Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
95500/21.7YIPRT.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: EMPREITADA
SUBEMPREITADA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO
DANOS FUTUROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I–Concluída a obra, o empreiteiro tem o dever acessório de a colocar à disposição do seu dono, para que a examine; efectuada a verificação, o dono da obra deve comunicar o respectivo resultado ao empreiteiro, de onde pode resultar a aceitação ou não da obra.

II–A comunicação em que o dono da obra transmite ao empreiteiro os resultados da sua verificação, consiste numa declaração que, quando nela se indicam os defeitos concretos da obra, equivale a uma denúncia, caso em que se deve considerar a obra como não aceite, salvo indicação em contrário.

III–A comunicação dos defeitos efectuada no acto de recusa ou de aceitação da obra com reservas conduz a uma situação de cumprimento defeituoso da obrigação.

IV–A exceptio non adimpleti contractus é uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem a alega; o excipiente apenas se opõe à exigência de cumprimento da sua obrigação feita pelo outro contraente, enquanto este não realizar ou não oferecer a realização simultânea da contraprestação a que, por seu turno, está adstrito. Os efeitos da excepção são apenas temporários.

V–No âmbito da empreitada, a fixação do preço pode ser feita através de várias modalidades, entre elas, por preço global, a corpo, a forfaitou per aversionem,em que o preço é fixado no momento da celebração do contrato, mas as partes podem escalonar o respectivo pagamento, em prestações diversas, em função da progressão da execução da obra, podendo o dono da obra recusar a prestação devida se o empreiteiro interromper a sua execução sem causa justificativa ou não eliminar os defeitos, como pode o empreiteiro suspender a empreitada na falta de pagamento de uma das prestações devidas no decurso da obra.

VI–O direito à eliminação dos defeitos é um direito à reparação do dano, inerente ao cumprimento defeituoso, a que se recorre para compensar o dono da obra do dano sofrido com a sua realização defeituosa; é um verdadeiro direito de indemnização, na modalidade de reconstituição natural, com vista a remover o prejuízo causado, reconstituindo a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso.

VII–O cumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos está sujeito às regras gerais das obrigações, designadamente quanto ao lugar e tempo de cumprimento, podendo o dono da obra fixar um prazo para a reparação e conferir-lhe carácter admonitório, que, se ultrapassado, determina o incumprimento definitivo da prestação (de eliminação dos defeitos).

VIII–Não cumprida a obrigação de eliminação dos defeitos e verificada a impossibilidade de a ré a ela proceder e fazer recair sobre a autora os respectivos custos, justifica-se adoptar o regime da impossibilidade parcial de cumprimento de uma obrigação previsto no artigo 793º do Código Civil, de modo a que o preço da empreitada seja reduzido à parte executada e aprovada pela ré.

IX–Não estando estabelecido o nexo causal entre a não eliminação dos defeitos pela autora/subempreiteira e a resolução do contrato de empreitada pela dona da obra, não há lugar à responsabilidade daquela pelos prejuízos suportados pela ré/empreiteira.

X–São indemnizáveis os danos futuros previsíveis certos e os futuros eventuais, mas em relação aos quais se possa prognosticar que o prejuízo venha a acontecer. O dano futuro relativamente ao qual não se possa prever que irá acontecer, não passa de um receio, que não é indemnizável antecipadamente.

XI–Uma sentença de condenação ilíquida pressupõe a demonstração de que existe um direito, que apenas carece de concretização susceptível de ser alcançada ainda através do subsequente incidente de liquidação.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I–RELATÓRIO

A, com domicílio à Zona Industrial Alto de C....., Rua C, Armazém C, - A..... C..... - ....-... apresentou, em 8 de Outubro de 2021, requerimento de injunção contra B com domicílio à Avenida ..... ..... ....., Nº..., - C..... - ....-... - C_____ pedindo a notificação da requerida para proceder ao pagamento da quantia de 51 950,99 €, acrescida de juros de mora vencidos no valor de 923,11 €, por referência ao contrato de empreitada de 9 de Março de 2021 (cf. Ref. Elect. 19877843).

Alegou para tanto, muito em síntese, o seguinte:

  • A Requerente é uma empresa industrial que se dedica ao desenho, fabrico e montagem de móveis, revestimentos e outros produtos com madeira e derivados de madeira, tendo, a pedido da requerida, apresentado, com data de 8 de Março de 2021, o orçamento GF_2116I relativo ao fornecimento e montagem de carpintarias destinadas à obra dos escritórios Grupo Madre, sita no edifício Campo ..... – nº... – piso..., em L_____, a cuja remodelação aquela procedia, no valor de 123 102,79 €, orçamento que a requerida aceitou;
  • O preço seria pago 30% na data da adjudicação dos trabalhos e os restantes pagamentos por auto de medição mensais, a liquidar na data da emissão da factura;
  • A obra iniciou-se a 27 de Abril de 2021, quando pôde entrar na obra e os trabalhos foram concluídos a 10 de Julho de 2021;
  • A requerente emitiu as facturas 2021/200 e 2021/204, com data de 30 de Junho de 2021 e de 15 de Julho de 2021 e vencimento nas mesmas datas, referentes ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de Junho e aos trabalhos de Julho, aquando da sua conclusão, que a requerida não pagou.

No seu requerimento, a requerente indicou estar em causa obrigação emergente de transacção comercial.

A requerida deduziu oposição alegando, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 133917797):

  • O contrato foi celebrado para execução de trabalhos de carpintaria na obra referida, de que a requerida era empreiteira, e que deveriam estar concluídos até o dia 21 de Maio de 2021, condição essencial para a adjudicação à requerente;
  • Os pagamentos seriam efectuados no prazo de 30 dias após a aprovação do respectivo auto de medição;
  • As facturas não são devidas porque a requerente incumpriu o contrato e logo em 19 de Março de 2021 disse não estar em condições de cumprir o prazo, solicitando a alteração do planeamento dos trabalhos, além do que nunca concluiu a obra, que abandonou em 17 de Julho de 2021;
  • O atraso da requerente conduziu ao incumprimento contratual por parte da requerida quanto à conclusão atempada da obra;
  • Os trabalhos executados foram-no com diversas anomalias, comunicadas à requerente por diversas vezes, em Julho de 2021, que esta não corrigiu, fazendo depender essa correcção do pagamento das facturas que, naquela data, ainda não se encontravam vencidas;
  • Além disso, destruiu alguns dos trabalhos executados e furtou vários materiais que estavam em obra;
  • Ao não corrigir os defeitos, que conhecia, a requerente não cumpriu a prestação contratualmente assumida, tendo a requerida, ao abrigo da excepção de não cumprimento do contrato, a faculdade de se eximir da respectiva contraprestação referente ao pagamento da factura n.º 2021/200, sendo que quanto à factura n.º 2021/204, os trabalhos não foram aprovados, por não terem sido executados, tendo sido devolvida.
A requerida deduziu reconvenção pedindo a condenação da requerente/reconvinda no pagamento àquela da quantia de 70 035,70 €, a título de indemnização pelos prejuízos directos e de 5 000,00 € a título de indemnização pelo dano na imagem e uma indemnização pelos danos futuros, ainda não quantificados, correspondentes às eventuais indemnizações em que a requerida seja condenada a pagar à empresa Madre – Empreendimentos Turísticos S.A. devido ao incumprimento do contrato de empreitada da obra sub judice, a liquidar em articulado superveniente ou em execução de sentença, alegando que o incumprimento da requerente fê-la incumprir, por sua vez, o prazo de execução do contrato de empreitada celebrado com a empresa Madre, S. A., levando a que esta resolvesse este contrato, conforme carta de 29 de Julho de 2021, com a exigência do pagamento de uma penalização de 190 496,25 € (154.875,00€ + IVA) à requerida, sem prejuízo da possibilidade de ainda vir a exigir o ressarcimento de eventuais danos, tendo em conta a recusa da Madre em pagar à requerida as últimas facturas dessa obra, com os n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278, no valor de 70 035,70 €; refere ainda que tinha a expectativa de voltar a executar outros trabalhos para aquela, o que se gorou.
Pediu, para o caso de se entender que a requerida é responsável pelo pagamento de algum valor à requerente, que se proceda à compensação com o montante que por esta lhe é devido.

