Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7464/18.4T9LSB.L1-5
Relator: ISILDA PINHO
Descritores: CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
CONDIÇÃO DE PUNIBILIDADE
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
VÍCIO DA INSUFUCIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
REENVIO PARA NOVO JULGAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I. A absolvição do arguido não pode escudar-se no princípio in dubio pro reo, sem antes se ter esgotado a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade a à boa decisão da causa, em obediência ao disposto no artigo 340.º do Código de Processo Penal.
II. O elemento subjetivo do tipo de crime de abuso de confiança contra a segurança social e a sua condição de punibilidade não se confundem, pelo que a ausência de prova dos factos respeitantes à condição de punibilidade da conduta do agente, tout co não impõe, necessariamente, uma inobservância probatória dos factos respeitantes ao elemento subjetivo do tipo de crime.
III. A prova do elemento subjetivo do ilícito, da atuação dolosa do agente e do conhecimento da ilicitude da sua conduta, não é, de todo, afastada pela existência de uma vontade posterior do agente de regularizar o pagamento da dívida, plasmada num acordo de pagamento em prestações desta, a qual apenas releva no âmbito da determinação da sanção a aplicar ao agente, em caso de condenação.
[sumário elaborado pela relatora]
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 7464/18.4T9LSB que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Lisboa [Juiz 14], do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 16-11-2021, foi proferida sentença, no que agora interessa, com o seguinte dispositivo [transcrição]:
“VI. DECISÃO
Nestes termos o Tribunal decide absolver os arguidos A e B, da prática do crime de abuso de confiança em relação à segurança social, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, 7.º, n.º 1, 107.º, n.ºs 1 e 2, e 105.º, n.ºs 1 e 4, do RGIT, que lhes vinha imputado.”.
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I.2 Recurso da decisão
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“III. Das Conclusões:
1. O presente recurso é interposto contra a sentença que absolveu o Arguido B e a Sociedade Arguida A da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 1, e 107.º, n.ºs 1 e 2, por referência ao artigo 105.º, n.ºs 1 e 4, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, que lhes vinha imputado, e tem como fundamento: (a) o erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal, no que tange especificamente aos pontos 1. a 4. dos factos não provados; e (b) a violação do disposto nos artigos 189.º, n.º 1, 192.º, e 193.º, n.º 1, todos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, no artigo 79.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro, nos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, n.º 3, alíneas a), d) e e), ambos do Decreto-lei n.º 84/2012, de 30 de Março, e no artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
2. Feito o cotejo da prova produzida, entendeu o douto Tribunal a quo que não se logrou provar a seguinte factualidade: “1. Notificados para proceder ao pagamento das quotizações retidas e respetivos juros de mora, no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 105.º, ex vi artigo 107.º, n.º 2, do RGIT, constatou-se que não existiu entrega de qualquer prova de pagamento; 2. O arguido B atuou em nome e no interesse da arguida A, bem como no seu próprio interesse; 3. Ao não entregarem à Segurança Social o montante mencionado, integrando-o na esfera patrimonial da sociedade arguida, agiram de forma livre e com o propósito concretizado, único e reiterado, de prejudicar a Segurança Social e de assim, obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, resultado que representaram; 4. Os arguidos agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo, que tal conduta era proibida e punida por lei.”
3. Fundando tal convicção, em síntese, no facto de não ter resultado provado que o montante devido à Segurança Social a título de quotizações por parte da Sociedade Arguida, relativamente ao período compreendido entre Setembro de 2012 e Julho de 2016, estivesse ainda em dívida aquando da notificação dos Arguidos, feita nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias.
4. Cremos que ocorreu um erro notório na apreciação da prova, no que tange à fixação dos factos não provados n.º 1 a 4.
5. A prova documental juntas aos autos e apreciada criticamente na douta sentença proferida impunham decisão diversa relativamente ao facto não provado n.º 1.
6. De acordo com o teor das fls. 127 e 128 dos autos, os Arguidos B e A foram notificados para, no prazo de 30 (trinta) dias, pagar as quotizações em dívida à Segurança Social, para os efeitos previstos no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, no dia 24 de Outubro de 2018.
7. Ora, da documentação junta aos autos, e tida em conta na fundamentação da douta sentença, consta que os pagamentos parciais havidos ocorreram antes dessa data, como aliás, resulta da sentença proferida quando se diz “[m]elhor analisada tal lista de pagamentos é possível, por outro lado, verificar que entre 5.04.2013 e 4.01.2018, a sociedade arguida pagou à Segurança Social o montante total de 127.177,38.”
8. Os pagamentos comprovados nos autos, quer pelos Arguidos, quer pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., ocorreram em datas anteriores a 24 de Outubro de 2018.
9. De acordo com a documentação junta aos autos pelo Arguido B, que consta de fls. 481 a 496, o pagamento mais tardio ali comprovado ocorreu no dia 24 de Novembro de 2014.
10. De acordo com a documentação junta aos autos pelo Arguido B, que consta de fls. 498 a 516, o pagamento mais tardio ali comprovado ocorreu no dia 03 de Janeiro de 2018, por via de penhora realizada.
11. Já de acordo com a documentação junta aos autos pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., que consta de fls. 522 a 535, constata-se que o pagamento mais tardio ali comprovativo ocorreu no dia 04 de Janeiro de 2018, sendo que os valores que ali constam pagos posteriormente já ocorreram, inclusive, após a dedução de despacho de acusação.
12. Resulta da documentação junta aos autos que após a notificação feita nos termos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), ex vi artigo 107.º, n.º 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias, e durante os 30 (trinta) dias seguintes, não ocorreu qualquer pagamento.
13. Assim, o Ministério Público entende que o facto não provado n.º 1, a saber, “Notificados para proceder ao pagamento das quotizações retidas e respetivos juros de mora, no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 105.º, ex vi artigo 107.º, n.º 2, do RGIT, constatou-se que não existiu entrega de qualquer prova de pagamento”, deve passar a constar do elenco dos factos dados como provados.
14. Também os factos 2. a 4. do elenco de factos não provados, que correspondem ao elemento subjectivo do tipo de crime, devem ser dados por provados, na medida em que o Arguido B, por si e em representação da Sociedade Arguida A, agiu com dolo, consciente que integrava na esfera patrimonial da sociedade arguida as quotizações não entregues à Segurança Social, agindo de forma livre e com o propósito concretizado, único e reiterado, de prejudicar a Segurança Social.
15. O Ministério Público entende que também os factos 2. a 4. que constam do elenco dos factos não provados, a saber: “2. O arguido B atuou em nome e no interesse da arguida A, bem como no seu próprio interesse; 3. Ao não entregarem à Segurança Social o montante mencionado, integrando-o na esfera patrimonial da sociedade arguida, agiram de forma livre e com o propósito concretizado, único e reiterado, de prejudicar a Segurança Social e de assim, obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, resultado que representaram; 4. Os arguidos agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo, que tal conduta era proibida e punida por lei.”, devem passar a constar do elenco dos factos provados, por se afigurar também quanto a estes, erro notório da apreciação da prova.
 16. De acordo com a douta sentença proferida nos autos, os montantes pagos pela Sociedade Arguida A no âmbito dos planos prestacionais pendentes e, bem assim, através de penhoras das suas contas bancárias, deveriam ter sido, num primeiro momento, imputados às quantias com relevância criminal, sendo que apenas após estarem pagas tais quantias, deveriam ter sido imputados quaisquer montantes que remanescessem a outras dívidas, sem relevância criminal. Acrescenta, ainda, que, não tendo sido feita nestes termos a imputação dos valores pagos, nem tão pouco nos termos legais, o Tribunal permaneceu na dúvida sobre se os montantes relativamente aos quais os Arguidos vêm acusados se encontravam ou não pagos na data em que foram notificados para os efeitos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), ex vi artigo 107.º, n.º 2, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias.
17. Relativamente à imputação dos pagamentos parciais a dívidas à Segurança Social importa atender, não só às disposições legais do Regime Geral das Infracções Tributárias, mas também, por ser essa a sede própria, ao disposto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, e, bem assim, ao Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro, que procedeu à regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
18. De acordo com o artigo 185.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, “consideram-se dívidas à segurança social, para efeitos do presente Código, todas as dívidas contraídas perante as instituições do sistema de segurança social pelas pessoas singulares, pelas pessoas coletivas e outras entidades a estas legalmente equiparadas, designadamente as relativas às contribuições, quotizações, taxas, incluindo as adicionais, os juros, as coimas e outras sanções pecuniárias relativas a contraordenações, custos e outros encargos legais.”
19. De acordo com o artigo 186.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, “[a] dívida à segurança social é regularizada através do seu pagamento voluntário, nos termos previsto no presente Código, no âmbito da execução cível ou no âmbito da execução fiscal.”
20. De acordo com o artigo 189.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, “[o] diferimento do pagamento da dívida à segurança social, incluindo os créditos por juros de mora vencidos e vincendos, assume a forma de pagamento em prestações.”
21. O artigo 192.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, prevê que “[c]onstituem condições de vigência do acordo prestacional, o cumprimento tempestivo das prestações autorizadas e das contribuições mensais vencidas no seu decurso.”
