, todo o raciocínio lógico- dedutivo, incluindo a necessária articulação dos meios de prova que valorou o porquê, que conduziu à sua convicção no sentido de ter a Recorrente/Arguida furtado as peças de ouro, nomeadamente as acima referidas. R. De salientar, ainda que a testemunha R... disse no seu depoimento que havia visto a Recorrente/Arguida com um anel de ouro de sete escravas, igual ao que consta da descrição da declaração de venda a fls. 49 dos presentes autos (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20160510144828 8´01’’). S. Também aqui o depoimento da testemunha foi valorado parcialmente, sem se perceber o raciocínio lógico- dedutivo, incluindo a necessária articulação dos meios de prova que valorou o porquê. T. Ora, os depoimentos das testemunhas, contribuindo para a formação da convicção do julgador, não podem ser valorados parcialmente. U. Na douta sentença é ainda dito, relativamente ao pedido de indemnização cível: “Mais se diga que, quanto aos danos morais e atenta à prova produzida, não nos ficaram dúvidas quanto ao valor sentimental e estimativo que tais peças tinham para a queixosa e que cabe necessariamente ser compensada, no que tange também aos danos morais verificados.” V. Mais uma vez e relativamente à prova produzida pergunta-se qual prova, o mesmo se diz relativamente aos danos patrimoniais, impugnando-se face ao sobredito os referidos danos. W. Uma vez que face aos depoimentos das testemunhas arroladas no pedido de indemnização cível, a saber M... e T..., nada foi dito quanto a esta matéria (conforme depoimento prestado ouvir Ficheiro 20160510144828 00´52’’ e Ficheiro 20160510142111 00´08’’) X. Em conclusão, o tribunal a quo não indicou completamente as provas que serviram de base para formar a sua convicção (falta de especificação da prova documental e valoração fundamentada da prova testemunhal) nem efetuou um exame crítico de tais provas, limitando-se a efetuar súmulas dos depoimentos das testemunhas sem indicação mínima sobre a credibilidade oferecida por cada meio de prova, nem efetuado um exame crítico das mesmas. Y. Pelo que a referida sentença é nula. Da incorrecção no julgamento da matéria de facto (Sublinhado nosso) Z. Ora, o princípio da livre apreciação da prova não pode ser confundido com um qualquer cheque em branco passado ao julgador. a. Pois, a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo". b. Invoca a Mm. Juíza a quo o depoimento da Recorrente/Arguida, nomeadamente dizendo na sua douta sentença que questionada a Recorente/Arguida sobre as impressões digitais que se encontravam no quarto, na casa de banho da queixosa e nas caixas onde estava o ouro guardado a Recorrente/Arguida terá respondido que “mexia nas coisa mas que não as tirava”. Ora, tal não corresponde na íntegra ao depoimento da Recorrida/Arguida. c. Ora do depoimento da Recorrente/Arguida (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20100503143636 6´19’’) nunca a Recorrente/Arguida foi questionada de forma direta sobre a existência das suas impressões digitais que supostamente se encontravam no quarto, na casa de banho da queixosa e nas caixas onde estava o ouro. d. Aliás, a Arguida no seu depoimento confessou que fazia a limpeza na casa da Lesada/Queixosa e que fora ela no dia 12 de dezembro de 2014, que limpara o quarto, e que por isso era possível que as suas impressões digitais estivessem no quarto da lesada/queixosa. e. Mas a Recorrente/Arguida também disse não saber se havia alguma impressão digital no interior de alguma caixa. f. Nestes termos, dar como provado que a mesma assentiu que havia uma impressão digital sua dentro de uma caixa, não resulta de todo da matéria de prova produzida em julgamento. (Sublinhado nosso). g. Aliás, tal facto também não resulta do relatório fotográfico a fls. 12 dos autos, a impressão digital foi retirada de uma caixa branca grande, sendo que só