Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
128/07.6TBSVC.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A sentença é nula quando se perca o necessário continuum lógico e técnico entre os factos apurados, o Direito aplicável e a decisão final proferida;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO                

A, com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra B, neles também melhor identificada.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
A, residente à Avenida …, Travessa …, n.º …, Funchal intenta contra B, residente à Rua …, n.º …, Funchal a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, formulando os seguintes pedidos:
a) A declaração que o prédio X foi adquirido, por efeito de acessão imobiliária pelo casal constituído pelo autor e pela ré, integrando a comunhão conjugal;
b) A declaração de que a ré tem a haver pelo valor do prédio à data da doação a quantia de € 50 000,00, que constitui crédito sobre o património comum do casal;
c) A declaração de que a ré é devedora ao autor da quantia de € 4 625,00, correspondente a metade das verbas por este despendidas com o pagamento dos encargos resultantes do empréstimo, no período situado entre o dia 6-11-2003 e Fevereiro de 2007 e de que se verifica a compensação deste valor com aquele que o autor teria de pagar à ré por efeito do pedido formulado em b);
Subsidiariamente, improcedendo o pedido de aquisição por acessão imobiliária;
d) A declaração de que em resultado das obras realizadas no prédio este passou a ter um valor de € 250 000,00;
e) A condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de € 100 000,00 correspondente a metade do aumento do valor do prédio;
f) A condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de € 4 625,00 correspondente a metade das verbas que despendeu com o pagamento dos encargos resultantes do empréstimo, no período situado entre o dia 6-11-2003 e Fevereiro de 2007.
Alega, para tanto, o seguinte:
 Em 1999, quando o autor e a ré eram casados um com o outro, segundo o regime da comunhão de bens adquiridos, os pais desta doaram-lhe um prédio misto, em São Vicente, com uma construção degradada e logradouro destruído, tendo as partes executado obras profundas no prédio, no que despenderam cerca de € 100 000,00, utilizando capitais próprios do casal e recorrendo a crédito bancário;
 À data da doação o prédio tinha o valor de € 50 000,00 e hoje vale cerca de € 250 000,00;
 Até Março de 2007 foi o autor quem suportou, em exclusivo, as despesas atinentes ao financiamento bancário, no valor de € 9 250,00, sendo que em 6-11-2003 interpôs a acção de divórcio que foi decretado em 6-07-2004.
Regularmente citada, a ré deduziu contestação em que excepcionou a sua ilegitimidade com fundamento no facto de o prédio pertencer actualmente aos seus pais e erro na forma de processo, litispendência e caso julgado, e, no mais, impugnou a factualidade descrita pelo autor.
Conclui pela procedência das excepções e, assim se não entendendo, pela improcedência da acção.
Mais pede a condenação do autor por litigância de má fé.
O autor apresentou réplica pronunciando-se no sentido da improcedência das excepções deduzidas.
Mais deduziu incidente de intervenção principal provocada chamando à acção C e D, pais da ré.
Deduziu ainda ampliação do pedido e da causa de pedir formulando pretensão no sentido de ser declarado nulo, por falta de forma, o empréstimo efectuado pelos pais da ré e consequente nulidade da dação em pagamento e cancelamento do registo.
Foi proferido despacho que admitiu o incidente de intervenção principal provocada e foram citados os intervenientes, que declararam fazer seus os articulados apresentados pela ré.
Teve lugar a realização de audiência preliminar no âmbito da qual foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade e considerou verificada a excepção de caso julgado, absolvendo a ré da instância relativamente ao pedido de reconhecimento de que o prédio em causa nos autos integra o património comum do casal dissolvido, e aferindo positivamente os demais pressupostos processuais relevantes.
Foi também proferido despacho que indeferiu a ampliação do pedido e julgou como não verificada a litigância de má fé (cf. fls. 192 a 195 p.p.).
Foi efectuada a selecção ad matéria de facto assente e controvertida, o que não foi objecto de reclamação.

Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que  decretou:
Com os fundamentos supra enunciados, decide este Tribunal julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário e, em consequência:
a. Condenar a ré B a restituir ao autor a quantia de € 48 065,18 (quarenta e oito mil e sessenta e cinco euros e dezoito cêntimos), absolvendo-a do demais peticionado.

