Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5113/2006-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: AUTO DE NOTÍCIA
TRABALHADOR
GRÁVIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMAD
Sumário: O art. 19º nº 1 do RGCOL, bem como a Lei n.º 99/2003 de 27-08 que introduziu no nosso ordenamento jurídico o actual Código do Trabalho, conferem ao Sr. Inspector do trabalho a faculdade de levantar auto de advertência.
Contudo, a atribuição de uma tal faculdade, não confere ao senhor inspector do trabalho um poder discricionário no sentido de dispor de um livre arbítrio entre perseguir ou deixar de perseguir o infractor em termos contra-ordenacionais, apenas lhe confere discricionaridade entre poder optar pelo levantamento de um ou de outro dos referidos autos o que “pressupõe a prossecução do objectivo que está subjacente à mens legis” e, ainda assim, condicionada à verificação de determinados pressupostos.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª Secção (Social) do Tribunal da Relação de Lisboa.

I – RELATÓRIO

A arguida I…, não se conformando com a decisão proferida pela Inspecção-Geral do Trabalho – Delegação de Almada – por lhe ter aplicado uma coima no valor de € 7.500,00, resultante do cúmulo de aplicação de duas coimas parcelares no valor de € 4.500,00 cada pela prática de uma infracção prevista e punida pelos arts. 21º, n.º 2 e 35º n.º 1 da Lei n.º 4/84 de 05-04 e de uma infracção prevista e punida pelos arts. 21º n.º 4 e 35º n.º 1 da mesma Lei, dela deduziu recurso de impugnação judicial para o Tribunal do Trabalho de Almada que, após julgamento, a absolveu da segunda das referidas infracções e confirmou, quanto à primeira, a decisão daquela autoridade administrativa, condenando a arguida no pagamento de uma coima de € 4.500,00.
Não se conformando com esta sentença, a arguida dela interpôs recurso para esta Relação, a qual por Acórdão de fls. 196, decidiu conceder provimento ao recurso, anulando o julgamento por violação do disposto no art. 374º n.º 2 do CPP, bem como os actos subsequentes, de forma a proceder-se a um novo julgamento e posterior prolação de nova sentença em que se desse integral cumprimento ao que ali se dispõe.
Devolvidos os autos ao Tribunal recorrido, procedeu o Mmº Juiz a um novo julgamento e, seguidamente, proferiu nova sentença julgando o recurso parcialmente procedente, e, como consequência, condenou a arguida pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 21º, n.º 2 e 35º n.º 1, ambos da Lei n.º 4/84 de 5 de Abril, na coima de € 4.500,00, absolvendo-a do mais.
De novo inconformada, veio agora a arguida interpor recurso desta sentença para esta Relação, apresentando a sua motivação, na qual extrai as seguintes:
Conclusões
( … )


Contra-alegou o M.º P.º junto do Tribunal recorrido, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O Exmº P.G.A. nesta Relação, reservou a prolação de alegações para uma ulterior fase de julgamento.
Foram colhidos os Vistos legais.
Procedeu-se a julgamento com observância do respectivo formalismo.
Cumpre agora apreciar e decidir.

II APRECIAÇÃO

Questões suscitadas:
§ Saber se o senhor Inspector do Trabalho, deveria ter limitado a sua actuação ao levantamento de um auto de advertência à arguida nos termos e com as indicações previstas no art. 19º n.º 1 do RGCOL introduzido pela Lei n.º 116/99 de 04-08 e se, em caso afirmativo, a violação deste preceito legal configura uma nulidade;
§ Saber se o Mmº Juiz procedeu a uma alteração substancial de factos na sentença recorrida geradora da nulidade desta;
§ Saber se, perante a matéria de facto considerada como assente pelo Tribunal recorrido, se mostra ou não preenchido o tipo de contra-ordenação imputado à arguida;
§ Em caso de resposta positiva à anterior questão, saber se a censura a exercer se deveria ter limitado a uma mera admoestação.

