Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
491/16.8BEBRG.L2-8
Relator: AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: CERTIFICADOS DE AFORRO
RESGATE DE CAPITAL
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Fundamento específico da prescrição é a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período legalmente estabelecido, a qual faz presumir ou a renúncia ao direito ou, pelo menos, torna aquele indigno de protecção jurídica, a inércia negligente.

II – Ninguém pode exercer um direito que não conhece ter, que não sabe que lhe assiste. Se o desconhece e o prazo se escoou não se pode verdadeiramente falar de inércia (há apenas decurso dum lapso de tempo) e, menos ainda, de negligência, sendo que pela prescrição se sanciona a inércia negligente do titular do direito.

III – Não existindo à data do óbito do titular dos certificados de aforro  , ainda , a base de dados de registo dos aludidos certificados - o registo central electrónico só surgiu com o Decreto-Lei n.º 47/2008, e com elementos a aprovar por Portaria - , pertinente não é reportar-se o inicio do prazo de prescrição à data do óbito do titular falecido, data em que não tinha o seu herdeiro acesso à existência, localização e titularidade dos investimentos financeiros do titular falecido, logo, não pode iniciar-se – à data do óbito - o prazo de prescrição nos termos do citado artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
A , na qualidade de cabeça-de-casal das heranças abertas por óbito de B e de C instaurou a presente ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra AGÊNCIA DE GESTÃO DA TESOURARIA E DA DÍVIDA PÚBLICA – IGPC, E.P.E. peticionando o seguinte:
1) Seja reconhecido que a titularidade dos certificados de aforro identificados nos artigos 15º e 19º da petição inicial de que foi titular B se transmitiram “mortis causa” para as heranças referidas nos artigos 5º a 8º da petição inicial;
2) Seja reconhecido que sobre os indicados certificados de aforro não incide qualquer excepção de direito material, nomeadamente a prescrição, quer impeça o normal exercício dos direitos a eles inerentes, incluindo o direito ao seu resgate/reembolso;
3) Seja a R. condenada a pagar ao A., na qualidade de cabeça de casal das heranças mencionadas, o valor correspondente ao resgate dos certificados de aforro, no montante actual de € 7.108,90 (sete mil cento e oito euros e noventa cêntimos), acrescido de juros remuneratórios e moratórios até efectivo pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que B faleceu em 21-02-1997, no estado de casado com C, que faleceu em 12-05-2003 e com quem havia sido casado no regime da comunhão geral de bens; B detinha certificados de aforro, cuja existência os seus herdeiros desconheciam e só vieram a tomar conhecimento em meados de Junho de 2014; que os certificados de aforro foram considerados prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública; o valor dos certificados de aforro era de € 7.108,90.
A R. contestou, por excepção, invocando as excepções de ineptidão da petição inicial, incompetência absoluta e incompetência relativa e por impugnação alegando, em síntese, que pelo menos seis pessoas da família do aforrista tinha conhecimento da existência de certificados de aforro, tendo efectuado resgates após a morte do titular aforrista.
Mediante o despacho de fls. 127/129, foi declarada a incompetência absoluta dos tribunais administrativos para o conhecimento destes autos e, consequentemente, foram os mesmos remetidos a este Tribunal.
Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador a fls. 265/267.
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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu julgar a presente ação integralmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu a R. do pedido, decidindo ainda pela não condenação da R. como litigante de má-fé.
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Inconformado com o teor da sentença, dela interpôs recurso o Autor, na sequência do qual, foi proferida Decisão Sumária neste Tribunal da Relação a 14-6-2018, decidindo anular a sentença, determinando que o tribunal fundamentasse, ponto por ponto, de per si, as alíneas a), b), f, g) e h) do ponto 4 e os pontos 38º e 39º, impugnados nas conclusões do recurso.
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Em obediência ao determinado, foi proferida nova sentença, datada de 14-10-2018, que decidiu julgar a presente ação integralmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu a R. do pedido, decidindo ainda pela não condenação da R. como litigante de má-fé.
Inconformado com o teor da sentença, dela interpôs recurso o Autor, concluindo, em síntese, da forma seguinte:
1ª - Da análise conjunta dos elementos resultantes do acordo das partes, do depoimento prestado pela testemunha António..., constante do ficheiro 20170620102712_19176245_2871113, minutos 02:10 a 07:11, do depoimento prestado pela testemunha Jorge..., constantes do ficheiro: 20170620105856_19176245_2871113, minutos 18:56 a 20:15, todos do registo magnético onde consta a gravação da audiência de julgamento, deveria o tribunal a quo ter dados ter sido dado POR PROVADOS os seguintes factos:
“a) O A. e seus irmãos desconheciam a existência dos certificados de aforro referidos em 15..
b) Só em meados de Junho de 2014, durante obras e arrumações na casa onde habitava B, descobriu o A. os referidos certificados.
(…)
f) Apesar de todos os netos de B terem resgatado os certificados de aforro, Anabela... não o fez por desconhecimento dos mesmos.
g) Quer o A., quer seus irmãos, quer os netos de B haviam concluído que este não havia constituído quaisquer certificados de aforro em que Anabela... fosse movimentadora.
h) Isto porque em 27 de Novembro de 1990, B havia vendido a António... (actual marido da Anabela...) um terreno para aí edificarem, como edificaram a sua habitação”.
2ª – Da análise conjunta dos elementos resultantes do acordo das partes, do depoimento prestado pela testemunha Edite..., constante do ficheiro: 20170620113351_19176245_2871113, minutos 01:56 a 02:39 do registo magnético onde consta a gravação da audiência de julgamento, deveria o tribunal a quo ter dados ter sido dado por NÃO PROVADO que:
30 – Pelo menos seis pessoas sabiam que o Sr. B era titular de certificados de aforro, por que todas elas resgataram certificados de aforro titulados pelo aforrista falecido.
38 – Antes de 2008, era possível aos herdeiros obter junto da R. informação da existência de certificados de aforro em nome de titular aforrista falecido.”
3ª - A exigência do conhecimento da existência e titularidade do direito ou, pelo menos a possibilidade de ter esse conhecimento é pressuposto do exercício do direito ora controvertido.
4ª - Ninguém pode exercer um direito cuja existência desconhece nem tem a possibilidade de conhecer, pelo que não se pode, neste caso, falar de inércia nem de negligência quanto ao exercício do mesmo.
5ª - É a partir de 14 de Março de 2008, data da entrada em vigor do Decreto- Lei n.º 47/2008, de 13 de Março - que criou o registo central de certificados de aforro -, que o recorrente podia ter diligenciado no sentido de aferir se o de cujus era detentor de quaisquer certificados de aforro porquanto é nesse momento que está na disponibilidade de cada pessoa obter informação sobre a titularidade de certificados de aforro.
6ª - É o momento do conhecimento da existência dos certificados de aforro ou da criação do registo central de certificados de aforro, se ulterior a este, que constituem facto desencadeador do início do prazo de prescrição, in casu, de dez anos, conforme disposto no Decreto-Lei nº 122/2002, de 4 de Maio.
7ª - Quer se considere que o prazo de prescrição se inicia em 14/03/08, com a possibilidade do conhecimento da existência dos certificados de aforro em apreciação, ou em Junho de 2014, o pedido de amortização dos certificados de aforro de que era titular o Senhor B ocorreu dentro do prazo de 10 anos a que se reporta o artigo 7º em vigor à data em que conheceram ou podiam ter conhecido a existência do direito.
8ª - Inexiste fundamento para o tratamento diferenciado da transmissão de certificados de aforro relativamente à dos demais bens que constituem a herança do de cujus, ou seja, inexiste fundamento para considerarmos que quanto à transmissão de certificados de aforro o prazo de prescrição inicia com a morte do titular dos mesmos – o que não se admite –, e quanto à transmissão dos demais bens da herança o prazo de caducidade do direito de aceitação da herança inicia na data em que o sucessível tem conhecimento de haver sido chamado.
9ª - Deve a norma contida no artigo 7º do Decreto-Lei nº 122/2002, de 4 de Maio, quando interpretada no sentido de que o prazo de prescrição nela constante começa a contar a partir da data da morte do titular de um certificado de aforro, ser declarada materialmente inconstitucional por violação dos artigos 13º e 62º, articuladamente, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Inconstitucionalidade que expressamente se invoca.
10ª - O tribunal a quo não atendeu às regras relativas ao ónus da prova.
11ª - A prova de que o prazo de prescrição já havia decorrido aquando da propositura da acção pelo recorrente, nos termos do disposto no art.º 343º, n.º 2 do Código Civil, encontra-se a cargo do réu, aqui recorrido. Prova que o recorrido não logrou fazer.
12ª - Dos factos provados não resulta expressa a data em que os autores tiveram conhecimento do seu direito, pelo que jamais poderia ter-se como verificada a prescrição.
13ª - Não resultando da matéria de facto apurada que o autor intentou a acção decorridos mais de dez anos sobre a data em que teve conhecimento do seu direito, só pode concluir-se que não se acha demonstrada a prescrição de tal direito.
14ª - O Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos artigos, 306º, n.º 1 e 243º, n.º 2 do Código Civil, o artigo 7º do Decreto-Lei nº 122/2002, de 4 de Maio e os artigos 13º e 62º da Constituição da República Portuguesa
Conclui no sentido de que deve o presente recurso ser julgado procedente, proferindo-se Acórdão que julgue totalmente procedente a acção, com as legais consequências.
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A Apelada apresentou contra-alegações, entendendo que a sentença do Tribunal a quo se deve manter na íntegra por ser um exemplo de correta aplicação do Direito.
Requer-se que o presente recurso de apelação seja totalmente improcedente por infundado, daí se retirando as demais consequências legais.
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QUESTÕES A DECIDIR:
-Da Impugnação da Decisão de Facto
-Da Prescrição do Direito invocado pelo Autor.
-Se a titularidade dos certificados de aforro identificados na petição inicial de que foi titular AG... se transmitiu para as heranças abertas por óbito de AG... e de MB...;
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FUNDAMENTAÇÃO:
A – FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa, resultou provado o seguinte:
1 – B e C casaram a 5 de Maio de 1937 no regime da comunhão geral em primeiras núpcias de ambos.
2 – Do referido casamento resultaram quatro filhos biológicos, o aqui A., A , Corália..., Maria... e Maria Albertina... .
3 – O referido casamento dissolveu-se, por morte do cônjuge marido, ocorrida no dia 21 de Fevereiro de 1997.
 4 - C faleceu no dia 12 de Maio de 2003.
5 – No dia 2 de Novembro de 2004 o A. outorgou escritura notarial de habilitação de herdeiros, através da qual se declarou e se habilitou como herdeiro de C e ainda como cabeça-de-casal.
6 – No dia mesmo dia e pelo mesmo ato notarial o A. e seus irmãos, únicos e universais herdeiros daqueles de cujus, seus pais, celebraram, entre si, escritura pública de partilha dos bens que integravam aquelas heranças.
7 – O A. na sua qualidade de filho mais velho, herdeiro do casal de cujus, coube-lhe o cabeçalato da herança.
8 – O de cujus B celebrou com o Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público um contrato pelo qual subscreveu certificados de aforro, entregando-lhe quantias para, no futuro, ver restituídas as quantias entregues com uma remuneração.
9 – O Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público foi transformado em entidade pública empresarial, com a designação de Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, E.P.E., aqui R..
10 – Assumindo a aqui R. os poderes, atribuições e competências daquele instituto e bem assim as obrigações ao mesmo inerentes.
11 – Nomeadamente, a obrigação de pagamento de capital, juros e demais prestações pecuniárias derivadas da emissão/subscrição de dívida pública como os certificados de aforro.
12 – O referido B, em 14/01/1994 e em 27/05/1994 entregou ao supra identificado Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público as quantias de 400.000$00 e 200.000$00, respectivamente.
13 – Assumindo aquele Instituto a obrigação de lhe restituir outro tanto e uma remuneração pelo tempo que durasse a permanência desse montante na posse do mesmo instituto.
14 – Convencionando as partes que tais entregas o eram a título de empréstimo qualificado como “certificados de aforro” da sua série denominada “B”.
15 – E por isso, recebendo as indicadas quantias, o referido Instituto entregou ao falecido B os dois certificados de aforro cujas fotocópias constam a fls. 28.
16 – O referido Instituto reconheceu o falecido B como aforrista nº02497768 titular dos certificados de aforro nº047726962 e nº050493817.
17 – Os certificados permitem ao seu titular nele inscrito obter o pagamento do valor neles cartulado com a remuneração legalmente devida, mediante a sua apresentação junto do dito Instituto ou de quem o represente, v.g., estações de correio.
18 – No dia 8 de Setembro de 2014 o A. enviou para a R., uma carta registada com aviso de receção dando conta da descoberta dos certificados de aforro dos quais o seu falecido pai era titular.
19 – E ainda, do facto de, nos CTT lhe terem comunicado que tais certificados tinham sido resgatados em 2003.
20 – Sendo certo que não foram resgatados nem pelo seu falecido pai nem pela sua neta Anabela..., enquanto movimentadora eventual conforme referido nos certificados.
21 – Solicitou ainda informação completa sobre a pessoa que procedeu ao referido resgate.
22 – Em resposta, através do seu Ofício nº19003/2014 datado de 16 de Outubro de 2014 a R. reiterou o conteúdo do seu ofício nº17744/2014 datado de 30 de Setembro de 2014 endereçado a Anabela..., informando que ao abrigo do artº7º do decreto-lei nº172-B/86, de 30 de Junho, os certificados de aforro foram considerados prescritos a favor do FRDP- Fundo de Regularização da Dívida Pública, ora AGTP, por não terem sido reclamados dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito.
23 – À data de 09-03-2016, o valor dos certificados de aforro ascenderia a 7.108,90€ (sete mil cento e oito euros e noventa cêntimos) sendo que 2.992,79€ (dois mil novecentos e noventa e dois euros e setenta e nove cêntimos) é o valor de compra e 4.116,12€ (quatro mil cento e dezasseis euros e doze cêntimos) o de valorização.
24 – B foi titular de certificados de aforro, todos da série B, conforme quadro que se segue:


 N.º

Número de subscrição

Números de unidades

Data de emissão
1 462... 3200 1993-11-22
2 472... 4800 1993-12-31
3 477... 800 1994-01-14
4 477... 800 1994-01-14
5 47726946 800 1994-01-14
6 47726954 800 1994-01-14
7 47726962 800 1994-01-14
8 47726970 800 1994-01-14
9 50493752 400 1994-05-27
10 50493779 400 1994-05-27
11 50493787 400 1994-05-27
12 50493795 400 1994-05-27
13 50493809 400 1994-05-27
14 50493817 400 1994-05-27


25- Todos estes certificados de aforro foram sendo resgatados como se segue:


N.º

Número de subscrição

Data amortização

 Valor resgate
1 462... 1998-05-04 2.166.016$00
2 472... 1998-05-04 3.240.960$00
3 477... 1997-06-04 510.208$00


26 – Os únicos certificados de aforro titulados pelo aforrista que não foram resgatados são os que se seguem:



N.º


Número de subscrição


Números de unidades


Data de emissão
1 47726962 800 1994-01-14
2 50493817 400 1994-05-27


27 – Os dois certificados de aforro referidos em 26. foram considerados prescritos após o R. ter obtido informação através do cruzamento da base de dados do registo civil do Instituto de Registo e Notariado (IRN) – com o qual estabeleceu um protocolo para o efeito no ano de 2012 – e da base de dados de contas aforro do IGCP, de que o aforrista e titular dos referidos certificados de aforro, Sr. B, tinha falecido em 21-02-1997.
28 – Com base nesta informação, o R. procedeu, em 12-06-2012, à imobilização da conta aforrista n.º 20497768, cujo titular era o de cujos, e de seguida transferiu os valores correspondentes aos certificados de aforro em causa para o Fundo de Regularização da Dívida Pública (FRDP).
29 – Na data referida em 28. a R. transferiu um valor total de € 6.549,82 para o FRDP.
30 – Pelo menos seis pessoas sabiam que o Sr. B era titular de certificados de aforro, por que todas elas resgataram certificados de aforro titulados pelo aforrista falecido.
31 – No dia 04-06-1997, na loja dos CTT de Aveiro, a Sra. Corália de …, na qualidade de movimentadora dos certificados de aforro nº 504... e 477... procedeu ao seu resgate total pelo valor de 758.304$00 (setecentos e cinquenta e oito, trezentos e quatro escudos).
32 – No dia 04-05-1998, na loja dos CTT de Guimarães, a Sra. Maria..., na qualidade de movimentadora dos certificados de aforro nº 462... e 472... procedeu ao seu resgate total pelo valor de 2.166.016$00 (dois milhões, cento e sessenta e seis mil e dezasseis escudos).
33 – No dia 29-01-2003, na loja dos CTT de Guimarães, a Sra. Maria..., na qualidade de movimentadora dos certificados de aforro nº 5044... e 477... procedeu ao seu resgate total pelo valor de € 4.908,10 (quatro mil, novecentos e oito euros e dez cêntimos).
34 – No dia 28-03-2003, na loja dos CTT Boavista - Porto, a Sra. Filipa ….., na qualidade de movimentadora dos certificados de aforro nº 47726954 e 50493809 procedeu ao seu resgate total pelo valor de € 4.923,57 (quatro mil, novecentos e vinte e três euros e cinquenta e sete cêntimos).
35 – No dia 01-04-2003, na loja do Norte Shopping, a Sra. Anabela..., na qualidade de movimentadora dos certificados de aforro nº 47726946 e 50493787 procedeu ao seu resgate total pelo valor de € 4.923,54 (quatro mil, novecentos e vinte e três euros e cinquenta e quatro cêntimos).
36 – No dia 17-09-2003, na loja dos CTT de Guimarães, o Sr. Rui …, na qualidade de movimentador dos certificados de aforro nº 47726970 e 50493795 procedeu ao seu resgate total pelo valor de € 5.010,25 (cinco mil e dez euros e vinte e cinco cêntimos).
37 – Os certificados de aforro mencionados em 15., tinham como movimentadora a neta do titular, Anabela...
38 – Antes de 2008, era possível aos herdeiros obter junto da R. informação da existência de certificados de aforro em nome de titular aforrista falecido.
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B – FACTOS NÃO PROVADOS:
a) O A. e seus irmãos desconheciam a existência dos certificados de aforro referidos em 15..
b) Só em meados de Junho de 2014, durante obras e arrumações na casa onde habitava B, descobriu o A. os referidos certificados.
c) Pelo que, de seguida, o A. dirigiu-se ao posto de CTT de Guimarães a quem pediu informações sobre os ditos certificados solicitando o seu resgate/pagamento de capital e remuneração legal.
d) No posto dos CTT de Guimarães foi o A. informado que os referidos certificados haviam sido resgatados em 2003.
e) Mas recusaram a informação, então solicitada, sobre a identificação da pessoa que solicitou o resgate.
f) Apesar de todos os netos de B terem resgatado os certificados de aforro, Anabela... não o fez por desconhecimento dos mesmos.
g) Quer o A., quer seus irmãos, quer os netos de B haviam concluído que este não havia constituído quaisquer certificados de aforro em que Anabela... fosse movimentadora.
h) Isto porque em 27 de Novembro de 1990, . havia vendido a António... (actual marido da Anabela...) um terreno para aí edificarem, como edificaram a sua habitação.
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DE DIREITO:
DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
A Apelante impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, defendendo que devia ser considerado provado que:
“a) O A. e seus irmãos desconheciam a existência dos certificados de aforro referidos em 15..
b) Só em meados de Junho de 2014, durante obras e arrumações na casa onde habitava B, descobriu o A. os referidos certificados.
(…)
f) Apesar de todos os netos de B terem resgatado os certificados de aforro, Anabela... não o fez por desconhecimento dos mesmos.
g) Quer o A., quer seus irmãos, quer os netos de . haviam concluído que este não havia constituído quaisquer certificados de aforro em que Anabela... fosse movimentadora.
h) Isto porque em 27 de Novembro de 1990, B havia vendido a António... (actual marido da Anabela...) um terreno para aí edificarem, como edificaram a sua habitação”.
E devia ser considerado não provado que:
“30 – Pelo menos seis pessoas sabiam que o Sr. B era titular de certificados de aforro, por que todas elas resgataram certificados de aforro titulados pelo aforrista falecido.
38 – Antes de 2008, era possível aos herdeiros obter junto da R. informação da existência de certificados de aforro em nome de titular aforrista falecido.”
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Na fundamentação, o tribunal recorrido, considerou provados os factos 30º e 38º e não provadas as alíneas a), b), f), g) e h), impugnadas, fundamentando a matéria impugnada da forma seguinte:
Em concreto, quanto aos factos provados sob os n.ºs 30 e 38:
Refere o Tribunal A quo, que a factualidade provada sob o n.º 30 fundou-se nos documentos juntos à contestação pela R. sob os n.ºs 5 a 22, os quais evidenciam os movimentos financeiros da conta aforro de que era titular B após a data da sua morte.
Os documentos mostram-se claros quanto às datas dos resgates dos certificados de aforro, aos valores resgatados e às pessoas que ordenaram os movimentos, tudo espelhado nos factos provados sob os n.ºs 31, 32, 33, 34, 35 e 36: atente-se que todos os resgates espelhados nos factos provados sob os n.ºs 31, 32, 33, 34, 35 e 36 foram realizados após a data da morte do aforrista (AG...), ocorrida em 21-02-1997 (facto provado sob o n.º 3).
Isto permitiu ao Tribunal concluir que, para além do respectivo titular (B), pelo menos estas seis pessoas (movimentadores) tinham conhecimento da existência dos certificados de aforro.
Os documentos foram ainda sustentados pelas testemunhas Jorge... e Edite... que confirmaram os movimentos efectuados.
Estas testemunhas, por serem funcionários da R., demonstraram ter efectivo conhecimento sobre este facto (e sobre os demais que relataram) em virtude do exercício das suas funções”.
É ainda o próprio Autor que confessa na réplica nos arts. 36º e 37º, que B, pai do A., subscreveu vários certificados de aforro, colocando como movimentadores dos mesmos alguns dos seus netos, os quais resgataram os mesmos. Defende que não ocorreu o mesmo em relação aqueles em que se apresenta como movimentadora Anabela..., por desconhecimento dos mesmos, o que constituiu o cerne da presente acção.
A redacção dada ao facto 30º, não resolve a questão de saber se o conhecimento em causa abrangia os títulos em causa. E afinal o que se prova, é que as seis pessoas sabiam que havia certificados de aforro, correspondentes aqueles que resgataram.
Dai que, para maior fidelidade aquilo que se provou, o art. 30º passa a ter a seguinte redacção:
30 – Pelo menos seis pessoas sabiam que o Sr. B era titular dos certificados de aforro referidos nos factos 31, 32, 33, 34, 35 e 36, pois todas elas resgataram certificados de aforro titulados pelo aforrista falecido.

Entendeu o tribunal A Quo, que a factualidade provada sob o n.º 38 resultou das declarações das testemunhas Jorge... e Edite... – as quais, por forma segura, que se afigurou sincera e reveladora de efectivo conhecimento sobre este facto, em virtude do exercício das suas funções junto da R. – declararam, unanimemente, que pelo menos desde 1998 era possível a qualquer herdeiro obter informações junto da R. sobre a existência de certificados de aforro titulados por um familiar falecido.
A testemunha Jorge... veio dizer em tribunal que já existia em a possibilidade de os herdeiros obterem informações sobre os certificados de aforro antes da publicação do Dec-Lei nº 47/2008, de 13 de Março, que veio criar o Registo Central de Certificados de Aforro. Quis a testemunha fazer crer em tribunal que o procedimento interno era o mesmo, só mudou a designação e o modo de procedimento, sendo uma manual e a outra informática. Ou seja do registo manual em livros, passou a existir um registo informático.
Mas a testemunha admitiu que com o Registo Central de Certificados de Aforro, veio divulgar, publicar e criar algo com esse nome, porque isto sempre existiu em termos internos. Cremos que não é a mesma coisa, nem a forma de acesso aos dados por parte dos titulares dos certificados de aforro se pode equiparar.
Aliás, a testemunha explicou que desde a criação dos certificados de aforro em 1960, havia pessoas com bastante idade que ainda têm certificados vivos ou que tinham certificados vivos, portanto tínham pessoas com cento e tal anos na nossa base de dados que ainda tinham certificados vivos e não sabíam se as pessoas tinham falecido ou não... então tivemos, o IGCP teve de arranjar uma forma de saber quais eram as pessoas que estavam falecidas para puder fazer uma gestão da sua base de dados de carteira de aforristas... não íamos ter pessoas ad eternum com títulos... pessoas com 150 anos ou 200 anos, não sei mas com muitos anos detentores de certificados de aforro... foi nessa base que fizemos isso. E fizeram cruzamento de dados começando a pedir ou a cruzar informações com o instituto de registos e notariado. Além disso, fizemos isso com outro critério que foi avisar as pessoas, avisar os herdeiros neste caso que nós fazemos isso, quando recebemos o ficheiro e vemos que... por exemplo, sei lá, para o ano, já fizemos este ano mas para 2018 vão prescrever uma série de contas de certificados de aforro certificados de aforro, nós já fizemos um aviso, uma carta registada com aviso de recepção para os herdeiros e para a morada que temos registada a avisar que têm de fazer o processo de habilitação de herdeiros senão vai prescrever para o ano.
Instado sobre se adoptaram esse procedimento em relação ao caso em apreço a testemunha referiu que nada foi feito da parte do IGCP, nada foi feito, porque não sabiam que o mesmo tinha falecido.
Em 2012 quando souberam não mandaram nenhuma carta aos herdeiros, porque já estava prescrito. Aí mandamos para o FRDP.
Não deixa de se salientar a perplexidade de só darem pela existência dos certificados no momento em que os consideram prescritos para enviar o seu valor para o FRDP, numa situação em que os demais herdeiros já tinham resgatados títulos, o que internamente deviam saber, como sabiam, tal como sabiam, por cruzamento de dados, que o Sr. B tinha falecido.
Na evolução da legislação, temos que o Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de Março, aditou o artigo 9.º-A, com a seguinte redacção:
 1.1– É criado o registo central de certificados de aforro, com a natureza de registo electrónico, que tem por finalidade possibilitar a obtenção de informação sobre a existência de certificados de aforro e sobre a identificação do respectivo titular”.
A entidade responsável pela criação, manutenção actualização do registo central, é o IGCP (n.º 2), sendo que a informação sobre o titular “só pode ser dada ao próprio, aos respectivos herdeiros…”entre outros. (n.º 5).
Resulta, assim, que só depois do Decreto-Lei n.º 47/2008 – e a consequente criação da referida base de dados – é que os herdeiros de qualquer aforrador podem obter informação segura sobre a titularidade de títulos, evitando serem surpreendidos, por mero acaso, com a respectiva existência após o decurso do prazo para pedir o respectivo reembolso, ou mudança de titular.
A finalidade constante do diploma desmente a versão que ao mesmo quiseram dar as testemunhas da Ré, José Baeta e Edite Fernandes.
Dai que se entenda ser de desvalorizar o respectivo depoimento, dando como não provado o facto 38º.
Em concreto, no que concerne aos factos não provados elencados sob as alíneas a), b), f), g) e h), entendeu o tribunal a quo:
Quanto ao facto referido na alínea a):
As testemunhas António... (marido da neta do titular aforrista, Anabela...) e Odete... (solicitadora que em representação do A. apresentou as relações de bens por óbito do pai e da mãe do A.) não demonstraram ter conhecimento directo sobre este facto: a testemunha António... declarou não ter conhecimento próprio da existência dos certificados e ter-lhe sido contado que os certificados de aforro da titularidade do avô da sua mulher (B) e de que a sua mulher (Anabela...) era movimentadora só foram descobertos no quarto do aforrista falecido (B) em 2014, declarou, ainda, crer que não foi em vida de B que se soube dos certificados de aforro dos outros netos e declarou desconhecer quem os entregou aos referidos netos ou se os certificados se encontravam todos juntos ou não; a testemunha Odete... (que declarou não pertencer à família do A.) afirmou que apenas lhe foram comunicados os bens que deviam constar nas relações de bens que, enquanto representante do A., apresentou, nada mais sabendo sobre outros bens, em concreto, sobre os certificados de aforro em discussão nestes autos.
As testemunhas Jorge... e Edite... nada demonstraram saber sobre este facto.
Quanto ao facto elencado sob a alínea b):
A convicção do Tribunal sobre a não ocorrência deste facto fundou-se nos mesmos termos do que quanto à alínea a) e, ainda: a testemunha António... (única testemunha ouvida pertencente à família do A.; a testemunha declarou ser marido da neta do titular aforrista e sobrinha do A., Anabela...) afirmou que não estava presente na ocasião referida neste facto, tendo tido conhecimento do mesmo por ter-lhe sido contado; as testemunhas Odete..., Jorge… e Edite… nenhum conhecimento, directo ou indirecto, demonstraram ter sobre este facto.
No que concerne ao facto referido em f):
A convicção do Tribunal sobre a não verificação deste facto fundou-se nos mesmos termos do que quanto às alíneas a) e b).
Quanto ao facto constante da alínea g):
A testemunha António... declarou ter o convencimento de que a sua mulher não havia sido contemplada com certificados de aforro, em face da venda que o de cujos fez de um terreno (muito cobiçado por outros) à própria testemunha.
Esta afirmação revelou-se ser apenas uma suposição.
E atendendo às regras da lógica comum, esta declaração não permitiu a este Tribunal concluir no sentido pretendido pelo A.: afigura-se ilógico que a neta do de cujus pudesse ter sido avantajada ou compensada por uma venda efectuada pelo falecido ao seu marido.
Acresce, ainda, que a testemunha declarou que a neta Anabela... era a neta preferida do falecido B (o que era em vida verbalizado por este), pelo que, não se mostra credível, uma vez mais, que esta neta não fosse beneficiada com certificados de aforro (tal como foram os outros netos), nem tivesse conhecimento da existência dos certificados de aforro (tal como ficou demonstrado que os outros netos tiveram, uma vez que procederam ao seu levantamento).
As testemunhas Odete..., Jorge... e Edite... nada declararam sobre este facto.
Quanto ao facto constante da alínea h):
Remete-se para os fundamentos da alínea g), reforçando-se que não se afigurou verosímil que o falecido B não contemplasse a neta preferida com certificados de aforro (como fez com os restantes netos) por causa de uma venda (e não doação) que fez ao marido desta neta.
Em concreto, a testemunha António... (marido da neta do titular aforrista, Anabela…) declarou só ter tomado conhecimento dos certificados de aforro há cerca de 2/3 anos, afirmando, ainda, ter-lhe sido contada a descoberta dos certificados de aforro e as circunstâncias em que tal teria ocorrido. Declarou crer que não foi em vida de B que se soube dos certificados de aforro dos outros netos, declarando desconhecer quem os entregou aos referidos netos ou se os certificados se encontravam todos juntos. Afirmou ainda o convencimento de que a sua mulher não havia sido contemplada com certificados de aforro em face da venda que o de cujos fez de um terreno (muito cobiçado por outros) à própria testemunha.
Concretamente a testemunha referiu que tomou conhecimento da existência dos certificados de aforro, há 2/3 anos, especificando que foi no ano de 2014. Referiu que esses certificados de aforro foram encontrados no quarto do senhor B, que vivia exactamente ao lado da sua habitação.
Questionado sobre a razão porque tem conhecimento de quando descobriram os certificados de aforro, se foi abordado, a testemunha referiu que na altura nem fui eu que os descobri, mas a família tomou, toda, conhecimento desse facto. Referiu que o Autor A que terá descoberto os certificados de aforro, porque também vive ai. ,
Referiu que a sua mulher, movimentadora dos certificados, desconhecia em absoluto a sua existência. Aliás isso foi, comentado porque efectivamente tinham conhecimento de que os outros netos movimentaram certificados de aforro do falecido B e só esta neta é que não tinha nenhum certificado de aforro em que era movimentadora.
Justificou que, à partida se o senhor B subscreveu diversos certificados de aforro e neles apôs como movimentadores os seus netos, o natural é que existissem também certificados de aforro em que a sua mulher Anabela… fosse movimentadora. Contudo, não foi de estranhar tanto esse facto porque em 1990 o avô da sua mulher o senhor B, porque fazia gosto que essa neta querida ficasse a viver ao seu lado, vendeu à testemunha um terreno para construir a casa onde eu hoje tenho a minha casa, e nós associamos que pelo facto de ele ter vendido a esta neta um terreno, que aliás era cobiçado por muita gente, que de certa forma vendeu o terreno para construir a casa e compensaria ou teria compensado os outros netos com a subscrição de certificados de aforro.
O raciocínio que foi feito foi, dado que o senhor B vendeu-me a mim, marido desta neta que até era a neta querida como ele dizia e vivia mesmo com dele… dado que me vendeu a mim este terreno para construir a casa, que é exactamente ao lado, o raciocínio que se fez foi, então subscreveu certificados de aforro, colocando como movimentadores os outros netos e não esta, na medida em que esta, de certa forma, já teria sido compensada com um terreno, que não foi doado, foi vendido, mas tinha muitos pretendentes à compra daquele terreno.
A testemunha referiu que foi o raciocínio do Autor e de toda a gente, obviamente.
Resulta do exposto, que a testemunha tinha conhecimento dos factos dadas as relações de proximidade familiar e geográfica, do desconhecimento da existência dos certificados de aforro pelo A., ora recorrente, demais herdeiros do de cujus, bem como da sua neta, Anabela..., sua esposa.
A corroborar o seu depoimento, está a escritura de compra e venda do terreno, a 27-11-1990, junta aos autos a fls. 116 e sgs.
Este conhecimento não se pode dizer que é uma mera suposição, uma vez que, pelas regras de experiência e lógica comuns, os factos ora em discussão são passíveis de ser relatados com precisão entre pessoas que integram uma mesma família e partilham de uma mesma mesa.
Aliás, o certo é que como se viu, outros netos foram beneficiados com os certificados de aforro e os mesmos foram resgatados, pouco depois da morte do Sr. B, que é o acontece normalmente, quando existe conhecimento da sua existência, conforme provado nos factos 31, 32, 33, 34, 35 e 36.
A movimentadora Anabela só enviou a carta a pedir informações acerca do pagamento dos dois certificados de aforro, em 2014, recebendo a informação de que haviam sido alvo de prescrição. (cfm. carta cuja cópia consta de fls.41), informação reiterada ao Autor (fls.40v), após o seu pedido de fls.26.
A testemunha Jorge... confirmou que a primeira vez que houve correspondência acerca deste certificados de aforro foi em 2014, primeiro por parte de uma senhora e depois por parte do Autor.
Estranha-se que existisse conhecimento da existência destes dois certificados de aforro e não fosse efectuado o levantamento nos mesmos moldes em que o foi por parte dos demais movimentadores. É um claro indício do desconhecimento por parte da movimentadora e demais herdeiros de B.
Em face do exposto, entende este tribunal assistir razão ao Autor, sendo de alterar a factualidade não provada em a), b), f), g) e h), a qual que deverá a passar para os factos provados, nos termos seguintes:
39- O A. e seus irmãos desconheciam a existência dos certificados de aforro referidos em 15..
40-Só em meados de Junho de 2014, durante obras e arrumações na casa onde habitava B, descobriu o A. os referidos certificados.
(…)
41-Apesar de todos os netos de B terem resgatado os certificados de aforro, Anabela... não o fez por desconhecimento dos mesmos.
42-Quer o A., quer seus irmãos, quer os netos de B haviam concluído que este não havia constituído quaisquer certificados de aforro em que Anabela... fosse movimentadora.
43-Isto porque em 27 de Novembro de 1990, B havia vendido a
António… (actual marido da Anabela…) um terreno para aí edificarem, como edificaram a sua habitação”.    
Procede nos termos vistos e impugnação da decisão de facto.
                                                      *
DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO
A única, e precípua, questão a conhecer é se as abertas heranças por óbito de B e C têm direito ao levantamento (“resgate”) dos valores dos dois certificados de aforro do seu falecido pai. B faleceu sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, cfm consta da certidão de habilitação e partilhas de fls.21, dela não constando os dois certificados de aforro em causa.
Certo é que os certificados de aforro integram tal acervo, sendo, em consequência, e em princípio, bens da herança.
Ora, o n.º 1 do artigo 2059.º do Código Civil dispõe que “o direito de aceitar a herança caduca ao fim de dez anos, contados desde que o sucessível tem conhecimento de haver sido a ela chamado”, contando-se o prazo de 10 anos a que alude esta disposição legal a partir do momento em que o sucessível conhece a existência de relações jurídicas patrimoniais constitutivas da herança aberta por morte, ou seja, a partir do momento em que a A. teve conhecimento da existência dos certificados de aforro.
Está em causa o art. 7° do DL. n° 172-B/86, na redacção anterior à introduzida pelo art. 12° do DL. n° 122/2002, de 4 de Maio, uma vez que, quando este diploma legal entrou em vigor (5 de Maio de 2000). Dispunha o referido art. 7° que “Por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de cinco anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efectivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhe deram origem, ou o respectivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado (nº 1). Findo o prazo a que se refere o número anterior, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respectivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições relativas à prescrição (nº 2).
O Decreto-Lei nº 122/2002, de 4 de Maio, que procedeu à alteração do Decreto-Lei nº 172-B/86, de 30 de Junho, visando “a criação de produtos financeiros alternativos mais flexíveis e ajustados ao actual contexto de funcionamento dos mercados financeiros”, alterou precisamente o artigo 7º em apreciação, consagrando o prazo de dez anos para o requerimento da transmissão dos certificados de aforro pelos herdeiros do aforrista.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 12 de Dezembro de 2002, entendeu o seguinte “Como ensina Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1995, págs. 182 e sgs.), o texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei. A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9º, nº 2, do C.Civil: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Ainda pelo que se refere à letra (texto), esta exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas. Com efeito, nos termos do art. 9º, n° 3, o intérprete presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzam à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo. No mesmo sentido, escreve Oliveira Ascensão: “a letra é não só o ponto de partida, mas também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionando também o texto como limite da busca do espírito” (O Direito, 6ª ed., 1991, pág. 368)
Numa interpretação, o nº 1 do art. 7º que regula a sucessão na titularidade dos certificados de aforro, decorre que o facto que despoleta a contagem do prazo de prescrição é a morte do titular dos mesmos e que esse prazo é de cinco anos após a morte e não cinco anos após a partilha. Isso mesmo se depreende, ainda, do nº 1 do art. 3° do mesmo Dec.-Lei, que dispõe que os certificados de aforro da denominada «série E», cuja administração está a cargo da Junta de Crédito Público, «são nominativos, reembolsáveis e só transmissíveis por morte».
É verdade que o domínio e posse dos bens da herança se adquire pela aceitação. Resulta também do art. 2050º, nº 1, do C.Civil, que o direito fundamental que a lei confere ao chamado é o de aceitar ou repudiar a herança. Trata­-se de um direito potestativo que se dirige à produção de determinados ­efeitos jurídicos. E mediante o exercício desse direito - exercício no sentido da aceitação - que o chamado ingressa na titularidade dos bens ou direitos hereditários, embora a aquisição se considere retroagida, em principio, ao momento inicial da abertura. Até lá a herança é um património sem sujeito, constitui um património autónomo. O direito de aceitar a herança caduca ao fim de dez anos, contados desde que o sucessível tem conhecimento de haver sido a ela chamado (art. 2059º, nº 1, do C. Civil). Decorrido este limite temporal, não são apenas os bens da herança que se perdem; é a própria qualidade de herdeiro. Por outro lado, qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir a partilha quando lhe aprouver, não podendo renunciar-se ao direito de partilhar, mas pode convencionar-se que o património se conserve indiviso por certo prazo, que não exceda cinco anos, sendo lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção (art. 2102° do C. C)
Atente-se que estas normas não ficam esvaziadas com a aplicação do referido art. 7º, nº 1, do DL. n° 172-E/86, pelo facto de este preceito fixar um prazo de prescrição.
Como também não se mostram violados quaisquer princípios constitucionais, designadamente o art. 62° da Constituição, uma vez que não está em causa o direito à propriedade privada e à sua transmissão por morte do aforrista, o referido art. 7° regula, precisamente, a sucessão na titularidade dos certificados de aforro, sendo que a prescrição opera em obediência a este normativo legal, sem criar qualquer situação diferenciada para os diversos aforristas ou seus herdeiros.”
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 30 de Setembro de 2003, considerou o seguinte:
Ao caso é aplicável o artigo 7° do Dec-Lei n° 172-B/86 que estipulava no seu n° 1 que por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de cinco anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efectivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhe deram origem, ou o respectivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado. Findo o prazo referido consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respectivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições relativas à prescrição (n° 2). Os cinco anos referidos no artigo 7° estavam já decorridos quando entrou em vigor a alteração introduzida pelo Dec-Lei n° 122/2002, de 4 de Maio, que tem carácter inovador e não interpretativo. Sendo aplicável, como o é, o Dec-Lei n° 172-B/86, a solução jurídica só poderia ser a que foi encontrada, não se devendo esquecer que a nossa lei consagra diversos prazos de prescrição e que nesta, embora exista uma ponderação de justiça, se têm em conta fundamentalmente objectivos de conveniência ou oportunidade. O instituto da prescrição extintiva parte também da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo – Prof. Mota Pinto - “Teoria Geral do Direito Civil”, 2ª ed., págs. 373/374. As normas referidas são especiais em relação às regras gerais, funcionando em complementariedade, prevalecendo, contudo, a regulamentação especial na hipótese de se verificar um conflito concreto.
Interposto recurso para o tribunal constitucional, o Acórdão do TC de 15 de Julho de 2004, Processo nº 786/2003, decidiu julgar inconstitucional a norma do artigo 7º do Decreto-Lei nº 172-B/86, de 30 de Junho, por violação dos artigos 13º e 62º, articuladamente, e por violação do artigo 165º, alínea b), da Constituição, concedendo provimento ao recurso e revogando a decisão recorrida, que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Entendeu-se inexiste, pois, o fundamento legítimo para a solução agora impugnada, ou antes, não se apreende qualquer fundamento claro e relevante no plano da constitucionalidade para o tratamento diferenciado da transmissão de certificados de aforro relativamente à dos demais bens que constituem a herança.
Ou seja, era patente a desigualdade de tratamento no caso de certificados de aforro, que tinham um prazo de prescrição de cinco anos e o prazo de caducidade para a aceitação dos bens da herança, que é de 10 anos.
O DL nº Dec-Lei n° 122/2002, de 4 de Maio veio alargar esse prazo para dez anos, pelo que, conjugando as posições expostas, dir-se-á que o prazo de prescrição aplicável ao caso é de dez anos.
Embora se vislumbrasse um questionamento da posição civilista, o Acórdão do TC não se pronunciou sobre essa questão, a saber, o início do prazo de contagem, por não ser esse campo de pronuncia de Tribunal Constitucional.
Os certificados de aforro, são títulos nominativos, amortizáveis e apenas transmissíveis por morte (“ou assentadas”) cujo regime consta do Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de Maio (antes regulamentados pelo Decreto n.º 43454, de 30 de Dezembro de 1960, seguido pelo Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho) podendo ser de série B (decreto-Lei n.º 172-B/86) ou da série C (criada pelo diploma de 2002 com regulamentação da Portaria n.º 230-A/2009, de 27 de Fevereiro).
“Os certificados de aforro são valores escriturais nominativos, reembolsáveis, representativos da dívida da República Portuguesa, denominados em moeda com curso legal em Portugal e destinados à captação da poupança familiar” (n.º 1 do artigo 2.º do citado Decreto-Lei n.º 122/2002) e “ só são transmissíveis por morte do titular” (n.º 3 do mesmo preceito e diploma).
Como explicava o Professor Sousa Franco, in “Finanças Públicas e Direito Financeiro”, II, 4.ª ed., 99: (cf., tb. Professor Eduardo Paz Ferreira , in “ Da Dívida Pública e das Garantias dos Credores do Estado”, 1995, 254 e ss) “os certificados de aforro constituem uma das formas tradicionais de empréstimos públicos, apresentando-se como “títulos vencíveis a médio prazo, destinados, em princípio, à captação de pequenas poupanças e fortemente pessoalizadas”.
Segundo o artigo 5.º, n.º 1, “poderão ter prazos de reembolso até 20 anos”.
O artigo 18.º dispõe que, no caso de morte do titular de um certificado de aforro a sua transmissão a favor dos herdeiros, ou a respectiva amortização, “poderá requerer-se dentro do prazo de 10 anos”, dispondo o artigo 19.º que, decorrido esse prazo, “consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública, os valores representados nos respectivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis ao caso as demais disposições em vigor relativas à prescrição”.
Mas o citado artigo 18.º foi alterado em aspectos fulcrais pelo Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de Março, acima citado, na fundamentação de facto.
Ao diploma de 2002, o Decreto-Lei n.º 47/2008 aditou o artigo 9.º-A, nos seguintes termos:
1.1– É criado o registo central de certificados de aforro, com a natureza de registo electrónico, que tem por finalidade possibilitar a obtenção de informação sobre a existência de certificados de aforro e sobre a identificação do respectivo titular”.
A entidade responsável pela criação, manutenção actualização do registo central, é o IGCP (n.º 2), sendo que a informação sobre o titular “só pode ser dada ao próprio, aos respectivos herdeiros…”entre outros. (n.º 5).
Resulta, assim, que só depois do Decreto-Lei n.º 47/2008 – e a consequente criação da referida base de dados – é que os herdeiros de qualquer aforrador podem obter informação segura sobre a titularidade de títulos, evitando serem surpreendidos, por mero acaso, com a respectiva existência após o decurso do prazo para pedir o respectivo reembolso, ou mudança de titular.
A primeira dúvida que pode colocar-se é se o prazo fixado é de prescrição ou de caducidade.
A lei apoda-o de prescrição, no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 122/2002.
Porém, o prazo tem, a montante (“terminus a quo”) um pedido de reembolso, dizendo o legislador que o seu decurso origina a prescrição dos títulos para o Estado.

