Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
192/17.0T8LRS.L2-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
NORMAS EXCECIONAIS
APLICAÇÃO ANALÓGICA
REMOÇÃO DE BENS DO ARRENDADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGADA
Sumário: I - O art. 15º K do RAU (Regime Jurídico do Arrendamento Urbano) é uma norma é excepcional, não comportando aplicação analógica aos casos de execução de providência cautelar para entrega de coisa imóvel fora do âmbito do arrendamento urbano.

II - Assim, restituída a posse do imóvel ao apelado, não há que declarar perdidos os bens móveis que a apelante ali deixou, devendo sim o apelado requerer ao tribunal que a prestação de remoção dos bens seja realizada por outrem, sem necessidade de se instaurar acção executiva para o efeito mas com recurso às normas aplicáveis à execução para prestação de facto constantes dos art. 868º e seguintes do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório

Nos autos de procedimento cautelar comum de entrega judicial instaurados em 05/01/2017 por Banco Comercial Português, SA, Sociedade Aberta (BCP, SA) contra Afonso & Costa - Sociedade de Construções Lda foi proferida decisão em 10/03/2017 que julgou procedente o procedimento cautelar e determinou a entrega ao requerente do prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº 5996/20121  11.
Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa pela requerida, foi proferido acórdão em 22/06/2017 que confirmou a decisão recorrida.
Novamente inconformada, interpôs a requerida recurso de revista excepcional, que não foi admitido pela Formação a que alude o art. 672º nº 3 do CPC, tendo sido remetidos os autos à distribuição como revista normal, mas por decisão singular de 16/10/2017 o recurso não foi admitido.
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Em 16/04/2018 foi proferida na 1ª instância a seguinte decisão judicial:
«Na presente providência cautelar com inversão do contencioso, e após recurso a todas as instâncias, foi já proferida decisão definitiva transitada em julgado que obriga à entrega do prédio pela Requerida á Requerente.
Contudo, por razões completamente espúrias à entrega do imóvel propriamente dita a Requerida vem protelando a disponibilização efectiva do imóvel à Requerente, argumentando sucessivamente com a necessidade de mais tempo para a remoção de bens móveis, e a Requerente continua, decorridos mais de 6 meses sobre a decisão do STJ, materialmente impossibilitada de dispor do bem que é sua propriedade.
Tal situação, pela sua desrazoabilidade, choca os mais elementares sentimentos de justiça e viola o respeito devido pelas decisões judiciais transitadas em julgado, pelo que é insustentável, devendo, na ausência de previsão expressa, encontrar-se no ordenamento jurídico resposta para a realidade em causa e que teima em persistir.
Analisada a argumentação jurídica expendida pela Requerente afigura-se-nos que, tal como a mesma professa, a aplicação analógica do regime legalmente previsto para o despejo é a que mostra mais semelhanças com o caso concreto e é a mais adequada á sua resolução.
Assim, pelos exactos fundamentos aduzidos pela Requerente no seu requerimento refª 28807909, e por aplicação analógica do disposto pelo artigo 15º-K nº 2 da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, declaram-se abandonados os bens móveis que permanecem no prédio urbano descrito na 2ª CRPredial de Vila Franca de Xira sob o nº 5996/20121011.».
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Inconformada, apelou a requerida, terminando a alegação com estas conclusões:
1. No caso concreto estamos perante uma decisão surpresa, considerando
que a ora Rte não teve possibilidade de expôr a sua posição relativamente ao fundamento do pedido do BCP.
2. Violando desta forma o despacho recorrido o art. 3º, nº 3 do CPCivil.
3. Não há qualquer base legal para a aplicação analógica do art. 15º K da
NRAU.
4. Não há nenhuma lacuna na lei, porque a situação de abandono ou não
de bens móveis vem regulada no Código Civil, cujas regras se aplicarão
directamente ao caso em apreço – art. 1267º.
5. Não havendo nenhum abandono dos bens móveis por parte da ora Requerente, antes pelo contrário.
6. Qualquer interpretação de normativo legal no sentido de desvalorizar a protecção legal ao direito de propriedade deverá ser considerada inconstitucional por violação do art. 62º da CR Portuguesa.
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas., deve a decisão ora recorrida ser declarada nula, ou alterada, nos termos peticionados.
Com o que se fará justiça.
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O requerente contra-alegou, defendendo a confirmação de julgado.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são estas:
- se a decisão recorrida é nula por ser decisão surpresa
- se inexiste fundamento legal para a declaração de abandono dos bens
*
III - Fundamentação
A) É de considerar a seguinte dinâmica processual além da que já está descrita no relatório:
1 - Em 20/10/2017 foi notificado o requerente pela agente de execução nestes termos:
«Fica V. Exa. notificado, na qualidade de Mandatário(a) do(a) Requerente, do agendamento da diligência de entrega de coisa certa, para o próximo dia 26/10/2017, pelas 10:30 horas, na morada do imóvel a ser entregue.
Mais fica notificado de que, deverá colocar à disposição da diligência os meios necessários à entrega do imóvel, nomeadamente serviço de serralharia e de chaveiro.
Mais se requer a V. Exa. que, atenta a possível existência de diversos bens no interior do imóvel e a impossibilidade de os retirar na totalidade num só dia, seja concedida autorização para remoção dos mesmos pelo Requerido, no prazo máximo de 30 dias, mediante agendamento com a Requerente.
Informa-se ainda que, caso a data supra indicada não seja conveniente, deverá entrar em contacto urgente com a ora AE, a fim de ser reagendada aquela diligência.».
2 - Em 26/10/2017 foi notificado o mandatário da requerida pela agente de execução nestes termos:
«Fica V.ª Exa. notificado, na qualidade de Mandatário do Requerido, do Auto de Diligência de tomada de posse e entrega do imóvel à Requerente, realizado na presente data.
Mais fica V. Exa. informado que o Requerido, presente na diligência, foi devidamente advertido de que deverá respeitar o direito da Requerente e de que deverá esta ser contactada, no prazo de 30 dias, eventualmente prorrogável por período idêntico, para remover os bens que constam do interior do imóvel.».
3 - Em 27/10/2017 foi o mandatário da requerida notificado pela agente de execução nestes termos:
«Fica V.ª Exa. notificado, na qualidade de Mandatário do Requerido, para, no prazo máximo de 5 dias, vir aos autos informar se se confirma a informação prestada pelo representante do Requerido, relativamente à existência de bens no interior do imóvel cuja posse foi tomada no dia 26.10.2017, e que estarão abrangidos por um PER.
Em caso afirmativo, deverá V. Exa. indicar qual a empresa que se encontra em PER e a identificação do Administrador Judicial Provisório, a fim de ser efetuada uma comunicação ao mesmo sobre a tomada de posse do imóvel no qual se encontram bens à ordem do PER.».
4 - Em 15/11/2017 foi o mandatário da exequente notificado pela agente de execução nestes termos:
«Fica V. Exa. notificado, na qualidade de Mandatário da Requerente para, no prazo máximo de 5 dias, pronunciar-se sobre o teor do requerimento apresentado pela Requerida, informando, nomeadamente, se aceitam a prorrogação do prazo requerida.».