É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por B, que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido:
 1 – A sentença sob recurso, decidiu condenar a ré B a restituir, sozinha, determinada quantia ao Autor, sem se pronunciar quanto aos demais demandados habilitados na ação;
2 - A referida omissão de pronúncia constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do artigo 668º nº1, al. d) do CPC, pelo que a sentença sob recurso deve ser declarada nula;
3 – A sentença deve ainda ser declarada nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que não se provou o enriquecimento da Ré;
4 – As benfeitorias feitas e adquiridas pelo casal enquanto património comum foram entregues na sua totalidade ao pai da Ré, junto com o próprio imóvel, como forma de liquidação do empréstimo cedido pelo Pai da Ré ao casal;
5 – Pelo que a existir algum ativo comum do casal, a ser dividido por altura do divórcio, constituído por benfeitorias, sempre se dirá que esse ativo serviu para liquidar o passivo, também ele comum ao casal;
6 – Sem jamais conceder, acresce que não foi provada a transferência de património injustificada do Autor para a Ré;
7 – Isto porque a única participação do Autor nos pagamentos do casal, foi com bens próprios do casal, numa economia comum, em que a Ré suportava outras despesas de igual ou superior valor;
8- Criar na Ré a obrigação de indemnizar o Autor no valor de metade das benfeitorias realizadas no prédio dos presentes autos, seria de todo injusto, criando, por si só, um enriquecimento da causa na esfera do Autor.
9- Deve ser considerado não provado o ponto 8 da factualidade dada como adquirida na sentença (16 da base instrutória), por não se ter provado que o Autor tenha suportado sozinho o financiamento bancário efetuado junto do Banco …, no valor de €9250,00, tendo sido provado, precisamente o contrário, por declarações de ambas as partes;
10 – Devem ser considerados não provados os pontos 17 e 18 da factualidade dada como adquirida na sentença (alíneas H) e I) dos factos provados no despacho saneador), com base nas declarações da Ré, e dado com assente que as obras levadas a cabo no imóvel dos presentes autos tinham como objetivo a melhoria da habitação da tia da Ré que lá vivia.
Termos em que, deverá julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, deverá ser alterada a resposta dada à matéria constante das alíneas H) e I) dos factos assentes no despacho saneador e do nº16 da base instrutória, nos termos supra expostos, e considerados não provados os pontos 8, 17 e 18 da sentença, bem como deverá ser considerada nula a douta sentença recorrida, por omissão de pronuncia e contradição entre a fundamentação e a decisão, e/ou revogada integralmente a mesma, e consequentemente declarar-se absolvida do pedido a Ré, ora recorrente, porquanto só assim será feita Justiça.

A sustentou a improcedência do recurso mas sem apresentar conclusões.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. Com fundamento em erro de julgamento, deve ser alterada a resposta à matéria de facto nos termos propostos na impugnação judicial?
2. A sentença é nula por não se pronunciar quanto aos demais demandados habilitados na acção?
3. A sentença deve ser declarada nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que não se provou o enriquecimento da Ré nem a transferência de património injustificada do Autor para a Ré?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
1. Com fundamento em erro de julgamento, deve ser alterada a resposta à matéria de facto nos termos propostos na impugnação judicial?
A Recorrente sustenta, no recurso, deverem ser considerados não provados «o ponto 8 da factualidade dada como adquirida na sentença (16 da base instrutória)» e «os pontos 17 e 18 da factualidade dada como adquirida na sentença (alíneas H) e I) dos factos provados no despacho saneador)».
O referido ponto 8, extraído do n.º 16 da base instrutória, tem o seguinte conteúdo:
De 6-11-2003 até Fevereiro de 2007, o autor suportou o financiamento bancário efectuado junto do Banco F, no que despendeu a quantia de pelo menos € 9 250,00.