foi possível atribuir valor identificativo a uma impressão digital. h. Daí que condenar a Recorrente/Arguida com base num relatório pericial que identifica a impressão digital da Recorrente/Arguida numa caixa branca é manifestamente excessivo. i. E não poderá tal exame produzir prova plena, uma vez que a Recorrente/Arguida apresentou fundamento para que a sua impressão digital estivesse na caixa branca, foi referido pela mesma em audiência de discussão e julgamento que havia procedido à limpeza do roupeiro que estava no quarto da Lesada/Queixosa. j. Acresce que, é verdade que a Recorrente/Arguida confirmou que vendeu ouro, aliás até referiu em audiência de julgamento que havia junto as faturas de aquisição do ouro aos presentes autos, mas tal facto também não foi referido pela Mm.ª Juíza, nem foi devidamente valorado. Não existe qualquer menção na sentença do tribunal a quo às referidas facturas – (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20100503143636 10´14’’). k. É ainda referido na douta sentença que foram inquiridas as testemunhas de acusação, nomeadamente o L...(militar da GNR), as quais prestaram depoimento de modo espontâneo, objectivo, clarividente, confirmando ao Tribunal todas as circunstâncias de lugar, tempo e modo ínsitas na acusação formulada. l. Ora, tal mais uma vez não corresponde à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, a testemunha L...(militar da GNR) disse que o quarto tinha aspecto de ter sido remexido, inclusive mencionando que haviam coisas por vários sítios, em cima da cama, na cómoda (conforme depoimento prestado ouvir Ficheiro 20160505154120 1´04’’). m. Depoimento esse contraditório com o da Lesada/Queixosa, uma vez que a mesma disse que a única coisa que viu remexida foi o guarda-fatos (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20160503145426 2´45’’), pelo que, as versões do agente da GNR e da Lesada/Queixosa não são coincidentes. n. Pelo que, temos que concluir, salvo melhor entendimento e com o devido respeito, que a testemunha L...(militar da GNR) não confirmou ao Tribunal todas as circunstâncias de modo ínsitas na acusação formulada. o. É ainda dito na douta sentença que: “embora não exista prova directa, posto que, conjugadas as suas declarações, com a prova testemunhal e até com a prova documental e o exame pericial, as conclusões a tirar não podem ser outras. Até porque, se verifica que as características e descrição das peças em ouro que a arguida diz serem dela, não são de todo coincidência, quando se tratam de peças que correspondem às características das peças desaparecidas à queixosa.”: p. Mas tal também não corresponde à prova produzida em audiência de discussão e julgamento. q. É que a Lesada/Queixosa nas suas declarações disse que lhe haviam sido furtadas as seguintes peças um fio malha tipo cordão de ouro; um anel de 3 ouros, cruzado; anel de ouro sete escravas, uma medalha e respectivo fio com uma cruz embutida, uma pulseira a dizer André que é o nome do meu filho; uma medalha fininha a dizer Janeiro que foi oferecida pelos avós; um crucifixo em ouro e respectivo fio do marido, um fio fininho do baptizado do filho, 4 pulseiras fininhas (tinham bolinhas e cornucópias); estrela maciça em ouro (conforme declarações prestadas ouvir Ficheiro 20160503145426 2´45’’) r. Mas tal conclusão não corresponde ao depoimento prestado pela testemunha H... (dono da casa do ouro), aliás tal conclusão está em calar contradição com o depoimento prestado pela referida testemunha (conforme depoimento prestado ouvir Ficheiro 20160510142426 3´05’’). s. Nestes termos, não se afere como é que a Mm.