O Tribunal “a quo” considerou como assente a seguinte matéria de facto:
1. A arguida, no dia 15 de Maio de 2003, pelas 10:30 horas, na Rua …, mantinha ao seu serviço, sob suas ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição, entre outras, a trabalhadora …, com a categoria de operadora de máquinas, admitida em 1992.
2. Na altura, esta trabalhadora encontrava-se grávida, tendo dado conhecimento de tal facto à arguida em Março de 2003 e posteriormente através da declaração médica de fls. 10.
3. Da declaração médica consta, além do mais, «é conveniente a … poder trabalhar sentada e não fazer esforços (pegar em pesos) pois pode abortar outra vez».
4. A arguida não procedeu à identificação e avaliação dos riscos específicos de exposição a agentes, processos ou condições de trabalho para a pluralidade dos trabalhadores da empresa, e especialmente para a trabalhadora grávida, de modo a determinar qualquer risco para a segurança e saúde e as repercussões sobre a gravidez, bem como as medidas a empreender para os eliminar ou reduzir.
5. A trabalhadora exercia a sua actividade de pé.
6. No exercício das suas funções a trabalhadora substituía dois tipos de rolos das máquinas, sendo que um deles pesa entre cinco a seis quilos e era substituído duas a três vezes por dia e outro pesa cerca de dezasseis quilos e era mudado uma vez por dia.
7. Os primeiros rolos são colocados na parte inferior da máquina, junto ao chão, obrigando a trabalhadora a baixar-se.
8. Para a mesma categoria profissional, a arguida apresenta postos de trabalho alternativos àquele que a trabalhadora … se encontrava adstrita, nos quais permaneceria sentada durante o seu período de trabalho e não movimentaria pesos.
9. A arguida não indicou o volume de negócios referente ao ano de 2002.
10. Posteriormente à visita inspectiva a arguida colocou a trabalhadora num posto de trabalho onde a mesma exercia as suas funções sentada.
11. Também apenas depois desta visita foram dadas instruções por responsáveis da arguida para que os rolos de celofane mais pesados passassem a ser substituídos apenas pelos dois trabalhadores (homens) mecânicos.
12. A trabalhadora não estava obrigada a substituir os referidos rolos, podendo para o efeito recorrer ao auxílio dos dois mecânicos que ali trabalham ou de outras colegas.
13. A autoridade administrativa nunca chegou a proceder à pesagem dos rolos de celofane.
14. A mesma autoridade não levantou qualquer auto de advertência.

*
Considerou como não provado que:
I. Competia aos dois funcionários mecânicos (homens) proceder à substituição dos rolos de celofane;
II. A função da trabalhadora, sendo na linha de embalamento, era uma das que exige menor esforço físico.