O Tribunal «a quo» fundou a cristalização deste facto nos seguintes termos:
O ponto 8. baseou-se no teor dos documentos juntos aos autos a fls. 387 a 404 p.p., sendo certo que foi admitido pela ré que o autor sempre assegurou o pagamento do empréstimo bancário, sendo que esta responsabilidade do casal era por ele assegurada devido ao facto de ser bancário, responsabilizando-se a ré pelo pagamento de outras despesas.
A Recorrente, quanto a esta matéria, misturou referências fácticas, olvidando não estar sob análise no ponto fáctico a existência de qualquer empréstimo ao sogro do Recorrido, sua validade e liquidação. O fixado incide, exclusivamente, sobre o mútuo bancário, mais propriamente, sobre a determinação da pessoa que suportou o empréstimo junto do Banco. E a resposta a esta matéria veio clara da Ré/Recorrente, com relevo confessório, nas suas declarações transcritas por si própria no recurso – «ele pagava as mensalidades até 2007, se não estou em erro...» e «Juiz: Sabe quanto é que o seu marido despendeu nessas prestações que ele pagou? Ré: Não… Juiz: Não sabe quanto é que era a mensalidade…. Ré: Porque ele era bancário, e então era assim: os empréstimos na banca era com ele (...)».
Não pode vir agora a Recorrente dar o dito por não dito e pretender ter assumido distinta prestação instrutória.
Já quanto à referência «pelo menos», ela não constava da pergunta nem a sua adição representa restrição ou esclarecimento do perguntado. Antes alarga o objecto da questão, logo revelando operação proscrita pelo Direito adjectivo constituído, sempre contrária ao disposto no art. 5.º do Código de Processo Civil. Suprime-se, pois, a mesma passando o facto a ter o seguinte conteúdo:
8. De 6-11-2003 até Fevereiro de 2007, o autor suportou o financiamento bancário efectuado junto do Banco Internacional de Crédito, no que despendeu a quantia de € 9 250,00.

Quanto aos pontos 17 e 18, os mesmos foram fixados perante as partes durante a audiência preliminar, sem qualquer reclamação destas.
O seu teor é:
H) O Autor e a Ré fizeram as obras atrás descritas com vista à utilização da casa como residência de campo.
I)
E foi essa a utilização que deram à casa depois de concluídas as obras, tendo por diversas vezes o casal e seus filhos pernoitado na casa e nela passaram parte das suas férias, fins de semanas e feriados.

Não reclamaram as partes dessa fixação na audiência realizada já no ano de 2011 por razões de integridade e coerência – pois se os factos foram alegados nos artigos 20.º e 21.º da petição inicial e se não foram impugnados pela Recorrente na contestação – vd. art. 23.º dessa peça processual, a fl. 22 – mandavam as regras legais aplicáveis que o Tribunal declarasse tais factos provados por acordo impondo-se que as partes, submetendo-se às regras técnicas e ética exigível, não viessem dar o dito por não dito. O n.º 4 do art. 646.º do encadeado de normas acima referido, aliás, não permitia ao Tribunal «a quo» que, face ao acordo, fossem tais factos objecto de distinta resposta em sede de julgamento.
Sob um tal contexto, não só não tem qualquer sentido técnico e sustentação esta vertente do recurso com a mesma fragiliza a postura da Recorrente ao configurar um serôdio e incongruente «venire contra factum proprium» que toca as raias da litigância de má-fé. Não merece mais considerações. É flagrantemente improcedente.