ª Juíza pode concluir na sua douta sentença “quando se tratam de peças que correspondem às características das peças desaparecidas à queixosa.”, uma vez que no referido documento a fls. 49 dos presentes autos não existe nenhuma peça de ouro descrita como: - pulseira a dizer André nem uma medalha fininha a dizer Janeiro. (Sublinhado nosso) ( Ficheiro 20160503145426 2´45’’). t. Ora, nenhuma das declarações de venda/compra de ouro efetuada pela Recorrente/Arguida contém tal informação. u. Pelo que, se impunha decisão diversa da tomada. v. No que diz respeito ao depoimento da testemunha R..., esta não veio apenas dizer ao tribunal apenas que via a Recorrente/Arguida com muitas “bugigangas”, mas que achava que não eram por isso peças verdadeiras, também disse que havia visto a Recorrente/Arguida com um anel de ouro sete escravas(conforme depoimento prestado ouvir Ficheiro 20160510144828 8´01’’)- w. Mas esta parte do depoimento da testemunha não foi valorado pelo tribunal a quo, possivelmente porque até atestava que a Recorrente/Arguida tinha uma peça de ouro similar à que a Lesada/Queixosa alegou que que lhe havia sido furtada. x. Ora, os depoimentos das testemunhas, contribuindo para a formação da convicção do julgador, não podem ser valorados parcialmente. y. Atentos os fundamentos supra alegados, impunha-se ao Tribunal a quo considerar como não provada a factualidade descrita no despacho de acusação. z. De salientar que, atendendo à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e havendo contradições insanáveis na mesma, deverá ser aplicado o principio constitucional do in dúbio pro reo. aa. O princípio da livre apreciação expressamente consagrado no artigo 127.º, do C.P.P, impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. bb. Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos “princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório” Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1º vol., pg. 211. cc. Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem como a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio. dd. Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “Liberdade para a objectividade” (Ver. Min. Públ., 19º, 40.). ee. Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias “a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever – o de prosseguir a verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo.” (Direito Processual Penal I, 202.). ff. Ora, é dito na douta sentença proferida pelo tribunal a quo que: “embora não exista prova directa, posto que, conjugadas as suas declarações, com a prova testemunhal e até com a prova documental e o exame pericial, as conclusões a tirar não podem ser outras. Até porque, se verifica que as características e descrição das peças em ouro que a arguida diz serem dela, não são de todo coincidência, quando se tratam de peças que correspondem às características das peças desaparecidas à queixosa.” gg. O Tribunal a quo formou a sua convicção com base no depoimento quer da Recorrente/Arguida quer das testemunhas e, ainda, da Lesada/Queixosa, contudo, do depoimento das mesmas são patentes as divergências em aspectos essenciais sem que se explique em concreto o meio de prova que relevou, em função da credibilidade que lhe atribuiu, para a decisão da matéria de facto. (Sublinhado nosso) hh. Em suma, por via da prova pessoal gravada, conjugada com a prova documental e pericial, é de concluir que o tribunal apreciou arbitrariamente a prova produzida, que incorreu em erro lógico, com desrespeito das regras da experiência. ii. Nestes termos, deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e, a Recorrente/Arguida absolvida. jj. Relativamente ao pedido de indeminização civil a Douta Sentença recorrida condenou ainda a Recorrente/Arguida no pedido de indemnização civil formulado pela demandante (ainda que parcialmente), condenando a demandada a pagar-lhe a quantia global de € 7.000,00 (sete mil euros), ou seja, 3.000,00 (três mil euros) a títulos de danos patrimoniais e € 4.000,00 (quatro mil euros a títulos de danos patrimoniais. kk. Pergunta-se como é que se aferiu o valor dos danos patrimoniais, com