Em 05/01/2018 apresentou a agente de execução nos autos o seguinte:
«Cláudia Fradiano, Agente de Execução nos presentes autos, tendo recebido duas comunicações, uma de cada parte, relativamente à desocupação efetiva do imóvel, vem tomar a sua decisão, com base nos considerandos seguintes:
- No passado dia 25.10.2017 foi concretizada a diligência de tomada de posse do imóvel;
- Todas as partes foram informadas da necessidade de remoção dos bens, no prazo de 30 dias, prazo eventualmente prorrogável por período idêntico, mediante acordo das Partes, acordo este que, tanto quanto é do conhecimento da ora AE, nunca se verificou;
- A Requerente, alertada para o enorme volume de bens existentes no interior do imóvel, disponibilizou acesso imediato ao local, estando a suportar, a suas expensas, os custos com um segurança no local, tudo de forma a salvaguardar os bens existentes no imóvel;
- As diligências de remoção dos bens começaram a ser efetuadas pelos respectivos proprietários sendo certo que, não obstante o decurso do prazo de 30 dias e a não existência de qualquer acordo entre as Partes, a
Requerente continuou a permitir o acesso ao imóvel;
- No entanto, foi recentemente a ora AE informada de que, nos últimos 30 dias, os acessos ao imóvel para remoção dos bens diminuíram drasticamente;
- Acresce que, decorreram já perto de 70 dias e o imóvel continua ainda com um grande volume de bens no seu interior;
- Pelo exposto, e de forma a salvaguardar os interesses de ambas as Partes, decide-se permitir o acesso ao imóvel por mais 20 dias, com início no dia 08.01.2018 e fim no dia 27.01.2018, não prorrogáveis, prazo findo o qual os bens se considerarão abandonados.».
5 - Em 05/01/2018 foi o mandatário da requerida notificado dessa decisão da agente de execução.
6 - Em 18/01/2018 foi o mandatário da requerente notificado pela agente de execução nestes termos:
«Fica V. Exa. notificada, na qualidade de Mandatário da Requerente, para, no prazo de 10 dias, informar se a Requerente aceita a prorrogação do prazo para remoção de bens móveis por um período de 45 dias, solicitado pelas Requeridas na sequência da decisão de concessão de prazo adicional de 20 dias pela ora Signatária».
7 - Em 22/01/2018 foi o mandatário da requerida notificado pela agente de execução nestes termos:
«Fica V.ª Exa. notificado, na qualidade de Mandatário da Requerida, que a Requerente, notificada para se pronunciar sobre o V. pedido de prorrogação do prazo por mais 45 dias, não aceita tal prorrogação uma vez que, desde o dia 25.10.2017, até ao dia 27.01.2018 decorrerão 3 meses, prazo considerado perfeitamente suficiente para remover todos os bens existentes no interior do imóvel.
Assim, deve o imóvel ficar devoluto de bens até ao próximo dia 27 de Janeiro de 2018.».
8 - Em 25/01/2018 foi o mandatário do requerente notificado pela agente de execução nestes termos:
«Fica V. Exa. notificado, na qualidade de Mandatário da Requerente, para, no prazo de 10 dias, pronunciar-se sobre o novo pedido de prorrogação do prazo para remoção de bens, desta vez de 20 dias.
Mais se informa V. Exa. que a Requerida foi já devidamente notificada da posição da Requerente de permitir a remoção até ao próximo dia 27.01.2018 mas apresentou novo requerimento pelo que, deverá V: Exa. pronunciar-se sobre o respectivo pedido.».
9 - Em 25/01/2018 foi o mandatário da requerida notificado pela agente de execução nestes termos:
«Fica V.ª Exa. notificado, na qualidade de Mandatário da Requerida, que a Requerente, notificada para se pronunciar sobre o V. novo pedido de prorrogação do prazo, desta feita por 20 dias, não aceita tal prorrogação.
Assim, deve o imóvel ficar devoluto de bens até ao próximo dia 27 de Janeiro de 2018.».
10 - Em 01/02/2018 a requerente expôs e requereu:
«1. No passado dia 25 de Outubro de 2017 concretizou-se a competente diligência de tomada de posse e entrega do imóvel em causa nos presentes autos ao ora Requerente.
2. Considerando que no imóvel se encontrava um elevadíssimo número de bens móveis (cozinhas, sanitários, azulejos, etc.), foi concedido à Requerida um prazo considerado razoável, de 30 dias, para a Requerida proceder à remoção dos bens, prazo esse eventualmente prorrogável por mesmo período mediante acordo entre as partes.
3. Imediatamente após a diligência de recuperação da posse do imóvel, o ora Requerente disponibilizou à Requerida o acesso controlado ao imóvel, a todo o momento, de forma a assegurar a rápida e urgente remoção dos bens.
4. Nesse sentido, foi remetida pela Requerida uma lista de funcionários que deveriam ter acesso ao imóvel para esse efeito.
5. Não tendo a Requerida conseguido remover todo o material no prazo acordado, foi requerido, em 15 de Novembro de 2017, a concessão de um prazo adicional de 45 dias.
6. Após pronúncia do ora Requerente, a Sra. Agente de Execução concedeu um prazo adicional de 20 dias para a Requerida remover os bens, prazo esse que terminava no dia 15 de Dezembro de 2017.
7. Ora, sem prejuízo do decurso do prazo concedido, a Requerida, mais uma vez, não procedeu à remoção total dos bens.
8. Razão pela qual foi concedido, pela ora Requerente, novo prazo adicional, com termo a 18 de Janeiro de 2018.
9. Contudo, mais uma vez, não foi possível terminar as operações de remoção dos bens.
10. Tal facto deveu-se única e exclusivamente, a desleixo da Requerida.
11. De facto, desde Dezembro de 2017, que se verifica uma redução muito significativa nas operações de remoção dos bens, designadamente quanto ao número de trabalhadores afectos, não obstante o permanente acesso ao imóvel que o Requerente continua a conceder.
12. Note-se, aliás, que em Janeiro de 2018, continuavam ainda por remover, aproximadamente, 65% dos bens inicialmente identificados.
13. Ora, perante esta realidade, a Requerida voltou a requerer prazo adicional de 45 dias.
14. O Requerente permitiu um último prolongamento do prazo, desta vez sem qualquer possibilidade de prorrogação, com termo em 27 de Janeiro de 2018.
15. Ora, à data, já decorreram mais de 90 dias para que a Requerida removesse os bens do imóvel em crise.
16. Não o tendo feito por culpa única e exclusivamente sua, considerando que o ora Requerente sempre permitiu o acesso ao imóvel, sem limitações horárias.
17. Aliás, como se pode ver pelo exposto, o Requerente tem permitido a sucessiva prorrogação de prazo para o efeito.
18. Tal situação apenas agrava os já avultados prejuízos do ora Requerente, não sendo mais de tolerar.
19. Assim, atendendo a tudo o supra exposto, a partir da presente data, será restringido o acesso ao imóvel.
20. Restando apenas decidir qual o destino a dar aos bens que lá permanecem, decisão essa que desde já se requer muito respeitosamente a V. Exa.».
11 - O mandatário da requerida foi notificado desse requerimento pelo mandatário do requerente.
12 - Em 05/02/2018 o mandatário da requerida expôs e requereu ao tribunal:
«1. A Rte, bem como outras sociedades que têm bens no imóvel, designadamente a COZITEJO-COMERCIO, INDUSTRIA DE MOVEIS LDA, a SANGANHAS & FRAGOSO LDA, bem como a COFERSAN, têm desenvolvido todos os esforços para desocupar o imóvel.
2. Na verdade, trata-se de uma área com mais de 1000 mts/2, onde não só funcionava armazém como também loja e expositores.
3. Ou seja, além do material que está em armazém, e cuja remoção é direta e depende unicamente de disponibilidade de meios de transporte, há uma vasta área que está composta por materiais que estão em exposição.
4. Em relação a esses materiais, não é só pegar neles e levar; estamos a falar de dezenas de casas de banho, cozinhas e outros materiais expostos, que estão montadas, instaladas e que primeiro têm de ser desmontadas, arrumadas e só depois podem ser transportadas.
5. É um trabalho moroso necessariamente, de modo a evitar danificar não só os materiais em causa como o próprio armazém.
6. As empresas supra identificadas estão a trabalhar no armazém a 100%, recorrendo a ajuda de terceiras entidades; naturalmente que também é do seu interesse terem os produtos disponíveis em outro local.
7. Pelo que prazo decorrido revelou-se insuficiente para o trabalho que é necessário fazer.
8. Sendo que durante o período festivo não foi possível á maioria das empresas manter o ritmo mais elevado.
9. Mas atualmente já as empresas estão no máximo da sua capacidade e com recurso a terceiros.
10. Pelo exposto, o prazo requerido de 45 dias para poder ser concluída a desocupação do imóvel será o mais adequado para que a desocupação total possa ser obtida.».