Remetidos os autos à distribuição, a requerente apresentou réplica referindo que não se verificam os pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato, posto que desde o dia 2 de Agosto de 2021, em que o contrato de empreitada foi resolvido, passou a ser-lhe impossível proceder à eliminação dos defeitos, para além de ocorrer desproporção entre a alegada infracção contratual da autora e a recusa da ré em proceder ao pagamento; as partes acordaram que o pagamento ocorreria de imediato contra a emissão da factura e não no prazo de 30 dias após a aprovação do auto; apesar disso, procedeu às rectificações solicitadas; mais sustentou que a única responsável pela resolução do contrato de empreitada pela dona da obra foi a própria ré, que violou os deveres de coordenação, supervisão, controlo e direcção da obra; quanto ao prazo de execução da subempreitada, referiu que se obrigou a concluir os trabalhos até o dia 21 de Maio de 2021, no pressuposto de a obra ser adjudicada até ao dia 8 de Março de 2021, prazo que a ré não respeitou; no final de Abril de 2021 a autora iniciou a instalação de ripado na zona da cafetaria, devendo iniciar a montagem das carpintarias nos gabinetes no dia 04/05/2021, o que não sucedeu por não estarem concluídos as paredes e tectos, retomando o trabalho apenas a 10 de Maio de 2021, com os trabalhos de construção civil ainda a decorrer; a autora reconheceu alguns dos defeitos indicados pela ré e rejeitou os demais, tendo procedido à reparação dos primeiros e apresentando orçamento para os segundos e concluiu os trabalhos em 15 de Julho de 2021, pelo que não existiu abandono da obra. Pugnou pela improcedência da excepção e da reconvenção deduzidas (cf. Ref. Elect. 20145601).

Em 13 de Maio de 2022 teve lugar a audiência prévia tendo sido efectuado o saneamento dos autos, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova e ainda admitidos os requerimentos de prova (cf. Ref. Elect. 137536215).

Realizada a audiência de julgamento, em 9 de Dezembro de 2022 foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e parcialmente procedente o pedido reconvencional, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 140697207):

a)- Absolvo a R. B do pedido contra ela deduzido.

b)- Condeno a. A a pagar à R. B a título indemnização as quantias correspondentes às indemnizações que a R. seja condenada a pagar à empresa Madre – Empreendimentos Turísticos S.A., bem como as quantias que deixe de receber desta, decorrentes do incumprimento do contrato de subempreitada celebrado entre A. e R. sub Júdice.

Custas pela A.”

Inconformada com esta decisão, veio a autora interpor o presente recurso, cuja motivação conclui do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 22741086):

I.–Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos, com a qual a Recorrente não se conforma, e que julgou a ação improcedente por não provada e parcialmente procedente o pedido reconvencional e que, em consequência: a) Absolveu a Ré do pedido deduzido pela Autora; b) Condenou a Autora a pagar à Ré, a título de indemnização, as quantias correspondentes às indemnizações que a Ré seja condenada a pagar à Dona da Obra Madre - Empreendimentos Turísticos S.A., bem como as quantias que deixe de receber desta, decorrentes do incumprimento do contrato de subempreitada em causa nos autos.

II.–No entender da Recorrente, a matéria de facto em apreciação nos autos não se encontra corretamente julgada pelo d. Tribunal a quo e o direito aplicado também se encontra erradamente julgado.

III.–Constitui o objeto do presente Recurso a reapreciação da matéria de facto, em concreto dos Factos Provados sob os pontos g), k), m), n), o), p), r), s), t), u), v), w), z), aa), bb) cc), dd), ff), gg), ll), e dos factos não provados "Não se provou que os trabalhos deveriam ser liquidados na data da emissão da fatura", "Não se provou que a obra da A. teve início a 27 de abril de 2021, nem que só nessa data a R. possibilitou à A. que entrasse na obra", "Não se provou que os trabalhos foram concluídos pela A. a 10 de julho de 2021", "Não se provou que à data da emissão da fatura referida em h) a obra estivesse concluída", "Não se provou que a. concluiu a obra" ,"Não se provou que apenas a 23 de março de 2021 a R. liquidou os 30% do valor da adjudicação, nem que em 17 de junho de 2021 tivesse liquidado os trabalhos realizados no mês de maio", "Não se provou que a A. executou todos os trabalhos contratados e realizou as correções/substituições reclamadas pela R. aos trabalhos executados", "Não se provou que imediatamente após a adjudicação a R. procedeu a sucessivas alterações ao projeto, obrigando a A. a re-desenhar várias vezes as peças e não aprovando as preparações da A., designadamente ao nível dos desenhos técnicos e materiais, atrasando constantemente a atividade de produção das carpintarias", "Não se provou que durante o mês de março a R. realizou alterações ao cronograma geral da obra, nem que em função dessas alterações obrigou a A. a alterar sucessivamente o planeamento e o cronograma dos seus trabalhos", "Não se provou que por acordo entre A. e R. o prazo de conclusão dos trabalhos foi adiado para 28 de maio de 2021", "Não se provou que a R. não concluiu as paredes, tetos e pavimentos de acordo com o cronograma por si estabelecido, impedindo a A. de confirmar e retificar as medidas dos móveis em obra na data prevista", "Não se provou que a R. se obrigou a concluir todos os trabalhos referentes aos tetos falsos, revestimento de paredes e pavimentos e pinturas, antes da entrada da A. na obra, disponibilizando-lhe os locais limpos e prontos a receberem as carpintarias", "Não se provou que na data referida em tt) a obra da A. estava concluída, nem que o auto de medição tivesse sido aprovado pela R.", "Não se provou que na data referida em tt) faltava apenas realizar afinações e retificações finais nas carpintarias", e a reapreciação da matéria de direito, por violação dos artigos 227.º/1, 405.º/1, 762.º, 795.º, 798.º e 564.º/2, todos do CC, e violação da obrigação de existência de nexo causal enquanto pressuposto da responsabilidade civil.