Posto isto e passando à apreciação da primeira das suscitadas questões de recurso, defende a arguida e ora recorrente, em síntese, que, de acordo com o estabelecido no art. 19º n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais – R.G.C.O.L. – vigente à data da prática dos factos (15-05-2003) e que fora introduzido pela Lei n.º 116/99 de 04-08, o senhor inspector do trabalho, ao invés de ter levantado um auto de notícia da infracção que presenciara, deveria ter levantado um auto de advertência, já que se verificavam os pressupostos para tal e uma vez que ali se estabelece um poder/dever e não um poder discricionário.
Vejamos se assim é!
Efectivamente, naquela data estipulava o mencionado art. 19º n.º 1 do R.G.C.O.L. que, «quando a contra-ordenação consistir em irregularidade sanável e da qual ainda não tenha resultado prejuízo irreparável para os trabalhadores, para a administração do trabalho ou para a segurança social, o inspector do trabalho pode levantar auto de advertência, com a indicação da infracção verificada, das medidas recomendadas ao infractor e do prazo para o seu cumprimento».
Importa referir que, não obstante aquele diploma tenha sido, expressamente, revogado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08 que introduziu no nosso ordenamento jurídico o actual Código do Trabalho, este continua a consagrar idêntico dispositivo no seu art. 632º n.º 1, embora estabeleça uma maior restrição quanto à possibilidade de levantamento de auto de advertência por contra-ordenação laboral, pois basta que da irregularidade verificada resulte prejuízo grave (antes irreparável) para os trabalhadores, para a administração do trabalho ou para a segurança social, para já não ser possível ao senhor inspector do trabalho lançar mão do mesmo.
Fechando este breve parêntesis, diremos que, contrariamente ao entendimento defendido pela arguida e ora recorrente, o mencionado normativo do R.G.C.O.L. conferia (e continua a conferir no actual Código do Trabalho) ao senhor inspector do trabalho uma mera faculdadetraduzida na expressão legal “pode” em termos de o mesmo poder optar pelo levantamento de auto de advertência, desde que verificados os necessários pressupostos, em detrimento do levantamento de auto de notícia ou participação com que se daria início ao procedimento contra-ordenacional (Cfr. neste sentido João Soares Ribeiro em “Contra-Ordenações Laborais – Regime Jurídico Anotado Contido no Código do Trabalho” 2ª Ed. pagª 178 e 179).
Contudo, a atribuição de uma tal faculdade, não confere ao senhor inspector do trabalho um poder discricionário no sentido de dispor de um livre arbítrio entre perseguir ou deixar de perseguir o infractor em termos contra-ordenacionais, apenas lhe confere discricionaridade entre poder optar pelo levantamento de um ou de outro dos referidos autos o que, no dizer daquele mesmo autor Ob. Cit pag. 180., “pressupõe a prossecução do objectivo que está subjacente à mens legis” e, ainda assim, condicionada à verificação de determinados pressupostos.
Exige-se, pois, que o senhor inspector do trabalho proceda a uma ponderação no sentido de, verificada a infracção em determinadas circunstâncias e sabendo que a acção inspectiva, em qualquer das suas modalidades, tem sempre como objectivo o de assegurar o respeito pelos direitos dos trabalhadores e promover a melhoria das condições de trabalho, incluindo a segurança, higiene e saúde no trabalho, saber qual dos procedimentos (levantamento de auto de advertência ou de auto de notícia) melhor se adequa à observância das disposições legais ou convencionais de forma a atingir esses objectivos. Isto mesmo resulta do preâmbulo do Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho aprovado pelo Dec. Lei n.º 102/2000 de 02-06, ao referir, a dado passo, que “o inspector do trabalho, uma vez verificada a infracção e em determinadas circunstâncias, pode levantar auto de advertência em lugar de prosseguir a acção sancionatória”. Contudo, acrescenta mais adiante, “ainda que seja legalmente possível, o auto de advertência deverá apresentar-se como o meio mais adequado para promover o respeito dos direitos sociais tendo em consideração o comportamento do infractor e as prioridades da acção inspectiva”.