Vem provado que:
1. O autor casou com a ré em 30 de Abril de 1989, segundo o regime da comunhão de bens adquiridos (alínea A) dos factos assentes).
2. Em 6 de Novembro de 2003, A intentou B acção de divórcio litigioso, com pedido de atribuição de casa de morada de família, que correu termos junto do Tribunal de Família e Menores do Funchal com o n.º Z.
3. A dissolução do casamento entre o autor e a ré foi decretada em 6 de Julho de 2004, no âmbito do processo que correu os seus termos no Tribunal de Família em Menores do Funchal com o número Y (alínea J)).
4. O prédio misto X, em nome de B, constando da certidão da Conservatória do Registo Predial que a causa de aquisição foi uma doação, e, posteriormente, inscrito a favor de C, casado com D, pela Ap. 1 de 2007 (alínea B)).
5. Pela Ap. 03/29052001 encontra-se inscrita no registo do imóvel referido em 4. “Hipoteca voluntária a favor do Banco … [] Valor: Capital, 3 000 000$00 []” (alínea F)).
6. A dívida bancária comum ao autor e à ré esteve relacionada no processo de inventário e foi dele retirada com o acordo do autor, no âmbito da conferência de interessados (alínea K)).
7. Desde o seu início e até Fevereiro de 2007, o autor procedeu ao pagamento das despesas decorrentes do financiamento bancário referido em 6. (ponto 15. da base instrutória).
8. De 6-11-2003 até Fevereiro de 2007, o autor suportou o financiamento bancário efectuado junto do Banco (...), no que despendeu a quantia de € 9 250,00. (ponto 16. da base instrutória).
9. Para custear as obras realizadas no imóvel referido em 4. o casal utilizou, entre o mais, uma quantia de Esc. 3 000 000$00 (€ 14 963,94) que foi entregue pelo pai da ré (ponto 17. da base instrutória).
10. A dívida referida em 6. foi liquidada pela ré, em Fevereiro de 2007, com recurso a um financiamento prestado pelos seus pais (alínea L)).
11. No dia 25 de Julho de 2007, foi celebrada uma escritura intitulada “Dação em Cumprimento”, lavrada a fls.  (…) mediante a qual B, primeira outorgante, declarou que é proprietária do prédio (…) ; mais disse que é devedora aos segundos outorgantes, seus pais, (…) , da quantia global de € 53 812,87, importância que deles recebeu: em 15 de Fevereiro de 2007, a quantia de € 37 781,69 destinada à liquidação do empréstimo bancário que teve por finalidade custear as obras realizadas no prédio urbano supra referido; e em 11 de Junho de 2007, a quantia de € 16 031,18 destinada ao pagamento das tornas a que esteve obrigada no inventário/partilha de bens em casos especiais processo n.º (…) que correu termo no Tribunal de Família e Menores do (…) e que em pagamento da referida dívida dá aos segundos outorgantes o prédio supra identificado, sendo que estes disseram aceitar a dação em cumprimento nos termos exarados e em consequência fica extinta a dívida (alínea M)).
12. A construção existente no imóvel referido em 4. era constituída por um edifício de dois pisos que não possuíam comunicação interior (o piso superior só tinha acesso pelo exterior). Em ambos os pisos não existiam instalações sanitárias (alínea C)).
13. Os pisos da construção referida em 12. caracterizavam-se por: piso térreo – composto por uma loja e uma arrecadação, esta com pouco mais de 1 metro de altura de pé direito que tinha de área metade do piso superior; piso superior – constituído por três divisórias e uma pequena e rudimentar cozinha (alínea D)).
14. À data da inscrição registal Ap. 04/110699 referida em 4. o prédio aí identificado era constituído por uma construção degradada, que não tinha instalações sanitárias, conforme referido em 12. e com logradouro também degradado (ponto 1. da base instrutória).
15. No ano de 2000, o autor e a ré fizeram obras no prédio identificado em 4. (alínea E)).
16. No imóvel referido em 4. foram efectuadas obras na rede de água potável (quente e fria), rede de águas residuais, incluindo fossa séptica, rede eléctrica, telefónica e de TV (alínea G)).
17. O autor e a ré fizeram as obras descritas com vista à utilização da casa como residência de campo (alínea H)).
18. E foi essa a utilização que deram à casa depois de concluídas as obras, tendo por diversas vezes o casal e os seus filhos pernoitado na casa e nela passaram parte das suas férias, fins-de-semana e feriados (alínea I)).
19. A execução das obras de remodelação implicou a demolição do interior do edifício antes existente (ponto 14. da base instrutória).
20. As obras executadas pelo autor e pela ré no imóvel consistiram em: ligação interior entre os dois pisos; três quartos de dormir, cozinha e casa de banho, no primeiro andar; um salão, uma lavandaria/espaço de arrumos e casa de banho, no andar térreo (pontos 3. e 18. da base instrutória).
21. Foram substituídos os materiais de revestimento e acabamento, colocadas novas loiças sanitárias, substituído o chão dos quartos, cozinha e casas de banho, construídos novos móveis para a cozinha, casas de banho e quartos, colocados tapa-sóis nas janelas e guardas metálicas no exterior pintadas ao estilo madeirense e colocadas novas portas de acesso ao prédio e à casa (ponto 4. da base instrutória).
22. O logradouro da casa foi recuperado (ponto 5. da base instrutória).
23. Foram construídos um jardim, uma churrasqueira, um alpendre com estrutura em madeira, reforçados e aumentados os muros de divisão da propriedade, construídos bancos ao estilo madeirense e calcetado o chão do jardim (ponto 6. da base instrutória).
24. Nas obras efectuadas, o autor e a ré despenderam pelo menos € 96 130,35 (ponto 7. da base instrutória).
25. À data da doação inscrita no registo em 1999, conforme referido em 4., o prédio identificado, considerando apenas um aproveitamento das paredes exteriores, teria um valor aproximado de pelo menos € 23 000,00 (ponto 10. da base instrutória).
26. Em resultado das obras efectuadas o prédio identificado em 4. possuía, à data da respectiva conclusão, um valor de cerca de € 108 359,00, possuindo actualmente o valor de € 164 780,00 (ponto 11. da base instrutória).
27. O prédio, devido às obras efectuadas, proporciona boa habitabilidade, podendo ser usado como casa de campo ou segunda habitação (pontos 12. e 13. da base instrutória).
28. A presente acção foi registada na secretaria do Tribunal (…) em 14 de Junho de 2007 (alínea N)).
29. Foi efectuado o registo da acção em 12 de Julho de 2007 (alínea O)).

