Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3218/19.9T8LSB.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: NOTIFICAÇÃO PARA PREFERÊNCIA
COMUNICAÇÃO DO PROJECTO DE VENDA
PROPOSTA DE CONTRATO
FORMA DE DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONTRATO PROMESSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A notificação extrajudicial prevista no artigo 416º, n.º 1 do Código Civil que contenha os elementos necessários à decisão do titular do direito de preferência consubstancia uma proposta contratual e a declaração de vontade que este emita, na sequência dessa notificação, de exercer o direito (potestativo), uma vez recebida pelo vinculado à prelação, perfecciona o contrato, ainda que sujeito a forma, desde que esta seja observada pela comunicação do obrigado e pela resposta do preferente.
II - Se a celebração do contrato depender de requisitos formais que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente não preencham, desde que estas tenham lugar por meio de documento por eles assinado, deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa, com os efeitos daí decorrentes, designadamente, o recurso à execução específica.
III - A notificação para a consignação em depósito prevista no n.º 5 do artigo 830º do Código Civil deve ter lugar na decisão final que decrete a execução específica, ficando a eficácia da sentença dependente da realização desse depósito, a efectuar em prazo contado do seu trânsito em julgado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
 
I – RELATÓRIO
A [ Rodrigo…. ]  residente na Rua Professor Egas Moniz, nº ,Oeiras e B  [ Ana ….], residente na Rua Damião de Góis, n.º , Moçambique, intentam contra C [ MARIA …. ]  e D  [ ISABEL …..], ambas residentes na Avenida Helen Keller, n.º … Lisboa a presente acção declarativa constitutiva, com processo comum formulando o seguinte pedido:
a) Que seja proferida sentença que transmita para os autores, em comum e sem determinação de parte ou direito, a fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao segundo andar frente, com quatro arrecadações na cave do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua Eugénio dos Santos, nº  , na Quinta das Palmeiras, em Oeiras, freguesia de União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 193/19841213, da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias sob o artigo 5084º, pelo preço de € 120 000,00 (cento e vinte mil euros).
Alegam para tanto, muito em síntese, o seguinte:
Ø Os autores são os únicos herdeiros de Ida ….., falecida em 10 de Agosto de 2018, permanecendo indivisa a referida herança;
- As rés são as actuais proprietárias, em comum e sem determinação de parte ou direito, da fracção autónoma identificada, que pelo anterior proprietário foi dada de arrendamento para habitação, há mais de quarenta anos, à falecida Ida ….., contrato que se mantinha em vigor à data do óbito da arrendatária;
- Foi dirigida uma carta registada à entretanto falecida Ida ….. onde se comunicava a intenção das rés de vender a fracção autónoma em causa pelo preço de € 120 000,00, conferindo-lhe a faculdade de exercer o direito de preferência, tendo aquela comunicado à ré C, cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de Amadeu ….., que o pretendia exercer;
- No dia agendado para a venda, a falecida Ida …. compareceu na Conservatória do Registo Predial de Oeiras mas foi informada que não se encontrava agendado nenhum procedimento em seu nome, vindo depois a receber uma carta dando conta que as rés decidiram não proceder à venda da fracção, porque afinal o preço combinado seria superior;
- A aceitação da proposta pela falecida Ida …..formalizou um contrato-promessa de compra e venda e a posterior declaração de revogação da proposta contratual não tem qualquer efeito.
As rés contestaram suscitando as excepções de incompetência territorial e de caducidade do direito reclamado, referindo que a venda nunca chegou a ser efectivada, pelo que não havia nenhum direito de preferência e, a existir, teria caducado a 25 de Janeiro de 2018, caducidade que se verificava à data do óbito de IDA ….., verificado em 10 de Agosto de 2018 e, além disso, o depósito do preço não foi efectuado; mais alegam que a notificação dirigida às pessoas para exercerem o direito de preferência não equivale a qualquer proposta de contrato, nem a declaração de que pretende preferir corresponde à celebração de um contrato-promessa de compra e venda, não havendo direito à execução específica.
Concluem pela procedência das excepções invocadas e, quando assim se não entenda, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
Foi concedida aos autores a oportunidade de se pronunciarem sobre as excepções deduzidas, o que estes fizeram por requerimento de 6 de Maio de 2019, reconhecendo a incompetência territorial do Juízo Central Cível de Lisboa onde a acção foi intentada e pugnando pela improcedência da excepção de caducidade. (cf. fls. 57 a 61).
Em 13 de Maio de 2019 foi proferida decisão que julgou procedente a excepção de incompetência territorial do Juízo Central Cível de Lisboa, sendo competente o Juízo Central Cível de Cascais, para onde a acção foi remetida.
Ouvidas as partes foi dispensada a realização de audiência prévia.
Em 16 de Outubro de 2019 foi proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedente a excepção de caducidade e improcedente a acção e absolveu as rés do pedido.
É desta sentença que os autores/apelantes interpõem o presente recurso concluindo as suas alegações do seguinte modo:
I - No caso sub judice, a formação de um contrato-promessa decorre da própria substância da comunicação para preferência (e daí se exigir que a comunicação contenha uma concludente proposta contratual e não um mero convite para negociar, como sucedeu com a comunicação remetida pelas Rés à falecida preferente) e da sua aceitação.
II - As regras da declaração negocial, no que se refere à eficácia dessa declaração (art. 224º, nº 1, CC) e à sua irrevogabilidade (art. 230º, nº 1, CC) não é por analogia que se aplicam à comunicação para preferência e à respectiva aceitação, mas sim directamente, nada existindo no regime da preferência (seja legal ou convencional) que exclua essa aplicação, nem fazia qualquer sentido que existisse.
III - Estando em causa (como sucede no caso sub judice) uma promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão de direito real sobre uma fracção autónoma de edifício, o direito à execução específica do contrato não pode ser afastado pelas partes – art. 830º, nº 3, ex vi art. 410º, nº 3, CC.
IV - Num contrato-promessa como aquele que está em causa nos presentes autos não é possível sustentar que a execução específica tenha um carácter excepcional – ela é, muito pelo contrário, obrigatória.
V - Não sendo, no caso dos autos, a execução específica do contrato-promessa excepcional deixa de fazer qualquer sentido invocar, para a excluir, uma suposta aplicação analógica de uma norma excepcional.
VI - Estando o Tribunal impedido de apreciar a questão da suposta alteração das circunstâncias (por força dos limites da condenação fixados no art. 609º, nº 1, CPC), não faz também sentido que, sem o mínimo suporte factual, se utilize uma suposta possibilidade de resolução contratual por alteração das circunstâncias como fundamento para, em nome de um pretenso direito ao arrependimento (neste caso, sem quaisquer consequências!), estender a liberdade contratual a uma perversa liberdade de não cumprir.
VII - A rigorosíssima jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores em relação às condições de admissibilidade da resolução do contrato por alteração das circunstâncias só vinca a densidade do princípio da eficácia dos contratos contido no art. 406º, nº 1, CC, impondo que o contrato deva ser pontualmente cumprido, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, o que conduz precisamente ou constitui um argumento a favor da procedência e não da improcedência da presente acção.
VIII - É evidente que, no caso sub judice, não está em causa uma sucessão no direito de preferência legal (que seria, aliás, possível, visto que a restrição contida no art. 420º, CC, se refere apenas à preferência convencional), mas sim no direito de execução específica do contrato-promessa de compra e venda, que radicou no património da falecida que dele era titular no momento em que as Rés, recusando-se a outorgar a compra e venda para que haviam convocado a preferente, se constituíram em mora quanto ao cumprimento da promessa.
IX - Existindo tal direito no património da falecida Ida ……, o mesmo transmitiu-se, por sucessão, para os Autores.