Pelas apontadas razões, não se impõe ao senhor inspector do trabalho que, verificados, objectivamente, os pressupostos de possibilidade de sanação da irregularidade detectada e de não verificação de prejuízo irreparável para os trabalhadores para a administração do trabalho ou para a segurança social, deva sempre levantar apenas um auto de advertência ao infractor. É necessário algo mais. Com referimos, exige-se-lhe que proceda à mencionada ponderação levando em consideração não só os referidos pressupostos, mas também outros aspectos relevantes, designadamente a gravidade da infracção e o comportamento do infractor, e opte pelo procedimento que se lhe afigure ser o mais adequado à salvaguarda dos objectivos anteriormente mencionados.
Deste modo e contrariamente à conclusão extraída pela recorrente, não se mostra violado, no caso em apreço, o disposto no referido art. 19º n.º 1 do R.G.C.O.L. então em vigor, e, consequentemente, não se verifica a alegada nulidade.

Passando agora à segunda das suscitadas questões de recurso, alega, em resumo, a arguida e ora recorrente, que na acusação (auto de notícia) consta que é uma média empresa (pelo que a moldura da coima aplicável seria de € 4.140,02 a € 11.716,63), mas que a sentença recorrida acabou por condená-la como grande empresa e, por esse facto, entendeu ser-lhe aplicável a coima mínima de € 6.983,17, o que constitui alteração substancial dos factos constantes do auto de notícia (acusação) e, consequentemente, nos termos do disposto no art. 379º, n.º 1, al. b), nulidade da sentença.
Vejamos se lhe assiste razão!
É certo que na acusação – que neste tipo de procedimento e de acordo com o art. 62º n.º 1 do R.G.C.O. introduzido pelo DL n.º 433/82 de 27-10, na redacção dada pelo DL n.º 244/95 de 14-09, equivale à apresentação dos autos pelo Ministério Público ao Juiz – se qualifica a arguida como uma média empresa. Tal resulta não só do auto de notícia de fls. 4 como da decisão da autoridade administrativa de fls. 86 por remissão para a proposta do instrutor de fls. 78 a 85.
Por outro lado, também é verdade que na sentença recorrida se refere, a dado passo, que «…A autoridade administrativa faz uma errada subsunção jurídica ao entender que a moldura da coima aplicável à arguida equivale à de uma média empresa, por esta não ter indicado o respectivo volume de negócios. Atento o disposto no n.º 5 do artigo 9.º da Lei n.º 116/99, de 4 de Agosto, já supra referido, a arguida deveria ser considerada grande empresa» e que «…Foi a arguida condenada pela contra-ordenação agora em causa numa coima de € 4.500,00, quando de acordo com a subsunção atrás referida o limite mínimo da moldura respectiva seria € 6.983,17…». Não se verifica, no entanto, a apontada nulidade de sentença. Com efeito, para além de discordarmos da recorrente quando afirma ter ocorrido uma alteração substancial de factos, pois os aspectos anteriormente referidos apenas revelam a verificação de uma alteração da qualificação jurídica de factosin casu, do facto de a arguida não haver, oportunamente, indicado o respectivo volume de negócios – o que é certo é que uma tal alteração não teve qualquer relevo para a decisão da causa, mais propriamente na decisão assumida na sentença recorrida.
Na verdade, na sequência daquelas afirmações contidas na sentença recorrida, também aí se afirma, claramente, que «Contudo, atento o princípio da proibição da reformatio in pejus constante do artigo 72.º-A do Decreto-Lei n.º 483/82, de 27 de Outubro, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, não pode este tribunal condenar a arguida em coima de montante superior àquele pelo qual vinha acusada. Desta sorte, mostra-se despiciendo graduar a medida concreta da coima, aplicando-se o valor que foi fixado pela autoridade administrativa …», acabando, portanto, por manter a condenação da arguida na coima que lhe havia sido fixada na decisão da autoridade administrativa.
Ora, para que pudesse ocorrer a invocada nulidade de sentença, era necessário que aquela alteração de qualificação jurídica de factos acabasse por assumir relevo na decisão da causa – art. 379º n.º 1 b) conjugado com o art. 358º n.º 1 e 3, ambos do Cod. Proc. Penal – o que, pelas apontadas razões, se não verificou no caso em apreço.