IV.–No requerimento de injunção que originou os presentes autos, alegou a Autora ter contratado com a Ré, na qualidade de subempreiteira, o fornecimento e montagem de carpintarias destinadas à obra dos escritórios do Grupo Madre, de cuja empreitada a Ré estava incumbida, subempreitada essa que tinha o valor de €123.102,79, devendo o preço ser pago 30% na data da adjudicação dos trabalhos e os restantes pagamentos por auto de medição mensais, a liquidar na data da emissão da fatura; Mais alegou que, tendo emitido, em 30.06.2021 e com vencimento nessa data, a fatura referente ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de junho, e em 15.07.2021, com vencimento nessa data, a fatura referente aos trabalhos realizados em julho. Alegou ainda que a Ré não pagou os valores constantes das faturas, apesar de ter sido interpelada para tanto. Pelo que recorreu aos presentes autos pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €51.950,99 (cinquenta e um mil novecentos e cinquenta euros e noventa e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos no montante de €923,11 (novecentos e vinte e três euros) e de vincendos, bem como no valor da taxa de justiça.

V.–Tendo a Ré deduzido Oposição, com reconvenção, contestou o prazo acordado para o pagamento das faturas (que alegadamente seria de 30 dias e imediato), alegou que o prazo de conclusão da subempreitada, condição essencial para a adjudicação dos trabalhos à Autora, porém, havia sido incumprido, e que a Autora havia abandonado a obra, e que, em consequência, a Ré incorreu em incumprimento contratual perante a Dona da Obra. Alegou também a existência de vários defeitos no trabalho da Autora, não corrigidos após denúncia, tendo a Autora exigido pagamento das faturas emitidas para correção dos mesmos, e ainda que a Autora destruiu alguns trabalhos executados e furtou vários materiais, o que lhe teria alegadamente causado prejuízos, por via da resolução do contrato com o Dono da Obra. Concluiu a Recorrida pedindo a condenação da Recorrente no pagamento de uma indemnização em quantia não inferior a €75.035,70 (setenta e cinco mil e trinta a cinco euros e setenta cêntimos), acrescida de indemnização por danos futuros, correspondentes às eventuais indemnizações que a Recorrida seja condenada a pagar à Dona da Obra.

VI.–A Recorrente respondeu alegando a falta de proporcionalidade entre a alegada infração contratual da Recorrente e a recusa da Recorrida, considerando que a Recorrente realizou a totalidade da obra contratada e a Recorrida deve mais de 40% do seu valor, o facto da data de vencimento das faturas deveriam ser a da sua emissão, e não de 30 dias após a emissão, e que a Recorrida não cumpriu os prazos de pagamento acordados, concluindo assim que a Recorrida foi a única responsável pelo incumprimento perante o dono da obra. Alegou ainda a Recorrente que os atrasos na obra foram apenas imputáveis à Recorrida, que se atrasou na adjudicação e que procedeu a sucessivas alterações ao projeto e que os defeitos verificados decorreram de atuação da própria Recorrida. Contestou que tivesse abandonado a obra e que executou os trabalhos e procedeu à recolha de algumas peças danificadas em obra para reparação, limitando-se posteriormente a aguardar que a Recorrida liquidasse o valor em dívida pela conclusão das carpintarias.

VII.–Foi proferida sentença na qual o Tribunal a quo referiu que “Em face da resolução do contrato de empreitada pelo dono da obra, tornou-se objetivamente impossível a conclusão da subempreitada por parte da A.. Porém, esta impossibilidade só à A. pode ser imputada. (…) A A. não cumpriu o prazo a que se obrigou, não executou a obra sem defeitos como contratual e legalmente estava obrigado e finalmente não conclui os trabalhos a que se obrigou, daí tendo resultado a resolução do contrato de empreitada. (…) Sendo a A. responsável pelos danos decorrentes para a R. do incumprimento contratual da primeira, não existem elementos para fixar o quantum indemnizatório no que aos danos diretos respeita, dado que este depende das quantias que a R. venha efetivamente a liquidar ou que deixe de receber pelos trabalhos que a A. deixou de executar e que levaram à resolução do contrato pelo dono da obra. Nestes termos e atento o disposto no artigo 609º do Código de Processo Civil será a A. condenada a pagar à R. a título reconvencional o que vier a ser liquidado em função das indemnizações que seja condenada a pagar à Madre decorrentes do incumprimento da A.".

VIII.–Ao contrário do que considerou o Tribunal a quo, não só o pagamento peticionado à Recorrida é devido, como não poderia proceder, ainda que parcialmente, o pedido reconvencional. Mais se entende que a sentença incorre em diversas contradições e violação da lei substantiva, mesmo perante o julgamento da matéria de facto efetuado e que o Tribunal a quo fez uma errada avaliação da produção de prova, valorando de forma deficiente a prova produzida, nomeadamente a prova testemunhal, acabando por proferir uma decisão injusta e incoerente, em sim mesma e em face da prova, com uma visão muito parcial e toldada dos factos que, s.m.o., se apuraram.

IX.–A Recorrente apresentou um orçamento para obra, com determinados timings, os quais não foram alcançados por incúria da Recorrida; Ao longo da empreitada, a Recorrente viu várias vezes o seu trabalho atrasado e danificado por responsabilidade da Recorrida que, não só coordenou pobremente a empreitada e as várias especialidades, como introduziu variadíssimas alterações aos projetos, impossibilitando a Ré de iniciar produção, e permitiu que o trabalho da Recorrente já colocado em obra fosse estragado por terceiros; A Recorrida, malgrado o acordado entre as partes (incluindo quanto às condições de pagamento ajustadas, que eram de pronto pagamento), nunca pagou atempadamente à Recorrente as faturas devidas, não obstante a Dona da Obra ter afirmado à Recorrente que havia pago à Recorrida tudo quanto era devido, gerando nesta a convicção de que aquela era má pagadora e dificilmente cumpridora das respetivas obrigações, de palavra pouco firme; A Recorrente produziu e entregou integralmente os trabalhos compreendidos no ajuste contratual das partes até 15 de julho de 2021; Após essa data, a Recorrente apenas retirou peças do local da obra a mando da Recorrida e apenas as que foram escolhidas por esta, que exigiu que fossem efetuadas reparações, mesmo em estragos cuja responsabilidade não pertencia à Recorrente, tendo esta última advertido de antemão (face à data de 19 de julho de 2021) que as faturas pendentes deveriam ser pagas antes de qualquer reparação; A Recorrente procedeu à reparação dos estragos existentes nas peças retiradas de obra, tendo ficado a aguardar o pagamento das faturas emitidas pelo seu trabalho, o que nunca veio a suceder; Quaisquer supostos e alegados prejuízos sofridos pela Recorrida decorrem apenas na sua exclusiva responsabilidade, sendo a Recorrente totalmente alheia a tal circunstância.