Fundamentação de Direito
2. A sentença é nula por não se pronunciar quanto aos demais demandados habilitados na acção?
O Tribunal «a quo» apreciou, após a prolação da sentença impugnada, esta putativa nulidade. Fê-lo com adequação ao ocorrido nos autos e ao Direito constituído, nos seguintes termos:
(…) o Tribunal não se pronunciou quanto aos intervenientes principais habilitados porque nenhum pedido subsiste nos autos contra eles deduzido.
A intervenção dos pais da ré foi deduzida pelo autor em virtude da invocação por esta da sua ilegitimidade passiva sustentada no facto de o prédio em litígio ter sido objecto de dação em cumprimento a favor daqueles (cf. contestação e réplica), tendo sido considerado no despacho que a admitiu que se tratava de litisconsórcio voluntário por os chamados terem interesse idêntico ao da ré em verem a acção improceder quanto ao prédio em causa nos autos (cf. fls. 104 e 105 p.p.).
Posteriormente, em sede de audiência preliminar, realizada em 25-10-2011, foi proferida decisão que, reconhecendo a existência de caso julgado, absolveu a ré da instância quanto ao pedido de declaração que o prédio urbano descrito sob o número … integrava o património comum do casal dissolvido, decisão da qual decorre necessariamente a consequente absolvição da instância dos chamados (cf. fls. 186 a 201 p.p.).
Acresce que a ampliação do pedido deduzida pelo autor em sede de réplica, onde formulou pedidos que visavam os chamados, foi, por sua vez, indeferida (cf. fls. 186 a 201 p.p.), reconhecendose, já então, que nos autos subsistia para apreciação apenas as questões atinentes às benfeitorias realizadas no imóvel pelo autor e pela ré, enquanto casal.
Concluindo, e em consonância, a sentença apreciou as questões que se impunham e que subsistiam em litígio, conhecendo o pedido deduzido apenas contra a ré.

Seria ocioso dizer isto mesmo por outras palavras.
Assim é.
O dito merece ser integralmente sufragado.
É negativa a resposta à questão proposta.