X - Assim sendo, com a execução específica do contrato, não há qualquer enriquecimento sem causa, visto que os Autores pagarão às Rés o preço constante da comunicação para preferência e a consequente aquisição a seu favor, por compra, da fracção tem, obviamente, uma causa.
XI - Não existe nenhum motivo para afastar a execução específica do contrato-promessa de compra e venda que se deve ter como celebrado e, por conseguinte, a acção deveria ter sido julgada inteiramente provada e procedente.
XII - Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo violou designadamente o disposto no art. 224º, nº 1, art. 230º, nº 1, art. 406º, nº 1, art. 805º, nº 2, a), art. 830º, nº 1, e art. 830º, nº 3, CC.
Termos em que deve ser concedido pleno provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho saneador-sentença recorrido, julgando-se a acção provada e procedente e ordenando-se a transmissão para os autores, em comum e sem determinação de parte ou direito, da fracção autónoma devidamente identificada no artigo 2º da petição inicial, pelo preço de €120.000,00 (cento e vinte mil euros).
       As rés/recorridas contra-alegaram pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
*
II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões das alegações dos autores/apelantes há que apreciar se estes têm o direito a obter a execução específica daquele que qualificam como contrato-promessa de compra e venda mediante declaração judicial que substitua a declaração das vendedoras.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou assentes os seguintes factos provados pro documentos e acordo das partes:
a) Os Autores são os únicos herdeiros de Ida ….., falecida em 10 de Agosto de 2018, permanecendo indivisa a referida herança.
b) As Rés são as actuais proprietárias, em comum e sem determinação de parte ou direito, da fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao segundo andar frente, com quatro arrecadações na cave com entrada pela porta nº 4, a primeira à direita com entrada pela porta nº 3, a primeira à direita com entrada pela porta nº 1 e a 2ª à direita com entrada pela porta nº 1, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua Eugénio dos Santos, nº , na Quinta das Palmeiras, em Oeiras, freguesia de União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº 193/19841213, da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra, onde a aquisição da referida fracção se mostra registada a favor das Rés pela AP. 18 de 2003/08/27, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias sob o artigo 5084º, tendo adquirido a referida fracção por dissolução de comunhão conjugal e sucessão por morte de Amadeu …….
c) O antigo proprietário da fracção supra identificada, Amadeu ….., respectivamente marido e pai das AA., deu a referida fracção autónoma de arrendamento a sua sogra, Maria ….., que, por sua vez, a subarrendou a Manuel ……, marido da falecida Ida …., e pai e avô dos AA., entretanto também falecido, tendo-se transmitido a Ida …., na qualidade de cônjuge, o arrendamento da referida fracção autónoma, contrato esse que se mantinha em vigor à data do óbito da arrendatária, que faleceu tendo como última residência habitual a referida casa.
d) Por carta datada de 17 de Junho de 2017, embora na verdade tenha sido expedida em 17 de Julho de 2017, a Sra. Dra. Isabel ….., na qualidade de advogada da herança indivisa aberta por óbito de Amadeu …., de que as Rés são as únicas titulares, remeteu uma carta registada à entretanto falecida Ida …., na qual comunicou a intenção das Rés de vender a fracção autónoma em causa, pelo preço de €120.000,00 (cento e vinte mil euros), sendo a venda realizada por meio de procedimento especial de transmissão e registo imediato de prédios em atendimento presencial único (Casa Pronta) na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, no dia 27 de Julho de 2017, às 10,30 horas, conferindo à arrendatária a faculdade de exercer o direito de preferência no contrato acima referido, devendo, no prazo de 8 (oito) dias exercer esse direito que a lei lhe confere, pelo preço acima indicado.
e) A falecida Ida …., por carta datada de 25 de Julho de 2017, comunicou à Ré C, cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de Amadeu …., exercer o direito de preferência na compra da fracção autónoma em causa, nos precisos termos do projecto de venda que lhe havia sido comunicado, para o que compareceria na data, hora e local indicados para a celebração do contrato de compra e venda, procedendo ao pagamento do preço.
f) A carta que a falecida Ida …. remeteu a exercer o direito de preferência na compra da fracção autónoma em causa foi recebida pela Ré C em 26 de Julho de 2017.
g) No dia 27 de Julho de 2017, às 10,30 horas, a falecida Ida ….compareceu na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras para o procedimento de transmissão imediata Casa Pronta, mas foi informada de que não se encontrava agendado nenhum procedimento em seu nome.
h) A falecida Ida ….estava preparada para, na data e hora indicadas e através do procedimento Casa Pronta, outorgar a compra a fracção autónoma em causa a seu favor, nos precisos termos e condições que as Rés indicaram, tendo procedido à liquidação do IMT e imposto de selo que seria devido pela compra e sendo portadora de um cheque que emitira a favor da Ré C, no valor de €120.000,00 (cento e vinte mil euros), que visara junto da Caixa Geral de Depósitos e que se destinava ao pagamento do preço de compra.
i) Já depois de ter comparecido, na data e hora marcada pelos Rés, na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras para o procedimento Casa Pronta, a falecida Ida …. recebeu uma carta da Ré C, datada de 25 de Julho de 2017, comunicando terem as Rés decidido não proceder à venda da fracção.
j) A projectada compra e venda acordada com Carolina …. e Daniel …….. nunca chegou a ser efectivada.
*
O Tribunal recorrido deu como não provados os seguintes factos:
1. O Autor A, agindo em nome de sua mãe, falou com a Ré C, alguns dias depois da data marcada para a compra e venda da fracção autónoma em causa, insistindo pela realização do negócio, mas a Ré C recusou-se peremptoriamente a vender a referida fracção à falecida Ida …., a pretexto de que o preço real que havia sido convencionado entre as Rés e a interessada na compra identificada na carta cuja cópia faz o doc. nº 3 junto com a PI, era, afinal, superior ao preço indicado para exercício do direito de preferência.
2. A comunicação referida em i) teve como causa a existência de divergências então surgidas entre as RR..
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A questão essencial que importa dirimir é saber se aos autores deve ser reconhecido o direito a obterem a execução específica atinente à compra e venda da fracção identificada nos autos, com base no direito de preferência que a titular do contrato de arrendamento que tinha por objecto tal fracção detinha e a quem foi comunicado um projecto de venda, tendo declarado pretender exercer aquele direito, o que não sucedeu porque as rés, proprietárias da fracção, desistiram do negócio.
A sentença impugnada identificou as duas posições doutrinárias que se perfilam no tratamento dessa questão, tendo optado pela que afasta a aplicabilidade da execução específica prevista no art. 830º do Código Civil, o que fez nos seguintes termos:
“No meu entendimento e, salvo o devido respeito pela tese contrária, a primeira das teses defendida pela autora e que se encontra bem apoiada pelo acórdão mais recente do STJ supra citado, redunda na aplicação analógica de regras restritivas ao direito de propriedade.
Ou seja, não há nada no instituto da preferência legal expressamente estatuído que equipare a comunicação ao inquilino para preferir em determinado negócio e consequente aceitação, ao contrato promessa.
A regra da execução específica a que alude o artº 830 do CPC foi pensada para aplicação ao contrato promessa. Por isso, se dá às partes a possibilidade de convencionarem um sinal ou fixar uma pena para o caso de incumprimento da promessa (nº 1 e 2 do artº citado).
Como é de conhecimento geral, a maioria dos contratos promessa, celebrados têm sinal, o que afasta a execução específica.
O nosso direito civil rege-se pela regra do princípio da autonomia contratual (artº 405 do CC) e o direito de propriedade é um direito constitucionalmente consagrado (artº 62 da CRP).
No contrato promessa, a execução específica acaba por ser uma norma excepcional, uma vez que às partes é permitido afastá-la, com a estipulação de sinal.
Ao aplicar analogicamente a execução específica à preferência legal, estamos a transferir apenas parte de um regime, impedindo, que as partes, tenham, neste caso, a possibilidades conferidas aos promitentes compradores e vendedores, de perder o sinal ou ficar o dito em dobro.
