Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4747/16.1T8OER-A.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS NOVOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Para colocar em crise a sentença proferida em 1.ª instância, não basta a afirmação, genérica e insustentada, de que a decisão “é contraditória, superficial e precária” ou invocar que “a sentença recorrida apresenta erros, omissões, contradições e a convicção da douta magistrada mostra-se muito superficial e precária, uma vez que esta não apresenta analisou devidamente as particularidades do caso e as provas produzidas durante o processo eram suficientes para verificar que o Recorrente não tinha conhecimento pleno da situação, antes de exercer a sua atividade no local e foi imensamente prejudicado pelo Recorrido, que simplesmente quis livrar-se do problema”.
II) Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”.
III) Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas. Assim, ressalvada a possibilidade de apreciação da matéria de conhecimento oficioso, encontra-se excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:
AP… veio, por apenso à ação executiva que RG… lhe move, deduzir oposição à execução por embargos, alegando, em suma, que o documento apresentado à execução não é título executivo, por não traduzir um contrato de compra e venda, mas uma promessa e, que, ao contrário do afirmado no requerimento executivo, procedeu ao pagamento ao exequente da quantia de € 11.301,43, não sendo devido o pagamento do demais peticionado, porque estava em erro aquando da assinatura do documento que serve de base à execução, tendo ocorrido um enriquecimento sem causa do exequente, não podendo utilizar o local destinado à exploração do restaurante devido a problemas nos esgotos, o que era do conhecimento do exequente. Sustenta ainda que não ocorreu a sua interpelação e que a instauração da execução é abusiva, litigando o exequente de má fé.
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O exequente contestou, sustentando que o documento apresentado à execução é título executivo, e que o mesmo espelha um contrato de compra e venda com o preço pagável a prestações, reiterando que o executado o incumpriu nos termos relatados no requerimento executivo. Mais refere que o contrato teve como objecto, apenas, a venda de mercadorias e a cedência da marca Dom Grill, e não a exploração de qualquer estabelecimento, pelo que é descabida a invocação da factualidade relativa à dita exploração e a pretensa excepção de não cumprimento do contrato, dado que não foi cedida a utilização de qualquer loja. Impugna, ainda, a demais factualidade invocada pelo executado e afirma ter procedido à sua devida interpelação, pelo que devem improceder os embargos deduzidos e a litigância de má fé invocada.
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Foi proferido despacho saneador, de identificação do objecto do litígio e enunciados os temas da prova e, realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos de executado e ordenou o prosseguimento da instância executiva.
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Não se conformando com a sentença, dela apela o embargante, formulando as seguintes conclusões:
“1. A sentença, proferida em 28/05/2019, nos autos dos Embargos à Execução, Processo n.º 4747/16.1T8OER-A, pela Excelentíssima Sra. Dra. Juíza … de Execução, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Oeiras, que julgou improcedentes os embargos de executado, merece ser anulada ou reformada, de forma que seja determinada a suspensão da execução e o arquivamento dos autos principais de execução, sendo o Recorrido condenado em todos os seus termos.
2. O Recorrido frustrou a legítima expectativa do Recorrente e violou a sua confiança, na medida em que o iludiu e nitidamente o ludibriou para fazerem negócio, através da compra e venda de mercadorias e da marca “Dom Grill”, pois omitiu-lhe os problemas técnicos da loja e as dívidas que tinha, vendeu-lhe a maioria das mercadorias estragadas ou danificadas, além de não lhe restituir o valor do pagamento das suas dívidas, pagas pelo Recorrente, bem como os prejuízos que teve ao se instalar na loja … do Centro Comercial “Twin Towers”;
3. Não há incumprimento do contrato/contrato promessa de compra e venda;
4. O negócio jurídico entre o Recorrente e o Recorrido não é válido.
5. Note que, mesmo após confirmar que o Recorrido mentiu descaradamente, como quando se comprovou que nunca existiu o Sr. LB…, a quem este tentava passar toda a responsabilidade pela anterior exploração de atividade na mesma loja, para se esquivar das suas obrigações, como as contas em atraso de taxas camarárias à CML, rendas e taxas à administração do Centro Comercial, contas de fornecimento de energia elétrica e telecomunicações, a juíza de 1.ª Instância relevou tais fatos, como se estes não fossem importantes para formar a sua decisão;
6. Foi indevida absolvição do Recorrido na 1.ª Instância;
7. A Meritíssima Juíza de 1.ª Instância desconsiderou fatos relevantes alegados na petição inicial, na réplica e devidamente documentados, bem como os depoimentos testemunhais;
8. A sentença recorrida apresenta erros, omissões, contradições e a convicção da douta magistrada mostra-se muito superficial e precária, uma vez que esta não apresenta analisou devidamente as particularidades do caso e as provas produzidas durante o processo eram suficientes para verificar que o Recorrente não tinha conhecimento pleno da situação, antes de exercer a sua atividade no local e foi imensamente prejudicado pelo Recorrido, que simplesmente quis livrar-se do problema;
9. Espera-se que Vossas Excelências considerem os argumentos do Recorrente e julguem o presente Recurso de Apelação totalmente procedente, tendo em vista que o negócio entre as partes não foi válido e o Recorrido merece ser condenado, inclusive a indemnizar o Recorrente por todos os seus prejuízos;
10. Se o negócio não é válido, o contrato é nulo, em consequência não existe título executivo.
11. Por todo o exposto, a decisão judicial recorrida deve assim ser anulada ou reformada, por não ser a decisão que melhor representa a realidade dos fatos e muito menos a que melhor acautela o justo direito”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso - , as questões a decidir são:
1) Não conhecimento do objecto do recurso atinente à impugnação da matéria de facto por incumprimento, pelo apelante, do disposto no artigo 640.º do CPC.
2) Do mérito da apelação.
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3. Enquadramento de facto:
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A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. Nos autos de execução a que estes estão apensos foi dado à execução o documento intitulado “Contrato de compra e venda”, datado de 15.01.2013, com as assinaturas das partes notarialmente reconhecidas, no qual surge identificado como 1º contraente/ vendedor o exequente e como 2º contraente/comprador o executado;
2. Nesse documento, o exequente declara vender ao executado, e este declara comprar-lhe, mercadorias diversas de hotelaria, aí discriminadas, bem a marca “Dom Grill”, a ser explorada num único local, pelo preço total de € 24.000 (vinte e quatro mil euros);
3. Ficou convencionado que o preço referido em 2. seria pago pelo executado ao exequente em dezanove prestações, sendo a primeira de € 6.000, a pagar com a assinatura desse contrato, e que as restantes 18 prestações, no montante de € 1.000 cada, seriam pagas mensal e sucessivamente no dia 8 de cada mês ou no dia útil subsequente ao dia 8;
4. O executado apenas procedeu ao pagamento, ao exequente, das quantias de €5.300,07, €500,00; €200,00; €200,00; €300,00; €300,00; €200,00; €200,00, €100,00; €100,00; €100,00; €100,00; €100,00; €150,00; €100,00; €100,00; €100,00 e €100,00, em 21-01-2013, 16-02-2013, 03-03-2013, 17-03-2013, 28-03-2013, 12-04-2013, 03-05-2013, 16-05-2013, 31-05-2013, 07-06-2013, 19-06-2013, 26-06-2013, 02-07-2013, 10-07-2013, 22-07-2013, 02-08-2013, 10-09-2013 e 24-10-2013, respectivamente, perfazendo o total de €8.250,07;
5. Por carta registada com aviso de recepção que dirigiu ao executado, datada de 24.03.2015, o exequente solicitou a este que procedesse, no prazo de 8 dias, ao pagamento da quantia em falta por conta do contrato referido em 1., no valor de € 15.749,93;
6. A referida carta foi dirigida para a morada fornecida pelo executado no contrato referido em 1., tendo sido devolvida ao exequente com a menção “não atendeu”;
7. A execução foi intentada em 19.11.2016 e tem em vista a cobrança do valor de capital de € 15.749,93, acrescido de juros à taxa legal de 4%, contados desde a data do último pagamento efectuado, em 24.10.2013, contabilizados em € 1.931,42, até integral pagamento;
8. O executado, a partir de 18.01.2013, através de contrato de utilização de loja em centro comercial que celebrou a sociedade denominada “Setecampos – Sociedade Imobiliárias, Lda.”, passou a explorar o estabelecimento de restauração existente na loja denominada …, sita no Centro Comercial Twin Towers, na Rua de Campolide, 351, em Lisboa;
9. As mercadorias e a marca referidas em 2. destinavam-se a ser utilizadas pelo executado no estabelecimento referido em 8.;
10. O referido estabelecimento de restauração havia, anteriormente, sido explorado pelo exequente, que o entregou ao executado mobilado e decorado;
11. Após iniciar a laboração no restaurante, o executado deparou-se com problemas de escoamento no esgoto aí existente, que provocavam frequentes situações de iminente transbordo e de efectiva inundação do local;
12. O exequente informou o executado sobre o funcionamento da loja referida em 8. e deu-lhe conta de que as bombas de esgoto se encontravam desgastadas e apresentavam problemas;