Passando agora à apreciação da terceira das suscitadas questões de recurso, prende-se a mesma com saber se, perante a matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal “a quo”, se mostra ou não preenchido o tipo de contra-ordenação imputado à arguida e aqui recorrente.
Concluiu esta que, por se encontrar assente no ponto 12 dos factos provados que a trabalhadora não estava obrigada a substituir os rolos referidos no ponto 6, na medida em que podia recorrer ao auxílio de dois mecânicos que ali trabalhavam ou de outros colegas e assim não tinha que pegar em quaisquer pesos, não estava obrigada a proceder à “avaliação” determinada pelo n.º 2 do art. 21º da Lei n.º 4/84 de 05-04 (actual n.º 2 do art. 49º do Cod. Trabalho) porquanto a actividade desenvolvida por aquela trabalhadora grávida não era susceptível de apresentar qualquer risco específico e, por outro lado, o mero facto de não ter colocado, inicialmente, a trabalhadora a trabalhar sentada não constitui violação ao disposto naquele preceito.
Vejamos!
Na sentença recorrida, o Mmº Juiz considera que da matéria de facto provada resulta haver a arguida e ora recorrente cometido uma contra-ordenação ao disposto no art. 21º n.º 2 da Lei n.º 4/84 de 05-04 – com a alteração introduzida pela Lei n.º 142/99 de 31-08 – punível nos termos do art. 35º n.º 1 do mesmo diploma – na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 70/2000 de 04-05.
Estabelece aquele primeiro normativo que «sem prejuízo das obrigações gerais estabelecidas no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, nas actividades susceptíveis de apresentarem um risco específico de exposição a agentes, processos ou condições de trabalho, o empregador deve proceder à avaliação da natureza, grau e duração da exposição das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, de modo a determinar qualquer risco para a sua segurança e saúde e as repercussões sobre a gravidez ou a amamentação, bem como as medidas a tomar».
Ora, provou-se que no dia 15 de Maio de 2003, a arguida mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens, direcção, fiscalização e mediante retribuição, entre outras, a trabalhadora …, com a categoria profissional de “operadora de máquinas” e que, nessa altura, esta trabalhadora se encontrava grávida, tendo dado desse facto conhecimento à arguida em Março de 2003 e, posteriormente, através da declaração médica de fls. 10, constando desta declaração médica, para além do mais, que «é conveniente a … poder trabalhar sentada e não fazer esforços (pegar em pesos) pois pode abortar outra vez».
Provou-se ainda que a referida trabalhadora exercia a sua actividade de pé e que, no exercício das suas funções, substituía dois tipos de rolos das máquinas, sendo que um deles pesa entre cinco e seis quilos e era substituído duas a três vezes por dia e que um outro pesa cerca de dezasseis quilos e era mudado uma vez por dia, sendo aqueles rolos colocados na parte inferior da máquina, junto ao chão, obrigando a trabalhadora a baixar-se.
Provou-se também que, para a mesma categoria da referida trabalhadora, a arguida tinha postos de trabalho alternativos àquele em que a trabalhadora … se encontrava adstrita e nos quais permaneceria sentada e não movimentaria pesos.
Finalmente provou-se que apenas depois da visita inspectiva – que como resulta do ponto 1 da matéria de facto provada, ocorreu em 15 de Maio de 2003 – a arguida colocou a referida trabalhadora num outro posto de trabalho onde exercia as suas funções sentada e também apenas após aquela visita inspectiva, a mesma deu instruções para que os rolos mais pesados passassem a ser substituídos por dois trabalhadores mecânicos (homens).
Ora, perante toda esta matéria de facto assente, não poderemos deixar de concluir haver a arguida e ora recorrente violado, claramente, o mencionado art. 21º n.º 2 da Lei n.º 4/84 de 05-04, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 142/99 de 31-08.
Escuda-se a arguida na prova de que a trabalhadora em causa não estava obrigada a substituir os referidos rolos, podendo, para o efeito, recorrer ao auxílio dos dois mecânicos que ali trabalhavam ou de outros colegas, para concluir que o posto de trabalho a que a mesma estava adstrita não tinha qualquer risco para a respectiva saúde e daí que não estivesse obrigada a efectuar qualquer avaliação de risco do mesmo.
Acontece, porém, que ainda que a referida trabalhadora não estivesse obrigada a mudar os pesos da máquina em que operava no exercício da sua categoria profissional, o que é certo é que esse tipo de tarefa (mudança de rolos) constituía, ao que tudo indica, uma verdadeira exigência do próprio posto de trabalho já que a referida trabalhadora a ela procedia diversas vezes por dia, não podendo a arguida ignorar que ela o fizesse, sendo certo que a arguida também tinha conhecimento de que a mesma se encontrava grávida e que já em duas anteriores gravidezes havia perdido os bebés, assim como também tinha conhecimento de que a referida trabalhadora tinha indicação médica para trabalhar sentada e não efectuar esforços, mormente pegar em pesos, conforme tudo melhor resulta do atestado médico de fls. 10, datado de 16 de Abril de 2003 e que a referida trabalhadora lhe entregara.
Impunha-se, pois, à arguida – colocada perante aquelas circunstâncias bem concretas decorrentes do estado de gravidez da dita trabalhadora e que lhe haviam sido dadas a conhecer e sabendo, por outro lado, quais as características do posto de trabalho ocupado pela mesma – que fizesse, ela própria como decorre do mencionado preceito, uma avaliação da situação de risco do posto de trabalho que a trabalhadora em causa ocupava no exercício da sua actividade laboral, pois se o tivesse feito, depressa concluiria que o mesmo, pelas suas características (trabalhadora ter de exercer a sua actividade em pé e a ter de efectuar esforços físicos) apresentava para a referida trabalhadora e para a criança que a mesma estava a gerar, sérios riscos em termos de saúde e que isso imporia a imediata deslocação da mesma para um outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional e que não apresentasse os riscos daquele, sendo certo que a arguida dispunha de um tal posto de trabalho alternativo, compatível com as exigências decorrentes do estado de gravidez de risco da aludida trabalhadora.
Ora, o que resultou assente é que aquando da visita inspectiva efectuada em 15 de Maio de 2003 – cerca de dois meses após a arguida ter tomado conhecimento do estado de gravidez da referida trabalhadora – a situação laboral da trabalhadora em causa ainda se não havia alterado, o que leva a concluir que a arguida não efectuou a exigida avaliação de risco face ao conhecimento do estado de gravidez da mesma, violando, por isso e de forma bem clara, o mencionado normativo legal, conduta que constitui contra-ordenação muito grave nos termos do n.º 1 do art. 35º da referida Lei n.º 4/84 de 05-04, merecedora, por isso, de forte censura, a qual, de modo algum se poderia limitar a uma simples admoestação como defende a arguida e ora recorrente, razão pela qual não poderemos deixar de responder negativamente à última das suscitadas questões do recurso interposto pela arguida/recorrente.
Improcedem, pois, in totum, as razões invocadas pela recorrente na motivação do presente recurso.

III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Fixa-se a taxa de justiça em 5 UCs.
Notifique.
Lisboa, 2006 / 10 / 04

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1.-Ob. Cit pag. 180.