Por outro lado, o artº 11 do Código Civil proíbe a aplicação analógica de normas excepcionais.
No caso em apreço, entendo que a primeira das teses defendidas põe em causa o direito da propriedade como já referi, restringindo-o de um modo não expressamente previsto na lei.
Poderíamos dizer que está em causa a protecção do direito de acesso à habitação própria, também ela, consagrada constitucionalmente – artº 65, nº, al. c) da CRP e que, por força disso, se justificaria a restrição ao direito de propriedade.
Continuo a defender que o princípio da liberdade contratual, tem que ter espaço para o direito ao arrependimento, ainda que com consequências, para o promitente vendedor, como seja a devolução do sinal em dobro, no contrato promessa que já não quer cumprir. Ou, não tendo havido sinal, estão ambas as partes cientes dos efeitos da execução específica e contrataram daquele modo, porque o queriam expressamente fazer.
A questão assume maior acuidade numa altura em que os imóveis na zona de Oeiras e Cascais, praticamente duplicaram de preço, como é de conhecimento geral, devido à grande procura externa. Pelo que, o preço proposto para venda do imóvel (€ 120 000), muito provavelmente, já se mostra desajustado dos valores de mercado reais e haveria espaço para equacionar a modificação da proposta por alteração das circunstâncias, (artº 437 do CC).
No caso em apreço, não resulta sequer dos autos que qualquer dos autores tenha sucedido nos direitos concedidos à falecida enquanto arrendatária, ou seja, que reúna as condições para suceder no próprio direito ao arrendamento e que não tenham casa própria. Ou seja, nada há nos autos que nos permita afirmar que estamos a tutelar o acesso à habitação própria, sem colidir com as regras do enriquecimento sem causa (artº 473, nº 1 do CC).
Pelo que, concluo, pela não aplicabilidade das regras da execução específica a que alude ao artº 830 do CC ao presente caso, o que fará, salvo melhor opinião, decair a pretensão dos autores.”
Os autores/apelantes discordam deste entendimento considerando que não está em causa a aplicação analógica de regras restritivas do direito de propriedade, porquanto do que se trata é da formação de um contrato-promessa decorrente da substância da comunicação para preferir e da sua aceitação; mais referem que a execução específica não deve ser considerada norma excepcional, tanto mais que não pode ser afastada no caso de transmissão de direito real sobre fracção autónoma de edifício; o tribunal não podia sequer equacionar uma eventual modificação do contrato por alteração das circunstâncias ou um eventual enriquecimento sem causa, porque tal não foi suscitado nos autos; referem também que não está em causa uma sucessão no direito de preferência legal, mas a execução específica do contrato-promessa, enquanto direito que existia no património da falecida Ida ….aquando do seu óbito.
Nas suas contra-alegações as rés/recorridas pugnam pelo acerto da decisão recorrida considerando que atribuir ao preferente um direito potestativo de exigir a celebração do contrato é injustificado e afecta o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido; o legislador não consagrou a aplicação da execução específica em todas as situações em que se discuta a eventual obrigatoriedade de alguém celebrar um contrato; na preferência legal o obrigado não se vincula com a venda mas apenas a conceder o direito a preferir e a comunicação para esse efeito não constitui uma verdadeira proposta contratual; ainda que se devesse entender que estava em causa a execução específica de um contrato-promessa a acção teria de improceder porque os autores não procederam ao depósito do preço.
O art. 1091º, n.º 1, a) do Código Civil atribui ao arrendatário direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º do referido diploma legal (cf. n.º 4 do art. 1091º).
A situação aqui enunciada pelos autores configura uma situação típica de um direito legal de preferência, sujeito ao regime do exercício de preferências convencionais previsto nos art.ºs 416º a 418º e 1410º do Código Civil, aplicável ex vi art. 1091º, n.º 4 do mesmo diploma legal, de onde decorre que o regime da notificação/comunicação extrajudicial previsto no art. 416º vale quer para os pactos de preferência quer para as preferências legais, mediante remissão feita caso a caso, como sucede na situação em apreço (contrato de arrendamento – art. 1091º do Código Civil).
Está em causa determinar o efeito jurídico decorrente da recepção pelo titular do direito à preferência da comunicação feita pelo obrigado da sua intenção de venda do imóvel, sobremaneira quando tal comunicação contém os elementos essenciais do projectado negócio e necessários à decisão do titular do direito, e da consequente recepção pelo segundo da comunicação pelo primeiro da sua vontade de exercer tal direito.
É conhecida, tal como realça a decisão recorrida, a divergência quer na doutrina, quer na jurisprudência, relativamente a saber se a notificação para preferência envolve uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para o autor daquela comunicação, ou se envolve antes um simples convite a contratar.
Esta segunda posição foi adoptada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-01-2009, relator Oliveira Rocha, processo n.º 08B2772 acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt[2], onde se consignou, em síntese, que:
“[…] o obrigado à preferência não fica sem possibilidade de desistir do projectado negócio, porquanto a notificação que efectuou não corresponde a uma proposta contratual, nem a declaração de pretender preferir corresponde a uma aceitação dessa proposta. O direito de preferência, antes apenas virtual, só se radica efectivamente na esfera jurídica do seu titular (preferente) quando se concretiza a alienação da coisa que constitui o objecto do dito direito de preferência, e não antes, nomeadamente naquela fase preambular em que meramente se oferece a preferência e a mesma é, ou não, aceite. Deste modo, o pedido da autora não pode proceder.”
Acompanhando este entendimento detectaram-se as seguintes decisões:
- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-12-2010, relator João Camilo, processo n.º 1375/06.3TBTNV.C1.S1 – dá-se conta que “segundo os acórdãos da Relação do Porto de 11-03-96, in Col., XXI, II, pág. 188, da Relação de Lisboa de 26-11-98, Col. XXIII, V, pág. 107 e deste Supremo Tribunal de 19-04-2001, proferido no recurso nº 419/01-7, a notificação para preferir nos termos do art. 416º, nº 1 do Cód. Civil não pode ser considerada proposta contratual para os termos do art. 230º do mesmo código, envolvendo antes um simples convite a contratar.”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-03-2010, relatora Rosário Gonçalves, processo n.º 155/2002.L1-1 – “A notificação para preferir não equivale a qualquer proposta contratual, não lhe sendo aplicável o disposto no art. 230º do C. Civ.. Os aspectos negociais não são partilhados com os preferentes, estes apenas têm que aceitar ou não, aquilo que foi acordado entre o obrigado à preferência e o terceiro.”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 5-04-2011, relator processo n.º 1244/09.5TBTNV.C1 – “A notificação dirigida aos preferentes nos termos do art. 416º do CC não configura uma proposta de contrato mas apenas e tão só a informação da existência de um projecto de contrato que se tem com um terceiro, dando-lhes, desse modo, a oportunidade de preferir no projectado negócio. Os obrigados a dar a preferência são livres de desistir do projectado contrato de compra e venda.”.
Na doutrina esta posição apresenta-se como minoritária, sendo que a defendem:
- José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume II – Direito das Obrigações (artigos 397º a 873º), Quid Juris 2012, pág. 66 – “[…] será legítimo amarrar o obrigado à preferência à conclusão do contrato com o efeito imediata e necessariamente associado ao cumprimento da obrigação que lhe é imposta pelo n.º 1 do presente artigo? Não será mais sensato entender que, quando faz a comunicação, está apenas a testar o interesse do preferente? Por isso, em conclusão, não sendo impossível que a aludida comunicação possa, em algum caso, ser “completa e firme” […] essa não será a regra. Deve reconhecer-se, contudo, que este entendimento não é representativo da conceção dominante, a qual largamente se inclina para a atribuição da natureza de proposta contratual à comunicação para preferir.”;
- Mariana Queirós de Almeida, O Direito de Preferência do Arrendatário, Abril de 2018[3], pág. 61 –“Alguns autores e soluções jurisprudenciais consideram que a natureza da comunicação para a preferência consiste numa verdadeira proposta contratual, considerando que a aceitação do preferente importa, sem mais, a conclusão do contrato e a extinção da preferência. PINTO FURTADO chega mesmo a afirmar que a comunicação para preferir se trata de uma proposta de contrato-promessa de compra e venda (art.º 410.º), que obedece ao estipulado no art.º 228.º. Ademais, se o obrigado à preferência não comparecer à celebração da escritura pública o preferente tem direito de pedir a execução específica do contrato, nos termos gerais do art. 830.º114. Discordamos deste entendimento, porquanto a comunicação para a preferência consiste em dar conhecimento do projeto de venda e das respetivas cláusulas, convidando o preferente a preferir se o desejar, enquanto que a promessa de venda consiste num acordo de vontades, através do qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, tanto mais que a lei refere-se a “projeto de venda” e não a um projeto de promessa de venda.”;
- Carlos Diogo Miranda Soares Morgado, Direito de Preferência do Arrendatário na venda ou dação em cumprimento de prédios urbanos, Porto 2015, pág. 16 – “Contrariamente AGOSTINHO GUEDES, entende que a comunicação enunciada no art. 416º, nº 1 do CC configura tão só um aviso da existência de projeto de contrato que se tem com terceiro. Para este ilustre professor, “comunicar” significa “participar”, “avisar” e “informar”. Assim sendo, aderimos à posição enunciada pelo ilustre professor, isto porque a comunicação visa dar conhecimento ao preferente, de que o declarante tenciona celebrar contrato sujeito à preferência e “das condições ou cláusulas relevantes do respectivo projeto de contrato, de forma a que o mesmo preferente possa decidir se pretende ou não exercer o seu direito”. Como diz e bem, o ilustre professor, de acordo com a letra e espírito do art. 416º, nº 1 do CC, alude a “um dever de comunicar”, não mencionando, porém, a “qualquer dever de propor”. Face ao alegado, parece-nos que a comunicação corresponde a uma simples informação ao preferente, de que o obrigado à preferência tenciona celebrar o contrato sujeito à preferência e das condições e cláusulas do respectivo contrato, com o escopo de o mesmo preferente poder decidir se pretende ou não exercer o seu direito.”
A primeira das posições acima identificadas, ou seja, a que defende que a comunicação para preferir, desde que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente, vale como proposta de contrato e que, chegada ao seu conhecimento, se torna irrevogável tem sido a maioritariamente adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se pode confirmar pelos seguintes acórdãos:
- De 15-06-1989, processo n.º 077646, BMJ 388º/479: “A comunicação judicial ou extrajudicial do projecto de venda ao preferente para este declarar se pretende exercer o seu direito vincula o proprietário, desde que chegue ao seu poder ou conhecimento no prazo estipulado a respectiva aceitação, a realização do negócio com o preferente, ficando este, havendo incumprimento, investido no direito potestativo, correspondente a uma verdadeira execução específica, de se constituir titular do direito de propriedade sobre a coisa mediante decisão judicial”;
- De 11-05-1993, relator Cardona Ferreira, processo 083208 – “Um dos deveres do obrigado ou sujeito à preferência consiste em realizar o contrato com o preferente se este declarar a respectiva pretensão em prazo legal.”;
- De 9-07-1998, relator Ferreira Ramos, processo n.º 98A517 – “A notificação/comunicação prevista no n. 1 do artigo 416 do CC (constitui uma verdadeira declaração negocial, traduzindo a proposta contratual correspondente ao projecto de venda que o obrigado à preferência leva ao conhecimento do preferente) tanto vale para os pactos de preferência como para as preferências legais. Essa comunicação assume o carácter de uma proposta, revestindo a declaração de preferência o significado de uma aceitação; assim, pode o contrato ficar desde logo concluído se as partes manifestam a vontade de uma vinculação definitiva, com observância da forma legal para aquele necessária; quando assim não aconteça, a notificação e a declaração da preferência consubstanciam um contrato promessa, desde que satisfeita a forma exigida. Enquanto os pactos de preferência têm, em princípio, apenas eficácia obrigacional, os direitos legais de preferência têm sempre eficácia real (aqui, o preferente, além de ser titular de um verdadeiro direito de crédito, é titular de um direito real de aquisição). Constitui orientação do STJ a de reconhecer eficácia real ao direito de preferência e também a de aceitar que, no caso de incumprimento, fica o devedor vinculado à realização do negócio, e o preferente investido no direito potestativo de exigir que, por decisão judicial, seja constituído o direito de propriedade sobre a coisa, não podendo o obrigado retractar-se ou desistir do negócio projectado.”;
- De 2-03-1999, relator Aragão Seia, processo n.º 69/99, Colectânea de Jurisprudência (STJ), I, pág. 132 – “(...) a comunicação obrigatória prescrita no nº 1 do artº 416º constitui uma verdadeira declaração negocial. É a proposta contratual correspondente ao projecto de venda que o obrigado à preferência leva ao conhecimento do preferente. Comunicando ao titular da preferência que está disposto a vender a coisa em determinados termos, o autor da comunicação propõe, expressa ou implicitamente, ao notificado a celebração do negócio com as cláusulas que leva ao seu conhecimento.”;
- De 5-07-2001, relator Neves Ribeiro, processo n.º 01B1765 – “A notificação para o exercício do direito de preferência constitui uma verdadeira declaração negocial, por ser a proposta contratual correspondente ao projecto de venda que o obrigado leva ao conhecimento do preferente, nas fronteiras do artigo 416.º, n. 1, do C.C.. […] É a partir, porém, do conhecimento do titular do direito de preferência, que começa a correr o prazo para o exercício daquele direito potestativo de preferir, sob pena de esgotado aquele, legal ou convencionado, tal direito caducar, no quadro do artigo 217.º n. 1, do C.C..”;
- De 21-02-2006, relator Custódio Montes, processo n.º 05B3984 – “Tal como acontece no caso de notificação judicial para preferência, também no caso da notificação extrajudicial se torna irrevogável a proposta de venda. Neste caso, constitui-se um contrato promessa entre o proponente e o aceitante, susceptível de execução específica.”;
- De 19-10-2010, relator Salazar Casanova, processo n.º 155/2002.L1.S2 – “Na doutrina e na jurisprudência tem-se entendido que a notificação extrajudicial a que alude o artigo 416.º do Código Civil “desde que contenha os elementos necessários à decisão do preferente […] deve ser qualificada como uma proposta de contrato. Se este não estiver sujeito a forma (ou depender de formalidades a que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente obedeçam), deve entender-se que a declaração de querer preferir feita pelo preferente aperfeiçoa o contrato […].”;
- De 27-11-2018, relator Cabral Tavares, processo n.º 14589/17.1T8PRT.P1.S1 (confirmando o acórdão proferido, em 20-30-2018, pelo Tribunal da Relação do Porto, relator Vieira e Cunha) – “O dever de comunicação para preferência resulta da vontade, da vontade séria, do obrigado à preferência a contratar – «Querendo vender a coisa», diz-se no nº 1 da art. 416º («Se quiser vender a coisa», no nº 1 do artigo seguinte) – e supõe a sua realização expressa num projeto concreto, articuladamente delineado, que deverá ser transmitido ao preferente. Tal comunicação, com o devido respeito por posição contrária, aqui sustentada pela Recorrente, não pode qualificar-se como convite a contratar, devendo por este entender-se apenas um ato tendente a provocar uma proposta, resumindo-se a um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar ou não a proposta […]. Não é a emissão de ato com essa natureza e finalidade que adequadamente resulta dos termos em que se expressa o nº 1 do art. 416º do CC (n.º 3, parte final do art. 9º do mesmo código): não tendo previamente sido ajustado determinado contrato de venda do imóvel em causa, «o notificado não é, no bom rigor das coisas, chamado a preferir: é, sim chamado a contratar, se quiser. E ele tem o direito de ser chamado a preferir, não apenas o direito de ser chamado a contratar» (Antunes Varela, em anotação ao ASTJ, de 22.2.84, RLJ, 3777, 363; realce acresc.). […] Coisa diferente, que exorbita do âmbito de previsão desses artigos, e «é preciso não confundir, como na prática sucede muitas vezes, a notificação para preferência com a proposta de contrato que o obrigado à preferência dirija ao preferente antes de ter qualquer projecto ajustado de venda com terceiro» (Antunes Varela, RLJ, 105, cit., 14). Desde que os requisitos enunciados no nº 1 do art. 416º do CC estejam preenchidos, ou seja, desde que a comunicação para preferência contenha os elementos necessários à decisão do preferente, aquela «deve ser qualificada como uma proposta de contrato.”;
- De 9-04-2019, relator Alexandre Reis, processo n.º 3094/17.6T8FNC.L1.S1 – “A comunicação prevista no art. 416.º do CC que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente vale como proposta de contrato, correspondente ao projecto de venda que o obrigado à preferência submete à aceitação daquele. Se o preferente declarar que pretende exercer o seu direito, em resposta que, no prazo estipulado, chegue ao poder ou ao conhecimento do proprietário, este fica vinculado à realização do negócio com o preferente, o qual, havendo incumprimento, é investido no direito potestativo de se constituir titular do direito de propriedade sobre a coisa. No caso, como as aludidas comunicação e resposta foram contidas em documentos assinados que não preencheram os especiais requisitos formais previstos no art. 875.º do CC, de que a celebração do contrato dependeria (por se tratar de um imóvel), deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (cf. artigo 410.º, n.º 2, do CC) com as respectivas consequências, entre as quais a possibilidade de a preferente obter decisão judicial que produza os efeitos da declaração negocial da vinculada à prelação.”
