Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20046/16.6T8SNT-B.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
COMPETÊNCIA
PENHORA DO VENCIMENTO
RECLAMAÇÃO
EMBARGOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A competência fundamental do agente de execução é a prática de actos materiais da realização coactiva da prestação, desdobrando-se em actos executivos em sentido próprio, e em actos instrumentais ditos não executivos.
II. A reclamação sobre actos do agente de execução só deve operar quanto às ilegalidades e actos que estão excluídos do âmbito de outros meios de defesa, nomeadamente algumas previsões ou soluções encontradas no código para certos actos, logo prevalece o meio processual de âmbito especial.
III. A legitimidade de pagamentos parciais à exequente pelo agente de execução, proveniente da penhora de rendimentos da executada, terá sempre como pressuposto negativo a inexistência de dedução de oposição, ou a improcedência desta.
IV. É no seio da execução que deve ser encontrada a solução que determine a devolução do valor penhorado à executada, indevidamente entregue pelo Agente de Execução, quando deduzidos embargos e estes são procedentes;
V. Assumindo o Agente de execução a qualidade de fiel depositário, é nessa qualidade que responde pela devolução do valor penhorado à executada, sob pena de arresto em bens próprios e prosseguir a execução contra o mesmo  
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
C…, a 27/10/2016, intentou ação executiva para pagamento de quantia certa contra M..., apresentando como título executivo um requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória, contabilizando a dívida exequenda em 18.896,31€, acrescida de juros moratórios vincendos até integral pagamento.
Foi indicada como agente de execução J....
Por notificação de 28/10/2016, efectuada pela agente de execução, foi determinada a penhora de vencimento auferido pela executada nos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de ….
A 23/11/2016, foi a executada notificada nos termos do disposto nos artigos 856º do Código Processo Civil (CPC).
Com data de 6/01/2017, a agente de execução juntou aos autos o seguinte requerimento:«(…) J..., Agente de Execução nos presentes autos, vem expor e requerer de V. Exa.o seguinte:
A signatária requer a junção aos Autos da resposta da filha da Executada, onde a mesma refere que é proprietária do veículo que inicialmente estava registado em nome da Executada.
A resposta, refere-se à Notificação que a signatária realizou à filha da Executada, onde solicita que informe se a viatura lhe pertence no seguimento da informação prestada por parte da Conservatória do Registo Automóvel (após penhora da viatura) nesse sentido.
Para os devidos efeitos, apresento pequena cronologia dos factos / diligências praticadas:
A 28-10-2016, após consulta à DGCI, constatou-se que a Executada é proprietária do veículo matrícula …;
A 07-11-2016, procedeu-se à penhora de saldos bancários da Executada. A desmobilização dos valores penhorados ocorreu a 17-11-2016;
A 23-11-2016, procedeu-se à penhora do veículo supra citado;
A 29-11-2016, vem a Conservatória do Registo Automóvel informar que a actual proprietária do veículo é a Sra. … (filha da Executada);
Face ao exposto, vem a signatária requerer de V. Exa. que ordene o que tiver por conveniente
Com data de 10/02/2017, a agente de execução juntou aos autos o seguinte requerimento que intitulou “decisão”: «J... Agente de Execução designada nos presentes autos, vem tomar a seguinte decisão:
A Executada foi penhorada:
Saldos bancários - 1.250,08€ (Millennium Bcp);
Saldos bancários - 8.000,48€ (Millennium Bcp);
Saldos bancários - 4.000,48€ (Millennium Bcp);
Penhora de salário junto do S.M.A.S.
A Executada foi citada a 28-11-2016.
Consultadas as comunicações da D.G.A.J., a signatária não detecta entrada de oposição/embargos por parte da Executada.
A signatária irá proceder à entrega dos valores penhorados à ordem dos presentes autos à Exequente, salvaguardando os valores a entregar aos cofres do estado e os honorários da Agente de Execução.».
Foi junta a ordem de pagamento da agente de execução à exequente no valor de 9.923,63 €, datada de 14/02/2017. E com a mesma data o levantamento de honorários pela própria no valor de 2.000€.
Com data de 2 de Maio de 2017, a executada juntou aos autos um requerimento a opor-se ao valor em dívida e à sua existência, requerimento que foi notificado à agente de execução. Em resposta a mesma referiu que:«(…) Agente de Execução nos presentes autos, notificada que foi do requerimento apresentado pela Executada, vem reiterar o conteúdo do requerimento apresentado em 06-01-2017, e que se anexa, onde é exposta a postura da Executada depois de ser citada em 23-11-2016, dissipando património, neste caso uma viatura matrícula ….
Acresce informar que a Executada depois de citada, não apresentou oposição, pelo que o requerimento apresentado pela mesma em 04-05-2017, deverá ser julgado extemporâneo. Face ao supra exposto, reitera douto despacho referente ao requerimento em anexo.».
Com data de 17 de Maio de 2017, foi pela agente de execução feita a ordem de pagamento à exequente no valor de 3.284,71 €.
A 18/05/2017, a exequente respondeu à exposição escrita apresentada pela executada, M..., com entrada nesse Tribunal no dia 02 de maio de 2017, dizendo em suma, que tal exposição deve ser considerada intempestiva por ter sido apresentada fora do prazo peremptório de 20 dias a contar da citação. Dizendo que a executada foi citada no dia 28 de novembro de 2016 para se opor à execução e a sua exposição apenas deu entrada no Tribunal no dia 02 de maio de 2017.
A executada por requerimento que deu entrada a 21/08/2018, comunicado quer à agente de execução, quer à exequente, veio requerer que se procedesse à cessação da penhora, dizendo que «(…) o montante total objeto de penhora efetiva, das contas bancárias e vencimento, já excedeu em muito o valor da quantia alegadamente em divida», mais referindo que « foi absolvida de todo o pedido formulado pela Exequente por sentença decretada em 12/12/2017, tendo procedido a oposição por embargos de executado com a consequente extinção da execução, que apenas ainda não transitou em julgado dado que a Exequente apresentou pedido proteção jurídica».
Por despacho proferido a 15/10/2018 foi a agente de execução notificada para se pronunciar, o que a mesma fez pugnando pelo indeferimento.
Foi proferido despacho do seguinte teor: «Nos termos do n.º 4 do art. 733.º do Código de Processo Civil, não podia a agente de execução ter procedido a qualquer pagamento, sem prévia prestação de caução por parte do exequente, enquanto se mostrassem pendentes os embargos. Determino por isso seja a mesma notificada para, em 20 dias, regularizar a situação, demonstrando nos autos que devolveu à executada as quantias penhoradas, sob pena de, na qualidade de fiel depositária dessas quantias, vir a ser notificada pessoalmente nos termos e com as cominações previstas no art. 771.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo código.».
A agente de execução apresentou requerimento dizendo, em suma, que os agentes de execução não têm acesso ao CITIUS, e ainda que tenha sido a mesma a efectuar a citação, a Secretaria Judicial não a notificou da existência de oposição por parte da executada. Mais referiu que contactou telefonicamente a Secretaria Judicial, inquirindo sobre a eventual existência de oposição por parte da executada, tendo sido informada de que não dera entrada qualquer oposição. Defende que a Secretaria Judicial, que já tinha omitido a sua obrigação de notificar a ora requerente do pedido de apoio judiciário deduzido pela executada, pelo que dado o lapso de tempo decorrido desde a citação da executada até à notificação de que lhe fora concedido o apoio judiciário, a requerente supôs, a justo título, que aquele benefício fora requerido e concedido para oposição à penhora, pois só a 4 de Maio de 2017, foi notificada de um requerimento assinado pela própria executada, que dera entrada em juízo no dia 20 do mesmo mês. Frisa assim, que nunca foi notificada de que haviam sido deduzidos embargos pela executada, presumindo, sem culpa, a sua inexistência. Tanto mais que logo que foi notificada da procedência dos embargos, o que sucedeu no dia 15 de Outubro de 2018, suspendeu, imediatamente, a penhora do ordenado da executada e devolveu o saldo depositado à ordem deste processo. Mais refere que notificada, em 23 de Janeiro de 2019, para proceder à devolução à executada das quantias que haviam sido entretanto entregues à exequente, solicitou aquela devolução à exequente, não tendo este feito tal devolução. Conclui que agiu com a diligência a que estava obrigada, não podendo ser prejudicada pelos erros ou omissões da Secretaria Judicial.
Foi solicitado à Secretaria que informasse se foi efectuado o contacto telefónico referido, tendo a secretaria referido, a 7/01/2020, que:«(…) não sabe informar se a secretaria judicial foi, ou não contactada telefonicamente. Na verdade, a secretaria não notificou a Sra. AE da pendência da oposição que deu entrada em 17-12-2016,pelo que faço os presentes conclusos a fim de V.Exª. determinar o que tiver por conveniente, solicitando a relevação do lapso.».
Foi assim, proferido o seguinte despacho: «Notificada para demonstrar nos autos que devolveu à Executada a totalidade das quantias penhoradas, com a cominação de, na qualidade de fiel depositária dessas quantias, vir a ser notificada pessoalmente nos termos e com as cominações previstas no art. 771.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, a Sr.ª Agente de Execução não o fez. Veio, porém, alegar, em síntese, que apenas entregou à Exequente os valores que tinha depositados à ordem do processo por estar convicta de que não havia sido deduzida oposição à execução, uma vez que não tem acesso ao Citius e que a Secretaria Judicial nunca a notificou da existência de qualquer oposição à execução, nem sequer depois de contacto telefónico que efetuou com a Secretaria, e onde lhe foi referido que não deu entrada qualquer oposição. Concluiu dizendo acreditar que agiu com a diligência a que estava obrigada, não podendo ser prejudicada pelos erros ou omissões da Secretaria.
Respondeu a Executada defendendo que a Sr.ª Agente de Execução não cumpriu os deveres a que está adstrita, entregando indevidamente valores à Exequente, pelo que deve ser pessoalmente notificada nos termos e com as cominações previstas no normativo legal supra referido.
A Sr.ª Escrivã de Direito informou não saber esclarecer se a Secretaria Judicial foi contactada telefonicamente pela Sr.ª Agente de Execução, mas confirmando que a Secretaria não a notificou da pendência da oposição que deu entrada em 17.12.2016.
Compulsados os autos verifica-se que, efectivamente, a Secretaria Judicial não informou a Sr.ª Agente de Execução da dedução da oposição à execução, conforme competia.
Porém, a Sr.ª Agente de Execução bem sabe que enquanto não obtivesse a confirmação de que nenhuma oposição havia sido deduzida, deveria abster-se de entregar à Exequente quaisquer quantias, uma vez que, conforme se dispõe no art.733.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, “Quando a execução embargada prossiga, nem o exequente nem qualquer outro credor pode obter pagamento, na pendência dos embargos, sem prestar caução.”.
Invoca que tal informação lhe foi verbalmente transmitida, mas não o comprova. A Sr.ª Agente de Execução deveria ter tido o cuidado de pedir a informação por escrito e só depois de confirmado, também por escrito, ter decorrido o prazo de oposição, sem que a mesma tivesse sido apresentada, é que poderia ter entregue à Exequente alguma quantia. Julgada procedente a oposição, está a Sr.ª Agente de Execução obrigada a devolver à Executada todas as quantias penhoradas, o que não fez até hoje, apesar de para tanto notificada. Determina-se por isso se notifique a Sr.ª Agente de Execução, com cópia do presente despacho, para, em 5 dias, devolver à Executada todas as quantias penhoradas, sob pena de ser ordenado arresto em bens seus, de valor suficiente para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuízo de procedimento criminal, e com a advertência de que a execução passará a correr contra si para o pagamento do valor do depósito e das custas e despesas acrescidas. Notifique.».
Inconformada veio a agente de execução recorrer de tal despacho, solicitando a sua revogação, apresentando as seguintes conclusões:
«a) A ora apelante foi nomeada agente de execução para este processo em 27 de Outubro de 2016, data em que ele surgiu na plataforma electrónica GPESE/SISAAE;
b) A executada foi citada pela ora recorrente por carta expedida em 24 de Novembro de 2016, recebida pessoalmente pela destinatária em 28 do mesmo mês;
c) Tendo tomado conhecimento da data em que a executada foi citada (através da leitura do aviso de
recepção que lhe foi devolvido pelos Correios), a ora apelante sabia quando chegava a seu termo o prazo para a dedução de embargos;
d) A despeito de não ter sido notificada da dedução de oposição pela executada, a apelante contactou,
telefonicamente, a Secretaria Judicial, para averiguar da eventual existência de embargos;
e) Não existe qualquer norma que estabeleça o dever de o agente de execução se certificar de que o executado se opôs à execução;
f) A Secretaria Judicial tem o dever – imposto pelo nº. 4 do art. 719º. do Código de Processo Civil revisto – de notificar, oficiosamente, o agente de execução da dedução de embargos por parte do executado, bem como de outros incidentes ou procedimentos de natureza declarativa (v.g. embargos de terceiro ou reclamações de crédito) que possam ter influência na instância executiva;
g) A Secretaria Judicial omitiu o dever de notificar a ora apelante de que a executada deduzira embargos, como se mostra expressamente reconhecido na cota que antecede o, aliás douto, despacho recorrido e resulta da leitura do doc. junto sob o nº. 2, cuja autuação se impetra ao abrigo do disposto nos arts. 423º., nº. 3 e 425º. do Código de Processo Civil revisto;
h) No desconhecimento de que haviam sido deduzidos embargos – já porque não foi notificada da sua existência, já porque não tem acesso à plataforma CITIUS – meses volvidos sobre a data em que sabia terminar o prazo para a sua dedução, a ora apelante iniciou, como lhe competia, o pagamento da quantia exequenda à exequente;
i) No confronto entre a inexistência de dever que impenda sobre o agente de execução e a omissão de acto a cuja prática a Secretaria Judicial está legalmente adstrita, as consequências da falta têm de recair sobre quem omitiu o cumprimento da obrigação e não sobre quem agiu diligentemente;
j) Os erros e omissões de actos por parte da Secretaria Judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, nos precisos termos preceituados no nº. 6 do art. 157º. do Código de Processo Civil revisto, teleologicamente extensível aos agentes de execução;
k) A relevação da falta impetrada pela Secretaria e deferida pelo Mmo. Juiz a quo, não pode ter como
consequência a responsabilização do agente de execução pelos danos recorrentes dessa falta;
l) O Mmo. Juiz a quo procedeu no, aliás douto, despacho recorrido a errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 719º., nº. 4, 733º., nº. 4 e 756º., nº. 6, todos do Código de Processo Civil revisto.».
A executada apresentou contra alegações, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo que:
«1) O recurso em apreço é de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto nos artigos 644º, n.º1, al (a, 645º, n.º1 e 647, n.º1 do Código Processo Civil, não existindo fundamento para o efeito Suspensivo requerido pela Recorrente, nem a mesma prestou caução para o efeito.
2)A recorrente não fundamentou nem concretizou os prejuízos que a execução imediata da decisão lhe poderá causar pois estes não existem, não especificou o modo como pretende prestar a caução, nem demonstrou a existência de bens, e onde se encontram e qual o seu estado de conservação.
3)Não estão preenchidos os requisitos do nº 4 do art. 647º, designadamente, se a execução da decisão pode causar à Recorrente prejuízo considerável, e, sendo o caso, devia ter fixado o valor a caucionar e demonstar se a caução a oferecer seria idónea.
4)Pelo que, não deve ser admissível a atribuição do efeito suspensivo ao recurso interposto, devendo prosseguir com efeito meramente devolutivo
5)O Recurso apresentado carece de total fundamento.
6)A Recorrente não faz, salvo o devido respeito, que é muito, a correta interpretação da lei e do douto despacho do qual recorreu.
7)Bem esteve a Meritíssima Juíza a quo, ao proferir o douto despacho. Foi feita uma correta apreciação e ponderação dos factos.
8)Na verdade não há qualquer ligeireza de raciocínio por parte do Tribunal a quo não se vislumbra qualquer antagonismo na douta decisão. A decisão, com o todo o devido respeito, não podia ser outra.
9)A recorrente atuou com manifesto erro, falta de cuidado e em contradição ao que lhe era exigido, por isso tem a obrigação de devolver à Executada M..., aqui recorrida o que lhe penhorou e não lhe devolveu.
10)A Recorrente em causa tinha o dever, obrigação a que está vinculada, de se munir de informação sobre o real estado da execução, o que não aconteceu, pois se tivesse tido o cuidado a que estava obrigada, tinha ficado a saber que a Executada dentro do prazo tinha deduzido embargos de executado, que procederam.
11) A senhora Agente de Execução/Recorrente penhorou à executada a quantia de €21.136,80, mas apenas lhe devolveu a quantia de € 5 928,46. Quantia essa que devolveu à Executada depois de ter tido todos os cuidados a que estava obrigada, designadamente fazendo pedido de informação aos autos por escrito, solicitando se existia decisão e se a mesma tinha transitado em julgado. Cuidado e obrigação que não teve quando entregou por duas vezes montantes à Exequente.
12)A Recorrente tem de entregar à executada/aqui respondente M… a quantia de € 15 140,63, por lhe ser devida.
13) A Recorrente entregou à Exequente dos autos sem legitimidade para o poder fazer, em 14/02/2017, a quantia de € 9.923,63, e não como alegado nas doutas alegações de recurso, em que refere que esta só entregou quantia à Exequente em 17/05/2017, tudo conforme informações nos autos juntas pela Recorrente.
14)A recorrente errou, uma segunda vez quando entregou, em 17/05/2017, indevidamente à Exequente a quantia de € 3.284,71 após já ter sido notificada, como a própria atesta em requerimentos juntos aos autos, nomeadamente no de 7/07/2019, do deferimento da proteção jurídica da Embargante/Executada por parte de segurança social, em 13/04/2017.Documento que naquela data foi dado a conhecer à aqui recorrente, agente de execução, que o pedido de proteção jurídica da Executada tinha lhe sido deferido, para o processo de Embargos com o número 20046/16.6T8SNT-A, vidé documento juntos nos autos. A Recorrente tomou conhecimento do deferimento da segurança social, em 13/04/2017,na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, requerimento de pedido de concessão já junto aos autos em Dezembro de 2016, para efeitos de Embargos.
15)Não pode a Recorrente ora alegar em sede de recurso que foi surprendida pela procedência de uns embargos que desconhecia até 15/10/2018, por isso não corresponder à verdade, aliás o que está reconhecido pela recorrente nos autos.
16)A recorrente, tomou pelo menos conhecimento em 13/04/2017 da Oposição à Execução.
17) E também tomou conhecimento através de requerimentos trocados entre os mandatários das partes, juntos aos autos, de que foi notificada, em 19/05/2017. Tendo inclusivé em 6/6/2017, a Recorrente notificado a aqui mandatária da Executada, o que fez sempre a partir dessa data, tudo conforme explanado nos autos.
18)Para além de que, a Recorrente, ainda com pleno conhecimento da sua falta, ainda procedeu ao levantamento, dos valores penhorados à executada/embargante, dos seus honorários no montante de € 2.000,00.Quando já sabia do seu manifesto erro e que o montante de que se estava a fazer pagar
tinha que ser devolvido à Executada, que era alheia a toda situação, agindo com má fé.
19)A Recorrente atuou consciente da ilicitude desta sua atuação.
20) A Recorrente, agiu contra ao que lhe era exigido.
21) A Recorrente entregou os valores penhorados a quem não devia e/ou podia, e ainda de igual modo se fez pagar dos seus honorários quando quem lhe devia era a Exequente.
22)A Recorrente não se equivocou como alegou nos autos, errou clara e evidentemente por três vezes, e recusa-se a assumir e aceitar.
23)A Recorrente não cumpriu os deveres a que estava a adstrita e continua a não cumprir.
24)A Recorrente/Agente de Execução, na qualidade de fiel depositária, tem que devolver à aqui Respondente/Executada as quantias em causa nos presentes autos e que não lhe entregou.
25)A Recorrente tem consciência e sabe que agiu erradamente e que não obviou às consequências da sua grave falta de cuidado.
26)Se contactou telefonicamente a secretaria, não o devia ter feito, pois esse não é nem nunca foi meio idóneo para atestar a necessária informação.
27)Com a declaração da senhora escrivã junta aos autos não há qualquer aceitação de que tenha havido o referido contacto telefónico para a secretaria, como quer a recorrente fazer crer. Apenas e só é referido pela signatária, Senhora escrivã, que não sabe informar se a secretaria foi, ou não contactada telefonicamente. O contrário é que seria de deduzir, pois se tivesse havido esse contacto telefónico da senhora agente a secretaria teria lavrado cota no processo fazendo referência a esse facto.
28)Cabe à Recorrente assegurar e suportar as entregas, que fez sem suporte.
29)Todo a conduta ilícita e consciente da recorrente, surge particularmente reforçada pelo facto de ser uma senhora agente de execução experiente, e deste modo, a sua atuação evidentemente muito censurável e grave.
30)Não pode ora se basear em irregularidades.
31)A Juiz a quo procede em conformidade com o estipulado legalmente e fez a correta interpretação do previsto no Código Processo Civil.
33)Devendo a Recorrente proceder à devolução à executada da quantia que entregou à Exequente dos autos, desrespeitando as suas obrigações enquanto agente de execução e fiel depositária dessas mesmas quantias.
34)Não cumpriu a Senhora Agente de execução o douto despacho sem fundamento, não tendo devolvido à executada as quantias penhoradas e em falta, o que deve fazer.
35) Sobre tudo o resto alegado de um modo geral deve-se dizer que não tem qualquer fundamento nem é feita qualquer prova do que pretendia ver decidido.
36) A prova documental junta aos autos, é suporte e fundamento bastante para a decisão proferida.
37) Bem esteve a Meritíssima juíza a quo na fundamentação das suas convicções tomadas após análise crítica de toda a prova produzida.
38) Na verdade não há qualquer ligeireza de raciocínio por parte do Tribunal Aquo não se vislumbra qualquer antagonismo na douta decisão.
39) A Meritíssima Juíza a quo, julgou bem.
40) Em face do exposto é evidente que a douta decisão, apresenta todos os ditames, devendo-se manter inalterada, com os efeitos dai advenientes.».
O recurso foi admitido nos seguintes termos:«Por ser recorrível, estar em tempo, e a recorrente para tanto ter legitimidade, admito o recurso interposto contra o despacho proferido em 20.01.2020, o qual é de apelação, com subida em separado e com efeito suspensivo da decisão - arts. 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 2, 637.º, 638.º, n.º 1, 639.º, 644.º, n.º 2, al. e), 645.º, n.º 2, 647.º, n.º 3, al. e), e 852.º, todos do novo Código de Processo Civil.».
Admitido nesta instância o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Questão a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, importa apreciar se compete à agente de execução proceder à devolução dos valores penhorados à executada, quando desconhecendo a Agente que haviam sido deduzidos embargos, procedeu à entrega de determinados valores penhorados à exequente.
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II. Fundamentação:
Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os constantes do relatório que antecede que se dão por reproduzidos, havendo ainda que considerar os seguintes actos processuais:
- Com data de 17/12/2016 a executada juntou aos autos um requerimento, alegando em suma, quer o pagamento da dívida, quer ainda a nulidade do requerimento de injunção que serviu de título executivo à execução
- Por despacho proferido a 13/06/2017, foi ordenada a correcção da autuação, nos seguintes termos: «Por apenso à Execução Sumária que “C…” intentou contra M..., veio esta executada apresentar requerimento de Oposição à Penhora através do correspondente formulário “Citius”. Sucede, porém, que, compulsado o teor do apontado requerimento se descortina que do mesmo não consta a alegação de qualquer facto enquadrável nos fundamentos de oposição à penhora previstos no artigo 784.º do Código de Processo Civil. Verifica-se, ao invés, que através de tal requerimento pretende a executada opor-se à execução mediante embargos. Crê-se, assim, tratar-se de evidente e manifesto lapso a utilização de formulário de “Oposição à Penhora”. Consequentemente, e considerando que nos termos do artigo 856.º, n.º 3, do Código de Processo Civil a oposição à penhora é, em sede de execuções sumárias, cumulada com os embargos de executado, por razões de celeridade processual e ao abrigo do artigo 6.º do Código de Processo Civil, entendo determinar a correcção da autuação sem fazer operar previamente o contraditório. Assim, determino desde já se rectifique a autuação do presente apenso como Oposição à Execução mediante Embargos de Executado.»;
- Com a mesma data foram admitidos liminarmente os embargos e notificado o exequente para contestar, mais se dizendo que mesmo que opte por não apresentar contestação, deverá a exequente juntar aos autos o contrato a que alude no requerimento de injunção e facturas ali mencionadas;
- A exequente contestou a 6/07/2017;
- Com data de 21/10/2017, além de ter sido proferido despacho saneador nos embargos de executado, foi ainda indeferida a pretensão formulada no sentido da suspensão da execução sem prestação de caução, tendo sido ordenada a comunicação ao agente de execução, o que resulta ter sido feito no processo principal cf. Cota de 25/10/2017;
- Dos autos principais resulta que a Agente foi notificada de tal despacho e da data designada para audiência ( cf. Notificação Referência nº 109454371, de 25-10-2017);
- A 25 de Fevereiro de 2018, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição à execução por embargos de executado, com a consequente extinção da execução, resultando em Cota que foi comunicado à Agente de execução a 28/02/2018, nos autos principais.
- A exequente recorreu mas o recurso não foi admitido, tendo a sentença transitado em julgado.
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III. O Direito:
A questão que ora nos ocupa prende-se por um lado, com a intervenção do agente de execução e vicissitudes ocorridas nos autos. Por outro lado, entendemos que haverá que considerar a sua actuação na veste de fiel depositário dos bens penhorados.
Com efeito, a figura do agente de execução, cujo regime emerge do Estatuto da Câmara dos Solicitadores e também de diversas normas do CPC, e seguindo de perto quer a abordagem efectuada pelo Ac. do STJ, de 6-7-11, quer ainda o Ac. do mesmo Tribunal Superior de 11/04/2013 (ambos in www.dgsi.pt/jstj) ressalta de tais arestos a ideia-base de que, pese embora o facto de aos agentes de execução terem sido atribuídos poderes que anteriormente eram exercidos por oficiais de justiça, sob directa subordinação ao juiz do processo, certos aspectos que decorrem do seu estatuto profissional, do modo de designação ou do grau de autonomia que lhes é conferido no âmbito do acção executiva demandam que pelo exercício da sua actividade respondam nos termos do direito privado.
Senão vejamos.
Com  a Reforma da Acção Executiva de 2003, operada pelo Dec. Lei n.º 88/03, de 10-9, foi criada a figura dos “solicitadores de execução”, que além de funcionarem fora dos limites físicos das secretarias judiciais, foi-lhes permitido que organizassem a sua actividade com um grau de autonomia semelhante ao que é próprio de quem exerce profissões liberais, suportando os custos e arrecadando os correspondentes benefícios.
Assim, consta do Preâmbulo do Dec. Lei n.º 83/03, de 10-9, que: “Uma das suas linhas estruturantes relaciona-se com a criação de uma nova profissão - o agente de execução - com funções determinantes no desenrolar da acção executiva. O agente de execução é, preferencialmente, recrutado de entre solicitadores de execução. Nos termos do presente Estatuto, o solicitador de execução é o solicitador que, sob fiscalização da Câmara e na dependência funcional do juiz da causa, exerce as competências específicas de agente de execução e as demais funções que lhe forem atribuídas por lei”. E, mais adiante, refere-se que se pretende “adequar a Câmara dos Solicitadores à nova realidade que a criação dos solicitadores de execução certamente trará” e que “o solicitador de execução é obrigado a aplicar na remuneração dos seus serviços as tarifas aprovadas por portaria do Ministro da Justiça. As tarifas podem compreender uma parte fixa, estabelecida para cada tipo de actividade processual e dependente do valor da causa, e uma parte variável, dependente da consumação do efeito ou resultado pretendido com a actuação do solicitador de execução.
Os solicitadores de execução, assim como todos os solicitadores, estão sujeitos ao poder disciplinar exclusivo da Câmara dos Solicitadores”
Logo, desde essa primeira abordagem legislativa que a regulação da actividade, quer na vertente inspectiva, quer disciplinar, foi confiada exclusivamente a órgãos internos da Câmara de Solicitadores, sem distinção relativamente aos demais solicitadores (art. 131º, n.º 1, do Estatuto). Já ao nível da intervenção na acção executiva, para além da atribuição de competência para a prática da generalidade dos actos executivos, ficou previsto que a sua destituição, por decisão judicial, ficaria reservada para casos de actuação dolosa ou negligente ou para situações que configurassem violação grave de deveres estatutários (art. 808º, n.º 4, do CPC), mas a nível disciplinar as medidas a tomar seriam um exclusivo da Câmara de Solicitadores.
Como alude Rui Pinto «pela primeira vez no nosso direito processual, os atos executivos deixaram de ser realizados pelo Tribunal, por meio do funcionário judicial, e passavam para a competência de uma entidade privada. Note-se a novidade: os privados não surgiam apenas em defesa dos privados – madatário judicial – mas passavam a poder actuar por conta do Estado, exercendo o ius emperii deste.» ( in “Acção Executiva”, pág. 76). Foi tomado como matriz a nível legislativo o modelo do Huisser de Justice implementado em França, modelo que se tem mantido desde a actualidade com acertos ao longo dos anos.
Ora, a Reforma de 2008 deu a lugar à figura dos “solicitadores de execução”, figura mais ampla de “agentes de execução”, por forma a abarcar também advogados, destacando-se ainda a criação da Comissão para a Eficácia das Execuções (art. 69º-B do Estatuto), com funções inspectivas e disciplinares. Mas embora tal Comissão constitua uma entidade independente e com pluralidade de elementos de diversas proveniências, alguns dos quais designados por entidades públicas (CSM e Ministérios), na respectiva composição dominam os elementos corporativamente designados, nomeadamente pela Ordem dos Advogados e pela Câmara de Solicitadores.
Quanto à intervenção judicial, em lugar do poder geral de controlo atribuído na anterior versão do nº 1 do art. 809º do CPC, procedeu-se à tipificação das suas intervenções, tendo como contraponto o maior grau de autonomia dos agentes de execução, designadamente em relação aos actos propriamente executivos. Por outro lado, foi retirado ao juiz o poder de destituição, o qual foi integralmente transferido para o órgão disciplinar de natureza corporativa (CPEE), ao mesmo tempo que, acentuando a natureza privatística do estatuto do agente de execução, se atribuiu ao exequente o poder de proceder à sua livre substituição (art. 808º, nº 6, do CPC).
Tal consta do Preâmbulo do Dec. Lei n.º 226/08, de 20-11, resultando deste além do mais, o seguinte: “Assim, reserva-se a intervenção do juiz para as situações em que exista efectivamente um conflito ou em que a relevância da questão o determine (…). Desta forma, eliminam-se intervenções actualmente cometidas ao juiz ou à secretaria que envolvem uma constante troca de informação meramente burocrática entre o mandatário, o tribunal e o agente de execução, com prejuízo para o bom andamento da execução. O papel do agente de execução é reforçado, sem prejuízo de um efectivo controlo judicial, passando este a poder aceder ao registo de execuções, designadamente para introduzir e actualizar directamente dados sobre esta”.
E mais adiante “… passa a permitir-se que o exequente possa substituir livremente o agente de execução, no pressuposto de que este é o principal interessado no controlo da eficácia da execução. Esta medida é compensada com um dever de informação acrescido do agente de execução e com o reforço do controlo disciplinar dos agentes de execução através da criação de um órgão de composição plural, apto a exercer uma efectiva fiscalização da sua actuação”.
Tal como se refere no último aresto do STJ aludido «Submetidos [os agentes de execução] a um estatuto híbrido, no qual surgem aspectos ligados à cooperação na Administração da Justiça cível, acaba por prevalecer a vertente liberal da sua actividade, a qual é revelada designadamente através do modo de recrutamento, da forma de designação (art. 808º, n.ºs 3 e 4), do grau de autonomia relativamente ao juiz (n.º 1), a par do grau de dependência em relação ao exequente (n.º 6), da faculdade de delegar a execução de actos (art. 128º do Estatuto), do regime de honorários, com indexação aos resultados (Portaria n.º 708/03, de 4-8), ou da atribuição da função inspectiva e disciplinar a órgãos autónomos que não se confundem com órgãos da Administração.».
Foi este regime posteriormente objecto de nova alteração, pela Lei 41/2013 e Portaria nº 282/2013 de 20/08 e Portaria nº 349/2015, de 13/10), regime que no entanto, na parte que ora nos ocupa, não teve alterações significativas.        
Donde, é evidente que aos agentes de execução foram conferidos poderes que interferem com a esfera de terceiros, designadamente do executado, de início, sob o “poder geral de controlo” atribuído ao juiz e, agora, sujeitos à apreciação judicial mediante iniciativa externa. Tal tem determinado que alguns autores concluem que se aplica aos agentes de execução o regime da responsabilidade próprio dos agentes administrativos, nomeadamente Teixeira de Sousa (in “Aspectos gerais da reforma da acção executiva” - Cadernos de Direito Privado, n.º 4), conclui que “o solicitador, apesar de ser uma entidade privada, exerce funções públicas, pelo que se está perante um dos casos de exercício privado de funções públicas” (pág. 8). Já em Cadernos de Direito Privado, Especial n.º 1, num trabalho sobre o novo regime de 2008, afirma que o agente de execução responde ao abrigo do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, sendo o Estado “exclusivamente responsável pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelo agente de execução” (pág. 9). Também Lebre de Freitas, depois de afastar a integração da relação estabelecida entre o exequente e o agente de execução (ao abrigo do regime de 2003) nos quadros do contrato de serviços de direito privado, considerando que releva a vertente pública da sua actividade (“O agente de execução e poder jurisdicional”, na revista Themis, n.º 7, pág. 26), conclui que, “havendo responsabilidade do solicitador perante as partes ou terceiro, o Estado pode, por sua vez, responder nos termos gerais da responsabilidade do Estado por actos dos seus agentes”(CPC anot., vol. III, pág. 270). Observa ainda que “não impede a responsabilidade do Estado pelos actos ilícitos que o solicitador de execução pratique no exercício da função, nos termos gerais da responsabilidade do Estado pelos actos dos seus funcionários e agentes” (Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª ed., págs. 27 e 28).
O agente de execução tem deveres gerais e especias, previstos nos EOSAE (Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agente de Execução), nos seus artºs 119º e 121º e 168º a 179º, respectivamente. Do vasto grupo de deveres há que destacar os seguintes: dever de legalidade e justiça, deveres de imparcialidade ou independência, deveres de diligência, deveres de informação, dever de sigilo e deveres de organização. Acresce que, quanto ao poder geral de direção do processo executivo, se entende que da articulação dos artº 719º e 723º do CPC «na acção executiva os atos processuais do Estado são, em regra, atos do agente de execução.» ( neste sentido  Rui Pinto in ob. Cit. Pág. 105). Donde, a competência fundamental do agente de execução é  a prática de actos materiais da realização coactiva da prestação, desdobrando-se em actos executivos em sentido próprio, nomeadamente: a penhora ( artº 719º, 755º e ss.), pagamento, nas suas diversas modalidades ( artº 719º, 795º e ss ), liquidação e pagamento dos créditos exequendos e custas ( artº 719º, 796º ), recebimento do pagamento voluntário ( artº 846º ), e apreensão e entrega de bens ( artº 861º ). Instrumentais destes são os actos não executivos.
Dúvidas não há que determinados actos materiais se repercutem imediata e directamente no património dos cidadãos executados, quando o Juiz apenas é chamado depois do acto, em sede de impugnação, nomeadamente pelo artº 723º alinea c) do CPC, mas sempre a actuação do agente de execução está vinculada ao respeito pelos direitos e garantias fundamentais. Por outro lado, as decisões podem incidir directamente sobre a relação processual, ou sobre a realização coactiva da prestação.
Na maior parte das diligências (penhora, venda, arrecadação de dinheiros, pagamentos, notificações, etc.) os agentes de execução agem com uma autonomia praticamente total, fora dos limites da secretaria judicial, nos respectivos escritórios. Por isso não se compreenderia que, apesar desse grau de autonomia e do facto de não suportarem os ónus inerentes a um controlo externo e efectivo de entidades públicas, acabassem por ser submetidos ao regime específico da responsabilidade que a estas se aplica, com a inerente assunção, em determinadas circunstâncias, da responsabilidade civil exclusiva do Estado.
Alguns dos actos são de natureza intrusiva na esfera jurídica de terceiros, maxime do executado, como acontece com a penhora ou com a venda. Outros actos são de natureza para-jurisdicional, podendo envolver a ponderação de certas circunstâncias de contornos variáveis. Mas a opção pela desjudicialização e desjurisdicionalização (que alguns chegam a apelidar de “privatização”) de alguns actos da acção executiva não pode ter como consequência automática, nem a manutenção da responsabilidade do Estado, em regime de solidariedade, nem a aplicação aos membros das diversas classes profissionais a quem foi atribuída a sua prática do regime de responsabilidade prescrita para os actos da Administração.
Porém, a questão que ora nos ocupa não se prende com a eventual responsabilidade civil imputada ao agente de execução, verificados que sejam os respectivos pressupostos, e a discussão sobre se esta é ou não enquadrável na responsabilidade civil do Estado. O que releva saber é se perante a actuação processual do agente de execução neste caso, a decisão da AE que determinou a entrega do valor penhorado à exequente, é ou não legítima no caso concreto. E a ser ilegítima, viola os deveres legais e deontológicos que impendem sobre o agente de execução, respondendo o mesmo pelos danos causados pela sua actuação, eventualmente em responsabilidade solidária com a parte co-autora do facto danoso ou que, ao menos, o podia evitar. Mas esta responsabilidade permite-nos excluir a possibilidade de resolução na execução, obrigando a executada a propor uma acção própria, ou ao invés, a solução pode ainda ser encontrada no seio da execução, sem prejuízo da responsabilidade extra processo executivo, no caso de advirem outros danos que resultem da actuação da agente de execução, mas sem que estes se reportem à penhora em concreto.
Sustenta a agente de execução, ora apelante, que  tendo procedido à citação da executada e sabendo do prazo para ser deduzida oposição pela mesma, sem que tenha sido notificada da entrada da oposição por embargos, contactou telefonicamente, a Secretaria Judicial, para averiguar da eventual existência de embargos. Defende ainda que não existe qualquer norma que estabeleça o dever de o agente de execução se certificar de que o executado se opôs à execução, mas que compete à Secretaria Judicial, nos termos previstos no nº 4 do art. 719º. do CPC, notificar, oficiosamente, o agente de execução da dedução de embargos por parte do executado, bem como de outros incidentes ou procedimentos de natureza declarativa (v.g. embargos de terceiro ou reclamações de crédito) que possam ter influência na instância executiva. Logo, tendo a Secretaria omitido tal notificação e não tendo os AE acesso à plataforma CITIUS, meses volvidos sobre a data em que sabia terminar o prazo para a sua dedução, a ora apelante iniciou, como lhe competia, o pagamento da quantia exequenda à exequente.
Conclui assim, que no confronto entre a inexistência de dever que impenda sobre o agente de execução e a omissão de acto a cuja prática a Secretaria Judicial está legalmente adstrita, as consequências da falta têm de recair sobre quem omitiu o cumprimento da obrigação e não sobre quem agiu diligentemente, não podendo ser responsabilizada pelos erros e omissões de actos por parte da Secretaria Judicial.
Ora, da análise dos factos resulta, além do mais, que foi determinada a penhora de vencimento auferido pela executada nos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento, bem como o valor de saldos. Com efeito, por informação prestada pela agente de execução resulta que:
A 28-10-2016, após consulta à DGCI, constatou-se que a Executada é proprietária do veículo matrícula 64-HS-12. A 23-11-2016, procedeu-se à penhora do veículo referido. A 07-11-2016, procedeu-se à penhora de saldos bancários da Executada. A desmobilização dos valores penhorados ocorreu a 17-11-2016.
Com data de 10/02/2017, a agente de execução juntou aos autos o seguinte requerimento que intitulou “decisão”: «J... Agente de Execução designada nos presentes autos, vem tomar a seguinte decisão:
A Executada foi penhorada:
Saldos bancários - 1.250,08€ (Millennium Bcp);
Saldos bancários - 8.000,48€ (Millennium Bcp);
Saldos bancários - 4.000,48€ (Millennium Bcp);
Penhora de salário junto do S.M.A.S.
A Executada foi citada a 28-11-2016.
Consultadas as comunicações da D.G.A.J., a signatária não detecta entrada de oposição/embargos por parte da Executada.
A signatária irá proceder à entrega dos valores penhorados à ordem dos presentes autos à Exequente, salvaguardando os valores a entregar aos cofres do estado e os honorários da Agente de Execução.».
Assim, foi junta a ordem de pagamento da agente de execução à exequente no valor de 9.923,63 €, datada de 14/02/2017. E com a mesma data o levantamento de honorários pela Agente de Execução no valor de 2.000€.
Com data de 17 de Maio de 2017, foi pela agente de execução feita a ordem de pagamento à exequente no valor de 3.284,71 €.
Contudo, com data de 17/12/2016, a executada juntou aos autos um requerimento de oposição à penhora, alegando em suma, quer o pagamento da dívida, quer ainda a nulidade do requerimento de injunção que serviu de título executivo à execução. Apenas por despacho proferido a 13/06/2017, foi ordenada a correcção da autuação, nos seguintes termos: «Por apenso à Execução Sumária que “Cozinhas Requinte de Maria Helena Teixeira” intentou contra M..., veio esta executada apresentar requerimento de Oposição à Penhora através do correspondente formulário “Citius”. Sucede, porém, que, compulsado o teor do apontado requerimento se descortina que do mesmo não consta a alegação de qualquer facto enquadrável nos fundamentos de oposição à penhora previstos no artigo 784.º do Código de Processo Civil. Verifica-se, ao invés, que através de tal requerimento pretende a executada opor-se à execução mediante embargos. Crê-se, assim, tratar-se de evidente e manifesto lapso a utilização de formulário de “Oposição à Penhora”. Consequentemente, e considerando que nos termos do artigo 856.º, n.º 3, do Código de Processo Civil a oposição à penhora é, em sede de execuções sumárias, cumulada com os embargos de executado, por razões de celeridade processual e ao abrigo do artigo 6.º do Código de Processo Civil, entendo determinar a correcção da autuação sem fazer operar previamente o contraditório. Assim, determino desde já se rectifique a autuação do presente apenso como Oposição à Execução mediante Embargos de Executado.». Com a mesma data foram admitidos liminarmente os embargos e notificado o exequente para contestar, mais se dizendo que mesmo que opte por não apresentar contestação, juntar aos autos o contrato a que alude no requerimento de injunção e facturas ali mencionadas.
A exequente contestou a 6/07/2017. Com data de 21/10/2017, além de ter sido proferido despacho saneador nos embargos de executado, foi ainda indeferida a pretensão formulada no sentido da suspensão da execução sem prestação de caução, tendo sido ordenada a comunicação ao agente de execução, o que resulta ter sido feito no processo principal cf. Cota de 25/10/2017.
Dos autos principais resulta que a Agente de execução foi notificada de tal despacho e da data designada para audiência ( cf. Notificação Referência nº 109454371, de 25-10-2017).
A 25 de Fevereiro de 2018, foi proferida sentença que julgou procedente a presente oposição à execução por embargos de executado, com a consequente extinção da execução, resultando em Cota que foi comunicado à Agente de execução a 28/02/2018, nos autos principais, tendo tal sentença transitado em julgado.
Da cronologia aludida é manifesto que os pagamentos efectuados pela AE são anteriores ao despacho que admitiu liminarmente os embargos, porém, ao contrário do sustentado no recurso a “decisão” de entrega do valor penhorado efectuada pela agente de execução teria de ter sempre como pressuposto a inexistência de dedução de oposição (por embargos ou oposição à penhora), ou a improcedência desta – cf. Artº 779º nº 3 do CPC.
Defende a apelante que o desconhecimento de tal dedução de embargos por parte da mesma, apenas pode ser imputado à Secretaria Judicial, pelo que a sua actuação foi diligente, sustentando a existência de um telefonema a solicitar a informação junto da secretaria, sem que contudo, tal telefonema tenha sido corroborado pela Secretaria.
Ora, como vimos os actos e decisões do agente de execução regulam-se pelas normas gerais e especificas e sendo actos processuais estão sujeitos quer às nulidades processuais, quer às impugnações pelos meios próprios, mormente: a oposição à penhora ( artº 784º), o protesto do acto de penhora ( artº 764º), os embargos de terceiro ( artº 342º). Acresce que dispõe o artº 723º alínea c) que compete ao juiz “julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução”. Tal como defende Rui Pinto ( in ob. Cit. Pág. 113 e ss ) trata-se de um meio de defesa dos actos processuais do agente de execução, que tem como pedido a revogação do acto processual ou despacho do agente de execução com fundamento num erro de direito ou de facto, ou seja tem como fundamento a “ilegalidade processual ou material do ato ou despacho do agente de execução; tratando-se de despacho, soma-se um outro fundamento: erro de julgamento de atos processualmente relevantes”( autor e obra citada pág. 115 ). Contudo, haverá ainda que considerar que a reclamação só deve operar quanto às ilegalidades e actos que estão excluídos do âmbito de outros meios de defesa, nomeadamente algumas previsões ou soluções encontradas no código para certos actos. Assim, a “reclamação do ato do agente de execução não pode ser deduzida quando a lei preveja um meio processual mais adequado ao fundamento invocado pelo interessado. Dito de outro modo: prevalece o meio processual de âmbito especial” ( in ob. Cit. Pág. 118).
A penhora, sendo um acto de apreensão judicial, é uma manifestação do jus imperii e o “primeiro acto pelo qual se efectiva a garantia da relação jurídica pecuniária” – Lebre de Freitas in ob. citada, pág. 264 – sendo que o direito do executado é esvaziado dos poderes de gozo que o integram, os quais passam para o tribunal que, em regra, os exercerá através de um depositário. A referida transferência dos poderes de gozo importa uma transferência da posse. Cessa a posse do executado e inicia-se a posse pelo tribunal, passando o depositário a ter a posse do bem penhorado em nome deste.
É certo que o agente de execução passou a assumir as funções sobreditas no âmbito da execução, mas à qualidade de AE acresce no âmbito das penhoras efectuadas a sua qualidade como fiel depositário. Pois todos os valores depositados e que advém das penhoras ordenadas e efectuadas pelo AE são feitas à ordem e na conta da AE, ficando esta como fiel depositária dos valores penhorados e depositados. Tal resulta do disposto nos artº 779º nº 2 e 780º nº4 do CPC que regulam quer a forma de se efectuar a penhora de vencimentos ou salários, quer de depósitos bancários, respectivamente.
Na verdade, a penhora de um bem constitui facto sine qua non da sua apreensão, como se alude no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º 32/11.3TBCTBA.G1, «A penhora, sendo um acto de apreensão judicial, importa uma transferência da posse, sobre os bens penhorados, do executado para o tribunal, que a exerce através do depositário», disponível em http://www.dgsi/jtrg). Trata-se de um acto judicial e pressupõe que a partir desse momento se transfira a posse para o tribunal. A figura jurídica definida para “representar” o tribunal neste acto, é o fiel depositário.
O fiel depositário é aquele que fica responsável pelo bem penhorado e promove a sua guarda, quanto ao modo da sua escolha a mesma encontra-se nos termos da Lei processual Civil, no artigo 756.º, figurando como regra que tal função será exercida pelo Agente de Execução, passando então a assumir a função de fiel depositário. Com efeito, apesar de estar consagrado no CPC a figura do fiel depositário, a sua efectiva personalidade não é definida em concreto, deixando o legislador em aberto características que consideramos serem relevantes para a eficácia das suas funções. E, se por um lado esta estatuição legal já prevê direitos e deveres inerentes às funções, haverá ainda que considerar que no nosso sistema jurídico, o fiel depositário assume também o papel de auxiliar da justiça ( Fernando Amâncio Ferreira considera que o fiel depositário corresponde a uma entidade parajudicial, que compartilha características próprias do oficial público, como quando são os casos em que nesta entidade de fundem também o solicitador de execução, in “Curso de Processo de Execução, 4.ª Ed. Revista e Actualizada, Almedina, Coimbra, 2003, p. 218), pois que não é um oficial público, investido dos direitos e deveres daí decorrentes. O fiel depositário não detém poderes de um órgão judicial mas, como define Alberto dos Reis ( in “Processo de Execução” - volume II, p. 137), é um particular que coopera temporariamente com os órgãos encarregados da administração da justiça. Mas importa concretizar efectivamente o fiel depositário, enquanto figura que intervém no processo executivo, concretamente aquele que se encarrega de promover a guarda do bem penhorado. As suas funções são de extrema importância, pois da guarda de um bem penhorado depende o resultado da recuperação de determinada quantia em dívida ao credor.
Actualmente os processos executivos são uma realidade pesada no nosso quotidiano e, o modo de garantir a satisfação dos créditos devidos ao credor é habitualmente através do produto da venda dos bens entretanto penhorados. Trata-se de uma responsabilidade acrescida, fazer a guarda e depósito do bem penhorado, que resultou de acto ofensivo à esfera jurídica do devedor e com o qual se vai pagar parcial ou totalmente determinada dívida.
Alberto dos Reis ( in ob. Cit. Pág. 137) é de parecer que a amplitude legal do fiel depositário está unicamente consagrada nos termos do Código de Processo Civil, não podendo ser feita analogia à figura de depositário que surge no Código Civil, pois defende que além de na base do depósito previsto no código civil estar um contrato, as funções entre ambos diferem, no âmbito processual civil. Inês Gandum ( in “A figura jurídica do Fiel Depositário e administração de bens: Processo Executivo vs Processo de Insolvência” Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Direito Especialidade de Ciências Jurídico-Processuais, UAL), contraria tal entendimento, pois o Capítulo XI do Livro – do Código Civil trata o depósito e, sendo certo que se reporta ao contrato de depósito, a descrição dos deveres e direitos do depositário são de todo aqueles que se procuram estabelecer quando falamos do fiel depositário. Ademais, é também o mesmo sentido que o legislador aplicou no Código de Processo Civil. Munimo-nos da descrição dos direitos, deveres e responsabilidades inerentes ao fiel depositário e a sua comparação com a lei civil.
Ora, o cerne será sempre as funções de guarda e administração dos bens penhorados, pois o fiel depositário tem como funções o depósito e guarda, bem como administração dos bens penhorados. Consagrando-se no artigo 760.º do CPC que incumbe ao fiel depositário o dever de administrar os bens, além dos deveres «gerais do depositário» e, esta expressão permite corroborar a teoria seguida, pois os deveres gerais estão efectivamente vertidos no âmbito do depósito, no Código Civil.
Deste modo, relativamente ao modo como é feita a administração do bem penhorado, o legislador entendeu que devia ser com a diligência e zelo de um bom pai de família. Ora, o bonus pater familiae está consagrado no artigo 487.º n.º 2 do Código Civil e este dever determina a correcta administração dos bens penhorados. Com a expressão “bom pai de família” pretende-se visar o homem de diligências normal, nos vários campos do quotidiano (cf. Abílio Neto in “Código Civil Anotado, 1.ª Ed. p. 355). Ou seja, esta expressão remete para o cidadão que age como a diligência necessária, habitual e adequada a determinada situação (Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações,” p. 329).
Outrossim, se a administração de bens com a diligência e zelo de um bonus pater familiae é um direito, constitui naturalmente também um dever, na medida em que esta figura está vinculada à efectiva administração dos bens. Este é o fulcro da administração, pois o depositário deverá guardar a coisa penhorada, isto é, deter efectivamente o bem que esteja sob a sua responsabilidade. Habitualmente, quando se trate de bens móveis penhorados e excepcionando-se o caso de esta pessoa não ser também o executado, pode ocorrer o depósito dos bens penhorados, mas sempre sob a posse do fiel depositário. Porém, o fiel depositário não tem direito de usar a coisa depositada/penhorada, cabendo unicamente ao depositário a guarda e administração de bens, sendo-lhe vedado o uso do bem que esteja a seu cargo. Incumbe ainda ao fiel depositário o dever de apresentação dos bens que estejam a seu cargo, que podem ser apresentados sempre que o A.E. o solicite.
Está previsto nos termos do artigo 771.º C.P.C. que, quando solicitado pelo A.E., o fiel depositário tem o dever de apresentar os bens que tenha recebido, salvo disposição diferente, sob pena de ser ordenado arresto de bens do depositário para garantir o valor do depósito, bem como custas e despesas associadas ao facto. Acresce que este se torna também executado no âmbito do processo, para pagamento do montante correspondente aos valores ou bens em falta, conforme previsto nos termos do artigo 771.º n.º 3 do C.P.C. Preceitua o n.º 3 do mesmo artigo que o arresto dos bens do fiel depositário é levantado logo que o pagamento haja efectuado ou os bens sejam apresentados. Tais cautelas previstas são essenciais para garantir os trâmites do processo executivo, ou seja necessário garantir que os bens estejam sempre ao dispor do processo e assim sejam adjudicados quando for o momento processual.
Como vimos, no âmbito do processo executivo o fiel depositário é, em regra o Agente de Execução que efectua a penhora, não o sendo apenas nos casos expressamente previstos na lei. Acumulando quer o cumprimento efectivo dos deveres do fiel depositário e a necessidade de garantir a prossecução eficaz do processo executivo.
Ora, quer a nível de penhora de vencimento, quer de saldos bancários, prevê-se expressamente a entrega ao exequente das quantias depositadas – cf. nº 3 do artº 779º  e 780º nº 13 ambos do CPC. Porém, ambos os preceitos têm como pressuposto “findo o prazo de oposição, se esta não tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente”, e a oposição reporta-se quer à execução, quer à penhora. Não há que olvidar que compete à secretaria notificar, oficiosamente, o agente de execução da pendência de procedimentos ou incidentes de natureza declarativa deduzidos na execução e dos atos aí praticados que possam ter influência na instância executiva – cf. Artº 719º nº 4 do CPC, no entanto, o grau de diligência exigido ao agente de execução e fiel depositário dos valores depositados não fica satisfeito apenas com a inexistência ou ausência de notificação da secretaria, competindo-lhe sim assegurar-se que o pressuposto que lhe permite efectuar pagamentos e descontos do montante das despesas da execução, mormente dos próprios honorários, se verifica in casu.
Aliás, no caso concreto o requerimento da executada junto aos autos oferecia dúvidas quanto à sua classificação – como sendo de oposição à penhora ou à execução – pelo que apenas após o despacho que determinou a autuação correcta de tal requerimento é que a secretaria procedeu à notificação à Agente de Execução.
Com efeito, a entrega dos valores depositados, como modalidade de pagamento, tem de ter como subjacente a averiguação efectiva da inexistência de obstáculo a tal entrega, pois  a possibilidade de se fazer uso dos valores depositados que advém da penhora apenas se prevê preenchido que esteja o pressuposto aludido. Donde, deverá o Agente de execução/fiel depositário rodear-se de todas as cautelas exigidas,  assegurando-se que estão cumpridos todos  os pressupostos negativos contidos no mecanismo de pagamento por entrega de dinheiro previsto nos artº 779º nº 3 e 4 e 780º nº 13 ambos do CPC.
Com a penhora visa-se acautelar o exercício do direito de execução sobre o património do devedor, e tal função conservatória reporta-se quer ao plano material, como ao plano jurídico, o que leva Teixeira de Sousa ( in “A acção Executiva Singular” pág. 238 e 239) a falar em conservação material e conservação jurídica, pois no plano material pretende-se que o bem, objecto do direito penhorado, não seja desencaminhado ou diminuído no seu valor, sendo que para isso é feita a sua apreensão improprio sensu, i.e., a transferência para o Agente de execução dos poderes de exercício material do direito, maxime, o uso, a fruição e administração, consubstanciadno o que Anselmo de Castro designava por indisponibilidade material dos bens ( in A acção Executiva Singular “ pág. 151), tendencialmente absoluta pois o bem fica “à ordem do agente de execução” ( v.g. artº 773º nº 1  e 779º nº 2 do CPC).
A indisponibilidade criada pela penhora determina o nascimento na esfere jurídica do exequente o direito potestativo a ser pago, operando-se na penhora de direitos uma apreensão simbólica, mas é insofismável que o agente de execução passa a ter a posse de tais bens, assumindo também a qualidade de fiel depositário, pois os bens ou valores estão “à sua ordem”.
No caso concreto inexiste omissão de notificação da Secretaria quanto ao pressuposto negativo processual ocorrido, que obstaria à entrega de determinado valor quer à exequente, quer ainda o valor descontado e relativo aos honorários da Agente de execução, ora apelante. Pois apenas com o despacho que determinou a correção da autuação é que passou a considerar-se a existência da oposição por embargos. Acresce que a classificação de tal acto processual ocorre em momento em que a Agente de execução já havia entregue e descontado determinados valores aos montantes penhorados à executada. Todavia, a executada é alheia a tal situação e é no âmbito da execução, cuja extinção foi determinada pela procedência da oposição por embargos, que a devolução das quantias indevidamente penhoradas devem regressar à esfera jurídica de quem foi desapossado das mesmas. Sob pena de se criar uma situação ainda mais gravosa à executada que, além de ter sido sujeita a um processo executivo que veio a ser declarado extinto, por procedência da oposição deduzida, decorrente de vicissitudes na execução, para que pudesse reaver os valores (indevidamente)penhorados ainda teria de intentar uma ação de responsabilidade civil contra a Agente de execução e, eventualmente, solidariamente também contra a exequente.
Ora, a solução tem de ser encontrada no seio da execução, pois foi nesta que a executada foi sujeita à penhora do rendimento proveniente do seu salário e dos valores depositados à sua ordem, confiando que esses valores, ainda que afastados da sua disponibilidade, retomariam à mesma logo que pudesse defender os seus direitos no âmbito da oposição. Como vimos os meios de defesa disponíveis contra os actos do Agente de Execução podem ser encontrados especificamente no processo civil, pois sempre a Agente de Execução assume no caso das penhoras em causa a qualidade de fiel depositário. Ora, foi com base neste princípio que o Juiz a quo entendeu que era de aplicar o disposto  no art. 771.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil.
Senão vejamos.
Entre os deveres do depositário relativamente aos bens móveis figura o de apresentar os bens quando tal lhe for ordenado, conforme preceitua o artigo 771.º, n.º 1, do CPC, tal disposição é aplicável à penhora de direitos por força do disposto no artº 783º. Logo, em decorrência desta última norma e incidindo a penhora sobre montantes monetários, logo que o agente seja notificado para entregar tais bens é obrigado a proceder em conformidade, sob pena de ser ordenado o arresto em bens próprios, tal como foi ordenado no despacho sob recurso, o qual não nos merece qualquer reparo. Pois a agente de execução, como fiel depositária, presta contas da sua administração, efectuando pagamentos indevidos, mesmo que reportados à exequente e cobrando a própria os seus honorários, retirando tal valor de forma precípua dos bens penhorados, tais pagamentos, por ausência de verificação do pressuposto negativo previsto nos artº 779º nº 3 e 780 nº 13, apenas podem ser classificados como indevidos, respondendo assim pela reposição da situação com a entrega dos valores penhorados (prestação fungível) nos termos ordenados.
Outrossim haverá que considerar que a Agente de Execução poderá espelhar o pagamento, que pretende invocar como tendo sido feito indevidamente à exequente, no âmbito da conta-corrente relativa ao processo, tudo nos termos do artº 721º do CPC, salvaguardando os seus direitos.
Face ao exposto, o recurso é improcedente, mantendo-se o despacho recorrido.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Agente de Execução, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela apelante.
Registe e notifique.
                                                                             Lisboa, 10 de Setembro de 2020
Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Octávia Viegas