22. O artigo 193.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, refere que “[n]as situações de resolução do acordo prestacional, o montante pago a título de prestações é imputado à dívida contributiva mais antiga de capital e juros.”
23. O artigo 79.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro, refere que “[s]alvo pedido em contrário da entidade devedora, quando o pagamento for insuficiente para extinguir todas as dívidas, o respectivo montante é imputado à dívida mais antiga e respectivos juros, pela seguinte ordem: a) Dívida de quotizações; b) Dívida de contribuições; c) Juros de mora; d) Outros valores devidos nos termos do artigo 185.º do Código.”
 24. Os critérios legais para a imputação de pagamentos parciais a dívidas à Segurança Social são os constantes do artigo 193.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, e artigo 79.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro, onde não é feita qualquer menção à priorização das dívidas com relevância penal.
25. De acordo com o artigo 3.º, n.º 3, alíneas a), d) e e), do Decreto-lei n.º 84/2012, de 30 de Março, que aprovou a orgânica do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P., “[s]ão atribuições do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., na área da gestão da dívida à segurança social: a) [a]ssegurar a cobrança da dívida à segurança social; (…) d) [a]ssegurar a instauração e instrução de processos de execução de dívidas à segurança social, através das secções de processo executivo da segurança social; e) [d]ecidir, nos termos da lei, a posição a assumir pela segurança social no âmbito dos processos judiciais e extrajudiciais de regularização de dívida.”
26. Decorre da conjugação das normas supra expostas que a competência para a cobrança da dívida à Segurança Social, onde se inclui, naturalmente, a prática de todos os actos administrativos conducentes a tal desiderato, que integram, a competência para o deferimento de pedidos de pagamento da dívida à Segurança Social em prestações, bem como, para a imputação de pagamentos parciais a dívidas préexistentes, incumbem ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito das atribuições que lhe foram conferidas pelo artigo 3.º, n.º 3, alíneas a), d) e e), do Decreto-lei n.º 84/2012, de 30 de Março.
27. A aplicação do artigo 193.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, e do artigo 79.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro, cabe, em primeira linha, ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., na medida em que, como se disse, integram as suas funções a imputação de pagamentos parciais da dívida à Segurança Social, no âmbito da cobrança e gestão da dívida à Segurança Social.
28. Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 84/2012, de 30 de Março, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I. P. “é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa.”
29. O particular que não se conformar com os actos administrativos praticados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no âmbito das suas funções, deve impugnar os mesmos, por via graciosa ou por via judicial, sendo que, neste último caso, a competência para a apreciação das impugnações judiciais cabe aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
30. Se determinado particular, devedor de contribuições e/ou quotizações à Segurança Social, fizer pagamentos parciais da dívida e os mesmos não forem imputados convenientemente pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., em cumprimento dos critérios legais previstos no artigo 193.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, e no artigo 79.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro, deve reagir, pela via graciosa, ou pela via judicial, da decisão que lhe comunicar a imputação efectuada, sendo os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal os competentes para a fiscalização da legalidade de tal decisão.
31. De acordo com o artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, por via do artigo 107.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, “[o]s factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: (…) b) [a] prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.”
32. Tal condição objectiva de punibilidade implica que, já no âmbito do processo de natureza criminal, o particular com dívidas à Segurança Social, entretanto constituído arguido, seja notificado, ao abrigo do referido artigo 105.º, n.º 4, alínea b), ex vi do artigo 107.º, n.º 2, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, para o pagamento da dívida à Segurança Social que implica o cometimento do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.
33. Tal faculdade permite ao arguido, durante o período de 30 (trinta) dias subsequente à notificação referida, mediante o pagamento, tão só, das dívidas objecto de processo crime, afastar a responsabilidade criminal que sobre si impende, podendo, nesta medida, e nesta circunstância, priorizar o pagamento de determinados valores, em desrespeito da ordem estabelecida no artigo 193.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, e no artigo 79.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro.
34. Contudo, esta faculdade tem o seu campo de aplicação circunscrito ao momento da notificação prevista no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), ex vi do artigo 107.º, n.º 2, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias.
35. O facto de arguido, num determinado momento processual, ter a possibilidade de priorizar o pagamento da dívida objecto de processo crime, em detrimento dos critérios estabelecidos pelo artigo 193.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, e no artigo 79.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro, não significa que as dívidas objecto de processo crime sejam, em quaisquer circunstâncias, de pagamento prioritário em relação às demais, pois que, não é esse o critério previsto no artigo 193.º, n.º 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, e no artigo 79.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro.
36. Cremos não assistir razão à sentença recorrida quando refere que as quantias pagas em momento prévio à notificação prevista no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), ex vi do artigo 107.º, n.º 2, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, deveriam ter sido imputadas, em primeiro lugar, à dívida objecto de processo crime, e apenas o remanescente a outras dívidas, pois que não é esse o critério legal.
37. Cremos, também, que não incumbe ao tribunal criminal decidir ou pronunciarse sobre a imputação de pagamentos parciais à dívida à Segurança Social (com excepção, naturalmente, dos casos em que ocorra o pagamento integral da dívida objecto de processo crime, durante os trinta dias subsequentes à notificação prevista no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias), pois que tal competência incumbe, em primeira mão, ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., ou, em caso de impugnação judicial, aos tribunais da jurisdição administrativa e tributária, nos termos das normas já referidas.
38. Os pagamentos parciais feitos nos autos, em momento anterior à notificação prevista nos artigos 105.º, n.º 4, alínea a), e 107.º, n.º 2, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, não assumem relevância para a desresponsabilização criminal dos Arguidos.
39. O douto tribunal, ao tomar posição sobre a imputação de pagamentos parciais à dívida à Segurança Social, realizados em momento anterior à notificação prevista nos artigos 105.º, n.º 4, alínea a), e 107.º, n.º 2, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, extravasa a sua esfera de competência, em clara violação dos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, n.º 3, alíneas a), d) e e), ambos do Decreto-lei n.º 84/2012, de 30 de Março, e do artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
40. Atenta a sua manifesta relevância e similitude com o caso dos autos, importa atender ao recente acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12 de Outubro de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 1192/16.2T9STR.E2, em que foi Relatora a Juiz Desembargadora FÁTIMA BERNARDES, ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Fevereiro de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 35/19.0IDPRT.P1, em que foi Relator o Juiz Desembargador JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO, e ao acórdão do Tribunal da Relação do Lisboa de 17 de Abril de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 777/16.11DLSB.L1, em que foi Relator o Juiz Desembargador JORGE GONÇALVES.
41. A decisão absolutória proferida viola o disposto nos artigos 189.º, n.º 1, 192.º, 193.º, n.º 1, todos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, no artigo 79.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro, nos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, n.º 3, alíneas a), d) e e), ambos do Decreto-lei n.º 84/2012, de 30 de Março, e no artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Face ao exposto, deve a sentença proferida, na parte em que absolveu os Arguido B e a Sociedade Arguida A ser revogada e substituída por decisão que condene os Arguidos pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 1, e 107.º, n.ºs 1 e 2, por referência ao artigo 105.º, n.ºs 1 e 4, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias,
(…)”
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Foi admitido o recurso nos termos do despacho proferido a 04-01-2022.
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I.3 Resposta ao recurso
Efetuada a legal notificação, os arguidos responderam ao recurso interposto pelo Digno Procurador da República, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“III. Das Conclusões:
1. Lograram-se não provados, os factos que constam da acusação nº 1. a 4, porque não se demonstrou provado que o montante que era devido estivesse ainda em divida.
2. Entre 2012 e 2018, foram pagos e penhorados valores que totalizam cerca de 160.000,00€, sendo que cerca de 117.000,00€ foram pagos ao abrigo de planos prestacionais, e 42.000C foram alvo de penhoras.
3. Nunca perceberam os arguidos onde, quando e a que título os pagamentos estavam a ser imputados, já que era identificado mais que um processo, e dificilmente se percebia o que se estava a pagar em concreto.
4. Foram realizados diversos planos prestacionais e no âmbito destes, foram pagos diversos valores. Fora daqueles, também outros valores foram pagos. Nem a Segurança Social nem o seu Instituto de Gestão Financeira lograram explicar e provar ao Tribunal a quo o critério de imputação por todo o período da dívida.
5. Toda esta evidência determinou nos arguidos o completo desconhecimento dos valores em divida aquando da notificação pela Segurança Social, nos termos e para os efeitos. Mas mais, quando os arguidos foram notificados nos termos e para os efeitos da alínea b) do ne4 do artigo 105fi do RGIT (ex vi n2 2 do art.5 1072 do mesmo diploma) procuraram esclarecer qual o valor de cotizações em divida do período, bem sabendo que não poderia nunca ser a totalidade !!! conforme a Segurança Social defende.
6. O facto n.º1, tendo sido considerado como não provado, assim deve permanecer, já que a Segurança Social não demonstrou efectivamente que valores até à data foram pagos, e em que dividas foram imputados tais valores.
7. O que se sabe, é que não se sabe qual o critério de imputação, o momento e montante de imputação, e a que divida foi imputada, se aos juros ou ao capital, se de cotização ou contribuição. Torna-se impossível condenar os arguidos pelos crimes que vêm acusados. Face ao Exposto, deve a sentença proferida manter-se, e os arguidos continuarem a ser absolvidos.