Esta orientação recebe também a adesão da generalidade da doutrina, ou seja, no sentido de que a notificação para preferir e a declaração para preferir formam, pelo seu encontro, um contrato-promessa, desde que na hipótese concreta obedeçam ao formalismo legalmente prescrito para ele, possuindo a primeira o significado de proposta e a segunda de aceitação, corporizando as duas, no seu conjunto, a promessa bilateral ou recíproca de compra e venda.
- Adriano Vaz Serra, Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Julho de 1975, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3580, pág. 299 – “Uma vez emitida a declaração constante dessa carta e tornada ela eficaz logo que chegou ao poder da sua destinatária (a proprietária-locadora) ou foi dela conhecida (art. 224º, n.º 1), ficou concluído entre as partes (proponente e aceitante, isto é, proprietária e arrendatária) um contrato, não de compra e venda do imóvel (para a compra e venda seria necessária escritura pública), mas de promessa de compra e venda do imóvel (para o qual era suficiente declaração escrita assinada pelos promitentes, arts. 410º, n.º 2, 415º). Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida (art. 230.º, n.º 1).”;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 391 – “A notificação extrajudicial, desde que contenha os elementos necessários à decisão do preferente (cfr. o n.º 1 do art. 416º), deve ser qualificada como uma proposta de contrato. Se este não estiver sujeito a forma (ou depender de formalidades a que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente obedeçam), deve entender-se que a declaração de querer preferir feita pelo preferente aperfeiçoa o contrato […] Caso a celebração do contrato dependa de requisitos formais que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente não preencham, importa distinguir duas hipóteses: a) Se a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente forem feitas em documento assinado (A., por exemplo, tendo-se comprometido a dar preferência a B. na venda de determinado imóvel, comunica-lhe por carta que projecta vendê-lo a C. e indica as cláusulas da projectada venda; B, também por carta, responde que quer preferir), deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (cf. o artigo 410.º, n.º 2) com as respectivas consequências. b) Não constando a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente de documento assinado, não pode aplicar-se o regime do contrato-promessa, mas nasce, de qualquer modo, para ambos, a obrigação de contratar. Se o preferente não celebrar o contrato dentro do prazo, perde o direito de preferência (artigo 416.º/2, por analogia) e é obrigado a indemnizar a outra parte; se o obrigado à preferência não celebrar o contrato dentro do prazo, responde igualmente pelos danos a que der causa.”;
- António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º volume, 1988, pág. 493 – “Recebida a comunicação, o preferente pode fazer uma das três coisas: recusar, aceitar ou nada fazer. Se recusar, renuncia ao seu direito. Se aceitar, das duas uma: ou a comunicação reúne os requisitos formais duma proposta contratual – e então, se outro tanto suceder com a aceitação, conclui-se, desde logo, o contrato definitivo – ou tal não sucede e então queda, às partes, a obrigação de celebrar o contrato definitivo em causa.”;
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª Edição, pág. 373 – “[…] a declaração de preferência assume o significado de uma aceitação. Pode, portanto, o contrato ficar desde logo concluído, se as partes manifestam a vontade de uma vinculação definitiva, com observância da forma legal para aquele necessária. Quando assim não aconteça, a notificação e a declaração da preferência consubstanciam um contrato-promessa, desde que satisfeita a forma exigida. Contudo, mesmo fora da aplicação desse regime, o obrigado à preferência e o preferente ficam vinculados à celebração do negócio. O que se torne faltoso responde pelos danos causados ao outro, e, no caso do preferente, verifica-se também a caducidade do seu direito.”
- Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência – Contributo para o estudo do artigo 416º do Código Civil, Coimbra Editora, 1990, pág. 105 – “Não nos parece que, em abstracto, se possa resolver o problema. A questão há-de encontrar resposta na possibilidade ou impossibilidade de subsunção de cada caso concreto aos requisitos de validade da declaração negocial como proposta de contrato. Ora, para que a declaração negocial constitua uma proposta de contrato é indispensável que reúna, cumulativamente, os seguintes requisitos: 1.º) – Deve ser completa, isto é, deve conter toda a matéria sobre a qual vai recair o contrato ou, pelo menos, os elementos essenciais específicos do contrato em causa; 2.º) – Deve exprimir uma vontade séria e inequívoca de contratar, e 3.º) – Deve revestir a forma exigida para o contrato em causa. Caso algum (ou alguns) dos requisitos enunciados não se verifique no caso concreto, a declaração não pode ser considerada como proposta de contrato. Neste caso, constituirá somente um convite a contratar, ou seja, apenas um acto tendente a provocar uma proposta.”;
- João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra 1987, pág. 501, nota 956 – “Será de admitir a execução específica nos termos do art. 830º? A questão é pertinente quando a celebração do contrato dependa de forma escrita não contida na comunicação do obrigado à preferência (art. 416º nº 1) e na declaração do preferente – se a comunicação do obrigado e a resposta do preferente obedecem aos requisitos do art. 410º, nº 2, concluir-se-á um contrato-promessa; logo, a execução específica nos termos do artº 830º é possível.”.
Também neste sentido, tal como se identifica no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-04-2019, processo n.º 3094/17.6T8FNC.L1.S1 acima referido, nota [4], “Inocêncio Galvão Teles (“Direito das Obrigações”, 7ª ed., Coimbra Editora, 1997, p. 168); Henriques Mesquita (“Obrigações Reais e Ónus Reais”, Almedina, 1990, pp. 210-228), Abel Delgado (“Do Contrato-Promessa”, p. 24) […]. Também Menezes Leitão (“Direito das Obrigações, 2003, I, 3ª ed.) escreve: «a nosso ver, com a comunicação e exercício da preferência, ambas as partes formulam uma proposta de contrato e respectiva aceitação, que em princípio deveria implicar sem mais a celebração do contrato definitivo, desde que estejam preenchidos os seus requisitos de forma. Quando tal não suceda, essas declarações poderão ainda valer como promessas de contratar, caso tenha sido observada a respectiva forma, o que permitirá o recurso à execução específica prevista no artigo 830.º, em caso de não cumprimento.».”
