Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10846/15.0T8SNT-C.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
INSOLVENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE /ALTERADA
Sumário: Sendo a exoneração do passivo restante requerida conjuntamente pelos insolventes, não deve o  montante a excluir da cessão ao fiduciário ser inferior, por cada um deles, ao correspondente ao salário mínimo nacional. 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :


1.  J... e C... deduziram requerimento de apresentação à insolvência, distribuído à comarca de Lisboa Oeste - Juízo de Comércio de Sintra, formulando pedido de exoneração do passivo restante.
Decretada a insolvência, foi proferida decisão admitindo liminarmente aquele pedido e fixando como rendimento disponível dos requerentes o correspondente a 1,5 do salário mínimo nacional.
Inconformados, vieram os requerentes interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões :
- Recorrem os insolventes por entenderem que o seu agregado familiar e as despesas elencadas na decisão, o valor necessário ao seu sustento minimamente digno, se deveria fixar em dois salários mínimos nacionais (rendimento excluído da cessão), por referência a um salário mínimo nacional por cada um dos dois membros adultos do agregado familiar.
-  De acordo com o alegado, documentalmente demonstrado, e não impugnado, os insolventes possuem despesas mensais fixas no valor de € 1.137,54, inexistindo qualquer gasto supérfluo ou desnecessário, estando limitadas as despesas ao seu mínimo, não estando sequer elencadas despesas gerais habituais a qualquer agregado familiar, como por exemplo, gastos com farmácias, médicos, produtos de limpeza da habitação, higiene pessoal, etc.
-  Sendo que o valor de um salário mínimo nacional por cada membro de um agregado familiar composto por dois adultos é precisamente o montante que tem vindo a ser predominantemente decidido pelos nossos tribunais superiores, conforme se pode ler no acórdão da Relação de Guimarães, de 14/1/2016 disponível em www.dgsi.pt:  "(...) Em toda a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores se faz notar, aliás em consonância com a jurisprudência constitucional (vide acórdão do TC nº 177/2002, com força obrigatória geral, publicado no D.R., 1a série-A, nº 150, de 2/07/2004), de que são reflexo as alterações introduzidas ao art. 8240 do CPC pelo DL 38/2003 de 8/3, que o salário mínimo nacional será um valor referencial a ter em conta como indicativo do montante mensal considerado como essencial para garantir um mínimo de subsistência condigna (...)”.
-  O Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 2/2/2016, disponível em www.dgsi.pt, atesta que o "sustento minimamente digno" equivale a um salário mínimo nacional por cada um dos membros do casal, não sendo justo e equitativo o casal ser penalizado por se apresentar à insolvência em conjunto, quando se o fizesse individualmente o montante de um salário mínimo nacional estaria sempre garantido como "sustento minimamente digno".
-  É, no entanto, entendimento de alguma jurisprudência que se deverá recorrer à denominada escala de Oxford - escala da OCDE, criada em 1982, para determinar a capitação dos rendimentos de um agregado familiar, nos seguintes termos: "(...) o índice 1 é atribuído ao 1.º adulto do agregado familiar e o índice 0,7 aos restantes adultos do agregado familiar, enquanto às crianças se atribui sempre o índice 0,5" – ac. Rel. Coimbra, de 12/3/2013, in www.dgsi.pt.
-   Pelo que, na eventualidade de o Tribunal da Relação de Lisboa não atender ao peticionado nesta sede e de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça plasmado no acórdão supra transcrito, ainda que considere a referida escala de Oxford, aos recorrentes deveria ser excluído do rendimento a ceder, pelo menos, 1,7 SMN, revogando-se sempre o despacho proferido pelo Tribunal a quo que apenas considerou 1,5 SMN.
-   Pelo exposto, entende-se que o tribunal interpretou erradamente o art. 239º, nº3 i), do CIRE, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que fixe a cessão ao fiduciário de todos rendimentos que os insolventes venham a auferir, com a exclusão do montante equivalente a 2 SMN (2 salários mínimos nacionais), ou, pelo menos, 1,7 SMN, se for aplicada a escala de Oxford - escala da OCDE.
-  Nestes termos, deverá a decisão recorrida ser substituída por outra que fixe a cessão ao fiduciário de todos os rendimentos que os insolventes venham a auferir, com a exclusão do montante equivalente a dois salários mínimos nacionais.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.
A questão a decidir centra-se, pois, na determinação do rendimento disponível pelos ora apelantes, na sequência do deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, por si deduzido.
Por força do disposto no art. 239º, nº2, do CIRE, admitido tal pedido, e durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir considera-se cedido a fiduciário, escolhido pelo tribunal.
Estatuindo o nº3 desse preceito que integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão, nomeadamente, do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar - não devendo exceder, salvo decisão fundamentada em contrário, três vezes o salário mínimo nacional.
No caso concreto, fixou a decisão recorrida a totalidade do montante dos rendimentos a excluir da cessão ao fiduciário no valor correspondente a 1,5 do salário mínimo nacional.
 Entende-se, todavia - como no aludido acórdão do STJ, de 2/2/2016 - que, se por cada um deles fosse requerida autonomamente a exoneração, lhes deveria seria assegurado o valor do salário mínimo nacional, não será “justo nem equitativo que, fazendo-o conjuntamente, seja atribuída aos dois a mesma quantia”.  
Assim sendo, e devendo a cada um dos apelantes atribuir-se valor àquele correspondente, será no caso o montante a excluir da cessão o equivalente a 2 vezes o salário mínimo nacional - procedendo, em consequência, as alegações respectivas.

3. Pelo exposto, se acorda em, concedendo provimento ao recurso, alterar a decisão recorrida, fixando-se o montante em causa no correspondente a 2 vezes o salário mínimo nacional.
       Sem custas.
  
21.6.2018

Ferreira de Almeida - relator

Catarina Manso - 1ª adjunta

Alexandrina Branquinho – 2ª adjunta