base em que critérios? ll. De salientar que nem a testemunha T..., testemunha do pedido de indemnização civil, pessoa que vendeu três peças de ouro à lesada, no seu depoimento, indicou um valor para a venda das peças (conforme depoimento prestado ouvir Ficheiro 20160510142111 00´08’’). mm. É que o dano patrimonial visa a reparação efectiva da lesão sofrida, ora se não foi feita qualquer prova nesse sentido, como é que é possível determinar-se o mesmo. nn. Que critérios? com recurso a que critérios objetivos é que o tribunal a quo fixou o valor dos danos patrimoniais é que tal não é demonstrado na douta sentença do tribunal a quo. oo. Quanto aos danos não patrimoniais, o Tribunal a quo disse na sua sentença que: “Ouvidas as testemunhas M…e T… ambas testemunhas da assistente/demandante, ficou comprovado o incómodo e sofrimento, bem como, o prejuízo que esta ocorrência causou à queixosa.”. pp. Ora, as mesmas nada disseram relativamente a essa matéria (conforme depoimentos prestados ouvir Ficheiro 20160510144828 00´52’’ e - Ficheiro 20160510142111 00´08’’). qq. Ora, o Código Civil aceitou em termos gerais no domínio das responsabilidade extracontratual, a tese da reparabilidade dos danos não patrimoniais, mas limitando-se àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496.º, n.º 1). rr. A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso concreto) e não à luz de factores subjectivos. ss. Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. tt. Sendo que a reparação obedecerá a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso e atendendo ao princípio da proporcionalidade. uu. Sendo que, se mostra necessário integrar com factos concretos as situações de incómodo, de angústia, sofrimento que a Lesada/Queixosa tenha sofrido, o que no caso em apreço não ocorreu. (Sublinhado nosso). vv. A testemunha da Lesada/Ofendida que se pronunciou sobre esta matéria limitou-se a mencionar que a Lesada /Queixosa “Ficou um bocado, ficou abalada, porque essas peças e outras que lhe foram retiradas, pelo que ela contou na altura, tinham um valor sentimental porque eram dela.” – (conforme depoimento prestado ouvir Ficheiro 20160510144828 00´52’’). ww. Mas não concretizou em que medida é que a mesma estava abalada é que a mesma estava abalada, de que forma é que a Lesada/Queixosa alterou a sua forma de estar, o seu comportamento, o seu dia-a-dia, na sequência dos factos ocorridos. xx. Sendo necessário estabelecer um nexo causal entre a alteração do comportamento da Lesada/Queixosa e a prática dos factos pela Recorrente/Arguida. yy. Pelo que nada mais restava ao tribunal a quo do que dar o pedido de indeminização cível quanto aos danos não patrimoniais, por improcedente, por não provado. zz. Mas se esse não fosse o entendimento, o que só por mera hipótese académica se admite, sempre poderíamos dizer que a fixação do montante de €4.000,00 (quatro mil euros) a título de danos não patrimoniais é manifestamente desproporcional face aos danos demonstrados e comprovados pela Lesada/queixosa em audiência de discussão e julgamento. aaa. Uma vez que face aos depoimentos das testemunhas arroladas no pedido de indemnização cível, nada foi dito quanto a esta matéria, (conforme depoimentos prestados ouvir Ficheiro 20160510144828 00´52’’ e Ficheiro 20160510142111 00´08’’). bbb. A subsunção jurídica de tais factos, considerados como não provados, no sentido que se alegou, implica que a Recorrente não possa ser condenada no pedido de indemnização cível.
NESTES TERMOS, e nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, devendo a referida sentença ser considerada nula, ou caso assim não se entenda deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída, e consequentemente ser a Recorrente/Arguida absolvida, e, em consequência ser declarado improcedente por não provado o pedido de indeminização cível.
Sendo que assim se fará JUSTIÇA!
(…) Factos Provados: Apreciada a prova produzida em audiência, resultaram como provados os seguintes factos, relevantes para a boa decisão da causa: 1. Todos os factos constantes da acusação formulada e do pedido de indemnização deduzido, ínsitos de fls. 107 a 109 e de fls. 117 a 119 (122 a 123), os quais, para todos os devidos e legais efeitos aqui se dão por inteiramente reproduzidos, com excepção feita ao valor patrimonial de € 6.000,00. 2. Do certificado de registo criminal da arguida constam as seguintes condenações: - pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art" 3° do DL. 2/98 de 03.01 em 2003, uma pena de 75 dias de multa; - pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art" 3° do DL. 2/98 de 03.01 em 2002, uma pena de 60 dias de multa; - pela prática de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla qualificada em 2007 a pena de 2 anos e 6 meses de pena de prisão suspensa por igual período; 3. A arguida tem no presente 42 anos de idade. 4. A arguida encontra-se a receber subsídio de desemprego no valor de €411,32 e aufere cerca de € 400,00 de limpezas que faz na casa de particulares. 5. Vive sozinha com um filho de 8 anos de idade. 6. De despesas fixas mensais tem a renda de casa no valor de € 307,00, o colégio do filho no montante de € 140,00, e as prestações da água, luz, gás e alimentação. * Factos Não Provados: Inexistem factos não provados com pertinência para a decisão da causa, com excepção ao facto abaixo enunciado: A. Que o valor patrimonial das peças de ouro furtadas à queixosa orçavam exactamente o montante de € 6.000,00.
II-MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO: A arguida esteve presente em julgamento, e no uso da palavra negou que tivesse furtado as peças de ouro da casa da queixosa. Questionada sobre a quantidade de peças de ouro que foi vender pouco depois do desaparecimento das peças de ouro em apreço, referiu que o ouro era seu, e que tinha como costume vender o seu ouro naquela loja. Mais disse que era a supervisora na empresa de limpeza contratada pela queixosa e que era ela a única responsável pela limpeza do quarto da queixosa, uma vez que a cliente tinha gatos e era pessoa muito exigente. Mais esclareceu o Tribunal que, das peças em apreço e que refere serem suas, as mesmas por si foram vendidas pelo valor de € 1.052,00. Questionada sobre as suas impressões digitais que se encontravam no quarto, na casa de banho da queixosa e nas caixas onde estava o ouro guardado, respondeu "que mexia nas coisas mas que não as tirava". Igualmente confirmou que vendeu designadamente, pulseiras em ouro, um anel de sete escravas, um anel em ouro branco, etc. Mais prestou declarações sobre as suas actuais condições pessoais e de vida. Foi inquirida a queixosa/assistente S..., que nos descreveu como ocorria a limpeza na sua casa realizada pela empresa contratada, como no dia em apreço encontrou o seu quarto e as caixas onde guardava o ouro e o roupeiro onde estas se encontravam arrumadas. Mais descreveu as várias peças de ouro que tinha e que lhe foram subtraídas, bem como o seu valor comercial e estimativo e sentimental. Mais nos confirmou que nenhuma das suas jóias, peças de ouro recuperou. E que não dispunha de seguro para as peças em causa. Foram inquiridas as testemunhas de acusação, A...(filho da queixosa), C... (gerente da empresa de limpeza V...), a E...s (à data empregada de limpeza da empresa), a An... (empregada de limpeza da empresa), o L...(militar da GNR), as quais, prestaram depoimentos de modo espontâneo, objectivo, clarividente, confirmando ao Tribunal todas as circunstâncias de lugar, tempo e modo ínsitas na acusação formulada. Tendo descrito com pormenor e convicção a dinâmica dos factos em questão. Com excepção feita, a terem visto e presenciado a arguida a retirar as peças à queixosa. Contudo, não nos ficam dúvidas de que a arguida cometeu o crime pelo qual vem acusada, não obstante a inexistência de prova directa, posto que, conjugadas as suas declarações, com a prova testemunhal ouvida e até com a prova documental e o exame pericial, as conclusões a tirar não podem ser outras. Até porque, se verifica que as características e descrição das peças em ouro que a arguida diz serem dela, não são de todo coincidência, quando se tratam exactamente de peças que correspondem às características das peças desaparecidas à queixosa. Ouvidas as testemunhas M..s e T..., ambas testemunhas da assistente/demandante, ficou comprovado o incómodo e sofrimento, bem como, o prejuízo que esta ocorrência causou à queixosa. As testemunhas de defesa inquiridas, o H... (dono da casa de ouro) e a R...( que foi empregada na empresa V...n e trabalhou com a arguida), prestaram depoimentos que foram mais no sentido da acusação, do que propriamente em defesa da arguida. Posto que o H..., confirmou-nos que a arguida vendia-lhe em regra muito ouro, e até em colaboração com o Tribunal veio juntar vários documentos a atestar o que disse. O que é absolutamente contraditório com o tipo de vida e vencimento de empregada de limpeza que a arguida tinha. De facto, tais quantidades de ouro, não se coadunam de todo, com as condições de vida e financeiras da arguida. N o que concerne, à testemunha R..., esta por sua vez, veio a Tribunal dizer, que via a arguida, mas com muitas "bugigangas", mas que achava que não eram por isso verdadeiras peças. Mais se valoraram todos os documentos constantes dos autos, bem como, o certificado de registo criminal da arguida, actualizado. Face ao exposto, dúvidas não nos ficaram de que a arguida cometeu o crime pelo qual vem acusada, e que, nos exactos termos apurados, cumpre aqui condená-la, fazendo uso dos critérios de lógica e de presunção judiciária e igualmente da experiência comum, apoiada na valoração de toda a prova produzida. * IV.MOTIVAÇÃO DE DIREITO: Estabelecido o quadro factual apurado, importa proceder ao respectivo enquadramento jurídico-penal.
- Do crime de Furto: Dispõe o n." 1, do art. 203° que, «Quem) com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa) subtrair coisa móvel alheia é punido ... ». O tipo oijectivo do supracitado crime é, aSS1m, constituído pela ilegítima intenção de apropriação e pela subtracção de coisa móvel alheia, ao qual há que acrescentar um elemento implícito, constituído pelo valor patrimonial da coisa, atento o bem jurídico protegido como sendo a propriedade, vista como disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica'. Delimita-se a «ilegítima intenção de apropriação como elemento suijectivo do tipo de ilícito que faz do furto um crime intencional», ou seja, o agente) que sabe que a coisa subtraída não é sua) tem de se comportar intencionalmente relativamente à mesma como seu (proprietário) querendo) assim) integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem) manifestando) assim) em primeiro lugalj uma intenção de (des)apropriar terceiro», e a ((subtracção de coisa móvel alheia» pela ((eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisas', O tipo subjectivo deste ilícito criminal pressupõe por parte do agente uma conduta culposa, sendo punível o facto praticado com dolo, em qualquer das modalidades previstas no art. 14° do C. Penal. Ora, tendo em conta os factos provados, dúvidas não nos restam de que a arguida apossou-se das peças em ouro, tendo-as feito suas, como foi sua intenção, apesar de saber que as mesmas não lhe pertenciam. Pelo que, se impõe concluir pelo preenchimento de todos os elementos objectivos típicos do crime de furto, previsto e punido pelo art. 203.°, n." 1 do c.P. A arguida actuou livre e conscientemente, sabendo que praticava e querendo praticar os factos, agindo assim com dolo directo, conforme previsto no art. 14.°, n." 1 do Código Penal, pelo que se encontra igualmente preenchido o tipo subjectivo de ilícito. Inexistem quaisquer causas que excluam a ilicitude da conduta da arguida ou a sua culpa, porquanto a arguida agiu livre e conscientemente, sabendo da existência de normas penais que vedam o seu comportamento, como se alcança dos factos provados. (…)
VII. DISPOSITIVO: Pelo exposto supra, o Tribunal julga a acusação procedente por provada e decide: - Condenar a arguida M..pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.°, n." 1 do Código Penal, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo a quantia global de € 1100,00; - Condenar a arguida no pagamento das custas do processo-crime, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal (cfr. art.f's 513.° e seguintes do Código de Processo Penal), bem como, nos demais encargos legais devidos; - Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado pela ora Demandante, e, em consequência, condenar a demandada a pagar-lhe a quantia global de €7.000,00 (sete mil euros), ou seja, €3.000,00 (três mil euros) a título de danos patrimoniais e € 4.000,00 (quatro mil euros) a título de danos morais: |