Não obstante a preponderância do princípio da autonomia das partes e da liberdade contratual (cf. art. 405º do Código Civil) e bem assim do direito de propriedade privada que a decisão recorrida convocou para afastar a possibilidade de recurso à execução específica, que considerou de aplicação excepcional, as razões aduzidas pela mais avisada doutrina afiguram-se válidas e juridicamente fundamentadas, pelo que se entende ser de acompanhar a posição que o Supremo Tribunal de Justiça vem adoptando, em termos maioritários, nesta questão.
O direito legal de preferência deve ser entendido como um direito potestativo, com eficácia real, pois que fundado em razões de interesse e ordem pública e, porque se trata de uma imposição legal, tal direito implica, como é evidente, uma limitação à liberdade contratual e ao próprio exercício do direito de propriedade.
No que ao direito de preferência concedido ao arrendatário diz respeito, “a ratio do direito de preferência na aquisição do locado é a da protecção da relação duradoura do inquilino com a coisa, bem como a preferência da lei pela desoneração da propriedade”, sendo que tal não representa qualquer prejuízo para o senhorio pois que o preferente ao exercer o seu direito fá-lo tanto por tanto – cf. Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Actualizada, Ana Prata (Coord.), pág. 1378.
Sobre o obrigado à preferência incide o dever de comunicação do projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato, nos termos do art. 416º, n.º 1 do Código Civil, correspondendo tal dever à dimensão obrigacional do direito em causa.
Assim, o preferente é titular de um verdadeiro direito de crédito, quer a preferência tenha, quer não tenha, eficácia real. Neste último caso, como sucede com o direito legal de preempção, a preferência atribui-lhe ainda a titularidade de um direito real de aquisição (cujo incumprimento concede ao preferente o direito de fazer seu o negócio de alienação realizado com terceiro, nos termos do art. 1410º do Código Civil).
Para que o preferente possa tomar uma decisão sobre o exercício do seu direito, impõe-se que o obrigado à preferência lhe transmita os elementos essenciais da alienação.
O direito de preferência surge com a decisão do obrigado à preferência de realizar o negócio, que deve manifestar essa vontade séria no pressuposto de um projecto concreto de negócio, que transmitirá ao preferente.
Por este motivo, tal comunicação não deve ser, por princípio, qualificada como um convite a contratar, ou seja, como “um acto tendente a provocar uma proposta, resumindo-se a um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar ou não a proposta” – cf. Carlos Lacerda Barata, op. cit., pág. 106.
Assim, tomando por boa aquela que se apresenta como a posição maioritária da doutrina e jurisprudência portuguesas, importará sempre avaliar se a comunicação efectuada nos termos do art. 416º, n.º 1 do Código Civil respeita os requisitos necessários para poder ser qualificada como proposta contratual, isto é, se é completa quanto aos elementos essenciais específicos do contrato a celebrar, se exprime uma vontade séria e inequívoca de contratar e se reveste a forma exigida para o contrato.
Já assim não será se a comunicação envolver apenas ou dela apenas se puder extrair uma mera avaliação daquela que será a posição do preferente, caso o obrigado se resolva a vender o imóvel sujeito ao direito legal de preferência, pois que não existindo um projecto concreto, nem sendo transmitidos elementos essenciais do negócio, a eventual adesão do preferente pode significar apenas que pretende negociar.
Daí que a partir do momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio e cumpre o estatuído no art. 416º, n.º 1 do Código Civil surgem para o preferente os seguintes direitos:
a) o direito (creditório) a que lhe sejam notificados os termos essenciais do projecto de alienação;
b) o direito (potestativo) de, na sequência desta notificação, declarar que pretende preferir (declaração esta que, conjugada com a do notificante, dará origem a uma relação creditória equiparável, pelo seu conteúdo e efeitos, a um contrato-promessa bilateral, ou tornará mesmo perfeito o contrato definitivo, se em ambas as declarações (a do obrigado à preferência, que equivale a uma proposta de contrato, e a do preferente, que se traduz na aceitação dessa proposta) houver sido observada a forma exigida para a celebração deste contrato;
c) finalmente, o direito (creditório) de exigir, após ter declarado a vontade de exercer a preferência, que o obrigado a esta realize com ele o negócio projectado, sempre que aquela declaração não baste para o consumar – cf. Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, Reimpressão, 2003, pp. 225/8 apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2018 acima mencionado.
Neste contexto, reconhecer-se que da recepção pelo obrigado à preferência da aceitação do preferente, subsequente à comunicação que envolva uma proposta contratual, decorre uma obrigação de contratar constitui entendimento que não viola seja a liberdade contratual, seja o direito de propriedade privada, porquanto é o próprio titular deste último que, decidindo-se de forma séria a contratar e transmitindo ao preferente um projecto concreto de negócio, revela a sua intenção de o celebrar, estando na sua disponibilidade a decisão de negociar ou não.
Com efeito, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-40-2019 já referido:
“A notificação para preferir ficaria despojada de qualquer sentido útil se o obrigado pudesse desistir livremente do negócio, perante resposta positiva do preferente; na verdade, todo o mecanismo legal relativo ao direito de preferência visa, por um lado, possibilitar o exercício desse direito e, por outro, evitar situações de conflito a dirimir por via judicial (as frequentes acções de preferência), por omissão da notificação». Como se sabe, o actual Código Civil estabelece várias restrições à autonomia da vontade, desde logo, com os direitos legais de preferência, mas também com o estabelecimento, em princípio, da irrevogabilidade da proposta de contrato, depois de ela ter sido recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida (cf. arts. 224º, nº 1, e 230º). No plano adjectivo, é também isso mesmo que se reconhece com o art. 1028º do CPC, norma que estatui que a resposta positiva do notificado para a preferência judicial vincula à celebração do contrato.”
Assim, diversamente do que se decidiu na 1ª instância - não obstante não se possam desprezar as razões vertidas em tal decisão -, adere-se à posição de que a notificação extrajudicial prevista no art. 416º, n.º 1 do Código Civil que contenha os elementos necessários à decisão do titular do direito de preferência consubstancia uma proposta contratual e a declaração de vontade que este emita, na sequência dessa notificação, de exercer o direito (potestativo), uma vez recebida pelo vinculado à prelação, perfecciona o contrato, ainda que sujeito a forma, desde que esta seja observada pela comunicação do obrigado e pela resposta do preferente.
Perante isto, há que considerar o teor da comunicação dirigida à Ida ….em 17 de Julho de 2017 (cf. alínea d) dos factos provados), tal como consta do documento junto a fls. 18, onde se escreveu o seguinte:
“A solicitação da herança indivisa de Amadeu …. […] representada pela cabeça-de-casal, C, viúva […] servimo-nos da presente para informar V. Exª que é intenção da herança proceder à venda da fracção autónoma designada pela letra “I” correspondente ao segundo andar, frente, do prédio sito na Rua Eugénio dos Santos, n.º  , em Oeiras, inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo n.º 5084, da União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número 193, de que V. Ex.ª é arrendatária.
A venda supra referida será efectuada a favor de Carolina ….. e Daniel ……, pelo valor de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), e a respectiva escritura ou o título de venda será assinado no próximo dia 27 de Julho, de 2017, na Casa Pronta, Avenida D. João I, n.º 16 – 1º Piso, 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, às 10:30 horas.
Pelo exposto, vimos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 1091º do Código Civil, conferir a V. Exª a faculdade de exercer o direito de preferência no contrato acima referido, devendo, no prazo de 8 (oito) dias, conforme estipulado no n.º 2 do artigo 416º do mesmo diploma legal, exercer esse direito que a lei lhe confere, pelo preço acima indicado.