X.–Os gerentes da Recorrente, Ana... e Ricardo..., prestaram um depoimento claro, completo, sólido, credível, transparente e esclarecedor; e, mesmo quando questionados de forma mais insistente, os gerentes da Recorrente mantiveram a firmeza do seu depoimento, sem hesitações ou vacilo.

XI.–Já o gerente da Recorrente, Luís..., mostrou-se totalmente desconhecedor dos factos aqui trazidos, o que não é compreensível face à gravidade que os mesmos poderiam representar para a Sociedade que representa, nomeadamente para a respetiva saúde financeira, o que não é verosímil ou credível, isento de juízos de desvalor, como considerou o Tribunal a quo.

XII.–O depoimento das testemunhas da Recorrida, principalmente do CEO Henrique... e da Eng. Gisela..., que prestaram um depoimento ensaiado, teatral, moralista, conclusivo, pouco compatível com a espontaneidade que se pretende de testemunhas a quem o desfecho da causa seria alheio;

XIII.–A Recorrente entende que as por si arroladas revelaram um conhecimento mais consistente e credível, que encontra pleno suporte na prova documental, contrastando com as testemunhas da Recorrida, que se revelaram condicionadas e determinadas a inocentar toda a atuação da Recorrida, fazendo da Recorrente a "vilã" da empreitada;

XIV.–A prova documental só foi valorada para efeitos de prova quando essa prova funcionou em favor da Recorrida e em desfavor da Recorrente.

XV.–Vários depoimentos de testemunhas foram mencionando um decurso aparentemente normal da obra; Mas essa normalidade tem que ser vista como um decurso comum; Mas não é pelo facto de determinado decurso de obra ser comum que significa que ele seja esperado e adequado e respeitador das boas práticas de construção; nessa perspetiva, a formação profissional e experiência profissional de cada uma das testemunhas não é alheia ao respetivo depoimento e não é de desvalorizar, e a formação profissional das testemunhas por si arroladas e da sua legal representante Ana..., permite-lhes ter uma sensibilidade diferente para as especificidades e necessidades de obra que, na realidade, não se verificaram;

XVI.–Na reapreciação dos factos dados como provados sob as alíneas g), r) e z), no âmbito dos quais ficou por constar alguma factualidade relevante que, efetivamente, resultou demonstrada ou ficaram a constar factos que, s.m.o., não foram demonstrados, deverão ser objeto de reapreciação o documento junto pela Recorrida no decurso da audiência de discussão e julgamento (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), os documentos 1 e 17 da réplica, documentos 5, 8 e 9 da Oposição, e os depoimentos da legal representante da Recorrente, Ana..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), do legal representante da Recorrente, Ricardo..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), da testemunha Arquiteta Ana..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), da testemunha Arquiteta Pamella..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), da testemunha Arquiteto Válter..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), da testemunha Eng. João ..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 20.10.2022) e da testemunha Henrique..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 24.10.2022);

XVII.–Em face da prova produzida, é notório que a Recorrida aceitou o auto de medição dos trabalhos de junho, cujo valor se encontra contemplado na fatura 2021/200, a qual não foi paga. Ou seja, tendo a Recorrente produzido e entregue o trabalho aceite pela Recorrida, esta não cumpriu com a obrigação de pagamento da fatura. Sendo que tampouco pode a Recorrida escudar-se na suposta existência de itens para reparar, porquanto foi demonstrado que todos os itens a reparar no início de Julho, assim como entre os dias 7 e 14 de julho, foram efetivamente reparados pela Recorrente. E, para além do mais, nem se compreende como conseguiu o Tribunal a quo extrapolar da prova produzida que os itens supostamente por reparar no início de Julho eram referentes a trabalhos executados em Junho… Tal conclusão é, manifestamente, exagerada e sem suporte na prova constante dos autos. Pois se até o Fiscal da Obra confirmou que a subempreitada estava integralmente concluída entregue em 15.07.2021…

XVIII.–E, ainda que se pudesse concluir que quanto aos itens aceites no auto de medição de junho existiam defeitos que a Recorrente não terá - alegadamente e sem conceder - reparado, nunca poderia o Tribunal a quo considerar que a totalidade da fatura de Junho, no valor de €23.037,06, ficaria isenta de pagamento! A Recorrente executou o seu trabalho, nomeadamente o constante da referida fatura 2021/200, não sendo legítima a sua falta de pagamento sob pena da Recorrida incorrer em enriquecimento sem causa…

XIX.–Assim, deve ser alterada a resposta à matéria de facto identificada em XVI., passando o ponto g) da matéria de facto provada a ter a seguinte redação: "A 30 de junho de 2021, indicando como data de vencimento a mesma data, a A. emitiu a fatura 2021/200, no valor de € 23.037,06, referente ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de junho, que remeteu à R e que esta aceitou". Já o ponto r) da matéria de facto provada deverá passar a ter a seguinte redação: "Posteriormente a 7 de julho, a A. corrigiu os defeitos indicados para correção pela R., incluindo aqueles indicados em 10 de julho de 2021, 11 de julho de 2021, 13 de julho de 2021 e 14 de julho de 2021". Mais ainda, deve ser alterada a resposta à matéria de facto, passando o ponto z) da matéria de facto provada a constar dos factos não provados.

XX.–Na reapreciação do facto dado como provado sob a alínea k) e dos factos não provados "Não se provou que apenas a 23 de março de 2021 a R. liquidou os 30% do valor da adjudicação, nem que em 17 de junho de 2021 tivesse liquidado os trabalhos realizados no mês de maio" e "Não se provou que os trabalhos deveriam ser liquidados na data da emissão da fatura", relativamente aos quais a Recorrente se propõe demonstrar que, após negociação ocorrida entre a Recorrente, na pessoal da sua legal representante Ana..., e a Recorrida, na pessoa do seu funcionário Ventura... (que não foi testemunha nos presentes autos), as condições de pagamento acordadas entre as partes foram as seguintes: i) 30% do valor do orçamento para confirmação da adjudicação da subempreitada; ii) restantes pagamentos mediante fatura emitida a pronto pagamento, após a realização dos autos de medição mensais, devem ser objeto de reapreciação os seguintes meios de prova: os depoimentos da legal representante da Recorrente, Ana..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide atas das audiências de julgamento de 18.10.2022 e 24.10.2022), do legal representante da Recorrente, Ricardo..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), e da testemunha Henrique..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 24.10.2022), assim como os documentos 3, 4 e 5 da Réplica; Pretende-se ainda demonstrar que a prova produzida nos autos confirma que o pagamento que confirmou a adjudicação foi efetuado pela Recorrida apenas em 23.03.2021 e que a fatura relativa aos trabalhos de maio foi paga em mora, no dia 17.06.2021, cerca de 15 dias após a sua emissão;

XXI.–Assim, deve ser alterada a resposta à matéria de facto, passando o ponto k) da matéria de facto provada a ter a seguinte redação: "Nos termos do referido contrato a R. obrigou-se a liquidar 30% do valor do orçamento na adjudicação dos trabalhos à A., o que fez apenas em 23.03.2021"; Mais ainda, devem ser aditadas à matéria de facto provada duas alínea das quais resulte que "A Ré liquidou os trabalhos realizados no mês de maio apenas em 17.06.2021 após interpelação da Autora e a data de vencimento da respetiva fatura" e que "Os trabalhos executados pela Autora deveriam ser liquidados na data da emissão da fatura".