Sendo que, V. Exas. Certamente decidirão conforme for de Direito e Justiça.”
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição do Digno Magistrado do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
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I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer.
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I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2].
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
1. Do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, no que tange especificamente aos pontos 1. a 4. dos factos não provados.
2. Da violação do disposto nos artigos 189.º, n.º 1, 192.º, e 193.º, n.º 1, todos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, no artigo 79.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03 de Janeiro, nos artigos 1.º, n.º 1, e 3.º, n.º 3, alíneas a), d) e e), ambos do Decreto-lei n.º 84/2012, de 30 de Março, e no artigo 4.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
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II.2- Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]:
“II. DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO RESULTARAM PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:
1. A sociedade A é uma sociedade anónima, pessoa coletiva número 502 551 127, com sede na Avenida Helen Keller n.º15 C, em Lisboa e que tem por objeto social o comércio, montagem e manutenção de equipamentos de telecomunicações, televisão, alarmes e informática e redes de cabos e respetivas instalações;
2. O arguido B exerce as funções de Presidente do Conselho de Administração da sociedade arguida, a qual gere de facto, desde a sua constituição, em 1991, até à presente data;
3. Como Presidente do Conselho de Administração da sociedade arguida competia ao arguido, em exclusivo, a direção da atividade daquela, atuando sempre em nome e no interesse da sociedade arguida designadamente, cabia àquele proceder ao preenchimento mensal das folhas de remuneração e correspondente entrega das mesmas junto da Segurança Social;
4. Competia-lhe, de igual forma, proceder à entrega dos montantes deduzidos das remunerações pagas aos trabalhadores da sociedade arguida, a título de contribuições para a Segurança Social;
5. No entanto, em setembro de 2012, o arguido decidiu deixar de pagar as quotizações devidas à Segurança Social;
6. Com efeito, no período compreendido entre setembro de 2012 e julho de 2016, os arguidos procederam ao desconto das contribuições devidas à Segurança Social pelos trabalhadores, nas remunerações efetivamente pagas, mas não procederam à sua entrega junto da Segurança Social, nos prazos legalmente estipulados, isto é, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem decorridos os 90 dias posteriores;
7. As referidas quotizações retidas nas remunerações efetivamente pagas totalizavam o montante de 45.314,04 €, assim discriminado:

Mês  Quotizações (34,75%)Quotizações 9,60%)
09/2012  1.314,66 euros  93,00 euros
10/2012  1.420,18 euros  93,00 euros
11/2012  1.448,91 euros  93,00 euros
12/2012  4.046,16 euros  93,00 euros
01/2013  1.418,99 euros  0,00 euros
02/2013  1.404,07 euros  0,00 euros
03/2013  1.298,98 euros  0,00 euros
04/2013  1.267,04 euros  0,00 euros
05/2013  1.262,04 euros  0,00 euros
06/2013  1.304,88 euros  0,00 euros
07/2013  1.048,80 euros  0,00 euros
08/2013  0,00 euros  0,00 euros
09/2013  0,00 euros  0,00 euros
10/2013 872,89 euros  0,00 euros
11/2013 1.086,03 euros  0,00 euros
12/2013  1.290,72 euros  0,00 euros
01/2014  1.117,69 euros  0,00 euros
02/2014  1.104,93 euros  0,00 euros
03/2014  989,41 euros  0,00 euros
04/2014  1.091,80 euros  0,00 euros
05/2014  988,77 euros  0,00 euros
06/2014  925,11 euros  0,00 euros
07/2014  995,28 euros  0,00 euros
08/2014  1.307,17 euros  0,00 euros
09/2014  916,74 euros  0,00 euros
10/2014  706,20 euros  0,00 euros
11/2014  908,62 euros  0,00 euros
12/2014  782,65 euros  0,00 euros
01/2015  931,68 euros  0,00 euros
02/2015  874,06 euros  0,00 euros
03/2015  947,54 euros  0,00 euros
04/2015  681,85 euros  0,00 euros
05/2015  666,59 euros  0,00 euros
06/2015  937,94 euros  0,00 euros
07/2015  606,10 euros  0,00 euros
08/2015  618,75 euros  0,00 euros
09/2015  506,37 euros  0,00 euros
10/2015  682,55 euros  0,00 euros
11/2015  589,05 euros  0,00 euros
12/2015  1.463,55 euros  0,00 euros
01/2016  604,64 euros  0,00 euros
02/2016  358,42 euros  0,00 euros
03/2016  377,41 euros  0,00 euros
04/2016  667,24 euros  0,00 euros
05/2016  278,41 euros  0,00 euros
06/2016  601,81 euros  0,00 euros
07/2016  329,42 euros  0,00 euros

8. A arguida A, requereu ao IGFSS (Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P.) o pagamento da dívida em 60 prestações mensais;
9. Tendo a mesma, durante determinado período de tempo, procedido ao pagamento de quantias a título de prestações mensais com vista à regularização da dívida.
*
III. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
1. Notificados para proceder ao pagamento das quotizações retidas e respetivos juros de mora, no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 105.º, ex vi artigo 107.º, n.º 2, do RGIT, constatou-se que não existiu entrega de qualquer prova de pagamento;
2. O arguido B atuou em nome e no interesse da arguida A, bem como no seu próprio interesse;
3. Ao não entregarem à Segurança Social o montante mencionado, integrando-o na esfera patrimonial da sociedade arguida, agiram de forma livre e com o propósito concretizado, único e reiterado, de prejudicar a Segurança Social e de assim, obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, resultado que representaram;
4. Os arguidos agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo, que tal conduta era proibida e punida por lei.
*
IV. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO  
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise conjugada e à luz de princípios de razoabilidade e experiência comum das declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelo arguido B, bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas C, D, E, F e G.  
O arguido B, prestando declarações sobre os factos, referiu que à data dos factos, não havia dinheiro para pagar e que a empresa já vinha com dificuldades financeiras anteriormente e nesta altura não tinham mesmo como pagar. Disse que fizeram planos prestacionais e tentaram que os montantes pagos a esse título fossem alocados a estes valores que eram os que constituíam crime. Referiu, ainda, que a sociedade foi alvo de penhoras de contas bancárias durante cerca de 3 a 4 anos, até ao ano de 2018, em montantes superiores a este valor, adiantando um valor superior a 40.000 €, que desconhecem a que dívidas foram imputados. Disse que os salários a que respeitam as cotizações em dívida foram pagos, embora com atraso, chegando a ser pagos com 3 ou 4 meses de atraso. Confirmou ser presidente do conselho de administração da sociedade e quem tomava as decisões relativamente à sociedade. Referiu que o plano prestacional que fez com a segurança social incluía este período.
C, pessoa que trabalhou nesta empresa quando ainda tinha a denominação H, entre 2003 e 2016, referiu conhecer o arguido porque era o patrão, quem sempre viu como responsável pela empresa. Esclareceu que era administrativa na sociedade e fazia um bocado de tudo. Sabe que no período dos autos os salários e subsídios estavam todos em atraso, mas foram todos pagos, o que sucedia por transferência bancária. Confrontada com fls. 101 a 109 dos autos, referiu que os valores da segurança social foram todos retidos na fonte. 
D, referiu ser funcionário da sociedade arguida, onde referiu trabalhar desde 2001, sempre com as mesmas funções, sendo seu patrão o arguido B, sendo a ele que reporta o seu trabalho. Disse que os seus salários referentes ao período dos autos estão todos pagos e que houve atrasos, mas posteriormente foram todos pagos. Explicou que lhe foi comunicado que havia dificuldades financeiras como justificação para o pagamento em atraso, os quais referiu serem pagos por transferência bancária. Confrontado com os documentos de fls. 113 a 117, referiu que recebeu sempre os salários e nada mais do que isso.
E, pessoa que trabalhou para a sociedade arguida quando ainda tinha a denominação H, sendo o arguido o seu patrão. Disse que trabalhou para a sociedade entre 2008 e 2018. Mais, afirmou que recebeu todos os salários que lhe eram devidos.  Confrontado com fls. 121 a 125, confirmou serem documentos que recebia no final de cada ano.
F, técnico superior no Instituto da Segurança Social, referiu conhecer os dois arguidos apenas de nome e em virtude das suas funções profissionais. Explicou que apuraram os valores referidos nos autos como estando em dívida através das declarações remetidas pela entidade empregadora e que está em causa o período de setembro de 2012 a julho de 2016, no montante global de 45.314,04 €, referindo que se trata do valor da dívida apurada e que se encontra ainda por regularizar. Confirmou o mapa de cotizações de fls. 6 e 7, com o qual foi confrontado. Questionado sobre a existência de plano prestacional para pagamento por parte da sociedade arguida dos montantes em dívida, referiu que os planos prestacionais que foram celebrados encontram-se rescindidos por incumprimento e que, de todo o modo, esses planos não contemplavam a totalidade da dívida da sociedade. Mais, acrescentou que a dívida em causa nos autos é de cotizações e quando é feito um pagamento não são pagos só cotizações, mas também contribuições. Sabe que a sociedade arguida tem feitos pagamentos na ordem dos 400.000 €, sendo a dívida total de cerca de 1.000.000 €, mas que tal montante de pagamentos foi imputado a outros períodos e outras prestações. Questionado sobre se relativamente a este período existiu plano prestacional, referiu que sim, mas apenas para parte do período, concluindo com a afirmação de que a sociedade teve vários planos prestacionais aprovados, mas que nenhum valor de nenhum plano foi imputado a este período contributivo. De igual modo, referiu que as penhoras realizadas não foram consideradas para este período, da mesma forma que os 116.000 € que pagou não foram imputados a este período. 