13 - Esse requerimento foi notificado ao mandatário do requerente pelo mandatário da requerida.
14 - Em 16/02/2018 o requerente expôs e requereu ao tribunal:
«(…), notificado do requerimento apresentado pela Requerida onde requer a prorrogação do prazo para desocupação do imóvel em causa nas presentes autos por mais 45 dias, vem expor e requerer o seguinte:
1. Conforme já foi referido, na data da concretização da diligência de tomada de posse e entrega do imóvel em causa nos presentes autos, foi concedido à Requerida um prazo considerado razoável de 30 dias, eventualmente prorrogável por igual período, para a Requerida proceder à remoção do bens móveis que aí se encontravam.
2. Com efeito, tal concessão de prazo deveu-se ao elevado número de bens móveis que se encontravam no imóvel (cozinha, sanitários, azulejos, etc.).
3. Ora, à data, já decorreram mais de 90 dias desde a diligência de tomada de posse, ainda se encontrando no local mais de metade dos bens inicialmente identificados.
4. Tal situação deve-se única e exclusivamente por culpa da Requerida.
5. A ora Requerente sempre permitiu o acesso ao imóvel sem quaisquer limitações horários ou de trabalhadores.
6. Contudo, desde Dezembro de 2017 que se verificou uma redução muito significativa nas operações de remoção dos bens, designadamente quanto ao número de trabalhadores afectos, cfr. registos de entradas e saídas da empresa “Securitas” dos meses de Outubro de 2017, Novembro de 2017, Dezembro de 2017 e Janeiro de 2018, respectivamente Doc. 1, 2, 3 e 4, que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
7. Analisando os supra referidos registos, é possível comprovar o número concreto de trabalhadores afectos à operação de remoção dos bens nos meses em causa:
a) Outubro de 2017:
Segundafeira
Terça-feira
30 31
11 trab. 10 trab.
b) Novembro de 2017:
Domingo
Segundafeira
Terça-feira
Quartafeira
Quintafeira
Sexta-feira Sábado
1 2 3 4
11 trab. 10 trab. 9 trab. 10 trab.
5 6 7 8 9 10 11
9 trab. 9 trab. 10 trab. 11 trab. 11 trab.
12 13 14 15 16 17 18
9 trab. 11 trab. 8 trab. 6 trab. 8 trab. 6 trab.
19 20 21 22 23 24 25
9 trab. 7 trab. 9 trab. 5 trab. 9 trab. 10 trab.
26 27 28 29 30
11 trab. 10 trab. 6 trab. 8 trab.
c) Dezembro de 2017:
Domingo Segundafeira
Terça-feira Quartafeira
Quintafeira
Sexta-feira Sábado
1 2
6 trab.
3 4 5 6 7 8 9
6 trab. 2 trab. 2 trab. 6 trab. 2 trab.
10 11 12 13 14 15 16
8 trab. 5 trab. 1 trab. 7 trab. 10 trab. 5 trab.
17 18 19 20 21 22 23
6 trab. 12 trab. 12 trab. 8 trab. 4 trab.
6 trab. 7 trab. 6 trab.
31
d) Janeiro de 2018:
Domingo
Segundafeira
Terça-feira
Quartafeira
Quintafeira
Sexta-feira Sábado
1 2 3 4 5 6
3 trab. 6 trab. 7 trab. 6 trab. 2 trab.
7 8 9 10 11 12 13
1 trab. 4 trab. 2 trab. 6 trab. 6 trab. 1 trab.
14 15 16 17 18 19 20
2 trab. 3 trab. 3 trab. 6 trab. 2 trab. 3 trab.
21 22 23 24 25 26 27
3 trab. 4 trab. 5 trab. 4 trab. 12 trab. 7 trab.
28 29 30 31
1 trab. 4 trab. 3 trab.
8. Assim, é possível verificar que, em média, a ora Requerida afectou à referidas operações 11 trabalhadores por dia em Outubro; 9 trabalhadores por dia em Novembro; 6 trabalhadores por dia em Dezembro; e, finalmente, de 4 trabalhadores por dia em Janeiro.
9. Ou seja, apesar dos sucessivos pedidos de prorrogação do prazo, a ora Requerida não se preocupou em acelerar a remoção dos bens, verificando-se mesmo uma redução significativa dos esforços afectos a tal.
10. E, contrariamente ao alegado pela Requerida, tal facto não se prende com o período festivo!
11. Em bom rigor, a redução mais acentuada verificou-se no decurso do mês de Janeiro de 2018, ou seja, já depois do Natal.
12. Pelo que não foi invocada qualquer justificação para a não conclusão dos trabalhos em tempo adequado.
13. Com a assunção de tal postura, a ora Requerida apenas agrava os já avultados prejuízos do ora Requerente, não sendo mais de tolerar aquele comportamento.
14. Nestes termos, deverá ser indeferido o requerido prazo adicional de 45 dias para remoção dos bens, restando apenas decidir qual o destino a dar aos bens que permanecem no imóvel e que não foram removidos pela ora Requerida.».
13 - Esse requerimento foi notificado ao mandatário da requerida pelo mandatário do requerente.
14 - Em 20/02/2018 foi proferido o seguinte despacho judicial:
«Tendo em atenção o período de cerca de 100 dias já decorrido desde a diligência de tomada de posse e entrega do imóvel à Requerente e as sucessivas prorrogações de prazo por esta concedidas á Requerida para a total desocupação do mesmo, facultando-lhe a remoção dos bens ali existentes, entendemos adequado conceder à Requerida um derradeiro prazo, improrrogável, para a remoção dos bens que ali remanescem até ao dia 01/03/2018.
Caso nessa data ainda ali se encontrem bens pertença da Requerida autoriza-se a Requerente a removê-los para armazém, acautelando a sua integridade, recaindo sobre a Requerida a obrigação de reembolsar a Requerente dos custos inerentes á remoção, transporte e armazenagem, devendo a Requerente dar pronto conhecimento á Requerida do local de armazenagem e dos custos diários da mesma, mais devendo prontamente dar-lhe conhecimento dos custos de remoção e transporte que suporte.».
15 - Esse despacho foi notificado a ambas as partes.
16 - Em 22/02/2018 o requerente expôs e requereu:
«1. Nos termos do douto despacho de fls. …, foi concedido à Requerida um derradeiro prazo, improrrogável, para a remoção dos bens que ainda permanecem no imóvel em crise nos presentes autos até ao dia 01/03/2018.
2. Quanto aos bens que ali permanecerem após a referida data, foi concedida autorização ao Requerente para “removê-los para armazém, acautelando a sua integridade, recaindo sobre a Requerida a obrigação de reembolsar a Requerente dos custos inerentes à remoção, transporte e armazenagem, devendo a Requerente dar pronto conhecido à Requerida do local de armazenagem e dos custos diários da mesma, mais devendo prontamente dar-lhe conhecimento dos custos de remoção e transporte que suporte”.
3. Com o devido respeito, não se consegue conformar o ora Requerente com a referida decisão,
4. Considerando que a mesma traduz um continuado e injustificado agravamento significativo dos já avultados prejuízos incorridos pela Requerente.
Senão vejamos,
5. Conforme foi oportunamente alegado em sede de requerimento inicial, a ora Requerida regista incumprimento desde Janeiro de 2015.
6. Ou seja, nunca procedeu ao pagamento de nenhuma das prestações acordadas no âmbito do Acordo de Recompra celebrado em Dezembro de 2014.
7. De onde se pode conclui que há mais de três anos que o Requerente sofre elevadíssimos prejuízos com a conduta da Requerida, que serão computáveis em sede própria.
8. Para além dos prejuízos sofridos com a falta da posse do imóvel, incorreu o ora Requerente também em custos com as várias tentativas da sua recuperação.
9. Só no âmbito da presente acção, o ora Requerente já teve de suportar, só a título de taxas de justiças, atendendo aos sucessivos recursos apresentados pela Requerida, um total de € 5.814,00.
10. De referir que, após o trânsito em julgada da decisão que deferiu a presente providência cautelar, o Requerente apresentou a competente nota discriminativas de custas de parte, no valor total de € 9.945,00.
11. Contudo, não obstante as sucessivas interpelações, a Requerida recusa-se a proceder ao devido pagamento.
12. Também no âmbito do presente processo, mais concretamente após a concretização da diligência de entrega do imóvel, o Requerente já teve de suportar custos com a segurança do local, designadamente através da celebração de um contrato de prestações de serviços com uma empresa de segurança.
13. Tal celebração teve como único e exclusivo propósito de acautelar a segurança do imóvel enquanto a Requerida levava a cabo as operações de remoção dos bens móveis que se encontravam no imóvel.
14. Conforme foi também já referido, apesar de já terem decorrido mais de 100 dias entre a concretização da diligência, a Requerida, por culpa exclusivamente sua, não procedeu à remoção de mais de metade dos bens que inicialmente se encontravam no local.
15. Desde finais de 2014, inícios de 2015 que a ora Requerida tem causado, deliberada e expressamente, avultados prejuízos ao Requerente, recusando-se a proceder à entrega do imóvel e protelando a sua entrega total livre de bens móveis.
16. Tal comportamento não é mais de tolerar, não podendo o mesmo ser premiado.
17. Como tal, não pode aceitar o Requerente incorrer em mais custos com operações de remoção, transporte e armazenamento dos bens da Requerida, principalmente quando tem fundadas e sérias dúvidas quanto ao seu pronto reembolso.
18. Custos esses que serão de elevadíssimo valor atendendo à dimensão do imóvel, aos bens em causa e ainda ao facto de se encontrarem no local mais de metade dos bens inicialmente identificados.
Atendendo ao supra exposto deverá o douto despacho ser alterado em conformidade, decidindo-se o destino a dar aos bens móveis que permanecerem no imóvel após o dia 1 de Março de 2018, destino esse que não poderá implicar custos acrescidos ao ora Requerente.».
17 - Esse requerimento foi notificado ao mandatário da requerida pelo mandatário do requerente.
18 - Em 26/02/2018 a requerida expôs e requereu:
«1. Presente o douto despacho datado de 21.02.2018.
2. Até à presente data, o Rte BCP não cumpre o despacho judicial, negando o acesso da Rda e das demais entidades proprietárias aos bens que se encontram no armazém.
3. O despacho ordenava a remoção dos bens até ao dia 01.03.2018, sendo que o Rte não permitiu à Rda cumprir o douto despacho.
4. Assim, perante o ostensivo desrespeito do BCP pelo despacho judicial, requerer-se que seja estipulada nova data para a conclusão da remoção dos bens.
5. Mais se informa o seguinte: quando o BCP vedou o acesso ao armazém, ficaram materiais e madeiras na rua, que os proprietários já não conseguiram carregar, porque para tal não foram autorizados; neste semana está anunciada muita chuva, pelo que há efetivo risco de deterioração dos produtos que estão fora do armazém.
6. Aproveita a Rda para esclarecer que não tem qualquer intenção ou preocupação de causar prejuízo ao BCP; pelo contrário, a única coisa que pretende é poder remover como deve ser todos os bens que estão no armazém.
7. Pelo que permitir a remoção dos bens em condições adequadas será a melhor forma de assegurar que o BCP não terá mais despesas ou aborrecimentos.».
19 - Esse requerimento foi notificado ao mandatário da requerente pelo mandatário da requerida.
20 - Em 05/03/2018 foi proferido o seguinte despacho judicial:
«Atenta a conflituosidade que subsiste entre as partes e a manifesta discrepância entre as suas posições – já que o Requerente Banco diz ser a Requerida que não remove do armazém o remanescente dos bens, e esta diz ser aquele que a impede de os remover – apenas uma solução se nos afigura viável: a de a remoção dos bens ser efectuada com data e hora marcada e acompanhada por força policial.
Para tanto, e recordando as obrigações de colaboração que impendem sobre os Ilustres mandatários enquanto operados judiciários, devem as partes indicar aos autos uma data e hora, que os seus mandatários previamente ajustem, para que a remoção dos bens tenha lugar, comunicando-a ao Tribunal com a antecedência necessária para que este solicite o acompanhamento pelas forças policiais (cujos custos, havendo-os, serão suportados em partes iguais por ambas as partes).».
21 - Desse despacho foram as partes notificadas.
22 - Em 15/03/2018 o requerente expôs e requereu:
«(…) notificado do douto despacho de fls. … vem, pelo presente informar os autos de que as partes acordaram na designação dos dias 19, 20 e 21 de Março para que a Requerida proceda à remoção dos bens que ainda permanecem no imóvel em crise. As partes acordaram ainda na dispensa da presença de forças policiais no decurso das operações de remoção.
O ora Requerente opõe-se, desde já, a mais prorrogações de prazo findos os três dias supra referidos, atendendo ao lapso de tempo decorrido deste a diligência de entrega judicial do bem.
Assim, requer-se muito respeitosamente que V. Exa. se digne declarar como abandonados os bens móveis que eventualmente permaneçam no imóvel findas as operações de remoção nos dias acordados, podendo o Requerente dispor dos mesmos conforme entender.».
23 - Esse requerimento foi notificado ao mandatário da requerida pelo mandatário do requerente.
24 - Em 04/04/2018 foi proferido o seguinte despacho judicial:
«Requerimento refª 28536936: Tomei conhecimento das datas acordadas pelas partes para a remoção dos bens.
Uma vez que dispensam a comparência da força policial, nada mais a determinar a tal respeito.
Quanto ao 2º § do requerimento, indique a Requerente o normativo legal em que estriba o pedido que dirige ao Tribunal.».
25 - As partes foram notificadas desse despacho.
26 - Em 09/04/2018 o requerente expôs:
«(…) notificado do douto despacho de fls. … vem, pelo presente informar os autos que as operações de remoção dos bens terminaram no passado dia 28 de Março de 2018.
Com efeito, foram retirados do imóvel todos os bens do interesse da Requerida, tendo permanecido apenas lixo no local.
Assim, tendo já a ora Requerente tomado posse integral do imóvel, deverá ser encerrado o presente processo.».
27 - Em 10/04/2018 a requerida expôs e requereu:
«1. Não contém a verdade o requerimento apresentado pelo BCP.
2. Depois de dois dias intensos de trabalho e carregamento de material, foi retirada a grande maioria dos bens móveis, mas ainda permanece muita coisa dentro do armazém.
3. Além de algum material de escritório que ainda ficou – e que parte foi removido a semana passada, não sabe a Rda por quem e para onde - ficou muito material amovível e que não pertence ao Rte, desde prateleiras e expositores, um monta cargas e um PT.
4. Os bens não são do Rte, nem tem qualquer base legal para ficar com tais bens móveis.
5. A Rda precisará de 3/4 dias úteis para a conclusão da remoção, o que se requer.».
28 - Em 11/04/2018 foi proferido o despacho recorrido.
29 - Em 12/04/2018 o requerente expôs e requereu:
«(…) notificado do requerimento apresentado pela Requerida AFONSO & COSTA – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA. vem, pelo presente, expor e requerer o seguinte:
1. Sem prejuízo do douto tribunal ter concedido à ora Requerida, por despacho de fls. … proferido em 20 de Fevereiro de 2018, um derradeiro prazo, improrrogável, para a remoção dos bens que permaneciam no imóvel em crise até ao dia 01 de Março de 2018, o ora Requerente concedeu ainda na designação de três dias adicionais – 19, 20 e 21 de Março – para a referida remoção.
2. Findo aquele prazo, foram ainda de boa fé concedidos mais dois dias adicionais – 27 e 28 de Março – para a derradeira conclusão dos trabalhos.