XXII.–Na reapreciação dos factos dados como provados sob as alíneas m), n) e ll), assim como dos factos não provados "Não se provou que imediatamente após a adjudicação a R. procedeu a sucessivas alterações ao projeto, obrigando a A. a re-desenhar várias vezes as peças e não aprovando as preparações da A., designadamente ao nível dos desenhos técnicos e materiais, atrasando constantemente a atividade de produção das carpintarias", "Não se provou que durante o mês de março a R. realizou alterações ao cronograma geral da obra, nem que em função dessas alterações obrigou a A. a alterar sucessivamente o planeamento e o cronograma dos seus trabalhos", "Não se provou que por acordo entre A. e R. o prazo de conclusão dos trabalhos foi adiado para 28 de maio de 2021", "Não se provou que a R. não concluiu as paredes, tetos e pavimentos de acordo com o cronograma por si estabelecido, impedindo a A. de confirmar e retificar as medidas dos móveis em obra na data prevista", "Não se provou que a obra da A. teve início a 27 de abril de 2021, nem que só nessa data a R. possibilitou à A. que entrasse na obra" e "Não se provou que a R. se obrigou a concluir todos os trabalhos referentes aos tetos falsos, revestimento de paredes e pavimentos e pinturas, antes da entrada da A. na obra, disponibilizando-lhe os locais limpos e prontos a receberem as carpintarias", devem ser reapreciados os documentos 6, 7, 9 e 11 da réplica e os depoimentos da legal representante da Recorrente, Ana..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), do legal representante da Recorrente, Ricardo..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de.10.2022), da testemunha Arquiteta Ana..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (cfr. atas da audiência de julgamento de 18.10.2022 e 24.10.2022), da testemunha Arquiteta Pamella... conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), da testemunha Arquiteto Valter..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022) e da testemunha Eng. João..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 20.10.2022);

XXIII.–Nestes pontos ora suscitados pretende-se demonstrar como ficou provado que, contrariamente à tese veiculada pela Recorrida, o trabalho da Recorrente e a execução nos prazos inicialmente propostos foram absolutamente condicionados pela Recorrida que, não só não permitia à Recorrente o desenvolvimento da pré-produção, produção e montagem das carpintarias, quer por atrasos na empreitada quer por introdução de várias e sucessivas alterações aos desenhos de produção, como também deu azo a que as peças produzidas e colocadas em obra fossem danificadas por terceiros, após pressão para instalação precoce das mesmas;

XXIV.–É evidente e notório, face aos depoimentos prestados e às comunicações escritas enviadas no decurso da execução dos trabalhos que a Recorrente encontrou dificuldades não previstas e que não eram supostas existir que obstaculizaram bastante o normal progresso das carpintarias. E é manifesto que a Recorrente levou essas dificuldades, criadas pela Recorrida e que não estavam previstas, ao conhecimento desta, vocalizando as suas preocupações e os possíveis impactos negativos, nomeadamente, no cumprimento do prazo de 5 semanas contínuas de trabalhos a que a Recorrente se havia proposto.

XXV.–Assim, deve ser alterada a resposta à matéria de facto, passando o ponto m) da matéria de facto provada a ter a seguinte redação: m) "Em 19 de março de 2021, após visita à obra e depois de lhe serem ser dados a conhecer o estado real da progressão dos trabalhos de construção civil e as condições físicas da obra, a A. manifestou junto da R. que não seria possível observar o prazo de execução inicialmente indicado", e passando o ponto ll) a ter a seguinte redação: "Durante os meses de março a maio, a R. realizou alterações às peças desenhadas e escritas do projeto, obrigando a A. a proceder a alterações aos desenhos técnicos necessários à produção das carpintarias"; Por outro lado, devem ser aditadas à matéria de facto provada alíneas com a seguinte redação: "Imediatamente após a adjudicação a R. procedeu a sucessivas alterações ao projeto, obrigando a A. a re-desenhar várias vezes as peças e não aprovando as preparações da A., designadamente ao nível dos desenhos técnicos e materiais, atrasando constantemente a atividade de produção das carpintarias", "Durante o mês de março a R. realizou alterações ao cronograma geral da obra, nem que em função dessas alterações obrigou a A. a alterar sucessivamente o planeamento e o cronograma dos seus trabalhos", "A R. possibilitou à A. que entrasse na obra apenas 27 de abril de 2021", "Por determinação da R. o prazo de conclusão dos trabalhos foi adiado para 28 de maio de 2021", "A R. não concluiu as paredes, tetos e pavimentos de acordo com o cronograma por si estabelecido, impedindo a A. de confirmar e retificar as medidas dos móveis em obra na data prevista", "A R. obrigou-se a concluir todos os trabalhos referentes aos tetos falsos, revestimento de paredes e pavimentos e pinturas, antes da entrada da A. na obra, disponibilizando-lhe os locais limpos e prontos a receberem as carpintarias"; Por fim, deve a alínea n) dos factos provados ("Por várias vezes, a A. alertou a R. da máxima urgência em terminar os trabalhos, atentas as consequências que os atrasos verificados significavam para aquela") passar a constar dos factos não provados.

XXVI.–Na reapreciação dos factos dados como provados sob as alíneas o), t), u), v), w), aa), bb), e dos factos não provados "Não se provou que os trabalhos foram concluídos pela A. a 10 de julho de 2021", "Não se provou que à data da emissão da fatura referida em h) a obra estivesse concluída", "Não se provou que a A. executou todos os trabalhos contratados e realizou as correções/substituições reclamadas pela R. aos trabalhos executados", "Não se provou que na data referida em tt) a obra da A. estava concluída, nem que o auto de medição tivesse sido aprovado pela R.", "Não se provou que na data referida em tt) faltava apenas realizar afinações e retificações finais nas carpintarias", "Não se provou que os trabalhos foram concluídos pela A. a 10 de julho de 2021", "Não se provou que à data da emissão da fatura referida em h) a obra estivesse concluída", "Não se provou que a A. executou todos os trabalhos contratados e realizou as correções/substituições reclamadas pela R. aos trabalhos executados", "Não se provou que na data referida em tt) a obra da A. estava concluída, nem que o auto de medição tivesse sido aprovado pela R." e "Não se provou que na data referida em tt) faltava apenas realizar afinações e retificações finais nas carpintarias", devem ser reapreciados os seguintes meios de prova: depoimentos da legal representante da Recorrente, Ana..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), do legal representante da Recorrente, Ricardo..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de.10.2022), da testemunha Arquiteta Ana..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (cfr. atas da audiência de julgamento de 18.10.2022 e 24.10.2022), da testemunha Arquiteta Pamella..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), da testemunha Arquiteto Valter..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 18.10.2022), da testemunha Eng. João..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 20.10.2022) e da testemunha Nuno ..., conforme se encontra gravado através do "Habilus Media Studio" (vide ata da audiência de julgamento de 20.10.2022) e os documentos 3, 18, 19, 20 da Réplica;

XXVII.–O referido conjunto de prova é revelador de que, na data de 15.07.2021, a subempreitada da Recorrente estava entregue e concluída e que tal facto era do conhecimento da Recorrida, do Fiscal de Obra e do Dono da Obra (através do seu Arquiteto); Nesse sentido, a prova é ainda reveladora de que a Recorrida não abandonou a obra; Por outro lado, a considerar-se ter havido "vandalização" da obra, não há prova de que a mesma tenha sido levada a cabo pela Recorrente e, por fim ficou demonstrado que as peças retiradas da obra foram-no a mando e exigência da própria Recorrida que, não obstante as sucessivas interpelações e avisos da Recorrente, permaneceu sem pagar as faturas em dívida.

XXVIII.–De notar que o abandono de obra é traduzido por uma manifestação inequívoca do empreiteiro (ou subempreiteiro) de não cumprir o conteúdo da sua prestação, recusando manifestamente esse cumprimento, após interpelação admonitória do Dono da Obra (ou do Empreiteiro), o que não sucedeu in casu;

XXIX.–Assim, deve ser alterada a resposta à matéria de facto, de modo que passe a constar da seguinte forma: "A A. cumpriu o prazo previsto no contrato de subempreitada, tendo concluído a obra em 15 de julho de 2021", "A A. corrigiu os estragos reclamados pela R., antes da conclusão da subempreitada", "A R., no fim de semana anterior à mudança dos serviços da Madre, para as novas instalações, exigiu à A. a correção de estragos em peças já montadas, o que implicou a desmontagem das mesmas e o seu transporte para fábrica, "Não provado que a A., a par da desmontagem das peças que necessitavam de reparação, desmontou outras que não necessitava de correção de defeitos e destruiu alguns dos trabalhos executados", "Não provado que depois de ter as peças em seu poder, a A. exigiu o pagamento imediato do valor de todos os trabalhos, e, ainda, uma quantia pela reparação dessas peças", "A R. aprovou o auto de medição referente à fatura n.º 204/2021 emitida pela A..", "À data da emissão da fatura 2021/204 a subempreitada estava concluída", "Em 15.07.2021, faltava apenas realizar afinações e retificações finais nas carpintarias", Eliminando-se os seguintes pontos: "Não se provou que os trabalhos foram concluídos pela A. a 10 de julho de 2021", "Não se provou que a A. executou todos os trabalhos contratados e realizou as correções/substituições reclamadas pela R. aos trabalhos executados", "Não se provou que na data referida em tt) a obra da A. estava concluída, nem que o auto de medição tivesse sido aprovado pela R.", "Não se provou que os trabalhos foram concluídos pela A. a 10 de julho de 2021", "Não se provou que à data da emissão da fatura referida em h) a obra estivesse concluída", "Não se provou que a A. executou todos os trabalhos contratados e realizou as correções/substituições reclamadas pela R. aos trabalhos executados", "Não se provou que na data referida em tt) a obra da A. estava concluída, nem que o auto de medição tivesse sido aprovado pela R."; e "Não se provou que na data referida em tt) faltava apenas realizar afinações e retificações finais nas carpintarias".

XXX.–Os factos dados como provados sob as alíneas p), cc), dd, ff) e gg) não foram objeto de prova cabal e suficiente que permita concluir no sentido apontado pelo Tribunal a quo, pois, para dar como provados os citados pontos, o Tribunal a quo valorou os depoimentos das testemunhas Henrique... e Gisela... .

XXXI.–Porém, não resultou provado que a dona da obra tivesse exigido o pagamento da fatura que emitiu, nem que a R. tivesse exigido o pagamento das faturas por si emitidas e a prova produzida foi manifestamente insuficiente para que o Tribunal a quo pudesse julgar a matéria de facto da forma citada (que de resto é, a espaços, conclusiva), ainda que as testemunhas tenham afirmado todos os referidos factos;

XXXII.–Para que a prova de determinado facto se faça não basta a produção de meios afirmativos nesse sentido: é necessário que os meios de prova, à luz das regras da experiência comum, sejam suficientes e capazes de criar convicção crítica no julgador. S.m.o., o sentido crítico do Tribunal a quo deveria ter determinado a insuficiência dos meios de prova produzidos para dar tais factos por provados.

XXXIII.–Os factos em questão, respeitando à Dona da Obra e à forma como procederam e como entenderam proceder, apenas poderiam ser provados por depoimento dos representantes da Madre, e não por indicação da Recorrida que, como é evidente, tem um interesse muito objetivo na prova que se propõe produzir;

XXXIV.–Há ainda que referir que a Recorrida não demonstrou ter interpelado a Dona da Obra Madre para o pagamento de qualquer quantia, nomeadamente aquela titulada pelas faturas que alega não terem sido pagas e nem sequer há notícia nos autos - documentalmente falando - de que a Recorrida levou as faturas por si emitidas ao conhecimento da Madre;

XXXV.–Assim, deve ser alterada a resposta à matéria de facto de modo a que os seguintes pontos passem a constar dos factos não provados, nos seguintes termos: "Não se provou que o comportamento contratual da A. repercutiu-se no contrato de empreitada celebrado entre a R. e a Madre"), "Não se provou que foi devido a atrasos da A. na execução da obra, que a Madre acabou por resolver o contrato de empreitada com a R. por carta enviada em 29 de julho de 2021, com o teor constante do doc. junto a fls. 42 verso e 43, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais", "Não se provou que a Madre não efetuou o pagamento à R. das últimas faturas desta obra n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278, as quais perfazem o valor de 70.035,70€.", "Não se provou que a atuação da A. fizesse com que esta expectativa se frustrasse, dada a quebra de confiança da cliente Madre na R."; e "Não se provou que a imagem da R. perante a Madre ficou denegrida pela atuação da A".