Na falta de resposta no prazo referido, presumir-se-á a sua falta de interesse no exercício de tal faculdade. […]”
Tal comunicação preenche os requisitos legais e necessários que acima se deixaram enunciados para uma tomada de decisão cabal pela preferente, identificando claramente o objecto da compra e venda, o terceiro interessado, o preço da aquisição e indicando, aliás, o dia e hora para a celebração da escritura pública ou título de venda.
Por outro lado, a resposta de Ida …., dada por carta de 25 de Julho de 2017, recebida pela ré C em 26 de Julho de 2017, é inequívoca no sentido de que exerce o direito de preferência nos precisos termos e condições do projecto de venda, mas informando que comparecerá na data, hora e local indicados para a celebração do contrato, procedendo ao pagamento do preço por meio de cheque – cf. alínea e) dos factos provados.
Esta aceitação por parte da falecida Ida ….vincula as rés e a própria à realização do contrato, nos termos do projecto transmitido e tal obrigação não pode ser substituída por um non facere, ou seja, pela não realização do contrato (seja com o terceiro, seja com o preferente.
A comunicação de 17 de Julho de 2017, enquanto proposta contratual, que é, dirigida a Ida …., deve ser tida como irrevogável, nos termos dos art.ºs 224º, n.º 1 e 230º, n.º 1 do Código Civil, não facultando a lei o exercício do direito ao arrependimento, até porque ainda que as rés tenham dirigido à falecida Ida Brum uma carta, com data de 25 de Julho de 2017, dando conta que já não pretendiam vender a fracção, tal comunicação foi recebida apenas depois de preferente ter comparecido no dia agendado (27 de Julho) para a celebração do negócio, ou seja, a retractação não ocorreu ao mesmo tempo que a proposta (cf. art. 230º, n.º 2 do Código Civil).
Todavia, neste caso, a comunicação e a resposta, ainda que vertidas em documentos escritos e assinados pelas partes, não preencheram os requisitos formais previstos no art. 875º do Código Civil de que a celebração do contrato de compra e venda do imóvel depende, pelo que, em consonância com o atrás expendido, se deve entender que se concluiu um contrato-promessa – cf. art. 410º, n.º 2 do Código Civil.
Celebrado entre as partes um contrato-promessa, daí devem retirar-se as necessárias consequências, entre elas, a possibilidade de os autores obterem sentença que produza os efeitos da declaração negocial das rés faltosas.
E esta conclusão não fere, como já resulta do anteriormente expendido, qualquer violação dos direitos/princípios convocados pelas rés/recorridas (princípio da autonomia privada e princípio constitucional da propriedade privada previsto no art. 62º da Constituição da República Portuguesa), desde logo porque o direito de preferência do arrendatário integra o regime geral do contrato de arrendamento, contrato cuja celebração decorre da livre iniciativa das partes.
Tal direito é fixado em termos de conciliação entre os vários valores e interesses em presença, designadamente sociais e económicos (não tendo sido, no caso concreto, suscitado o princípio de acesso a habitação própria – cf. art. 65º, n.º 2, c) da Constituição da República Portuguesa), que sobrelevam no âmbito do regime do arrendamento e dele não decorre uma restrição tão ampla do direito de propriedade que afecte o exercício do direito de alienação do imóvel, não se revelando desproporcionada ou desrazoável a respectiva consagração legal.
Por outro lado, não se tratando esta de uma acção de preferência mas sim de execução específica – como, aliás, já decidido em sede de apreciação da excepção de caducidade, decisão, nessa parte, já transitada em julgado (cf. fls. 80 verso dos autos) -, não colhe a argumentação das apeladas no sentido de que o direito a preferir se teria extinguido com a morte de Ida …..
Na verdade, os direitos decorrentes da celebração do contrato-promessa integram a herança da falecida.
Estando em causa um direito de natureza obrigacional (o direito a exigir que as obrigadas realizem o negócio projectado), ocorrendo o decesso de um dos promitentes, a titularidade do direito de acção e substantivo radica-se em quem lhe suceder no crédito ou no débito, enquanto credor ou devedor em mora.
Assim, o direito de crédito gerado para a falecida após a sua aceitação e exercício do direito de preferência, transmitiu-se aos seus herdeiros sucessores, os ora autores/apelantes, que, como titulares dos direitos e obrigações da herança e em sua representação, gozam de legitimidade substantiva e processual para o executarem forçadamente.
Requerida a execução específica, se verificados os respectivos pressupostos, o que o tribunal tem de declarar é a alienação forçada, por via da substituição ao contraente em mora, a quem sucedeu nesse direito de crédito do falecido, nos termos em que este deles era titular, impondo o cumprimento ao devedor também nos exactos termos em que este se encontrava vinculado perante aquele – cf. art.ºs 2024º e 2025º do Código Civil; neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-02-2014, relator Alves Velho, processo n.º 360/09.8TCGMER.G1.S1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9-01-2014, relator António Rodrigues de Almeida, processo n.º 3784/09.7TBVCD.P1.
Finalmente, no que diz respeito à suscitada falta de consignação em depósito do preço tal circunstância não deve obstar à procedência da acção.
Trata-se de questão que tem originado, também ela, divergência doutrinal e jurisprudencial, mas, não obstante isso, tem vindo a entender-se não ser de tomar a consignação em depósito como pressuposto para a apreciação do mérito do pedido de execução específica, nada impedindo que a fixação do prazo para a consignação em depósito prevista no n.º 5 do artigo 830º do Código Civil seja feita na sentença que reconheça o direito à execução específica, fazendo depender os efeitos desse reconhecimento à consignação em depósito, no prazo fixado, da prestação julgada devida.
Veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-05-2017, relatora Maria João Areias, processo n.º 431/16.4T8LRA-A.C1:
“A tese que exige a consignação em depósito em momento prévio à prolação da sentença – considerando-a um pressuposto para a apreciação do mérito da ação – apoia-se essencialmente em renitências quanto à admissibilidade de sentenças “condicionais”. Para ser decretada a execução específica deverá a consignação em depósito ser previamente realizada. De outro modo, a sentença que julgasse procedente a ação de execução específica seria decretada sob a condição do depósito ser realizado posteriormente, em prazo a fixar pela sentença.
Contudo, a doutrina e os tribunais têm sido sensíveis a argumentos de ordem prática:
- não pode deixar de ter-se por conveniente não sujeitar o promitente comprador ao depósito do preço num momento em que ainda não se sabe se a sua pretensão é ou não acolhida pelo tribunal;
- o promitente comprador, muitas vezes, não dispõe de condições económicas para o depósito imediato do preço, porquanto, sendo obrigado a recorrer para o efeito ao crédito bancário, crédito que depende da prestação de garantias nomeadamente de hipoteca sobre o imóvel.
Também Almeida e Costa considera que a exigência da consignação em depósito – antes da apreciação do mérito e como seu pressuposto – da contraprestação que compete à parte que intenta a ação de execução específica, constituiu um entrave à utilização da execução em espécie:
“Pensemos, a título exemplificativo, nos muitos contratos promessas de compra e venda em que o preço ascende a centenas de milhares de contos, ou, mesmo, nas situações vulgares e não menos ponderosas de pessoas que investem, na aquisição de habitação própria, pequenas e sofridas economias ou recorrem ao crédito. Diante do tempo considerável que pode decorrer, desde o trânsito em julgado decisão judicial, com eventuais recursos, e da incerteza dos resultados, Almeida e Costa sustenta que não raros promitentes/compradores, que se encontrem nas situações referidas, ver-se-ão forçados a prescindir da execução específica”.
É certo que o n.º 5 do artigo 830º atribui à consignação em depósito o significado de um pressuposto para a procedência da ação de execução específica.