13. A titularidade da marca “Dom Grill” não foi alterada a favor do executado.
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A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
Com interesse para a decisão, não resultou provado que:
- O executado tenha sido enganado pelo exequente aquando da contratação referida em 1. a 3;
- O exequente nunca tenha informado o executado sobre as condições de escoamento existentes no sistema de esgoto do restaurante;
- O executado tenha pago ao exequente, por conta do contrato referido supra, o valor total de € 11.301,43, sendo € 3.050,73 referentes ao somatório do que pagou pela licença camarária, por duas facturas da Vodafone, por duas facturas da EDP, por uma máquina “Bimby”, e que tais acertos tenham sido acordados aquando do contrato firmado entre ambos;
- Antes da exploração do restaurante, pelo executado, fosse LB… quem procedia à respectiva exploração;
- O exequente, ao intentar a execução, soubesse que não lhe é devido pelo executado o pagamento peticionado, e que tenha omitido factos relevantes para o apuramento da verdade.
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4. Enquadramento jurídico:
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1) Não conhecimento do objecto do recurso atinente à impugnação da matéria de facto por incumprimento, pelo apelante, do disposto no artigo 640.º do CPC:
Dispõe o artigo 640.º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No que toca à especificação dos meios probatórios, «quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. Ac. do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES);
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO);
A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (cfr. Ac. do STJ de 26-05-2015, P.º n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO);
O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pela tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
Vejamos os termos do recurso em apreço.
Invoca, liminarmente, o apelante que “para formar a sua convicção, baseou-se o Tribunal de 1.º grau na análise do teor do documento junto ao requerimento executivo como título da execução, intitulado contrato de compra e venda, tendo o que se consignou sob o ponto 7 da factualidade assente decorrido do teor do requerimento executivo, que espelha a pretensão do Recorrido. E, concluiu que não se verificou a atuação do Recorrido em abuso do direito, nem litigância de má fé por qualquer das partes, na medida em que não resultam dos autos factos aptos à consideração de que se encontrem reunidos os pressupostos legais de tais institutos jurídicos”.
Prosseguindo a alegação, considera o apelante que “a sentença apresenta erros, omissões, contradições e a convicção da douta magistrada mostra-se muito superficial e precária, uma vez que esta não apresenta analisou devidamente as particularidades do caso e as provas produzidas durante o processo eram suficientes para verificar que o Recorrente não tinha conhecimento pleno da situação, antes de exercer a sua atividade no local e foi imensamente prejudicado pelo Recorrido”.
Depois, o apelante, nos artigos 19.º a 48.º da sua alegação desenvolve as “razões do recurso” invocando o seguinte:
“19.ºO Recorrente e o Recorrido são os únicos sócios de duas empresas, em nome individual, que se sucederam no mesmo local (Centro Comercial “Twin Towers”), explorando no mesmo local estabelecimento de restauração com a aquisição da mesma marca “Dom Grill”, sendo o local primeiro explorado pelo Recorrido e após pelo Recorrente.
20.º(…) as duas empresas sucedem-se na exploração de restaurante localizado em um centro comercial, com contratos diversos de licença de utilização de um espaço nesse centro comercial, nomeadamente a loja …, destinado à atividade de restauração, com a caracterização da marca “Dom Grill”, cujo Recorrido registou e de que é detentor.
21.ºComo o Centro Comercial não permitia contrato de trespasse entre os seus lojistas, o Recorrente e o Recorrido pactuaram entre si uma promessa de compra e venda, relativa a algumas mercadorias e a marca da loja, nomeadamente a marca “Dom Grill”.
22.ºA venda de alguns bens corpóreos (mercadorias detalhadas no contrato/promessa de compra e venda) e bens incorpóreos (marca “Dom Grill”) deve ser considerada como uma mera negociação de compra e venda.
23.º(…)entre as partes ocorreu apenas a transmissão de alguns bens corpóreos e incorpóreos que eram componentes do estabelecimento, não houve o trespasse do estabelecimento.
24.º(…) o Recorrente não ficou com a corresponsabilidade de pagar as dívidas, os créditos ou cumprir os contratos adquiridos pelo Recorrido, quando este explorava a atividade no mesmo local.
25.º (…) após fecharem o negócio, o Recorrente foi surpreendido com a cobrança de dívidas do Recorrido.
26.ºO Recorrido tinha algumas rendas e taxas de manutenção da limpeza em dívida para com a Administração do Centro Comercial “Twin Towers”, algumas contas de fornecimento de água e de energia elétrica em atraso, uma taxa camarária, no valor de 450,00€ que ainda não tinha sido acertada à Câmara Municipal de Lisboa pelo Embargante, além de outras dívidas com muitos fornecedores que não lhe deixavam a porta.
27.ºO Recorrente contactou o Recorrido e este concordou que tais valores seriam descontados do acerto final.
28.ºSe não bastasse isso, a pior parte do prejuízo só foi conhecida pelo Recorrente quando iniciou a sua atividade.
29.ºNote que os alimentos perecíveis estavam estragados ou vencidos e tiveram que ir para o lixo, que causaram graves prejuízos ao Recorrente.
30.ºDestaque-se que a referida loja …, onde se instalou primeiramente o Recorrido e após o Recorrente tinha sérios problemas técnicos no sistema de esgoto, fato que também foi omitido pelo Recorrido ao Recorrente antes de fecharem o negócio.
31.ºÉ interessante mencionar que as duas bombas de água na loja, ligadas ao sistema de esgoto do centro comercial, danificadas e com defeitos, e que trouxeram gastos exorbitantes para arranjo e a manutenção das bombas de água danificada.
32.ºEsta situação foi amplamente explorada e comprovada pelas provas apresentadas nos Embargos, nomeadamente as provas testemunhais, que foram mais que suficientes para que a douta juíza de 1.º grau confirmasse que o Recorrente não tinha conhecimento dos problemas técnicos da loja, muito menos sabia que o Recorrido deixava dívidas para trás.
33.º No entanto, o Recorrente não teve outra alternativa senão pagar pelo menos as dívidas ao Centro Comercial, pois se não pagasse as rendas e taxas em atraso à Administração do Centro Comercial “Twin Towers”, pois estes ameaçaram-lhe fechar a loja.
34.ºDa mesma forma, se não pagasse as contas de fornecimento de energia elétrica e de fornecimento de água, também não poderia trabalhar sem água e sem luz no local e pagou devidamente a licença para a loja funcionar, pois o pedido de concessão de licença para a loja funcionar tinha sido feito na época em que o Recorrido estava instalado no local mas só foi concedido posteriormente.
35.ºO Recorrido só aceitou pagar as despesas em atraso ao centro comercial, que foram apresentadas assim que o contrato foi formalizado, de resto esquivou-se de todas as demais obrigações.
36.º (…) as partes (Recorrido e Recorrente) contraíram entre si promessa/contrato de compra e venda de bens corpóreos (mercadorias) e bens incorpóreos (marca “Dom Grill”), sendo que se estes bens apresentavam vícios que dificultavam a sua utilização e/ou estragados que impediam a sua utilização, é obrigação do Recorrido assumir a sua responsabilidade.
37.º(…) é obrigação do Recorrido ressarcir o Recorrente de todas as despesas que pagou perante terceiros, por dívidas contraídas quando o primeiro estava instalado no mesmo local e lá explorava a sua atividade de restauração.
38.ºEntretanto não foi o que aconteceu.
39.ºSenão bastasse não cumprir com as suas obrigações perante terceiros e o Recorrente, ainda executou o mesmo, apresentando neste processo muitas mentiras e falsidades.
41.º(…) o Recorrido esquivou-se da sua responsabilidade em ressarcir o Recorrente pelas dívidas contraídas quando estava instalado na mesma loja, com a justificativa vil e mentirosa de que entre ele e o Recorrente ali esteve instalado um tal Sr. LBa…, além de outras falsidades.
42.ºAlém de ludibriar o Recorrente com a venda de mercadorias estragadas e/ou vencidas e objetos danificados, que muito o prejudicaram no desenvolvimento normal da sua atividade, e causaram imensos prejuízos ao Recorrente, com gastos exorbitantes com os quais não estava a contar.
43.º E levou consigo objetos que na primeira negociação combinaram que ficariam na loja, como uma máquina “Bimby”, que avaliaram em 750,00€.
44.º Percebe-se nitidamente a má-fé do Recorrido quando na sua Contestação aos Embargos à Execução tenta se esquivar das suas obrigações, declarando que não estava a explorar atividade no local antes do Recorrente passar a explorar atividade no mesmo local.
45.º Note que, uma vez que se comprovou, que nunca existiu e nem passou no local nenhum Sr. LBa…, provou-se que antes do Recorrente se instalar no local, lá estava instalado o Recorrido.
46.º Quanto aos demais factos, estão documentalmente provados nos documentos anexos aos Embargos, mas o tribunal não os atendeu.
47.º O Recorrente exerceu a atividade nesse local desde o final de janeiro até o final de outubro de 2013, pois a empresa está inativa desde a última data.
48.º Assim, o Recorrido agiu de forma intencional quando prejudicou o Recorrente e procurou ludibriar o digníssimo Juízo de 1.º grau, no curso do processo, através de mentiras com o fim de se esquivar de suas responsabilidades, pelo qual deverá ser condenado pelas suas atitudes, bem como a respeitável sentença recorrida deverá ser considera nula ou reformada, conforme se demonstrará a seguir”.
Em seguida, o apelante aduz um ponto sobre as “Razões e Fundamentação do Recurso de Apelação”, conforme consta dos artigos 49.º a 65.º da sua alegação, onde se propõe verificar da validade do negócio jurídico de compra e venda celebrado, concluindo pela nulidade do negócio, o que prejudicaria falar-se no seu incumprimento, mais alegando que, “o regime da compra e venda oferece diversas soluções: anulação do negócio, reparação do vício, redução do preço e indemnização, causa estranheza a douta magistrada não verificar quais destas soluções seria a mais adequada à situação e resolver o caso da forma mais justa e coerente”, prosseguindo concluindo que “não há qualquer contrato ou acordo entre o Recorrido e o Recorrente, no qual estes tenham estabelecido a transferência de dívidas entre si, e muito menos qualquer documento em que o Recorrente reconheça que recebe mercadorias com vícios, danificadas, estragadas e/ou vencidas”, mas que, “o Recorrente não teve outra alternativa, senão pagar algumas dívidas que o Embargado deixou para trás, pois estas tinham que ser pagas, senão simplesmente teria que fechar as portas”, de onde retira que, “o Recorrido deve ser condenado pela sua má fé nesse negócio jurídico, sendo notória a intenção em alterar os fatos e prejudicar imenso o Recorrente, na medida em que quis livrar-se do problema”, vindo a afirmar que, “portanto, a respeitável sentença recorrida deve ser considerada nula/reformada, tendo em vista que o Recorrido agiu de forma intencional e oportunista, quando fechou o negócio, pois mentiu e omitiu os fatos, apenas com o intuito de não ressarcir ao Recorrente os valores que o mesmo efetuou pelos pagamentos de dívidas que eram apenas da responsabilidade do Recorrido”.
Finalmente, nos artigos 66.º a 87.º da alegação, o apelante considera que “a Sentença recorrida é contraditória, superficial e precária” invocando, em suma, o seguinte:
“67.º Na elaboração da Sentença, não se entendeu que os documentos e as provas testemunhais apresentadas pelo Embargante, no curso dos presentes embargos, fossem suficientes para verificar se o Embargante, agora Recorrente, tinha ou não tinha conhecimento dos problemas relacionados ao sistema de esgotos do estabelecimento comercial em questão e das dívidas que o Embargado deixou em aberto, que evidentemente foram pagas pelo Embargante, para continuar o exercício da atividade de restauração no mesmo local.
68.º(…) teve elementos suficientes para fundamentar a decisão, ora questionada, entretanto optou por elaborar uma sentença com teor contraditório, superficial e precário, pois não deixa claro como formou a sua convicção.
69.º(…) uma sentença mal fundamentada e incoerente, onde não se compreende os motivos que justificam o teor da respeitável decisão.