XXXVI.–O princípio da boa-fé, quando aplicado ao domínio das relações contratuais e pré contratuais, é um princípio recíproco e não se aplica apenas à Recorrente, sendo que também à Recorrida incumbia observar as condições de obra comprometidas junto da Recorrente, o que lhe teria permitido concluir a subempreitada no prazo proposto inicialmente de 21 de Maio; contudo, se a Recorrente não conseguia terminar a preparação, de modo a entrar em produção, devido à falta de condições em obra para tirar medidas e às sucessivas alterações introduzidas aos desenhos e projetos, a que a Recorrida deu azo, e se a Recorrente não conseguiu proceder às montagens de acordo com o seu plano de trabalho e modus operandi devido a falta de condições em obra para a instalação de mobiliário ou à necessidade de refazer determinadas peças porquanto outras se foram estragando (após instalação precoce em obra, determinada pela Recorrida), o prazo de execução teve, forçosamente, que estender-se;

XXXVII.–Ademais, a Recorrida nunca devolveu faturas ou apresentou reclamação formal junto da Recorrente por conta da supostamente errada faturação e não informou totalmente a Recorrente das condições correntes da obra, à data da apresentação da proposta e orçamento da Recorrente, levando a que esta apresentasse uma proposta irrealista, dado que não conhecia todas as condicionantes da obra, obra que apenas veio a conhecer após adjudicação do trabalho por parte da Recorrida;

XXXVIII.–É manifesto que foi a Recorrida quem agiu em violação dos ditames da boa-fé, e não a Recorrente, fazendo-o quer no domínio pré-contratual, quer no domínio negocial, quer no domínio da execução contratual, pelo que o Tribunal a quo, ao não entender o tema desta forma e apontando à Recorrente o papel de violador da boa-fé contratual, não aplicou devidamente o disposto nos arts. 227.º/1, 405.º/1 e 762.º/2 do CC.

XXXIX.–Atenta a pretendida alteração da resposta à matéria de facto no sentido de que as faturas em litígio (2021/200 e 2021/204) foram legitimamente emitidas nas respetivas datas para pronto pagamento, estando a Recorrida em mora quanto ao seu pagamento à Recorrente em 13.07.2021, qualquer recusa da Recorrente em cumprir com as respetivas obrigações seria legítima e legal. Contudo, e ainda assim, a verdade é que a totalidade da prestação da Recorrente estava cumprida em 15.07.2021.

XL.–Nos termos do art. 762.º/1 do CC, e atenta a matéria de facto que se pretende ver alterada, a obrigação da Recorrida vencia-se na data de emissão das faturas 2021/200 e 2021/204, respetivamente, 30.06.2021 e 15.07.2021; não tendo a Recorrida cumprido a obrigação de pagamento na sua data de vencimento, constituiu-se em mora perante a Recorrente nos termos do disposto no art. 805.º/2, al. a) do CC, com as consequências previstas nos arts. 804.º e 806.º do CC.

XLI.–A correta aplicação dos arts. 227.º/1, 405.º/1 e 762.º do CC implica a conclusão de que o princípio da boa fé contratual foi efetivamente violado pela Recorrida, e não pela Recorrente, mais se concluindo inexistir má-fé da Recorrente, quer na formação, quer na execução do contrato com a Recorrida. Não havendo legitimidade para a falta de pagamento das faturas peticionado pela Recorrente porquanto as mesmas foram legitimamente emitidas.

XLII.–Apesar da sentença recorrida ter ditado que a Recorrida se encontra desobrigada de liquidar as faturas em dívida à Recorrente por via do disposto no art. 795.º/1 do CC, é um facto, conforme resulta amplamente demonstrado nos autos, que a retirada de peças da obra foi realizada pela Recorrente a mando e exigência da Recorrida e que a reinstalação das referidas peças apenas não foi feita no dia 18.07.2021, porquanto a Recorrida não efetuou o pagamento das faturas em dívida; Como tal, ao considerar que a "prestação da A. perante a R. tornou-se impossível, por factos imputáveis à A.", o Tribunal a quo está a aplicar erradamente o disposto no art. 795.º do CC.

XLIII.–O art. 795.º apenas é aplicável à circunstância da impossibilidade de realização da prestação, ou seja, é necessário que a prestação que se torna impossível ainda não tenha sido realizada; porém, como bem ficou demonstrado nos autos, a prestação foi executada pela Recorrente, pelo que, logicamente, nunca se poderá considerar impossível uma prestação que já foi realizada.

XLIV.–Ora, mesmo que se considere que a prestação contida na fatura 2021/204 não foi realizada, de todo, e que não se cumpriu, o que não se concede e se equaciona por mero dever de patrocínio, não podemos esquecer que o auto de medição dos trabalhos de junho de 2021 foi aceite pela Recorrida (vide alínea y) da matéria de facto provada. Pelo que se tais trabalhos foram entregues e aceites, nunca poderiam ser impossíveis!!

XLV.–Em face da matéria de facto provada pelo Tribunal a quo, poderia este ter aplicado a redução do preço, nos termos do disposto no art. 1222.º do CC, evitando assim o decretamento judicial de uma total desproporção entre prestações, excessivamente onerosa para a Recorrente que executou a subempreitada na sua totalidade e apenas recebe metade do seu valor;

XLVI.–Errou o Tribunal a quo ao desonerar a Recorrida do pagamento das faturas 2021/200 e 2021/204 e da obrigação que sobre ela incorre através da aplicação do art. 795.º do CC que não tem, sub judice, qualquer cabimento legal, dado que as prestações da Recorrente, ao terem sido prestadas (e ainda que defeituosamente, o que não se concede) nunca poderiam ser impossíveis aos olhos da lei. Deste modo, a correta aplicação da lei, e mesmo sem qualquer alteração à resposta de facto, afasta o recurso ao art. 795.º do CC e deverá determinar a condenação da Recorrida no pagamento à Recorrente das faturas 2021/200 e 2021/204.

XLVII.–Nos termos do disposto no art. 798.º do CC e domínio da responsabilidade contratual, verifica-se a presunção legal da culpa do contraente faltoso; contudo, é sobre o contraente cumpridor que recai o ónus da prova dos restantes pressupostos da responsabilidade civil: violação contratual, dano e o nexo causal.

XLVIII.–Se o Tribunal entendeu que a Recorrida não logrou demonstrar quais os concretos motivos para a recusa do pagamento das faturas pelo dono da obra ou a para a aplicação de penalidade contratual por parte da Madre, inexiste qualquer nexo causal entre o alegado incumprimento contratual da Recorrente - que não se concede existir - e os alegados danos sofridos pela Recorrida e, como tal, não pode haver lugar a qualquer condenação da Recorrente no pedido reconvencional, pois se não se existe um dos pressupostos da responsabilidade civil, não pode haver lugar a qualquer ressarcimento nos termos do disposto no art. 798.º do CC.

XLIX.–Ao condenar a Recorrente a pagar à Recorrida "a título de indemnização as quantias correspondentes às indemnizações que a R. seja condenada a pagar à empresa Madre - Empreendimentos Turísticos S.A., bem como as quantias que deixe de receber desta, decorrentes do incumprimento do contrato de subempreitada", o Tribunal a quo violou o disposto no art. 798.º do CC, ao reconhecer a inexistência de nexo causal entre a suposta atuação da Recorrente - sem conceder - e os supostos prejuízos da Recorrida, e ao ignorar essa inexistência condenando a Recorrente ainda assim.

L.–A correta aplicação do direito impede a condenação da Recorrente no referido pagamento à Recorrida, por não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, mormente, o nexo causal.

LI.–Nos termos do disposto no art. 564.º/2 do CC, apenas os danos futuros previsíveis são indemnizáveis, não sendo possível relegar a demonstração do dano futuro meramente hipotético para liquidação em execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609.º do CPC.