3. A sentença deve ser declarada nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que não se provou o enriquecimento da Ré nem a transferência de património injustificada do Autor para a Ré?
Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do  art. 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando «c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (...)». Tal significa que assim ocorrerá quando se perca o necessário continuum lógico e técnico entre os factos apurados, o Direito aplicável e a decisão final proferida.
No caso em apreço, o Tribunal que proferiu a sentença criticada seguiu o percurso que se enuncia:
1. Deu como assente que o prédio rústico sob menção nos autos integrou a comunhão conjugal do casal composto pelo Autor e pela Ré, já dissolvido, face à procedência da excepção de caso julgado avaliada no despacho saneador;
2. Extraiu adequadamente dos factos provados que «o prédio identificado no ponto 4. da matéria de facto onde foram efectuadas as obras foi doado à ré na constância do matrimónio, constituindo, assim, bem próprio desta»;
3. Considerou, com acerto, que a «construção de moradia pelo casal em terreno de um dos seus membros, se for uma benfeitoria, constitui uma benfeitoria útil, pois que melhora o terreno e não visa conservá-lo»; tal teve esteio nos factos 15 a 27;
4. Atendeu, bem, a que após «as obras, que importaram um dispêndio pelo autor e pela ré de € 96 130,35, o prédio, que antes da incorporação de tais melhoramentos teria um valor de € 23 000,00, ficou com um valor superior de € 108 359,00, possuindo actualmente o valor de € 164 780,00» – cf. factos 24, 25 e 26;
5. Cogitou devidamente que «atenta a natureza da intervenção realizada, a sua dimensão e a substituição de materiais que ocorreu, tais benfeitorias devem ser qualificadas como úteis (aumentam o rendimento e a utilidade da coisa), pois que nada foi alegado no sentido de apenas terem tido por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, mas antes visando atribuir ao imóvel as condições necessárias para funcionar como uma casa de campo/segunda habitação, fim visado pelo casal» – cf., designadamente, o facto n.º 17;
6. Explicou, com detalhe e apelando à razão e ao convencimento com suporte em normas legais e apoio jurisprudencial as razões pelas quais se deve aceitar «que o valor das benfeitorias (…) é bem comum, posto que estas foram adquiridas com dinheiro comum»;
7. Teve devidamente em atenção a tese da Ré e o não provado no âmbito do que ela alegou, ao referir «não tendo sido apurada a natureza da entrega da quantia facultada pelo pai da ré, não é possível afirmar que este valor foi restituído pelo casal ao pai ou que o não foi, podendo até ter corporizado uma doação ao casal (não tendo a ré provado, como lhe incumbia, que esse valor se tratou de uma doação do pai a si própria»;
8. Recordou, com acerto que, «Com a dissolução do casamento cessam as relações patrimoniais entre os cônjuges» e que «Cessadas as relações patrimoniais, proceder-se-á à partilha dos bens do casal, recebendo cada um deles os seus bens próprios e a sua meação no património comum» sendo que, nessa partilha, as partes haviam sido remetidas para os meios comuns o que justificava a intervenção do Tribunal «a quo»;
9. Devidamente, patenteou, explicando, o direito do Autor a receber metade do valor das benfeitorias realizadas;
10. Acto contínuo, seguiu um percurso explicativo, com apelo ao Direito e aos factos, com vista a «encontrar o valor das benfeitorias – porque o seu levantamento não é, claramente, possível»;
11. Atendeu ao valor inicial do bem e ao posterior às obras de beneficiação, actualizado para calcular o valor do enriquecimento, o que fez sem erros de construção ou aritméticos e atingindo, acertadamente, o montante de  € 141.780,00, que dividiu por dois por ser de metade a parcela da Demandada;
12. Com acerto, definiu o empobrecimento como «correspondente a metade do custo das obras (que foi de € 96 130,35), ou seja, o montante de € 48 065,18 (segundo limite da obrigação de restituição» referindo ser «certo que não se divisa qualquer outro dano concreto superior ao assim encontrado e que aqui deva ser relevado)».
13. Neste caminho, não perdeu a direcção, não gerou hiatos lógicos, nem cometeu erros desviantes. Tudo explicou, em gradação lógica crescente, apelou aos factos cristalizados dos quais nunca se afastou e fez a subsunção sem inconsistências quanto ao Direito constituído.
Não cometeu, pois, qualquer nulidade.
É negativa a resposta à questão sob avaliação.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pela Apelante.
*
Lisboa, 13.09.2018

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)

Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)

António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto)