Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5357/2006-4
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
LOCAL DE TRABALHO
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- A infracção relativa à falta de afixação dos mapas de horário de trabalho nos locais de trabalho continua a ser tipificada como contra-ordenação no artº 179º do Código do Trabalho.
II- Tendo o DL 409/71, 27/9, e designadamente o seu artº 44º, que impunha a obrigatoriedade de afixação, em todos os locais de trabalho, e em lugar bem visível, de um mapa de horário de trabalho, sido revogado pela al. b) do nº 1 do artº 21º da Lei 99/2003 de 27/8, mantém-se em vigor, até à publicação da Portaria a que se refere o nº 3 desse artº 179º do CT, o Despacho Normativo n° 22/87, de 4/3, das Secretarias de Estado dos Transportes e Comunicações e do Emprego e Formação Profissional, onde se estipula que a exigência legal de horário de trabalho deve ser satisfeita através de uma cópia do respectivo mapa no estabelecimento da empresa e outra no interior de cada veículo e que, caso a empresa tenha trabalhadores com horários móveis, tal documento deve ser substituído por um livrete individual.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

O IDICT/IGT, Delegação de Lisboa, na sequência de auto de notícia levantado aos dezanove dias de Novembro de 2004, aplicou a J… a coima de € 712,00, por ter considerado que esta cometeu a identificada infracção ao disposto no artº 179º do Cod. do Trabalho.
A arguida impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa, dela interpondo recurso para o Tribunal do Trabalho de Lisboa, que o julgou totalmente improcedente e confirmou aquela decisão.
Com tal juízo se não conformou de novo a arguida, interpondo recurso para esta Instância, cuja motivação concluiu assim:
1ª A douta decisão recorrida viola o disposto nos art. 659.º, n.º 2 e 179º, n.º 1 e 3 do CT, porquanto, se deve entender que o Despacho Normativo n.º 22/87, das Secretarias de Estado dos Transportes e Comunicações e do Emprego e Formação Profissional, de 04/03, foi revogado com a entrada em vigor do Código de Trabalho, não existindo, de momento, regulação aplicável.
2ª A Portaria e o Despacho Normativo são actos normativos diferentes, pelo que não existindo a Portaria exigida por lei, não é exigido às entidades afectas à exploração de veículos automóveis (Táxis), a publicitação de horário de trabalho, pelo que a Arguida não cometeu qualquer contra-ordenação.
3ª Ao ser aplicada uma disposição sancionatória de natureza penal, por violar despacho normativo, está-se a violar o princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente (art. 29.º CRP) – constitucionalidade que se argui e cuja apreciação se requer.
O MºPº contra-alegou, propugnando pela manutenção do decidido.
Foram colhidos os vistos legais.
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Na sentença recorrida considerou-se provada a seguinte factualidade:
1. Em 19 de Novembro de 2004, pelas 01h15m, na Avenida João Crisóstomo, em Lisboa, a arguida tinha a circular uma viatura ligeira, com a matrícula 00-00-OO, em serviço de táxi, que era conduzida por ….
2. O … estava a trabalhar para a arguida.
3. O veículo 00-00-OO foi interceptado por um agente da PSP que verificou que o seu condutor não era portador de qualquer mapa de trabalho, bem como de qualquer outro documento que o substituísse.
4- O veículo encontrava-se a circular na situação de livre com os dispositivos luminosos de táxi e de tarifa pronto para apanhar passageiros na praça de táxis.
5- A arguida não enviou qualquer elemento para o processo antes do IDICT proferir decisão.
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Cumpre apreciar e decidir.
Lembrando que esta Instância conhece apenas de direito, por via de regra, e que o “thema decidendum” se nos apresenta delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, avancemos para a abordagem e tratamento da duas questões que se perfilham:
- saber se a infracção imputada à arguida, relativa à falta de afixação do mapa de horário de trabalho no local de trabalho, deixou de ser punível com a entrada em vigor no novo Código do Trabalho (CT);
- saber se se verifica a violação do principio da legalidade, contido no artº 29º da Constituição, nos termos em que é invocada pela recorrente.
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- a 1ª questão:
A sentença recorrida considerou verificada a infracção ao disposto no artº 179º do CT, e que, apesar de ainda não ter sido publicada a Portaria a que se refere tal artigo, continua em pleno vigor o Despacho Normativo nº 22/87.
Contra isto reage a recorrente, sustentando que tal Despacho foi revogado pelo citado artº 179º do CT, não existindo, de momento, regulamentação aplicável, sendo que Portaria e Despacho Normativo são actos normativos diferentes, pelo que não foi cometida qualquer infracção.
Não tem razão:
Tal como se refere na sentença e nas alegações de recurso, sobre esta questão se pronunciou já este Tribunal da Relação, por Ac. de 20/4/2005- proc 10766/2004, disponível em www.dgsi.pt, a cuja argumentação aderimos, por se nos afigurar absolutamente irrebatível.
Dispõem o nºs 1 e 3 do artº 179º do Cod. Trabalho:
1. Em todos os locais de trabalho deve ser afixado, em lugar bem visível, um mapa de horário de trabalho, elaborado pelo empregador de harmonia com as disposições legais e com os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis”.
3. As condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração dos veículos automóveis, propriedade de empresas de transporte ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do presente diploma são estabelecidas em Portaria dos Ministro responsáveis pela área laboral e pelo sector de transportes, ouvidas as organizações sindicais e de empregadores necessárias".
Nos termos do artº 659º, nº 2, do mesmo CT a violação do art. 179º nº 1 constitui contra-ordenação leve.
Em termos de legislação anterior, tal contra-ordenação estava prevista e punida no artº 44° do Dec. Lei 409/71, de 27/9, que dispunha:
"1. Em todos os locais de trabalho abrangido pelo presente diploma deve ser afixado, em lugar bem visível, um mapa de horário de trabalho, elaborado pela entidade patronal, de harmonia com as disposições legais e com os instrumentos de regulamentação colectivas aplicáveis.”
2. As condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração dos veículos automóveis propriedade de empresas de transporte ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do presente diploma serão estabelecidas em despacho conjunto do Ministro das Corporações e da Previdência Social e do Ministro das Comunicações...".
Este despacho a que se refere este nº 2 é o Despacho Normativo n° 22/87, de 4/3, das Secretarias de Estado dos Transportes e Comunicações e do Emprego e Formação Profissional, onde se estipula que a exigência legal de horário de trabalho deve ser satisfeita através de uma cópia do respectivo mapa no estabelecimento da empresa e outra no interior de cada veículo e que, caso a empresa tenha trabalhadores com horários móveis, tal documento deve ser substituído por um livrete individual.
Atendendo a que o DL 409/71 foi revogado pela al. b) do nº 1 do artº 21º da Lei 99/2003 de 27/8, a pergunta que se impõe é se o mencionado Despacho Normativo se encontra, igualmente, revogado, tendo em conta que ainda não foi publicada a Portaria a que se refere o nº 3 do artº 179º do CT.
A resposta é, necessariamente, negativa.
É que, apesar de revogada a lei que se destinava a regulamentar, esse Despacho Normativo não caducou pelo facto daquela lei ter sido substituída por outra, visto que o conteúdo do regulamento não é contrário à nova lei. Conforme se defende no Ac. da Relação de Coimbra de 2/2/2006, proc. 3782/05, in www.dgsi.pt, a caducidade do regulamento administrativo só opera se for revogada a lei que ele se destinou a executar e não for substituída por nova lei ou, tendo sido substituída por nova lei, ela for de conteúdo contrário ao regulamento. No caso, porém, de a lei regulamentada ser revogada e substituída por outra, na falta de regulamentação expressa, o regulamento emitido ao abrigo da lei anterior “mantêm-se em vigor em tudo quanto não contraria a nova lei” ou, numa perspectiva mais restrita, “em tudo quanto for necessário para a execução da nova lei”. É, conforme se cita naquele aresto, esta última a doutrina do Prof. Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, vol. I, Liv. Almedina, 1980, pág. 149, onde dá conta, em nota de rodapé, de ser aquela a posição defendida pelo Prof. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 180 e por um acórdão do Pleno do STA, igualmente citado na referida nota de rodapé.
É o que também defende o Prof. Freitas do Amaral in Direito Administrativo (Lições aos alunos do Curso de Direito em 1988/89), Vol.II, pág. 56, citado pelo referenciado Ac. da Rel. De Lisboa:
“O regulamento caduca se for revogada a lei que ele veio executar, caso não seja substituída por outra. Portanto, se havia um regulamento de execução ou complementar de uma lei e essa lei foi revogada e não foi substituída por outra, o regulamento caduca, se a lei foi substituída por outra, o regulamento manter-se-á em vigor em tudo que não seja contrário à nova Lei.”
No mesmo sentido a restante doutrina aí citada.
E se bem se atentar na redacção dos dois preceitos, não se encontra qualquer diferença na previsão legal da obrigatoriedade de afixação dos mapas de trabalho, sendo que o artº 179º do CT acaba por efectuar uma reprodução quase integral do artº 44º do DL 409/71, não deixando, como é lógico e necessário, de fazer a adaptação aos ministérios que actualmente tutelam a área laboral e o sector dos transportes.
Logo, não vemos qualquer razão, antes pelo contrário, para não considerar em vigor a regulamentação contida no Despacho Normativo nº 22/87, vigência essa que se manterá até à publicação da prometida Portaria, que o virá substituir.
Por outro lado, a resposta à objecção contida na conclusão 2ª do recurso, de que Portaria e Despacho Normativo são actos normativos diferentes, resulta, precisamente, das necessidades decorrentes da referida adaptação ao ministérios que tutelam as relações laborais e o sector dos transportes. Como a própria arguida teve o cuidado de dizer no corpo da sua alegação de recurso,”ao remeter as condições de publicidade dos horários de trabalho para portaria conjunta dos Ministros responsáveis pela área laboral e pelo sector dos transportes, o legislador nada mais fez do que traduzir em linguagem actual a estrutura governativa que se verificava à data de emissão do DL 409/71”.
E tratam-se de dois actos regulamentares, emitidos pelo Governo.
Além de que, pelas razões expostas, não será esta diferença entre os tipos de actos normativos que altera os dados da questão, designadamente os relativos à manutenção em vigor de regulamentação administrativa anterior.
- a segunda questão:
Entende a recorrente que, por se aplicar uma disposição de natureza penal, violando-se despacho normativo, e designadamente o artº 659º, nº 2 e 179º, nº 1, do CT, considerando a expressão “portaria” como “regulamento” por forma a abranger “despacho normativo”, se está a violar o princípio da legalidade, contido no artº 29º da Constituição.
Que dispõe, no seu nº 1:
Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior”.
Ora, tendo o Cód. do Trabalho entrado em vigor em 1/12/2003 e sendo os factos de 19/11/2004, atendendo a tudo quanto se disse quanto à manutenção em vigor da regulamentação do citado Despacho Normativo nº 22/87, não se vê onde foi violado o princípio constitucional do nullum crimen sine lege (Cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 1978, pág. 96). A infracção imputada à arguida /recorrente estava, à data da prática dos factos, legalmente tipificada como contra-ordenação, e não deixou, entretanto, de o estar.
Improcedem, assim e na sua totalidade, as conclusões do recurso.
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Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com 3 UC’s de taxa de justiça.

Lisboa, 4 de Outubro de 2006