3. Vem agora a Requerida alegar que ainda não foram retirados todos os bens móveis.
4. Afirma, aliás, que permaneceu algum material de escritório e que parte desse material foi removido na semana passada.
5. Alega ainda que permanecem no imóvel muito material amovível desde prateleiras e expositores, um monta cargas e um PT.
6. Ora, desde logo, tais afirmações apenas demonstram, uma vez mais, a posição assumida pela Requerida que deliberada e expressamente procura causar avultados prejuízos ao ora Requerente, protelando a entrega total do imóvel em crise.
7. De salientar que já decorreram mais de 5 meses desde que foi realizada a diligência de entrega do imóvel.
8. E já decorreram mais de três anos desde que a Requerida entrou em incumprimento perante o Requerente.
9. Desde essa data que o Requerente sofre avultados prejuízos com o comportamento da Requerida.
10. Continuando essa a aproveitar-se da boa vontade do doutro Tribunal para evitar a conclusão dos trabalhos de remoção dos bens.
11. Em mais de 5 meses, a Requerida já teve mais do que tempo suficiente e oportunidade suficiente para dali retirar todo o material.
12. Face ao alegado pela Requerida, cumpre desde logo esclarecer os autos de que o Requerente não procedeu à remoção de nenhuns bens móveis propriedade da Requerida, sendo totalmente falso o alegado em sede do requerimento ora apresentado.
13. Relativamente ao monta cargas, que a Requerida assume ser a proprietária, cumpre desde já esclarecer que tal, mais uma vez, não tem qualquer correspondência com a realidade.
14. O referido monta cargas corresponde a um elevador que foi construído no interior do imóvel em questão, estando estruturalmente ligado ao mesmo.
15. Sendo, assim, parte integrante do imóvel em causa.
16. Aliás, este monta cargas tem serventia exclusiva para transporte de mercadorias no interior do imóvel entre os vários níveis de armazém sendo, por isso, essencial à operacionalidade do imóvel.
17. Tratando-se de uma parte integrante do imóvel em causa, este é indubitavelmente propriedade do ora Requerente, não podendo a Requerida proceder à sua remoção e indevida apropriação.
18. Do mesmo modo, diga-se que o “PT” (posto de transformação) é parte integrante da instalação eléctrica do imóvel e como tal licenciado pela Direcção de Serviços de Energia Eléctrica da DGEG (Direcção Geral de Energia e Geologia).
19. Aliás, quando ocorre a mudança da propriedade do imóvel, é necessário proceder ao averbamento das instalações eléctricas do imóvel, “PT” incluído, ao novo proprietário, o que efectivamente o Requerente fez – cfr. Doc. 1 e Doc. 2, que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
20. Sem este posto de transformação, a instalação eléctrica do imóvel ficaria inoperativa e o imóvel impossibilitado de receber energia eléctrica e, consequentemente, impossibilitado de cumprir a finalidade a que se destina e para a qual está licenciado.
21. Pelo que, mais uma vez, tenta a Requerida apropriar-se do que não lhe pertence, não podendo, de modo algum, proceder à remoção do posto de transformação do imóvel.
22. A ora Requerida já teve mais do que tempo suficiente para retirar todos os bens do imóvel que lhe pertencem e que tem interesse na sua manutenção.
23. Veja-se algumas fotografias do estado em que se encontra o estado do imóvel, tiradas no passado dia 29 de Março – após o término das operações de remoção – que oram se juntam como Doc. 3, e se dá por integralmente reproduzido.
24. Permanece, maioritariamente, lixo no local ou bens móveis em tal estado de degradação que já não têm interesse para a Requerida.
25. Assim, atendendo ao já longo lapso de tempo decorrido entre a diligência de entrega do imóvel à Requerente – mais de 5 meses – o Requerente vem, mais uma vez, requerer muito respeitosamente que V. Exa. se digne a declarar como abandonados os bens móveis que permanecem no imóvel.
26. Como foi oportunamente referido em sede de Requerimento Inicial e confirmado pela sentença proferida pelo douto tribunal e pelo Acórdão do Tribunal da Relação, as partes celebraram um contrato atípico denominado por “Acordo de Recompra” ao abrigo da sua liberdade contratual.
27. Através deste contrato, estipularam que a Requerida se mantinha na posse do imóvel durante um período de 12 meses com a possibilidade de recomprar o mesmo durante esse período.
28. Considerando que estamos perante um contrato atípico, conforme referido, não existe disposição concreta sobre o destino a dar aos bens não retirados do imóvel.
29. Ou seja, verifica-se aqui uma lacuna que deverá ser colmata com recurso à analogia.
30. De facto, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1 do Código Civil, “os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos”.
31. Ora, nos termos do n.º 2 do citado artigo, “há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”.
32. No caso, verifica-se uma posse alheia, titulada, de um bem imóvel.
33. Do mesmo modo, e o que aqui nos interessa verdadeiramente, foi decretada judicialmente a entrega da posse do referido bem imóvel ao verdadeiro proprietário do mesmo.
34. Por outras palavras, ordenou-se a saída da Requerida do imóvel em crise, entregando a sua posse ao verdadeiro proprietário, o ora Requerente.
35. Contudo, os bens que aí permaneciam e que eram propriedade da antiga possuidora, ora Requerida, não foram retirados no espaço temporal concedido para o efeito.
36. Atendendo a estas circunstâncias, facilmente se verifica que será então de aplicar, por analogia, ao caso concreto, o regime legalmente previsto para o despejo que regula, precisamente, o destino a dar aos bens encontrados no bem locado.
37. Dispõe o artigo 15.º -K da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro:
1 – O agente de execução, o notário ou o oficial de justiça procede ao arrolamento dos bens encontrados no locado.
2 – O arrendatário deve, no prazo de 30 dias após a tomada de posse do imóvel, remover todos os seus bens móveis, sob pena de estes serem considerados abandonados”.
38. Outra solução não faria qualquer sentido!
39. De facto, ao admitir-se um “vazio legal”, permitindo que a Requerida continue a protelar no tempo a entrega total de um imóvel, judicialmente decretada, com claros prejuízos para o Requerente, estar-se-ia a premiar comportamentos ilícitos, em claro desrespeito da decisão judicial, já transitada em julgado.
40. O Requerente não se conforma com esta situação.
41. A Requerida já teve bastante mais do que os 30 dias legalmente previstos para o despejo.
42. De facto, já teve mais de 5 meses, pelo que, o facto de não ter conseguido proceder à remoção de todos os bens que se encontravam no imóvel deve-se a culpa única e exclusiva sua, conforme também já foi oportunamente demonstrado pelo Requerente.
Atento a tudo o supra exposto, requer-se muito respeitosamente que V. Exa. se digne declarar como abandonados os bens móveis que permanecem no local, podendo o Requerente dispor no mesmo conforme entender, encerrando-se o processo.».
*
B) O Direito
1. Se a decisão recorrida é nula por ser decisão surpresa.
Decorre do art. 3º nº 3 do Código de Processo Civil (CPC) que o juiz deve observar e fazer cumprir ao logo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas de pronunciarem.
No caso concreto, resulta dos pontos 22 e 23 enunciados em A) que a apelante já tinha sido notificada pela apelada do requerimento por esta formulado no sentido de serem declarados como abandonados os bens móveis que eventualmente viessem a permanecer no imóvel findas as operações de remoção nos dias acordados entre ambas, e de poder a apelada dispor dos mesmos conforme entender.
Essa notificação foi efectuada entre mandatários como prescrito no art. 221º nº 1 do CPC.
Portanto, é evidente a falta de razão da apelante ao dizer que a decisão recorrida constitui uma decisão surpresa e por isso nula.
Improcede esta arguição de nulidade.
*
2. Se inexiste fundamento legal para a declaração de abandono dos bens.
Segundo a apelante não tem apoio legal a aplicação analógica do disposto pelo artigo 15º-K nº 2 do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Vejamos.
Esse art. 15º- K foi aditado pela Lei 31/12 de 14/08, prevendo, sob a epígrafe «Destino dos bens»:
«1 - O agente de execução, o notário ou o oficial de justiça procede ao arrolamento dos bens encontrados no locado.