O facto de fulminar a inacção com a prescrição não afasta, por si só, o instituto da caducidade.
Note-se que, na lei civil encontram-se no mesmo preceito regulados a caducidade e a prescrição, como, e v.g., no n.º 2 do artigo 2075.º do Código Civil, ao dispor que a acção de petição de herança “pode ser intentada a todo o tempo, sem prejuízo das regras da usucapião relativamente a cada uma das coisas possuídas” e do direito de, em dez anos, aceitar a herança (artigo 2059.º do Código Civil).
Verifica-se, assim, que a lei civil colocou no mesmo preceito – directamente - e, “in fine”, por remissão – a caducidade (petição e aceitação da herança) e prescrição (aquisitivo de certos bens).
No caso que vimos analisando aproximamo-nos da linha de se tratar de uma situação de prescrição de certificados de aforro, para o IGCP, como aliás melhor se expôs na análise ao Acórdão do Tribunal Constitucional.
O que está aqui em causa não é a existência de um prazo legal para o exercício de um direito, com a cominação de o mesmo se extinguir “ipso jure”.
Explanava o Professor Manuel de Andrade que a “caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não exercício prolongado por certo tempo” - “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 463 – (cf., Prof.s Pedro Pais de Vasconcelos – Teoria Geral do Direito Civil”, III, 699; e Menezes Cordeiro “Da Caducidade no Direito Português, 9).
Já a prescrição tem objectivos de “ordem geral atinentes à paz jurídica e à segurança “visando, no essencial tutelar o interesse do devedor”. (Prof. Menezes Cordeiro – “Tratado de Direito Civil Português”, I-Parte geral, Tomo IV, 160).
O artigo 306.º do Código Civil tem como regra nuclear, quanto ao “
terminus a quo”, que o prazo de prescrição só começa a correr “ quando o direito puder ser exercido”.
Como refere a Doutora Ana F. Morais Antunes (in “Prescrição e Caducidade”), “A expressão quando o direito puder ser exercido tem que ser interpretada no sentido de a prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular poder exercitá-lo, portanto, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação”.
O critério consagrado é, pois, o da exigibilidade da obrigação.
A fórmula consagrada no n.º 1 do artigo não pode ser assimilada, sem mais, ao momento da constituição do direito de crédito. Antes, caberá determinar o momento em que aquele direito, entretanto constituído, pode ser efectivado, exigindo-se a correspondente prestação. Impõe-se, assim, atender à natureza e ao tipo de obrigação.
No caso de uma obrigação pura ou com prazo em benefício do credor, o cumprimento poderá ser exigido a todo o tempo; nas obrigações com prazo em benefício do devedor, após o decurso do prazo (v. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, cit., Vol. II, p. 114). v., ainda, CUNHA DE SÁ: "há que ver fundamentalmente se a obrigação carece ou não de interpelação e, na primeira hipótese, se o credor pode ou não interpelar" (Modos de Extinção das Obrigações, cit., p. 251).
Por outro lado, é necessário harmonizar o critério normativo com o artigo 279.º do C.C. — em particular, a alínea b) —, aplicável em matéria de contagem dos prazos prescricionais, por força da remissão operada pelo artigo 296.º do C.C. Assim, não se incluirá na contagem do prazo o próprio dia (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil cit., I, T. IV, p. 166).
A solução justifica-se à luz do fundamento da prescrição: penalizar o não exercício do direito, fundado na inércia do seu titular. Com efeito, "não pode dizer-se que haja negligência da parte do titular dum direito em exercitá-lo enquanto ele o não pode fazer valer por causas objectivas, isto é, inerentes à condição do mesmo direito". (MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, cit, Vol. II, pp. 448-449). Está, pois, em causa o princípio tradicional actioni nondum natae non datur prescriptio (v. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, cit., Vol. II, p. 448).” (cf., ainda Prof. Vaz Serra – “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ, 105, 30 e 188 – 219).
Ora, no caso vertente, resultou provado que:
39- O A. e seus irmãos desconheciam a existência dos certificados de aforro referidos em 15..
40-Só em meados de Junho de 2014, durante obras e arrumações na casa onde habitava B, descobriu o A. os referidos certificados, razão porque não puderam exercer antes o seu direito.
E assim julgou o STJ – Acórdão de 8 de Novembro de 2015 – Proc. nº 05A3169:
 “I – Fundamento específico da prescrição é a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período legalmente estabelecido, a qual faz presumir ou a renúncia ao direito ou, pelo menos, torna aquele indigno de protecção jurídica, a inércia negligente.
 II– Ninguém pode exercer um direito que não conhece ter, que não sabe que lhe assiste. Se o desconhece e o prazo se escoou não se pode verdadeiramente falar de inércia (há apenas decurso dum lapso de tempo) e, menos ainda, de negligência, sendo que pela prescrição se sanciona a inércia negligente do titular do direito.
 III– Não pode dizer-se que haja negligência da parte do titular dum direito em exercitá-lo enquanto ele o não pode fazer valer por causas objectivas, isto é, inerentes à condição do mesmo direito e na hipótese de o direito já ser exercitável, só pode ser impedido por motivos excepcionais, que são as causas suspensivas da prescrição.
 IV– As expressões «conhecimento do direito que lhe compete» (CC 482 e 498-1) e “poder o direito ser exercido” (CC 306,1) traduzem o mesmo princípio que informa o instituto da prescrição, que aí se afasta do da caducidade”.
 “In casu” ainda não existia base de dados de registo dos certificados de aforro, à data do óbito de B ocorrido a 21/2/97.
 Nessa data, tal base não fora ainda criada, já que, como acima se disse, o registo central electrónico só surgiu com o Decreto-Lei n.º 47/2008, e com elementos a aprovar por Portaria.
 Daí que o recorrente não tivesse, até 2008, acesso à existência, localização e titularidade dos investimentos financeiros do titular falecido, não podendo iniciar-se o prazo de prescrição antes dessa data, nos termos do citado artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil.
 Só assim não seria se o prazo fosse de caducidade, iniciando-se, então com a morte do aforrista, o que, como vimos não é.
Discordamos assim da posição expressa nos Acórdãos analisados pelo Acórdão do Tribunal Constitucional, que situam o inicio do prazo de prescrição na data do óbito do titular falecido, por afrontar o disposto no art. 306º, nº1, do Código Civil, nos termos sobreditos. Não é exigível que se exerça um direito que não se conhece.
Por isso, o Autor exerceu o seu direito antes do decurso do prazo de dez anos, pelo que o mesmo não estava prescrito.
(No mesmo sentido, cfr. Ac. da RL de 14 de Setembro de 2017, Proc. nº 16519/15.6T8LSB.L1-6)
Procede a Apelação, sendo de revogar a sentença objecto de recurso, deferindo a pretensão do Autor na sua totalidade.
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DECISÃO
Nos termos vistos, Acórdão os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em Julgar procedente a Apelação e, revogando a sentença objecto de recurso, decidem:
A) -Alterar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos termos seguintes:
30 - Pelo menos seis pessoas sabiam que o Sr. AG... era titular dos certificados de aforro referidos nos factos 31, 32, 33, 34, 35 e 36, pois todas elas resgataram certificados de aforro titulados pelo aforrista falecido.
Facto 38º:- Não Provado
39- O A. e seus irmãos desconheciam a existência dos certificados de aforro referidos em 15..
40 -Só em meados de Junho de 2014, durante obras e arrumações na casa onde habitava AG..., descobriu o A. os referidos certificados.
(…)
41-Apesar de todos os netos de AG... terem resgatado os certificados de aforro, Anabela Fernandes Moreira Lima não o fez por desconhecimento dos mesmos.
42-Quer o A., quer seus irmãos, quer os netos de AG... haviam concluído que este não havia constituído quaisquer certificados de aforro em que Anabela... fosse movimentadora.
43-Isto porque em 27 de Novembro de 1990, B havia vendido a António... (actual marido da Anabela....) um terreno para aí edificarem, como edificaram a sua habitação”,
Eliminando as alíneas a), b), f), g) e h), dos factos não provados.
B) - Julgar procedente a acção e, em consequência:
1) - Reconhece-se que a titularidade dos certificados de aforro identificados nos artigos 15º e 19º da petição inicial de que foi titular B se transmitiram “mortis causa” para as heranças referidas nos artigos 5º a 8º da petição inicial;
2) Reconhece-se que sobre os indicados certificados de aforro não incide qualquer excepção de direito material, nomeadamente a prescrição, que impeça o normal exercício dos direitos a eles inerentes, incluindo o direito ao seu resgate/reembolso, julgando improcedente a excepção de prescrição arguida pela Ré/Recorrida.
3) Condena-se a Ré a pagar ao A., na qualidade de cabeça de casal das heranças mencionadas, o valor correspondente ao resgate dos certificados de aforro, no montante de € 7.108,90 (sete mil cento e oito euros e noventa cêntimos), com referência à data da propositura da acção, acrescido de juros remuneratórios e moratórios até efectivo pagamento.
Custas a cargo do Apelado.
(Esta decisão foi elaborado pela Relatora e por ela integralmente revista)

Lisboa,21/3/2019

Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura
Mário Silva