70.º Assim, requer-se seja considerada também a prova, produzida nos autos de Ação de Processo Comum, Processo n.º …/…, que corre no Juiz …, do Juízo Central Cível de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
71.º No referido depoimento o Sr. JM…, que na ocasião dos factos era o Administrador do Centro Comercial onde estava instalado estabelecimento comercial, em depoimento realizado no dia 30 de maio de 2019, na 2.ª sessão do Julgamento Final, da supramencionada Ação, esclarece que: “na sua opinião o Sr. AM… foi uma vítima do Sr. RP…, uma vez que o último tinha pleno conhecimento dos problemas técnicos que a loja tinha com o sistema de esgotos e que o mesmo estava endividado, mas ocultou tudo isto ao Sr. AM…, que ficou com um grande problema por resolver e muitas dívidas para pagar…”
72.º Afirma, ainda, o Sr. V…, no mesmo depoimento que normalmente o Centro Comercial “Twin Towers” não permitia que um lojista passasse a exploração do seu estabelecimento a terceiro, mas abriram exceção neste caso.
73.º(…) o Recorrente foi iludido pelo Recorrido de que este estava endividado por motivos pessoais, como era muito consumista e gastava além do que ganhava, mas que nas mãos de uma pessoa que controlasse bem o negócio, aquela loja daria certo.
74.º(…) o Recorrido estava desesperado para se livrar do negócio e omitiu todos os azares que seriam herdados por quem se instalasse naquela loja, bem como todas as dívidas que este deixava para trás, inclusivamente os fornecedores de serviços essenciais, como energia elétrica, e a administração do Centro Comercial “Twin Towers”.
75.º(…) o Recorrente foi surpreendido pela quantidade de problemas que enfrentou na loja, e com os imensos gastos e dificuldades para desenvolver a sua atividade, de forma que encerrou a loja ao fim de 9 meses.
76.ºO Recorrente foi iludido pelo Recorrido e ali perdeu todas as suas poupanças, pois o seu projeto resultou infrutífero.
77.ºPercebe-se que a decisão recorrida é tendenciosa a proteger o Recorrido, tendo em vista que ficou mais que comprovado, durante o decorrer dos depoimentos testemunhais e pelos documentos apresentados, que o Recorrente não tinha conhecimento dos problemas técnicos da loja e muito menos das dívidas em atraso do Recorrido.
78.ºOra, quem na plenitude das suas faculdades mentais normais, ingressaria em um local, para explorar a atividade de restauração, se já tivesse conhecimento de que esse local tinha graves problemas técnicos no sistema de esgoto, numa pequena divisão separada da cozinha por uma porta, onde estavam duas bombas de água danificadas e uma fossa por onde vazava o esgoto com muita porcaria?
79.ºÉ evidente que se tivesse conhecimento dos problemas técnicos que a loja tinha e a totalidade das despesas e as dificuldades que vinham com a mesma, o Recorrente jamais tinha fechado o negócio.
80.ºA Meritíssima Juíza não se pronunciou sobre esta problemática, nem especificou os motivos que a levaram a formar a convicção que justificasse a sua decisão.
81.ºCausa estranheza a convicção da douta magistrada de não considerar fatos relevantes como as mentiras descaradas do Recorrido, desmascarado pelo depoimento de quase todas as testemunhas.
82.ºAliás, mais uma vez uma decisão judicial da mesma magistrada gera insegurança jurídica ao Recorrente, uma vez que também considerou que não houve excesso de penhora pelo Sr. Agente de Execução, na Oposição à Penhora, sob a alegação superficial e mal fundamentada de que as instituições bancárias é que enviaram os numerários incorretos ao Recorrente, todavia a mesma situação segue adiante junto à CAAJ (Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça), acompanhada pelo Provedor de Justiça.
83.ºConclui-se que, no caso em exame, o apuramento dos factos necessários à prolação de uma decisão fundamentada, quer de facto, quer de direito, são suficientes para configurar que não ocorreu o incumprimento de um contrato ou promessa de contrato, por parte do Recorrente, uma vez que fez o pagamento parcial do acertado.
84.º (…) se a situação for analisada com mais cuidado, verifica-se que o negócio jurídico não é válido, consequentemente inexiste título executivo.
85.ºCompetia à magistrada de 1.ª Instância decidir se existia título executivo, se a dívida exequenda era exigível, qual o valor em dívida pelo executado e se o exequente litigava de má fé ou agia em abuso do direito.
86.ºEntretanto, esta não se atentou para as peculiaridades do negócio jurídico, que não é válido.
87.ºEntão se o negócio jurídico não é válido, o contrato é nulo, em consequência não existe título executivo (…)”.
Como decorre da alegação do apelante, o mesmo insurge-se contra a sentença recorrida e contra a convicção formada pelo Tribunal, alegando que a mesma não atendeu às provas que demonstrariam o que invoca.
O apelante fá-lo, contudo, em termos genéricos, não concretizados e não cumprindo os ónus de impugnação que a lei lhe impõe, nos termos supra apontados. Veja-se, nesta linha, em particular, os aludidos artigos 46º e 67º a 69º e 77º da alegação do apelante.
De facto, não basta para colocar em crise a sentença proferida em 1.ª instância, a mera afirmação, genérica e insustentada, no sentido de que a decisão “é contraditória, superficial e precária” ou invocar que “a sentença recorrida apresenta erros, omissões, contradições e a convicção da douta magistrada mostra-se muito superficial e precária, uma vez que esta não apresenta analisou devidamente as particularidades do caso e as provas produzidas durante o processo eram suficientes para verificar que o Recorrente não tinha conhecimento pleno da situação, antes de exercer a sua atividade no local e foi imensamente prejudicado pelo Recorrido, que simplesmente quis livrar-se do problema” (cfr. conclusão 8.ª das alegações do recorrente);
Ora, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS): “O recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art. 640º do C.P.C.)”.
Do mesmo modo, se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2018 (processo 1716/15.2T8BGC.G1, relatora MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO) escrevendo-se o seguinte:
“1. O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
2. Ao impor tal artigo um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância.
3. Ao cumprimento do ónus da indicação dos concretos meios probatórios não bastará somente identificar os intervenientes, efectuar uma apreciação do que possam ter dito ou impugnar de forma meramente genérica os factos em causa, devendo antes precisar-se, em primeiro lugar, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise, indicando-se depois, relativamente a cada um deles, as passagens concretas e determinadas dos depoimentos em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam) e procurando-se localizar, ao menos de forma aproximada, o início e termo de tais passagens por referência aos suportes técnicos, conforme o preceituado no referido n.º4.
4. Se o recorrente não cumpre tais deveres, não é exigível ao Tribunal que aprecia o recurso que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique concretos erros de julgamento da peça recorrida que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.
Refira-se, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-06-2018 (Processo 123/11.0TBCBT.G1, Relator JORGE TEIXEIRA) concluindo que: “Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”. Nestas situações, não podendo o Tribunal da Relação retirar as consequências que a impugnação da matéria de facto, deve entender-se que essa omissão impõe a rejeição da impugnação do pertinente recurso, por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do CPC e consequente inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados”.
No caso, o apelante não se deu a esse trabalho concretizador, circunscrevendo a sua alegação, como se viu, a apontar como, em seu entender, o Tribunal a quo deveria ter julgado, aduzindo factualidade que, aliás, não tinha sido alegada antes (como seja, por exemplo, o invocado no artigo 19.º e ss. da alegação de recurso, a respeito da qualidade de sócios de recorrente e recorrido – que, aliás, contrasta com o alegado no artigo 79º da petição de embargos - e o invocado nos artigos 70.º a 72º da alegação, onde o apelante vem aduzir factualidade nova relacionada com um outro processo judicial, respeitante a prova que, inclusive, terá sido produzida em data ulterior à da prolação da sentença recorrida e muito embora a testemunha mencionada, que terá sido inquirida nesse outro processo – JV… – tenha sido também ouvido como testemunha nos presentes autos, na sessão que teve lugar em 11-04-2019!).
Ora, como é sabido, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.
Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – bem pode assentar-se nisto: os recursos interpostos para a Relação visam normalmente apreciar o pedido formulado na 1ª instância com a matéria de facto nela alegada.
Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas (cfr., entre outros, o acórdão do STJ de 14-05-93, in CJSTJ, 93, II, p. 62 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-11-95, in CJ, 95, V, p. 98).
Assim, ressalvada a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso (cfr. Ac. STJ de 23-03-96, in CJ, 96, II, p. 86), encontra-se excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso.
“A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, Processo 169487/08.3YIPRT-A.C1, relator HENRIQUE ANTUNES).
Dito de outro modo, conforme se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo 1724/15.3T8VRL.G1, relator JOSÉ AMARAL): “O recurso não é meio próprio para requerer novas provas que deviam ter sido apresentadas ou produzidas no momento processualmente oportuno (muito menos para repetir as que, em 1ª instância, tenham sido indeferidas), ainda que, ao motivar a decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido assinale a sua falta”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que, alegadamente, foram erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos alegados pelas partes, quer os que constituem a causa de pedir, quer aqueles que sustentam as excepções invocadas (e sem prejuízo do disposto no nº 2 do art.º 5º do Novo Código de Processo Civil).
Na realidade, é no confronto do elenco de factos provados e não provados com os factos alegados pelas partes que o recorrente que pretende impugnar a decisão relativa à matéria de facto deve dar cumprimento à exigência de especificação acima referida, indicando cada um dos concretos pontos de facto que, sendo integrantes da causa de pedir ou de cada uma das excepções alegadas, mereciam decisão diversa daquela tomada pelo tribunal recorrido, e sob pena de rejeição dessa impugnação.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, constata-se que o embargante não cuidou de cumprir o referido ónus de especificação a que alude o nº 1 do art.º 640º do Novo Código de Processo Civil.
Com efeito, e apesar de concluir no sentido de que a decisão proferida “é contraditória, superficial e precária”, o embargante não faz qualquer referência a que documentos e testemunhos não foram atendidos – e em que concretos termos tal sucedeu – nem, igualmente, à decisão que, em seu entender, deveria recair sobre cada um dos pontos de facto em questão, designadamente quais, de entre os mesmos, deviam ser considerados provados e não provados, como forma de sanar a contraditoriedade, a superficialidade e a precariedade que imputou à decisão recorrida.
O recorrente tão pouco identifica quaisquer partes da prova gravada (ainda que procedendo à transcrição dos excertos respectivos), nos termos que lhe são impostos pelo nº 2 do referido art.º 640º do Novo Código de Processo Civil.
Ora, “tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”. Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1 do artigo 640º, do CPC. Em qualquer destas situações, não podendo o Tribunal da Relação retirar as consequências que a impugnação da matéria de facto, deve entender-se que essa omissão impõe a rejeição da impugnação do pertinente recurso, por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art.º 640º do CPC” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2019, Processo 126528/16.6YIPRT.P1, relator CARLOS PORTELA).
Donde resulta que, o embargante, ora apelante, violou o ónus que lhes é imposto no artº. 640º, nºs. 1, alíneas a) e b) e 2, do Código de Processo Civil, o que determina a imediata rejeição do presente recurso, no que tange à impugnação da matéria de facto, estando também inviabilizada a inclusão de factualidade não oportunamente objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido.
Em suma, mantém-se, integralmente, a factualidade tal como apurada pelo Tribunal a quo.
*
2) Do mérito da apelação:
O apelante afirmou que a decisão recorrida deve ser anulada ou reformada.
Sucede que, mantendo-se inalterada a factualidade provada, verifica-se ter sido plenamente correcto o enquadramento jurídico feito pelo tribunal recorrido, que se sufraga.
Na realidade, a sentença recorrida procedeu a uma adequada subsunção dos factos ao direito aplicável, enunciando as posições das partes face à forma de processo em apreço, bem como, perante a defesa passível de ser deduzida perante título executivo, documento particular.
Assinalou-se na sentença recorrida, sem se merecer qualquer reparo, que a obrigação em execução é certa, líquida e exigível, tendo-se concluído que o documento particular apresentado pelo exequente é título executivo válido e suficiente, por via do qual o executado reconheceu as obrigações pecuniárias que dele constam, cujos montantes se encontram perfeitamente determinados de acordo com as cláusulas dele constantes, encontrando-se dotados de plena exequibilidade.
Apreciaram-se também de forma escorreita e sem se vislumbrar algum erro na aplicação do direito aos factos, as questões atinentes ao pagamento parcial invocado pelo executado, a excepção de não cumprimento do contrato e o erro que aquele invocou, tal como a questão atinente à pretendida falta de interpelação pelo incumprimento do contrato celebrado.
Por fim, com a argumentação expendida, que não merece qualquer censura, conheceu-se da invocada actuação do exequente em abuso do direito e da temática da litigância de má fé.
Assim, sem necessidade de mais considerações, por se nos afigurar que a sentença recorrida apreciou, de forma cuidada e correcta, face à factualidade provada, o mérito da causa, para a qual se remete, terá de se concluir pela improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida.
A responsabilidade tributária inerente deverá, de acordo com o decaímento havido, incidir integralmente sobre o apelante.
*
5. Decisão:
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo embargante/recorrente.
Notifique e registe.
*
Lisboa, 21 de Novembro de 2019.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Luciano Farinha Alves