2 - O arrendatário deve, no prazo de 30 dias após a tomada da posse do imóvel, remover todos os seus bens móveis, sob pena de estes serem considerados abandonados.».
No Código Civil o abandono de bens está previsto nos art. 1317º al. d) e 1318º, aí constando, além do mais, que podem ser adquiridos por ocupação coisas móveis que foram abandonadas, perdidas ou escondidas pelos seus proprietários, com as restrições dos artigos seguintes.
E o art. 1323º determina:
«1. Aquele que encontrar animal ou outra coisa móvel perdida e souber a quem pertence deve restituir o animal ou a coisa a seu dono, ou avisar este do achado; se não souber a quem pertence, deve anunciar o achado pelo modo mais conveniente, tendendo ao valor da coisa e às possibilidades locais, ou avisar as autoridades, observando os usos da terra, sempre que os haja.
2. Anunciado o achado, o achador faz sua a coisa perdida, se não for reclamada pelo dono dentro do prazo de um ano.
3. Restituída a coisa, o achador tem direito à indemnização do prejuízo havido e das despesas realizadas, bem como a um prémio dependente do valor achado, no momento da entrega, calculado pela forma seguinte: até ao valor de € 4,99, 10%; sobre o excedente desse valor até € 24,94, 5%; sobre o restante, 2,5%.
4. O achador goza do direito de retenção e não responde, no caso de perda ou deterioração da coisa, senão havendo da sua parte dolo ou culpa grave».
Em anotação aos art. 1318º e 1323º do Código Civil, vem explicado por Pires de Lima e Antunes Varela:
- quanto ao art. 1318º:
«(…) Não basta, pois, o simples facto material da apreensão ou detenção da coisa, ou até mesmo o animus possidendi: há necessidade da intervenção de um outro elemento subjectivo, ou seja, a intenção de adquirir. Sem esta, pode-se adquirir a posse (cfr art. 1266.º), mas não se adquire a propriedade. (…)
(…) Ao invés do que se passa com a ocupação, o abandono supõe que o dono afastou a coisa da sua disponibilidade natural, como quando sucede quando se deita fora o jornal ou a revista que se leu (…) Mas, para que se verifique o abandono, é necessário ainda que haja intenção, por parte do proprietário, de demitir de si o direito que tem sobre ela (…).Não há, portanto, abandono, quando se perde ou se esconde a coisa, ou se renuncia à posse por erro ou coacção (…)
(…).»;
- quanto ao art. 1323º:
«(…)
Prescreve-se, pois, neste nº 2, uma presunção juris et de jure de abandono, decorrido que seja um ano. Esta presunção não integra, porém, a hipótese de o dono, recebido o aviso ou conhecido o anúncio, declarar que abandona a coisa. Neste caso, ela deixa de pertencer à categoria de coisa perdida para se transformar numa coisa abandonada, que, como tal, nos termos do artigo 1318º, pode ser imediatamente ocupada pelo achador.» (in Código Civil anotado, Vol III, 2ª ed, pág. 123 a 125 e 133).
O caso concreto não se enquadra no conceito de abandono consagrado nestes normativos do Código Civil, pois a apelante sempre manifestou pretender manter a propriedade dos bens móveis.
Porém, é flagrante a sua falta de diligência para proceder à recolha dos mesmos, conseguindo arrastar ao longo de vários meses a situação, dando origem a apresentação sucessiva de requerimentos e respostas, despachos, depois da inicial intervenção da agente de execução.
Por todo o nosso ordenamento jurídico é consagrado o princípio da boa fé, como disso é exemplo o art. 334º do Código Civil ao estabelecer que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O art. 15º- K da Lei 6/2006 veio proteger o proprietário contra os ex-arrendatários que não removem os seus bens do locado no prazo de 30 dias após a tomada de posse do imóvel. 
No preâmbulo da Lei 31/2012 lê-se, designadamente:
«A presente lei aprova medidas destinadas a dinamizar o mercado de arrendamento urbano, nomeadamente:
(…)
c) Criando um procedimento especial de despejo do local arrendado que permita a célere recolocação daquele no mercado de arrendamento.».
Trata-se pois, de um regime especial de protecção dos proprietários de bens imóveis destinados a arrendamento urbano.
Na decisão proferida em 23/02/2017 a 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
«1 - No âmbito do acordo final obtido em procedimento do sistema de recuperação de empresas por via extrajudicial (SIREVE) a Requerida obrigou-se a proceder a amortização de dívidas (responsabilidades) à Requerente no valor de € 2.785.000,00 por dação em cumprimento de um imóvel.
2 - Para tanto Requerente e Requerida outorgaram em 12/12/2014 a escritura de dação em cumprimento que se encontra a fls. 29 ss. e cujo teor se dá por reproduzido, por força do qual e pelo valor de € 2.785.000,00 a Requerida deu em cumprimento à Requerente o prédio urbano descrito na 2ª CRPredial de Vila Franca de Xira sob o nº 5996/20121011.
3 - A propriedade desse prédio mostra-se registada a favor da Requerente pela Ap. 3081 de 12/12/2014. 4 - Naquela mesma data de 12/12/2014 Requerente e Requerida subscreveram o escrito denominado Acordo de Recompra, que se encontra a fls. 41 ss. e cujo teor se dá por reproduzido, por força do qual a Requerida manteve a posse do imóvel, a Requerente concedeu à Requerida o direito de proceder à recompra daquele imóvel durante o período de 12 meses a contar daquela data, e a Requerida ficou obrigada a pagar à Requerente uma remuneração mensal, a titulo de função financeira, contada desde a data de celebração do acordo, calculada sobre o valor da dação atribuído ao prédio, à taxa fixa anual de 2,55%.
5 - A Requerida não procedeu ao pagamento das quantias mensais previstas no “Acordo de Recompra” em Janeiro de 2015 nem posteriormente.
6 - A Requerente enviou à Requerida, para a Estrada da Portela Letras RX, Qtª do Correio Mor, 1700-315 Lisboa, a carta datada de 14/01/2015, que se encontra a fls. 46 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, pela qual a informou do valor em dívida relativamente ao acordo de recompra e lhe concedeu prazo até ao dia 30/01/2015 para efectuar o respectivo pagamento, sob pena de considerar aquele imediatamente resolvido e sem qualquer efeito, devendo então a Requerida proceder à entrega das chaves do imóvel.
7 - A Requerente enviou à Requerida, para a Estrada da Portela Letras RX, Qtª do Correio Mor, 1700-315 Lisboa, a carta datada de 10/11/2015 que se encontra a fls. 47 ss. e cujo teor se dá por reproduzido.
8 - A Requerida enviou à Requerente as cartas datadas de 20/04/2016 e de 05/05/2016 que se encontram a fls. 52 e 53 e cujos teores se dão por reproduzidos, tendo entregue à Requerente as chaves de duas naves do armazém.».
E em sede de fundamentação de Direito e no dispositivo dessa decisão consta:
«Revela a matéria de facto provada que no âmbito do acordo final obtido em procedimento do sistema de recuperação de empresas por via extrajudicial (SIREVE) e de forma a regularizar as suas responsabilidades/dívidas para com a Requerente, a Requerida obrigou-se a dar em cumprimento àquela um imóvel, e que em cumprimento desse compromisso foi por elas celebrado um contrato de dação em cumprimento pelo qual a Requerida transmitiu à Requerente o prédio urbano descrito na 2ª CRPredial de Vila Franca de Xira sob o nº 5996.
Celebrado o contrato de dação em cumprimento mediante a outorga de escritura pública em 12/12/2014, a Requerente adquiriu a propriedade do supra identificado imóvel, estando essa aquisição registada a seu favor pela Ap. 3081 de 12/12/2014.
Na mesma data da outorga da escritura de dação em cumprimento subscreveram as partes o “Acordo de Recompra” que se mostra a fls. 41 ss. dos autos - o qual, expressando uma concertação de vontades negocial, configura um contrato - pelo qual a Requerida manteve a posse do imóvel durante a vigência do direito de recompra (cfr. clª 2ª nº 1), a Requerente concedeu à Requerida o direito de proceder à recompra daquele imóvel durante o período de 12 meses a contar daquela data (cfr. clª 1ª nº 1), e a Requerida - independentemente de vir ou não a exercer aquele direito de recompra - se obrigou a pagar à Requerente uma remuneração mensal, a titulo de função financeira, contada desde a data da celebração daquele acordo (contrato), calculada sobre o valor da dação atribuído ao prédio, à taxa fixa anual de 2,55%. (cfr. clª 1ª nº 2).
A leitura integrada do aditamento ao acordo obtido no procedimento decorrente do SIREVE e seu anexo (a fls. 17 ss), da escritura de dação em cumprimento (a fls. 29 ss.) e do “Acordo de Recompra” (a fls. 41 ss.), todos eles outorgados pelas partes em 12/12/2014, evidencia a existência de uma directa relação e interdependência entre todos eles, deixando claro que muito embora constituam diversos contratos eles integram um mesmo núcleo negocial que as partes equacionaram e materializaram através daqueles diversos textos contratuais a coberto da liberdade contratual que a lei lhes faculta (cfr. artº 405º nºs 1 e 2 CCivil), destinando-se a dação em cumprimento a regularizar as responsabilidades da Requerida para com a Requerente e o “Acordo de Recompra” a garantir àquela a permanência no imóvel durante um período de 12 meses com a possibilidade de recomprar o mesmo durante esse período. E por isso claramente não estamos em presença de qualquer contrato de arrendamento como a Requerida professa, assinalando-se que a denominada “função financeira” nele prevista [cfr. clª 1ª nº 2] não é confundível com a renda devida no âmbito locatício, pois aquela correspondia ao pagamento mensal de um valor calculado sobre o valor da dação atribuído ao prédio, revelando essa forma de cálculo e toda a economia do conjunto negocial tratar-se de uma compensação pecuniária à Requerente, não só pela utilização do imóvel, mas especialmente pela circunstância de durante um ano esta suster aquele património de forma a assegurar à Requerida a possibilidade de o recomprar.
Ora, esse contrato relativo ao “Acordo de Recompra” foi incumprido pela Requerida, pois esta não procedeu ao pagamento da “função financeira” nele prevista, nem em Janeiro de 2015 nem posteriormente.
Na verdade, a clª 1ª nº 2 prevê expressamente que “(…) haverá lugar ao pagamento de uma remuneração mensal, a título de função financeira, contada desde a data da celebração do presente acordo (…)”. E tendo o acordo sido subscrito em 12/12/2014 dúvidas não podem restar, atento o disposto pelo artº 279º al. c) CCivil, que a primeira retribuição devida pela Requerida se venceu a 12/01/2015, não podendo vingar a tese da Requerida quanto a não poder afirmar-se que ela não estaria em incumprimento aquando da carta da Requerente de 14/01/2015.
Ora, de acordo com a clª 4ª do “Acordo de Recompra” caso a ora Requerida não cumprisse qualquer um dos pagamentos definidos nas cláusulas anteriores, designadamente o referido na cláusula 1ª relativo à remuneração mensal a título de função financeira, a Requerente podia desde logo proceder à rescisão unilateral daquele acordo, ficando o mesmo sem efeito, devendo comunicar a rescisão por carta registada a remeter para a morada naquele contrato indicada.
Verifica-se assim que as partes, a coberto da liberdade contratual que a lei lhes concede (cfr. artº 405º CCivil), previram que o não pagamento da “função financeira” constituiria causa de incumprimento e facultava à Requerente a resolução imediata do contrato “Acordo de Recompra”.
E foi exactamente a coberto dessa faculdade contratual e sob invocação da cláusula contratual que a prevê, que a Requerente, por carta registada de 14/01/2015 dirigida para a morada da sede da Requerida identificada no intróito do “Acordo de Recompra”, comunicou à Requerida o valor que se encontrava em dívida, tendo-lhe ainda concedido um prazo adicional (até 30/01/2015) para efectuar o pagamento sob pena de considerar o “Acordo de Recompra” imediatamente resolvido e sem qualquer efeito, com a consequente entrega das chaves do imóvel por forma a que a mesma pudesse tomar posse dele.
Se essa carta de 14/01/2015 e a de 10/11/2015 não foram pela Requerida recebidas tal apenas a esta se poderá ter ficado a dever, já que ambas foram remetidas para a morada da sua sede indicada no “Acordo de Recompra”, no aditamento ao acordo obtido no procedimento decorrente do SIREVE e na escritura de dação, coincidindo com a morada que a própria requerida fez constar como sua nas cartas de fls. 52 e 53 que enviou à Requerente, e por conseguinte as comunicações a que tais cartas se reportam foram validamente efectuadas e produziram os seus efeitos por força do disposto no artº 224º nº 2 do CCivil.
Deste modo, atento o incumprimento contratual da Requerida e da consequente legitimidade e validade da resolução contratual por parte da Requerente, deixou aquela de ter título legítimo para continuar ocupando o imóvel e ficou constituída na obrigação de entregar à Requerente o imóvel de que a mesma é proprietária.
Não esqueçamos que do contrato de dação, com a celebração da competente escritura pública, resultou a inclusão da coisa transmitida e objecto da dação em cumprimento na esfera jurídica e patrimonial da ora Requerente, com a inerente liberação da correspondente dívida para a Requerida mediante a alienação e desafectação da sua esfera jurídica e dominial da mencionada coisa. E de acordo com as disposições conjugadas dos artº 1317º al. a) e 408º nº 1 do CCivil, a transmissão da propriedade dá-se por mero efeito do contrato.
Portanto, com a outorga da escritura pública da dação em 12/12/2014 transmitiu-se para a Requerente a propriedade sobre o imóvel, sendo que a manutenção da utilização do imóvel pela Requerida se suportava na celebração do “Acordo de Recompra” e durante a sua vigência. Por isso, validamente resolvido este contrato, deixou a Requerida de ter qualquer título que legitime a ocupação do imóvel que vinha ocupando, sendo certo que ainda não procedeu à entrega do mesmo à Requerente, já que para tanto é manifestamente insuficiente a entrega de chaves relativas a duas naves do imóvel : a entrega dele implica colocar a sua proprietária na total disponibilidade do bem que lhe pertence, ou seja no pleno exercício dos poderes de que goza o proprietário, sendo que o princípio geral que rege nesta matéria é o de que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (cfr. artº 1305º, 1ª parte, do CCivil), e pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (cfr. artº 1311º CCivil).
Assim e aqui chegados deve proceder o presente procedimento cautelar e ser ordenada a concreta providência solicitada, que se traduz na entrega do imóvel à Requerente.
E de quanto antecede logo resulta não ter a Requerente litigado de má-fé.
**
Pediu a Requerente que, nos termos e para os efeitos do disposto pelo artº 369º CPC, fosse dispensada do ónus de interpor a acção principal, tendo a Requerida manifestado a sua oposição.
Vejamos que dizer a este respeito.
Dispõe o nº 1 daquele preceito legal que “Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio”.
A lógica conceptual desse novo instrumento jurídico-processual abarca-se nos seguintes termos: só excepcionalmente o procedimento cautelar resolve definitivamente o litígio; o procedimento cautelar nasce como tal e tem a sua estrutura e fim próprios, sendo contudo concebível, e a experiência o veio revelando, que haja situações em que a prova produzida acerca da existência do direito que se pretende acautelar é tão exuberante, indo muito para além da prova sumária com que a lei se basta para o decretamento de uma medida cautelar (com que se basta a previsão do artº 365º nº 1 CPC), que cria no julgador a convicção segura da existência do direito acautelado, e se juntamente com essa circunstância se verificar que a natureza da providência decretada é adequada a realizar a composição definitiva do litígio (cfr. artº 369º nº 1 CPC), isto é se a medida cautelar (única que é possível peticionar em sede de procedimento cautelar) tiver características tais que a tornem coincidente com a medida definitiva adequada a salvaguardar o direito definindo a justa composição final do litígio, pode então o Juiz dispensar o Requerente da providência do ónus de propositura da acção principal.
É precisamente o que ocorre no caso vertente, já que as circunstâncias do caso concreto conduzem a que a factualidade relevante resulte de documentação já junta aos autos que permite uma convicção segura da existência do direito invocado pela Requerente, e de outra banda a medida cautelar solicitada para salvaguarda do direito de propriedade ameaçado corresponde exactamente ao pedido susceptível de ser formulado em acção destinada a proteger definitivamente esse direito e as suas características são adequadas a compor definitivamente o litígio, razão pela qual se deve deferir a pretensão da Requerente, dispensando-a do ónus de propositura da acção principal.

III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, determina a entrega à Requerente do prédio urbano descrito na 2ª CRPredial de Vila Franca de Xira sob o nº 5996/20121011, mediante intervenção de Agente de Execução, para o efeito se atendendo à indicação já efectuada pela Requerente.
Mais, o Tribunal absolve a Requerente do pedido de condenação por litigância de má-fé e dispensa a Requerente do ónus de propositura da acção principal, invertendo o contencioso.».
Nas conclusões da alegação do recurso que interpôs dessa decisão da 1ª instância, defendeu a ora apelante
«11.Verificando-se, como se verificam, os pressupostos legais do arrendamento, não pode alegar-se o princípio da liberdade contratual para retirar essa relação contratual do regime que por lei terá de lhe ser aplicado.
12.Nesse sentido, a decisão recorrida, ao não reconhecer a situação de posse da Recorrente como arrendatária, violou disposto nos arts. 1022º e 1023º do C Civil, pelo que deve ser alterada.».
No acórdão desta Relação que confirmou a decisão da 1ª instância lê-se, além do mais:
«b) Estará em causa um contrato de arrendamento?
(…)
Não podemos deixar de aderir à argumentação explanada na sentença:
(…)
Na verdade, existem dois vínculos contratuais, mas dependentes um do outro, com um denominador comum, a necessidade do pagamento da dívida; à dação em cumprimento do imóvel corresponde o pagamento parcial das dívidas. Por outro lado, é relevante que o requerido se mantenha na posse, mas esta situação não pode ser encarada como desligada do facto do requerente não gozar de forma plena do seu direito de propriedade (art. 1305º CC).

Assim, não pode a factualidade ser subsumida à relação de arrendamento».
Portanto, há mais de um ano vem a apelante opor-se à desocupação do imóvel dos autos, tendo até chegado a defender estar em vigor um contrato de arrendamento.
E mesmo quando definitivamente vencida - pois não se mostra que tenha instaurado acção destinada a impugnar a existência do direito acautelado - tem protelado a libertação do imóvel, impedindo a apelada de lhe dar o destino que entender no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pelo seu direito de proprietária consagrados no art. 62º nº 1 da Constituição da República Portuguesa - que agora invoca a apelante em seu favor quanto aos bens móveis que ainda não removeu - e no art. 1305º do Código Civil.
Os art. 10º e 11º do Código Civil estabelecem:
Art. 10º (Integração das lacunas da lei)
«1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.».
Art. 11º (Normas excepcionais)
«As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.».
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, «O recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é, pressupõe que determinada situação não está compreendida nem na letra da lei nem no espírito da lei. Esgotou-se todo o processo interpretativo dos textos sem se ter encontrado nenhum que contemplasse o caso cuja regulamentação se pretende, ao passo que, na interpretação extensiva encontra-se um texto, embora, para tanto, haja necessidade de estender as palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao formular a norma, disse menos do que que efectivamente pretendia dizer. Mas o caso está contemplado. Não há omissão.» (In ob cit, vol I, 4ª ed. pág. 60).
O Regime Jurídico do Arrendamento Urbano (RAU), ao que interessa, o art. 15º K, não é aplicável no caso concreto directamente, pois é um regime especial. Como tal, essa norma é excepcional, não comportando aplicação analógica.
Mas o art. 375º do Código de Processo Civil estabelece:
«Incorre na pena de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva».
A entrega do imóvel já ocorreu há vários meses, mas com limitações, pois a apelante continuou a ocupá-lo com bens móveis.
No âmbito do anterior CPC explicaram José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto:
«Salvaguarda-se o recurso às medidas adequadas à execução da providência.
Trata-se do recurso à acção executiva, em qualquer das suas espécies: (…) acção executiva comum para entrega de coisa certa (arts. 928 a 931); acção executiva comum para prestação de facto (arts 933-942); (…). A ela se recorre quando a providência consista na intimação do requerido para que realize uma prestação, positiva ou negativa, e ele não a realiza.
Há, além disso, medidas de tipo executivo que são especificamente previstas para a realização de certas providências cautelares. Assim, o arresto e o arrolamento implicam a apreensão dos bens e, sendo eles móveis ou imóveis, a sua entrega a um depositário (…); e a restituição provisória de posse implica igualmente a apreensão da coisa e a sua entrega ao requerente (ver o nº 2 da anotação ao art. 394º). Nestes casos, a medida de tipo executivo integra a própria realização da providência e tem lugar nos autos do respectivo procedimento. Temos ainda execução da providência ordenada, mas em termos que se confundem com a sua própria realização.» (in Código de Processo Civil anotado, vol 2º, 2ª ed. pág. 67/68).
E mais adiante:
«Ordenada a restituição da posse, é esta oficiosamente realizada, por investidura do requerente, nos próprios autos do procedimento, sem necessidade de se instaurar acção executiva para o efeito (Alberto dos Reis (…) ), mas com recurso às normas aplicáveis à entrega de coisa certa, designadamente a do art. 930 (…)» (pág. 84/85)
O nº 1 do art. 861º do CPC inserido no Título IV - da Execução para entrega de coisa certa, prevê:
«À efectivação da entrega da coisa são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização a penhora, (…)».
E no que respeita à execução para entrega de coisa imóvel arrendada, determina o art. 862º desse código que são aplicáveis as disposições anteriores do presente título, com as alterações constantes dos artigos 863º a 866º (nos quais se prevê o diferimento da desocupação do local arrendado para habitação).
Mas, como dissemos, não está em causa um imóvel dado em arrendamento, sabendo-se que se fosse o caso, deveriam considerar-se abandonados os bens móveis nos termos do art. 15º- K do RAU.
Também não está em causa a entrega de coisas móveis ao apelado, pelo que não é aplicável o art. 764º do CPC que estatui:
«1. A penhora de coisas móveis não sujeitas a registo é realizada com a efectiva apreensão dos bens e a sua imediata remoção para depósito, assumindo o agente de execução que realizou a diligência a qualidade de fiel depositário.
2. Não haverá lugar à remoção se a natureza dos bens for incompatível com o depósito, se a remoção implicar uma desvalorização substancial dos bens ou a sua inutilização, ou se o custo da remoção for superior ao valor dos bens; nesse caso, deve proceder-se a uma descrição pormenorizada dos bens, à obtenção de fotografia dos mesmos e, sempre que possível, à imposição de algum sinal distintivo nos próprios bens, ficando o executado como depositário.
(…)».
O que pretendia o apelado era que a apelante removesse os bens móveis, ou seja, que realizasse uma prestação de facto positiva e que está, obviamente, contida na obrigação de entregar o imóvel. Assim, não há que declarar perdidos os bens móveis, devendo sim o apelado requerer ao tribunal que a prestação seja realizada por outrem sem necessidade de se instaurar acção executiva para o efeito, mas com recurso às normas aplicáveis à execução para prestação de facto constantes dos art. 868º e seguintes do CPC.
*
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelado.

Lisboa, 28 de Junho de 2018

Anabela Calafate

António Manuel Fernandes dos Santos       

Eduardo Petersen Silva