Contudo, como sustenta Nuno Manuel Pinto de Oliveira, os princípios gerais sobre as ações cuja procedência dependa de condição ou termo, ou da prática de um determinado ato são sobretudo dois: o primeiro é o de que o tribunal deve proferir decisão de mérito; o segundo, o de que o tribunal deve subordinar a produção dos efeitos da decisão de mérito à verificação da condição, ao vencimento do termo ou à prática do facto.
Assim sendo, segundo aquele autor, caso julgue a ação de execução específica procedente, a sentença deverá subordinar a produção dos efeitos da decisão de mérito à consignação em depósito da prestação devida pelo autor, dentro de um determinado prazo:
“O autor só tem o ónus de depositar a prestação depois de o tribunal proferir a sentença de execução específica – em rigor, só terá o ónus de a depositar depois da sentença transitar em julgado”.
Concluímos, assim, que, a notificação a que se refere o n.º 5 do artigo 830 do CC só deverá ocorrer no caso de a sentença vir a reconhecer ao autor o direito à execução específica, iniciando-se o prazo para o depósito do preço em falta após o trânsito em julgado da sentença que conhece do mérito.”
A doutrina mais recente tem propendido, precisamente, neste sentido, tal como realçado também no acórdão desta Relação e secção, proferido em 10 de Fevereiro de 2015, relator Luís Espírito Santo, processo n.º 724/04.3TBSCR.L1-7 onde se discorreu de modo muito claro quanto a este ponto:
“Não sendo absolutamente peremptório e inequívoco o sentido expresso no artigo 830º, nº 5 do Código Civil quanto ao momento processual em que se notificará o interessado na execução específica […], não é curial, nem razoável, que a parte seja obrigada (porventura desnecessariamente) a suportar este significativo esforço financeiro, sem a prévia definição do enquadramento jurídico que regerá a situação sub judice, com a necessária dilucidação dos direitos e deveres que envolvem os promitentes. […] Acresce que seguindo a óptica oposta à que se propugna, Todo o intenso labor desenvolvido na audiência de julgamento, direccionado à apreciação dos factos e aplicação do Direito, pode nada valer, uma vez que nenhum resultado, objectivo e visível, nessas circunstâncias produzirá. […] Por outro lado, o interessado na execução específica é estranhamente colocado numa situação gravosa – mormente se pensarmos nas situações em que os processos se arrastam durante décadas […]
Inclusivamente,caso o promitente comprador pretenda recorrer legitimamente a um empréstimo bancário, a tese contrária à ora perfilhada poderá criar embaraços ao interessado na execução específica uma vez que, como é sabido, em regra, as entidades bancárias só se dispõem a conceder o mútuo para aquisição mediante a constituição de hipoteca sobre o bem adquirido, o que não é viável antes da prolação da sentença que garanta essa mesma transmissão.
4ª - Não se vislumbra fundamento para afirmar que a realização prévia do depósito constitui, nestes casos, um pressuposto da procedência da acção.
Conforme escreve Almeida e Costa in “ Revista de Legislação e Jurisprudência “, Ano 129º, pág. 196 : “ Não parece aceitável que o legislador pretenda transformar a consignação em depósito num pressuposto da apreciação do mérito do pedido de execução específica. Observa-se que a opinião contrária envolveria o risco de o tribunal ordenar a consignação em depósito, por admitir que se estava perante um contrato que permitia invocar a excepção de não cumprimento, e o autor ver a acção julgada improcedente pela simples falta dessa consignação, sem que fossem apreciados os fundamentos da execução específica “.
Ao invés,
A declaração do direito à execução específica do contrato promessa pressupõe, sim, a verificação dos requisitos de ordem substantiva consignados na lei civil que habilitam o Tribunal, conhecendo do mérito (como deve), a substituir-se ao promitente faltoso na emissão da declaração negocial que aquele culposamente omitiu ou inviabilizou.
O artigo 830º, nº 5 do Código Civil, de natureza puramente instrumental, mero expediente de acautelamento, limita-se a salvaguardar os direitos do promitente faltoso com vista a que possa beneficiar da excepção do não cumprimento do contrato, assegurando que a transmissão da titularidade do bem objecto da promessa não operará sem que este receba, simultaneamente, a prestação a que tem direito.
Ora,
A sentença condenatória condicional acautela, com total e absoluta suficiência, os direitos e interesses do promitente faltoso, devidamente valorados no âmbito da apreciação jurídica de todos os factos em discussão e no subsequente dispositivo.
Por tudo isto,
Não restam dúvidas de que
A prolação da decisão condenatória condicional é a única que serve o salutar equilíbrio dos interesses em disputa, salvaguardando a composição substantiva da lide e não sofrendo verdadeiramente qualquer rejeição na interpretação da letra e do espírito do preceito legal em causa. […]
5ª - O entendimento perfilhado dispõe de consistente respaldo doutrinário e jurisprudencial.
Neste sentido, vide:
Nuno Pinto de Oliveira in “ Princípios de Direito dos Contratos “, págs. 285 a 287.
Mário Júlio Almeida e Costa in “ Revista de Legislação e Jurisprudência “, Ano 129º-196 e Ano 133º-254.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2004 (relator Ferreira de Almeida ), publicado in www.dgsi.pt, onde […] se enfatiza :“…não pode deixar de ter-se por conveniente não sujeitar o promitente comprador ao depósito do preço num momento em que ainda não se sabe se a sua pretensão é ou não acolhida pelo Tribunal “.
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Dezembro de 2008 (relator Manuel Artur Dias), publicitado in www.jusnet.pt.”
Os argumentos expendidos na jurisprudência que se deixa transcrita são consistentes, válidos e congruentes com a justiça material que a aplicação do Direito pressupõe, pelo que não se vislumbra fundamento para sustentar que a consignação em depósito do preço deva ter lugar antes da apreciação do mérito da pretensão deduzida pelo autor em acção de execução específica, nem a sua falta constitui fundamento para, demonstrados os pressupostos substantivos para a procedência da acção, julgá-la, a final, improcedente.
Por conseguinte, procedendo o recurso, assiste aos autores o direito de, por decisão judicial, verem constituído o direito de propriedade sobre o imóvel identificado na alínea b) dos factos provados, sendo que os efeitos do reconhecimento da existência do direito de execução específica ficam dependentes da consignação em depósito, no prazo de 20 (vinte) dias, a contar do trânsito em julgado deste acórdão, do preço devido pela aquisição, no montante de € 120 000,00 (cento e vinte mil euros).
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recurso interposto pelos apelantes procede integralmente, pelo que as custas (na vertente de custas de parte), ficam a cargo das apeladas.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação e, em conformidade, revogando a decisão recorrida, determinar que:
a. A presente decisão produz os efeitos da declaração das rés C e D  de venda aos autores, A e B , enquanto herdeiros de Ida Gomes Ferreira Brum, da fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao segundo andar frente, com quatro arrecadações na cave com entrada pela porta nº 4, a primeira à direita com entrada pela porta nº 3, a primeira à direita com entrada pela porta nº 1 e a 2ª à direita com entrada pela porta nº 1, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua Eugénio dos Santos, nº    , na Quinta das Palmeiras, em Oeiras, freguesia de União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº 193/19841213, da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra, onde a aquisição da referida fracção se mostra registada a favor das rés pela AP. 18 de 2003/08/27, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de União das Freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias sob o artigo 5084º, eficácia que fica dependente da consignação em depósito pelos autores, no prazo de vinte dias a contar do trânsito em julgado deste acórdão, da quantia atinente ao preço devido pela aquisição, no montante de € 120 000,00 (cento e vinte mil euros).
As custas ficam a cargo das apeladas.
*
Lisboa, 19 de Maio de 2020[4]
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
_______________________________________________________
[1] Adiante mencionado pela sigla CPC.
[2] Todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se acessíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt.
[3] Em http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/60847/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%2BMariana%2BAlmeida.pdf.
[4] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.