G, assistente financeira e colaboradora da sociedade arguida, referiu que o valor em dívida para o período dos autos, a título de cotizações e contribuições perfaz o montante de 141.119 € e que foi dividido em vários planos prestacionais. Sabe que os referidos planos prestacionais não se referiam apenas a período posterior a 2012, mas também a período anterior, não sabe quanto. Afirmou que a sociedade pagou o montante de 117.729,77 € entre 2012 e 2014 no âmbito dos planos prestacionais e que, posteriormente a 2015, foram realizadas penhoras realizadas, no âmbito das quais foram pagos cerca de 40.000 €. Disse não saber o total que a sociedade pagou nos planos em relação à totalidade da dívida. Mais, explicou que solicitaram expressamente à Segurança Social que fizesse a imputação dos pagamentos feitos a dívidas que constituíssem crime e nunca tiveram resposta. 
O Tribunal considerou, ainda, quanto aos factos, o teor de fls. 16-17, 2729, 101-109, 113-116, 121-125, 127, 128, 149-267, 459-467, 482-496, 500-515, 522-535 e 539-564.                 
*
Analisada conjugadamente toda a prova produzida nos autos, constatou o Tribunal que, estando em causa na acusação deduzida pelo Ministério Público o montante de 43.314,04 €, referente a cotizações devidas pela retenção feita nos salários dos trabalhadores no período compreendido entre setembro de 2012 e julho de 2016, foram feitos pela sociedade arguida, nomeadamente, no decurso do plano prestacional n.º 14485/2013, diversos pagamentos que totalizam o montante de 2.333,21 € (cfr. fls. 523), sendo certo que resultou dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, nomeadamente pela testemunha F, técnico superior do Instituto da Segurança Social, que a sociedade arguida procedeu a mais pagamentos no âmbito de outros planos prestacionais que acordou com a Segurança Social. 
Mais, resulta do teor de fls. 540 a 564 que a sociedade arguida sofreu  penhoras que foram alocadas a diversos montantes em dívida, no montante global de 26.501,75 €, sendo todas as penhoras discriminadas nas folhas referidas referentes aos anos de 2014, 2015 e 2017. Refira-se que, do teor de fls. 500 a 515 dos autos (juntas aos autos pela Defesa), resulta um montante global penhorado de 27.659,22 €. 
Finalmente, importa referir e analisar a lista de pagamentos remetida aos autos pelo Instituto da Segurança Social e que consta de fls. 524 a 526, do qual constam pagamentos efetuados pela sociedade arguida entre 28.06.2010 e 13.05.2021, todos eles efetuados por multibanco ou transferência bancária acrescendo, portanto, às penhoras efetuadas e já referidas, sendo certo que tal lista de pagamentos refere um montante total pago pela sociedade arguida de 436.574,83 €.
Melhor analisada tal lista de pagamentos é possível, por outro lado, verificar que entre 5.04.2013 e 4.01.2018, a sociedade arguida pagou à Segurança Social o montante total de 127.177,38€.
Por sua vez, do teor de fls. 527 a 535, bem como de fls. 540 a 564, é possível verificar que a quase totalidade dos montantes pagos pela sociedade arguida, acima referidos e outros, foram imputados a dívidas respeitantes a períodos anteriores ao período em causa nos autos, bem como indiscriminadamente a cotizações, contribuições e juros de mora. 
De tudo o que antes se deixou escrito, impõe-se constatar que, para além do mais, no período compreendido entre o final dos prazos legais para pagamento pela sociedade arguida das cotizações em causa nos autos e 4.01.2018, foram pagos pela mesma, quer através de multibanco e transferência bancária, quer através de penhoras executadas sobre as suas contas bancárias, quantias no montante global de cerca de 153.680 €, as quais refira-se assim se encontravam pagas em data anterior à notificação da sociedade arguida, bem como do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT (cfr. fls. 127 e 128 – datadas de 24.10.2018).
Ora, mostra-se legítimo questionar nesta sede penal a atuação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., ao proceder à imputação dos montantes pagos nos termos acima referidos. 
Com efeito, desconhecendo-se o fundamento efetivo para que assim tenham procedido, a verdade é que a interpretação assumida de como a imputação dos referidos montantes deveria ser e foi realizada, mostra-se abusiva em sede criminal.
Com efeito, em nome da ultima ratio da intervenção penal, bem como dos princípios de necessidade e adequação das penas, sendo os montantes pagos e já referidos mais do que suficientes para pagar os montantes relevantes para efeitos penais em discussão nestes autos, acrescidos dos legais acréscimos, entendemos que deveriam os referidos montantes, desde logo e num primeiro momento, ter sido imputados às quantias com relevância criminal nestes autos, sendo que apenas após estas estarem pagas, deveriam ser imputados quaisquer montantes que remanescessem a outras dívidas. De resto, nos termos legais, sempre teriam os montantes em causa de ter sido imputados em primeiro lugar às dívidas de cotizações e só depois de esgotadas estas, às dívidas de contribuições e juros de mora, o que não sucedeu.
De resto, atento o prazo de prescrição das dívidas tributárias, a imputação de montantes pagos entre 2010 e 2021 a dívidas tão antigas como as referentes ao ano de 1994, 1997, 1998, 2001 e outras sempre se revela de manifesta discutibilidade ao nível da sua legalidade.
Chegados aqui, não se compreende com que critérios foi feita a imputação dos referidos pagamentos efetuados pela sociedade arguida aos montantes em dívida.
Em face do que tudo o que se expôs, não pode o Tribunal deixar de permanecer na dúvida sobre se os montantes relativamente aos quais os arguidos vêm nestes autos acusados se encontravam ou não pagos na data em que foram notificados nos termos do já referido artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT.
Tal dúvida, em obediência ao princípio in dubio pro reu, corolário do princípio da presunção de inocência, sempre terá de favorecer os arguidos, ficando por provar a dívida à segurança social referente ao período constante da acusação proferida, nomeadamente na data em que aqueles foram notificados nos termos constantes de fls. 127 e 128.
Termos em que, julgando-se não provados os referidos factos, de igual modo, se julgaram não provados todos aqueles que se seguiam aos mesmos na acusação. 
*
V. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL  
Vêm os arguidos acusados, da prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, 7.º, n.º 1, 107.º, n.ºs 1 e 2, e 105.º, n.ºs 1 e 4, do RGIT.
(…)
Ora, no caso dos autos, constata-se não ter resultado provado que o montante devido à Segurança Social a título de cotizações por parte da sociedade arguida relativamente ao período compreendido entre setembro de 2012 e julho de 2016 estivesse ainda em dívida aquando da notificação dos arguidos feita nos termos e para os efeitos do referido artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT. 
Em face de tal ausência de prova e dos factos que necessariamente foram julgados não provados como consequência da mesma, constata-se não poder concluir-se pela punibilidade do comportamento assumido pelos arguidos ao deixar de entregar o referido montante até ao dia 15 do mês seguinte a que as respetivas cotizações diziam respeito, bem como decorridos que foram 90 dias sobre tal prazo, impondo-se concluir pela sua absolvição, o que decide.     
(…)”
»
II.3- Apreciação do recurso
2.3.1- Impugnação da matéria de facto por erro notório na apreciação da prova.
Entende o recorrente que a Mm.ª Juíza a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, no que tange especificamente aos pontos 1. a 4. dos factos não provados, a saber:
Não se provou que:
1. Notificados para proceder ao pagamento das quotizações retidas e respetivos juros de mora, no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 105.º, ex vi artigo 107.º, n.º 2, do RGIT, constatou-se que não existiu entrega de qualquer prova de pagamento;
2. O arguido B atuou em nome e no interesse da arguida A, bem como no seu próprio interesse;
3. Ao não entregarem à Segurança Social o montante mencionado, integrando-o na esfera patrimonial da sociedade arguida, agiram de forma livre e com o propósito concretizado, único e reiterado, de prejudicar a Segurança Social e de assim, obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, resultado que representaram;
4. Os arguidos agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo, que tal conduta era proibida e punida por lei.
Para tanto alega, em síntese, no que se reporta ao facto não provado n.º 1,  que a prova documental junta aos autos e apreciada criticamente na douta sentença proferida impunha decisão diversa relativamente a este ponto dos factos não provados e que também os factos 2. a 4. do elenco de factos não provados, que correspondem ao elemento subjetivo do tipo de crime, devem ser dados por provados, na medida em que o Arguido B, por si e em representação da Sociedade Arguida A, agiu com dolo, consciente que integrava na esfera patrimonial da sociedade arguida as quotizações não entregues à Segurança Social, agindo de forma livre e com o propósito concretizado, único e reiterado, de prejudicar a Segurança Social.
Conclui, portanto, que todos os factos que constam da factualidade não provada deviam ter sido dados como provados, perante a observância do invocado vício de erro na apreciação da prova.
Vejamos:
A este respeito cumpre trazer aqui à colação o disposto no artigo 410.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe, “Fundamentos do recurso”, de onde decorre que:
“1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”
Da análise de tal preceito legal decorre, portanto, que a decisão sobre a matéria de facto é suscetível de ser posta em causa por via da invocação dos apontados vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, vícios decisórios esses que devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[3]. Tratam-se de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser autossuficiente.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, ocorrerá quando a matéria de facto provado seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não com a falta de prova para a decisão da matéria de facto provada[4].
Trata-se de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito,  de um “vício de confecção da matéria de facto”, (…) impeditivo de bem se decidir , tanto no plano objectivo como subjectivo, o julgador quedou –se por uma investigação lacunar, deixou de indagar factos essenciais à decisão de direito, figurando na acusação, defesa ou resultantes da decisão da causa, impedindo de bem decidir no plano do direito, comprometendo a conclusão final  do silogismo judiciário”.[5]
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal, consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.
Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido[6].
“Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou então quando da decisão se extrai de modo óbvio que optou por decidir, na dúvida, contra o arguido”[7].
Resumindo, “o erro notório traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo”.[8]
Tal erro já não se verifica se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício[9].
Importa, porém, não esquecer, quando a este vício – erro notório na apreciação da prova – que, salvo no caso de prova vinculada, o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, tal como o dispõe o artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminados de valor a atribuir à prova [salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial] e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre convicção da prova e na sua convicção pessoal.
O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, sempre sem esquecer que a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável.
Por fim, relembre-se, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento.
Aqui chegados cumpre apreciar o caso concreto:
Quanto ao facto constante do ponto n.º1 da factualidade não provada que o recorrente entende que deverá ser dado como provado [respeita à questão da punibilidade da conduta dos arguidos]:
No caso, insurge-se o recorrente quanto ao modo como o tribunal valorou a prova documental.
No seu entender, o tribunal a quo ao ter dado como não provado que “Notificados para proceder ao pagamento das quotizações retidas e respetivos juros de mora, no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 105.º, ex vi artigo 107.º, n.º 2, do RGIT, constatou-se que não existiu entrega de qualquer prova de pagamento”, incorreu em erro notório na apreciação da prova, uma vez que a prova documental junta aos autos e apreciada criticamente na sentença recursiva impunha decisão diversa relativamente a este ponto dos factos não provados. Com efeito, resultando da própria fundamentação constante da sentença recursiva que os pagamentos que foram efetuados pelos arguidos ocorreram quer antes da data da notificação para os efeitos previstos no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, quer mesmo após a dedução do despacho de acusação, outra conclusão não se pode retirar a não ser a de que não existiu qualquer prova de pagamento no referido prazo de 30 dias, contados após a legal notificação [artigo 105.º, n.º4, al. b), do RGIT].
E, de facto, numa sindicada análise da decisão recorrida, a conclusão a retirar seria essa. Porém, a análise global, que se impõe, da fundamentação da matéria de facto constante da sentença recursiva já não permite chegar à conclusão a que chegou o recorrente no que respeita à parte final do ponto n.º 1 dos factos não provados [concretamente, que se constatou que não existiu entrega de qualquer prova de pagamento].
Com efeito, a referência a pagamentos ocorridos em datas anteriores à data da notificação para os efeitos previstos no artigo 105.º, n.º 4, al. b) do Regime Geral das Infracções Tributárias ou mesmo em datas posterior à própria acusação, por si só não permite que se possa, desde já, concluir e, como tal, dar como provado, que não houve qualquer pagamento efetuado nos referidos 30 dias após a referida notificação, tanto mais que resulta à saciedade da mesma fundamentação de facto efetuada pelo tribunal a quo que:
- a sociedade arguida procedeu a vários pagamentos no âmbito de outros planos prestacionais que acordou com a segurança social que extravasam, portanto, a dívida e o período em causa nestes autos [“Analisada conjugadamente toda a prova produzida nos autos, constatou o Tribunal que, estando em causa na acusação deduzida pelo Ministério Público o montante de 43.314,04 €, referente a cotizações devidas pela retenção feita nos salários dos trabalhadores no período compreendido entre setembro de 2012 e julho de 2016, foram feitos pela sociedade arguida, nomeadamente, no decurso do plano prestacional n.º 14485/2013, diversos pagamentos que totalizam o montante de 2.333,21 € (cfr. fls. 523), sendo certo que resultou dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, nomeadamente pela testemunha F, técnico superior do Instituto da Segurança Social, que a sociedade arguida procedeu a mais pagamentos no âmbito de outros planos prestacionais que acordou com a Segurança Social];
-   Foram efetuados pagamentos num valor muito superior ao aqui em dívida antes sequer da notificação dos arguidos para efeitos do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT [De tudo o que antes se deixou escrito, impõe-se constatar que, para além do mais, no período compreendido entre o final dos prazos legais para pagamento pela sociedade arguida das cotizações em causa nos autos e 4.01.2018, foram pagos pela mesma, quer através de multibanco e transferência bancária, quer através de penhoras executadas sobre as suas contas bancárias, quantias no montante global de cerca de 153.680 €, as quais refira-se assim se encontravam pagas em data anterior à notificação da sociedade arguida, bem como do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT (cfr. fls. 127 e 128 – datadas de 24.10.2018); e
- O Tribunal a quo expressou a sua incompreensão quanto aos critérios que foram usados pela segurança social para proceder à imputação de tais pagamentos, designadamente se o foram em obediência à lei [que, note-se, não a identifica]. [Chegados aqui, não se compreende com que critérios foi feita a imputação dos referidos pagamentos efetuados pela sociedade arguida aos montantes em dívida].
Conclui, assim, o tribunal a quo o seguinte:
“Em face do que tudo o que se expôs, não pode o Tribunal deixar de permanecer na dúvida sobre se os montantes relativamente aos quais os arguidos vêm nestes autos acusados se encontravam ou não pagos na data em que foram notificados nos termos do já referido artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT. [sublinhado nosso].
Tal dúvida, em obediência ao princípio in dubio pro reu, corolário do princípio da presunção de inocência, sempre terá de favorecer os arguidos, ficando por provar a dívida à segurança social referente ao período constante da acusação proferida, nomeadamente na data em que aqueles foram notificados nos termos constantes de fls. 127 e 128. [sublinhado nosso].
Termos em que, julgando-se não provados os referidos factos, de igual modo, se julgaram não provados todos aqueles que se seguiam aos mesmos na acusação. “.
Ou seja, a Mm.ª Juíza a quo não deu como provado tal facto porque se ficou perante a “dúvida” se os montantes constantes do libelo acusatório se encontravam ou não pagos na data em que os arguidos foram notificados para pagar ao abrigo do artigo 105.º, n.º4, al. b.), do RGIT, e explicou o seu raciocínio.
Resumindo, da leitura da sentença recorrida não transparece qualquer erro notório na apreciação da prova relativamente ao referido facto que se deu como não provado e que o recorrente pretende ver provado, visto que tal facto não é inconciliável com quaisquer outros factos [provados ou não provados] e, na sua fundamentação, o tribunal a quo explicou o raciocínio que o levou a considerar tal facto como tal [como não provado].
Na verdade, quanto a este segmento do recurso, o recorrente limita-se a manifestar a sua discordância relativamente ao modo como o tribunal de 1ª instância valorou a prova produzida, contrapondo a sua própria análise valorativa, verificando-se, porém, inequivocamente, que o tribunal explica o motivo pelo qual considerou a referida matéria de facto não provada.
Por outro lado, na perspetiva do “erro notório”, no que respeita à matéria em apreço, entendemos que o recorrente incorre num equívoco ao invocar o artigo 410.º, n.º2, alínea c), já que o “erro” que imputa à decisão de facto não se evidencia pela análise da própria decisão, antes depende da diferente valoração da prova efetuada pelo recorrente em relação à que foi efetuada pelo tribunal a quo.
O erro notório na apreciação da prova decorre, portanto, quando, resultante do teor da própria sentença recorrida, se verifique uma falha grosseira e evidente na análise da prova, percetível a qualquer homem médio, não incluindo, como é consabido, a apreciação da prova, o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida em audiência de julgamento, quer por depoimentos, quer por documentos, valoração que aquele tribunal é livre de efetuar de acordo com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Assim, perante a inexistência do invocado vício de erro notório na apreciação da prova, o qual, como se disse, não versa sobre a discordância do recorrente sobre a apreciação da prova efetuada pelo tribunal a quo, quanto a esta parte só nos resta concluir pela improcedência do recurso, não se podendo, portanto, considerar, desde já, o facto em análise como provado.
Porém, tal facto também não pode ser considerado como não provado, como o fez a Mm.ª Juíza a quo.
Com efeito, pese embora não se verifique erro notório na apreciação da prova, a situação em apreço configura o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [previsto na al. a), do n.º2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal], vício este que decorre do teor da sentença recorrida e, pese embora não tenha sido expressamente invocado pelo recorrente, tal como os demais vícios elencados no citado artigo 410.º do Código de Processo Penal, é de conhecimento oficioso, pelo que se passará, de imediato, a conhecer.
Vejamos:
Verifica-se a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando o tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer, nos termos do n.º 1 do artigo 358.º, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção, partindo-se do entendimento de que este vício distingue-se da nulidade da sentença prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, uma vez que esta só existe quando o tribunal não se tiver pronunciado sobre «questões que devesse apreciar» ou quando se tiver debruçado sobre «questões de que não podia tomar conhecimento», sendo que os conceitos de facto e de questão não são sobreponíveis.[10]
O próprio Supremo Tribunal de Justiça reconhece que os vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º2, estão «umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no artigo 374 nº2 do Código de Processo Penal, concretamente à exigência de fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal» [11]
 Parte-se, afinal, do princípio de que na delimitação de toda a matéria de facto contida no objeto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduz à solução legal, compreende os factos alegados pela acusação e pela defesa, o que significará que o vício resulta da própria decisão, integrando esta com a acusação e a contestação, enquanto elementos que moldam o objeto da causa.
“1 – O ter um acórdão omitido pronúncia quanto a determinados factos alegados pelo arguido em sede de contestação, não os considerando como não provados, nem como provados não determina a nulidade prevista no art. 379.º, n° 1, al. c), 1ª parte do CPP
2 – O que releva é antes a ocorrência de um vício da matéria de facto: insuficiência da matéria de facto [art. 410.º n.º 2, a) do CPP], com o eventual reenvio para novo julgamento, insuficiência que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da discussão da causa, ou seja os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, segundo o art. 339.º, n.º 4 do CPP.
3 – Na verdade, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º), que é insindicável em reexame da matéria de direito. (…)»[12]
Trata-se de um vício que resulta do incumprimento por parte do tribunal do dever que sobre si impende de produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal.[13]
Ora, descendo ao caso dos autos, constata-se que a sentença recursiva é lacónica, parca na apreciação dos factos, quanto a um dos elementos essenciais para a apreciação do recurso, concretamente no que tange à punibilidade da conduta dos arguidos.
Com efeito, os arguidos encontram-se acusados da prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, 7.º, n.º 1, 107.º, n.ºs 1 e 2, e 105.º, n.ºs 1 e 4, do RGIT.
Ora, decorre do artigo 107.º do RGIT que:
“1 - As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105.º
2 - É aplicável o disposto nos n.ºs 4 e 7 do artigo 105.º.”.
Por sua vez, decorre do imputado n.º 4 do artigo 105.º do citado diploma legal que:
“ (…)
4 - Os factos (…) só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
(…)”.
E pese embora larga controvérsia que já se debateu sobre o tema, é hoje praticamente pacífico que as circunstâncias descritas nas duas alíneas do n.º 4, do artigo 105.° do RGIT devem ser caracterizadas como condições objetivas de punibilidade.
O AUJ do STJ nº 6/2008, de 9-04-2008 (12), pôs termo à controvérsia entretanto gerada quanto à interpretação de tal preceito, fixando jurisprudência nos seguintes termos: «A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT)».
Significa isto que as condições de punibilidade são estranhas à noção de facto ilícito, bem como ao conceito de culpa, porquanto não a fundamentam nem constituem pressupostos da reprovabilidade do facto pela lei, mas tão só da aplicação da respetiva sanção.
Traduzindo-se a condição de punibilidade num facto acessório que condiciona os efeitos que, normalmente, estão ligados ao crime, ou seja, a responsabilidade penal, pertence ao direito substantivo, ao direito penal, divergindo, assim, das condições de procedibilidade, que constituindo pressupostos processuais, vão condicionar o exercício da ação penal.
Resumindo:
O crime de abuso de confiança contra a segurança social de que os arguidos vêm acusados é um crime de omissão pura, que se consuma com a não entrega, no prazo legal, à Segurança Social, das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores e membros dos órgãos sociais [cfr. artigo 107.º, n.º 1, do RGIT].
E são condições objetivas de punibilidade do crime que tenham decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo de pagamento [cfr. artigos 105º, n.º 4, al. a) e 107º, n.º 2, do RGIT] e decorridos 30 dias sobre a notificação que para o pagamento deve ser feita [artigo 105º, nº 4, al. b), ex vi do artigo 107º, n.º 2, do RGIT], sem que o pagamento haja sido efetuado.
Ora, a este respeito apenas resulta provado o seguinte:
- “Com efeito, no período compreendido entre setembro de 2012 e julho de 2016, os arguidos procederam ao desconto das contribuições devidas à Segurança Social pelos trabalhadores, nas remunerações efetivamente pagas, mas não procederam à sua entrega junto da Segurança Social, nos prazos legalmente estipulados, isto é, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem decorridos os 90 dias posteriores” [ponto 6. da factualidade provada]. [sublinhado nosso]
- “A arguida A, requereu ao IGFSS (Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P.) o pagamento da dívida em 60 prestações mensais” [ponto 8. da factualidade provada].
- “Tendo a mesma, durante determinado período de tempo, procedido ao pagamento de quantias a título de prestações mensais com vista à regularização da dívida. [ponto 9. da factualidade provada]. [sublinhado nosso].
Ora, se é certo que a existência de um acordo de pagamento celebrado entre o devedor da prestação contributiva e a Segurança Social, anterior ao termo dos prazos estabelecidos como condições objetivas de punibilidade, previstos no artigo 105º, n.º 4, alíneas a) e b), do RGIT [aplicável ao crime de abuso de confiança fiscal contra a segurança social ex vi do n.º 2 do artigo 107º do RGIT], ou deles contemporâneo, mesmo que exista cumprimento parcial desse acordo, dentro desses prazos, não afasta o preenchimento do crime de abuso de abuso de confiança contra a segurança social, não é menos verdade que no caso dos autos o Tribunal a quo  desconhece que montantes foram pagos e em que período, concretamente, se na data em que os arguidos foram notificados para efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º4, do RGIT se encontrava, ou não, ainda em dívida alguma quantia respeitante ao período em causa nos autos, conforme a Mm.ª Juíza a quo o refere: “Em face do que tudo o que se expôs, não pode o Tribunal deixar de permanecer na dúvida sobre se os montantes relativamente aos quais os arguidos vêm nestes autos acusados se encontravam ou não pagos na data em que foram notificados nos termos do já referido artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT.”
E prosseguiu dizendo:
“Tal dúvida, em obediência ao princípio in dubio pro reu, corolário do princípio da presunção de inocência, sempre terá de favorecer os arguidos, ficando por provar a dívida à segurança social referente ao período constante da acusação proferida, nomeadamente na data em que aqueles foram notificados nos termos constantes de fls. 127 e 128.
Termos em que, julgando-se não provados os referidos factos, de igual modo, se julgaram não provados todos aqueles que se seguiam aos mesmos na acusação.”
Aqui chegados cumpre dizer o seguinte:
Como se sabe, a verdade que se procura no processo é uma verdade prático-jurídica, resultado de um convencimento do juiz sobre a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, pelo que entendemos que só quando estivermos perante uma dúvida sobre os factos desfavoráveis ao arguido, que seja insanável, razoável e objetivável, é que o tribunal deve decidir “pro reo”.
Com efeito, conforme o ensina, sobre a matéria, o Prof. Figueiredo Dias[14]:
“À luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo” .

 Porém, o princípio in dubio pro reo deve ser entendido objectivamente, não se exigindo a dúvida subjectiva ou histórica, para que possa ocorrer a sua violação.[15]
Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [16] “«a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador - juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (…). Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).” [sublinhado nosso].
Ora, tendo em vista que a discussão de uma causa «tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia» [artigo 339.º, n.º4, do Código de Processo Penal], seria de esperar que o tribunal recorrido sanasse as dúvidas que teve, tanto mais que se trata de matéria facilmente alcançável e objetivável.
Acresce que os arguidos, na sua contestação, colocaram a questão, ainda que de forma tecnicamente pouco apurada, ao dizer que antes de a arguida sociedade ter sido notificada de qualquer prazo para o pagamento das quotizações, no âmbito de acordo de pagamento em prestações efetuado, procedeu ao pagamento de diversas quantias num total de 151.715.99€, além do pagamento efetuado mediante penhora, encontrando-se, integralmente paga a dívida de quotizações em causa.
Por outras palavras: os arguidos, ainda que com alguma imperfeição técnica, invocaram, em sua defesa, o pagamento integral das quotizações mesmo antes da notificação a que alude o artigo 105.º do RGIT, o que impunha que o tribunal a quo, em sede de indagação factual, de fixação da factualidade provada e não provada e de discussão jurídica da causa, apreciasse tal matéria que havia sido alegada, tendo este apenas, a este respeito, dado como provado que  a arguida procedeu ao pagamento de quantias a título de prestações mensais com vista à regularização da dívida durante determinado período de tempo, sem  apurar que quantias foram pagas e quando ocorreram tais pagamentos, para que se pudesse concluir se a dívida imputada no libelo acusatório estava, ou não, totalmente paga aquando da referida notificação, notificação essa, aliás, que a Mm.ª Juíza a quo apurou que foi efetuada e até precisou a data em que o foi [concretamente a 24-10-2018 - cfr. o expressa na sua fundamentação e decorre dos documentos juntos a fls. 127 e 128] e, como tal, por ser relevante para a decisão da matéria dos autos, já poderia e deveria ter sido dada como provada.
De qualquer forma, diga-se, à Mm.ª Juíza a quo competia investigar todos os factos relevantes para a decisão de direito, independentemente de alegação, nos termos do artigo 340.º do Código de Processo Penal.
Porém, o tribunal limitou-se a dar como provado, de forma genérica, que foram efetuados pagamentos, durante determinado período, sem averiguar, como poderia e deveria ter feito, para não se escudar na dúvida:
- Que dívidas dos arguidos existiam para com a Segurança Social para além da dos autos, aquando da notificação a que se reporta o artigo 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT?
- Quantos acordos prestacionais foram efetuados relativamente à dívida a que se refere o libelo acusatório? Em que data foi/foram efetuado(s)? Abarcou/abarcaram todo o período aqui em questão?
- Os documentos juntos aos autos, designadamente no decurso da audiência de julgamento, dizem respeito ao pagamento da dívida a que se reporta o libelo acusatório? Na afirmativa, quais deles? Na negativa, a que dividas/período de dívidas se reportam?
- Que pagamentos é que os arguidos efetuaram respeitante ao período a que se refere o libelo acusatório? Em que montantes?
- Em que datas é que foram efetuados os pagamentos respeitantes à dívida a que se refere o libelo acusatório? Ocorreram todos eles antes do termo do prazo dos 30 dias a que se reporta a notificação do n.º 4, do artigo 105.º ex vi artigo 107.º, n.º 2, do RGIT? Ou mesmo antes dessa notificação? E pagaram a totalidade da dívida antes do termo desse prazo ou mesmo antes dessa notificação?
- No período compreendido entre o final dos prazos legais para pagamento pela sociedade arguida das cotizações em causa nos autos e 04-01-2018, foram pagos pela mesma, quer através de multibanco e transferência bancária, quer através de penhoras executadas sobre as suas contas bancárias quantias no montante global de cerca de €153.680,00?
- Que critérios foram usados na imputação dos pagamentos efetuados pelos arguidos? A que dívida foi imputado cada um dos pagamentos efetuados pelos arguidos, à dívida dos autos ou a outras dívidas? E cada um desses pagamentos foi imputado a dívida de quotizações ou dívida de contribuições, a dívida de juros de mora ou outros valores devidos?
- Os arguidos efetuaram algum pedido quanto à forma como pretendiam que fosse realizada a imputação dos pagamentos que fizeram? E, na afirmativa, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social teve em conta esse pedido ou fez a imputação dos pagamentos à revelia do mesmo?
- Foi dado a conhecer aos arguidos a forma, os termos, em que foi feita essa imputação? E, na afirmativa, estes reagiram contra tal decisão, designadamente por via graciosa ou judicial?
Em resumo, é necessário apurar qual o montante dos pagamentos que foram efetuados quanto à dívida em causa nos autos, em que datas foram efetuados tais pagamentos, como foram imputados, por determinação de quem, para assim se poder concluir, de forma segura, se a dívida a que se reportam os autos se encontrava, ou não, paga na sua totalidade, aquando da notificação dos arguidos para efeitos do artigo 105.º, n.º4, alínea b), do RGIT, e, consequentemente, assim se poder aferir da verificação, ou não, da condição de punibilidade da conduta dos arguidos, factos, aliás, que sempre importarão atender enquanto circunstância atenuante na ponderação da pena a aplicar, em caso de condenação, sem nunca se esquecer que a existência de acordo de pagamento, entre o devedor da prestação tributária e a AT, anterior ao termo dos prazos estabelecidos como condição objetiva de punibilidade no artigo 105.º, n.º 4, b), do R.G.I.T, ou deles contemporâneo, e até o cumprimento parcial desse acordo no âmbito desses prazos, é irrelevante no plano da responsabilidade penal, que é distinto do da responsabilidade tributária. São realidades diferentes, com tratamento jurídico diferente, pois pagar a dívida total, acrescida de juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação, para o efeito do artigo 105.º, n.º4, al. b), do RGIT, não é o mesmo que um acordo de pagamento do mesmo montante em 60 prestações mensais sucessivas, que só se transforma em pagamento total aquando da entrega da última prestação acordada[17].
Acresce que, lida atentamente a fundamentação da matéria de facto que consta da sentença recursiva, constata-se que a Mm.ª Juíza a quo labora numa constante contradição no que se reporta à matéria em apreço, pois se por um lado diz que se lhe impõe constatar que (…) no período compreendido entre o final dos prazos legais para pagamento pela sociedade arguida das cotizações em causa nos autos e 4.01.2018, foram pagos pela mesma, quer através de multibanco e transferência bancária, quer através de penhoras executadas sobre as suas contas bancárias, quantias no montante global de cerca de 153.680 €, as quais se encontravam pagas em data anterior à notificação dos arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT (cfr. fls. 127 e 128 – datadas de 24.10.2018), dando, portanto, a entender que a quantia dos autos estava paga aquando da referida notificação, por outro lado diz não poder deixar de permanecer na dúvida sobre se os montantes relativamente aos quais os arguidos vêm nestes autos acusados se encontravam ou não pagos na data em que foram notificados nos termos do já referido artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT e prossegue questionando a atuação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. ao proceder à imputação dos montantes pagos, apelidando-a de “abusiva em sede criminal”, quando mais à frente diz não compreender com que critérios foi feita a imputação dos referidos pagamentos efetuados pela sociedade arguida aos montantes em dívida.
Além disso, foi dado como provado que a arguida requereu ao IGFSS o pagamento da dívida em 60 prestações mensais e durante determinado período de tempo, procedeu ao pagamento de quantias a título de prestações mensais com vista à regularização da dívida, deixando no ar a ideia de que tal acordo de pagamento não terá sido cumprido na integra.
Refere, ainda, a Mm.ª Juíza a quo ter formado a sua convicção com base, não só na prova documental junta aos autos, mas ainda, na prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, na qual se inclui o depoimento da testemunha F, técnico superior no Instituto da Segurança Social, e esta testemunha, além do mais, referiu que a dívida dos autos “se encontra ainda por regularizar”, “os planos prestacionais que foram celebrados encontram-se rescindidos por incumprimento” e “questionado sobre se relativamente a este período existiu plano prestacional, referiu que sim, mas apenas para parte do período, porém, perscrutada a fundamentação da matéria de facto da sentença recursiva, fica-se sem perceber a razão pela qual a Mm.ª Juíza a quo não atentou nesse depoimento.
Conclui-se, assim, que quanto à factualidade constante da parte final do ponto n.º1 da matéria de facto não provada  [a saber: “constatou-se que não existiu entrega de qualquer prova de pagamento”] a decisão recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [no caso, não provada], vício este que, como já se referiu, pese embora não tenha sido invocado é de conhecimento oficioso.
Acresce que [com exceção do facto de que a referida notificação a que alude o artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT foi efetuada e a data em que o foi, à qual a Mm.ª Juíza a quo se refere na fundamentação como facto decorrente dos documentos juntos aos autos a fls. 127 e 128 e que, neste caso, já pode e deve ser considerado provado], não constam dos autos todos os elementos de prova necessários para tomar decisão, pelo que não é possível suprir o vício, modificar a decisão de facto proferida e decidir, desde já, a causa, o que impõe o reenvio parcial do processo, para novo julgamento, quanto a esta concreta questão, concretamente, quanto à parte final do facto vertido em 1. da factualidade não provada [artigo 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal], com realização da prova que se achar pertinente, designadamente obtendo-se esclarecimentos sobre os documentos que constam dos autos [inclusive os que foram juntos no decurso do julgamento], junto da Segurança Social e, ou, através da reinquirição de testemunhas, nomeadamente das testemunhas F[técnico superior no Instituto de Segurança Social] e G [assistente financeira e colaboradora da sociedade arguida], que, à partida, estarão em melhores condições, atenta as funções por cada um exercidas, para prestar tais esclarecimentos, e ordenando a junção de outros documentos que se acharem necessários e pertinentes para a decisão da referida questão. 
Quanto aos factos constantes dos pontos n.ºs 2, 3 e 4 da factualidade não provada que o recorrente entende que devem ser dados como provados [respeitantes ao elemento subjetivo do tipo de crime em apreço]:
Conforme já se referiu, o crime de abuso de confiança contra a segurança social de que os arguidos vêm acusados é um crime de omissão pura, que se consuma com a não entrega, no prazo legal, à Segurança Social, das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores e membros dos órgãos sociais [cfr. artigo 107.º, n.º 1, do RGIT], sendo, portanto, as condições de punibilidade estranhas à noção de facto ilícito, bem como ao conceito de culpa, porquanto não a fundamentam nem constituem pressupostos da reprovabilidade do facto pela lei, mas tão só impõem, ou não, a aplicação da respetiva sanção.
Traduzindo-se a condição de punibilidade num facto acessório que condiciona os efeitos que, normalmente, estão ligados ao crime, ou seja, a responsabilidade penal, pertence ao direito substantivo, ao direito penal, divergindo, assim, das condições de procedibilidade, que constituindo pressupostos processuais, vão condicionar o exercício da ação penal.
Resumindo, o facto de a Mm.ª Juíza a quo não ter dado como provado, na sua ótica em obediência ao princípio in dubio pro reo, o facto vertido em 1 da factualidade não provada, respeitante, como vimos, à condição de punibilidade da conduta dos arguidos, tal, por si só, não imporia que se desse, tout court, como não provados os demais [estes respeitantes ao elemento subjetivo do crime], como o fez, diga-se, sem qualquer fundamentação para tal [A este propósito decorre da sentença apenas o seguinte: “Termos em que, julgando-se não provados os referidos factos, de igual modo, se julgaram não provados todos aqueles que se seguiam aos mesmos na acusação.]. [sublinhado nosso].
Com efeito, como vimos, o elemento subjetivo do crime e a sua condição de punibilidade não se confundem e, no caso, perante os factos dados como provados [que não foram colocados em causa, nem pelo recorrente, nem pelos arguidos], poderia e deveria a Mm.ª Juíza a quo concluir pelo elemento subjetivo do tipo.
Na verdade, como defendemos, o elemento subjetivo do ilícito nem sequer tem de abarcar qualquer intenção de apropriação, apesar de se estar perante um crime doloso, pois, quanto a este, o agente tem, apenas, de representar os elementos do tipo, designadamente, a violação da entrega dos valores das prestações deduzidas à Segurança Social que a lei lhe impõe e, sendo conhecedor de ter de entregar tal quantia dentro de determinado prazo, o não faça.
Ou seja, o elemento subjetivo esgota-se no dolo, subjacente à quebra da confiança depositada pela lei no detentor temporário das prestações, dolo esse que pode abarcar qualquer uma das formas previstas no artigo 14º do Código Penal – direto, necessário ou eventual.
Aqui chegados, cumpre dizer que analisada a decisão recursiva constata-se que assiste razão ao recorrente quando defende que a factualidade respeitante ao elemento subjetivo, [constante dos pontos 2. 3. e 4. da factualidade não provada] deveria ter sido considerada provada pela Mm.ª Juíza a quo, padecendo a sentença recursiva de vício de erro notório na apreciação da prova.
Com efeito, no que aqui releva, resultou provado que:
- O arguido B exerce as funções de Presidente do Conselho de Administração da sociedade arguida, a qual gere de facto, desde a sua constituição, em 1991, até à presente data [ponto 2. da factualidade provada].
- Como Presidente do Conselho de Administração da sociedade arguida competia ao arguido, em exclusivo, a direção da atividade daquela, atuando sempre em nome e no interesse da sociedade arguida designadamente, cabia àquele proceder ao preenchimento mensal das folhas de remuneração e correspondente entrega das mesmas junto da Segurança Social; [ponto 3. da factualidade provada].
- Competia-lhe, de igual forma, proceder à entrega dos montantes deduzidos das remunerações pagas aos trabalhadores da sociedade arguida, a título de contribuições para a Segurança Social; [ponto 4. da factualidade provada].
- No entanto, em setembro de 2012, o arguido decidiu deixar de pagar as quotizações devidas à Segurança Social; [ponto 5. da factualidade provada].
- Com efeito, no período compreendido entre setembro de 2012 e julho de 2016, os arguidos procederam ao desconto das contribuições devidas à Segurança Social pelos trabalhadores, nas remunerações efetivamente pagas, mas não procederam à sua entrega junto da Segurança Social, nos prazos legalmente estipulados, isto é, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem decorridos os 90 dias posteriores; [ponto 6. da factualidade provada].
- As referidas quotizações retidas nas remunerações efetivamente pagas totalizavam o montante de 45.314,04 €, (…)” [ponto 7. da factualidade provada].
Ou seja, o elemento subjetivo do ilícito, a atuação dolosa do arguido e o conhecimento da ilicitude da sua conduta, extrai-se, sem qualquer sombra de dúvida, da conduta objetivamente adotada pelo arguido e, como tal, deveria ter sido dado como provado, o que não é, de todo, contraditório com uma disposição posterior de regularizar os pagamentos da dívida, como sucedeu in casu, a qual apenas releva para a determinação da medida da pena, em caso de condenação.
De facto, é o que se pode concluir da atitude de um “mero depositário” que utiliza as verbas dos seus trabalhadores que lhe foram confiadas, tanto mais que, como o próprio declarou em audiência de julgamento [e decorre da fundamentação da sentença recorrida] “à data dos factos, não havia dinheiro para pagar e que a empresa já vinha com dificuldades financeiras anteriormente e nesta altura não tinham mesmo como pagar”.
Em suma, só pode concluir-se que o arguido, atuando em nome e representação da sociedade arguida, decidiu apropriar-se dos valores monetários confiados, dando-lhes destino diverso do legalmente fixado, assim exteriorizando a inversão do título da posse e a sua intenção.
Aqui chegados, atentos os considerandos supra expostos, verifica-se, neste segmento recursivo, erro notório na apreciação da prova, embora por razões diversas das que o recorrente invoca [vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal que, como vimos, sempre seria de conhecimento oficioso].
Entendemos, assim, e porque nesta parte já dispomos de elementos para o efeito, ser de considerar provada a seguinte factualidade [que foi dada como não provada pelo tribunal a quo]:
- O arguido B atuou em nome e no interesse da arguida A, bem como no seu próprio interesse;
- Ao não entregarem à Segurança Social o montante mencionado, integrando-o na esfera patrimonial da sociedade arguida, agiram de forma livre e com o propósito concretizado, único e reiterado, de prejudicar a Segurança Social e de assim, obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, resultado que representaram;
- Os arguidos agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo, que tal conduta era proibida e punida por lei.
Consequentemente, a restante questão colocada no recurso, questão essa de direito, fica prejudicada.
Uma última palavra para dizer que mesmo que fosse possível neste momento, [e, como se viu, não o é] decidir como o pretendido pelo recorrente, considerando-se provada toda a matéria que foi dada como não provada pelo tribunal a quo, sempre restaria a este tribunal proceder ao envio dos autos à 1.ª instância com vista a apurar os factos necessários a fim de aferir quanto ao critério de escolha da pena e determinação da sua medida, a que aludem os artigos 70.º e 71.º do Código Penal, atenta a inexistência de qualquer factualidade provada a esse respeito.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em, concedendo parcial provimento ao recurso, ainda que na sua maioria por razões diversas das invocadas pelo recorrente:
1. Julgar verificado o vício da alínea c), do n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal e, em consequência, considerar, desde já, provados os seguintes factos:
- Em 24-10-2018, os arguidos foram notificados para proceder ao pagamento das quotizações retidas e respetivos juros de mora aplicáveis, no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 105.º, ex vi artigo 107.º, n.º 2, do RGIT.
- O arguido B atuou em nome e no interesse da arguida A, bem como no seu próprio interesse;
- Ao não entregarem à Segurança Social o montante mencionado, integrando-o na esfera patrimonial da sociedade arguida, agiram de forma livre e com o propósito concretizado, único e reiterado, de prejudicar a Segurança Social e de assim, obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, resultado que representaram;
- Os arguidos agiram sempre de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punível por lei.
2. Julgar verificado o vício da alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal e, em consequência, ordena-se o reenvio do processo para novo julgamento restrito às questões supra mencionadas [a fim de aferir da condição de punibilidade da conduta dos arguidos] a realizar, nos termos dos artigos 426º, n.º1 e 426º-A, ambos do Código de Processo Penal, reexaminando-se, depois, a causa, em conformidade.
Não são devidas custas.
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Lisboa, 11 de outubro de 2022
Os Juízes Desembargadores
Isilda Maria Correia de Pinho 
José Manuel Purificação Simões de Carvalho
Agostinho Torres
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[1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010 in http://www.dgsi.pt,
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95.
[3] Cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss..
[4] A propósito deste vício veja-se, entre outros, o Ac. do TRP de 15.11.2018 e de 09.01.2020, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Acórdão do STJ de 08-01-2014, Processo n.º 7/10.0TELSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[6] Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., pág. 74.
[7] Acórdão do TRC de 24-04-2018, P. n.º 1086/17.4T9FIG.C1, in www.dgsi.pt
[8] Acórdão do STJ, de 98-07-09, Proc. 1509/97, citado por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 77.
[9] A propósito deste vício, veja-se, entre outros, os Acórdãos do TRP de 15.11.2018, do TRC de 24-04-2018 e do STJ de 18.05.2011, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 11-11-2009, Processo: 346/08.0ECLSB.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Acórdão de 26-11-2008, Processo: 08P3372, www.dgsi.pt.
[12] Veja-se, entre outros, Acórdão do S.T.J. de 26-10-2006, Processo: 06P3119; Acórdão do S.T.J., de 21.06.2007, Processo: 07P2268, ambos em www.dgsi.pt.
[13] Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, Rei dos Livros, pág. 69.
[14] Direito Processual Penal, reimpressão de 1984, p. 213.
[15] Acórdão do TRL, desta mesma secção, de 22-09-2020, P 3773/12.4TDLSB.L1-5, in www.dgsi.pt
[16] Datado de 10-01-2008, Proc. n.º 07P4198, in www.dgsi.pt
[17] Entre outros, Acórdão do TRP de 17-02-2021, Processo n.º 35/19.0IDPRT.P1.