LII.–Em boa-fé e razoabilidade, não há como sustentar uma suposta condenação da Autora no pagamento destes montantes peticionados pela Ré, sob pena de se permitir o enriquecimento da Recorrida às custas da Recorrente, sem causa efetiva. Desde logo porque não ficou demonstrado qualquer dano concreto, ainda que futuro.

LIII.–A Recorrida não fez prova nos autos dessa suposta medida, posto que não se demonstrou ter sofrido qualquer dano, pois este só se concretizará quando for claro, definitivo e inequívoco que a Recorrida não receberá o pagamento das faturas emitidas à Dona da Obra e que a Recorrida será obrigada a liquidar determinada quantia à Madre a título de incumprimento contratual, sendo que nem sequer se demonstrou qualquer dano concreto que tenha resultado da atuação da Autora.

LIV.–Falham assim, e também aqui, os pressupostos em que assenta o pedido de indeminização formulado: inexistem quaisquer danos ou prejuízos sofridos pela Ré, suscetíveis de serem indemnizados pela Recorrente, pelo que a correta aplicação da lei ao caso sub judice, em concreto do art. 564.º/2 do CC, deverá determinar a improcedência do pedido reconvencional, ao considerar-se que os danos reclamados pela Recorrida não são previsíveis, sendo futuros e incertos, e, como tal, não são indemnizáveis.

Termina pugnando pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que condene a ré no pedido formulado pela autora e a absolva do pedido reconvencional.

A ré/recorrida contra-alegou sustentando a manutenção da decisão recorrida (cf. Ref. Elect. 23037663).

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II–OBJECTO DO RECURSO

Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª Edição, pág. 95.

Assim, perante as conclusões das alegações da autora/apelante há que apreciar as seguintes questões:

a)-Da impugnação da matéria de facto;

b)-Do (in)cumprimento do contrato e obrigação de pagamento do preço;

c)-Da obrigação de indemnização decorrente do incumprimento do contrato.

Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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III–FUNDAMENTAÇÃO

3.1.–FUNDAMENTOS DE FACTO

A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
a)-A A. é uma empresa industrial que se dedica ao desenho, fabrico e montagem de móveis, revestimentos e outros produtos com madeira e derivados de madeira, na qual centra a sua actividade principal.
b)-A R. dedica-se à consultoria, gestão e manutenção de edifícios públicos e particulares, construção civil e obras públicas, remodelações, consultoria, comércio de materiais de construção, arquitectura, gestão e exploração de empreendimentos turísticos e hoteleiros, também como actividade lucrativa.
c)-No âmbito das respectivas actividades, em 8 de Março de 2021, a A. apresentou à R. o orçamento GF_2116I relativo ao fornecimento e montagem de carpintarias destinadas à obra dos escritórios Grupo Madre, sita no edifício Campo ..... – nº ... – piso ..., do Campo ....., em L_____, de cuja remodelação a R. estava incumbida pelo proprietário no âmbito da sua actividade profissional.
d)-A R. aceitou o orçamento a 9 de Março de 2021, no valor total de 123.102,79 €.
e)-O preço deveria ser pago pela R., 30% na data da adjudicação dos trabalhos e os restantes pagamentos por auto de medição mensais.
f)-Os trabalhos a realizar pela A. incluíam mão-de-obra e materiais.
g)-A 30 de Junho de 2021, indicando como data de vencimento a mesma data, a A. emitiu a factura 2021/200, no valor de € 23.037,06, referente ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de Junho, que remeteu à R..
h)-A 15 de Julho de 2021, indicando como vencimento a mesma data, a A. emitiu a factura 2021/204, no valor de € 28.913,93, e por referência o auto de obra referente à produção e montagem de carpintaria dos escritórios Madre no Campo ..... em L_____, que remeteu à R..
i)-A R. não pagou à A. os valores titulados nas facturas supra, pese embora a insistência da A..
j)-Nos termos do contrato celebrado entre as partes, a A. obrigou-se a executar os trabalhos que lhe tinham sido adjudicados pela R. até ao dia 21 de Maio de 2021.
k)-Nos termos do referido contrato a R. obrigou-se a liquidar 30% do valor do orçamento na adjudicação dos trabalhos à A., o que fez, sendo os pagamentos subsequentes feitos no prazo de 30 dias após a aprovação do respectivo auto de medição.
l)-O prazo de conclusão da subempreitada indicado em j) foi condição essencial para a adjudicação dos trabalhos pela R. à A., dado que, enquanto empreiteira desta obra, a R. assumiu igualmente obrigações, entre as quais o prazo de execução da empreitada até esse dia 21 de maio 2021.
m)-Em 19 de Março de 2021, a A. assumiu perante a R. que não estava em condições de cumprir o prazo contratualmente acordado, solicitando que fosse alterado o planeamento dos trabalhos.
n)-Por várias vezes, a R. alertou a A. da máxima urgência em terminar os trabalhos, atentas as consequências que os atrasos verificados significavam para aquela.
o)-A A. não cumpriu o prazo previsto no contrato de subempreitada, e nunca concluiu a obra, tendo-a abandonado em 17 de Julho de 2021.
p)-O comportamento contratual da A. repercutiu-se no contrato de empreitada celebrado entre a R. e a Madre.
q)-Em 7 de Julho de 2021, a R. informou a A. de que era necessário proceder a várias rectificações nos mais variados locais da obra.
r)-Posteriormente, mantendo-se os mesmos defeitos, a R., em 10 de Julho de 2021, 11 de Julho de 2021, 13 de Julho de 2021 e 14 de Julho de 2021, voltou a pressionar a A. para que fossem corrigidos, o que não sucedeu.
s)-A A. fez depender a correcção dos defeitos enunciados do pagamento das facturas referidas em g) e h).
t)-A A. nunca corrigiu os defeitos reclamados pela R., os quais se mantiveram, tendo abandonado a subempreitada sem a concluir.
u)-A A. no fim-de-semana anterior à mudança dos serviços da Madre, para as novas instalações, solicitou autorização para ir à obra desmontar algumas peças que tinham sido mal executadas para as levar para reparação.
v)-A A., a par da desmontagem das peças que necessitavam de reparação, desmontou outras que não necessitava de correcção de defeitos e destruiu alguns dos trabalhos executados.
w)-Sendo que depois de ter as peças em seu poder, exigiu o pagamento imediato do valor de todos os trabalhos, e, ainda, uma quantia pela reparação dessas peças.
x)-Tais peças já tinham sido colocadas e entregues ao dono da obra e este autorizou que fossem retiradas apenas por lhe ter sido garantido pela Arquitecta Ana..., legal representante da A., que eram levadas com o único intuito de serem reparadas e recolocadas em 48 horas, de forma a ficar tudo pronto para que a Madre pudesse ocupar as instalações a partir da segunda-feira seguinte, para o que já tinha feito a mudança nesse fim de semana.
y)-O auto de medição de Junho de 2021, foi aprovado por A. e R..
z)-Os trabalhos a que se refere o auto de medição de Junho de 2021 apresentaram vários defeitos, cuja correcção foi solicitada pela R. à A. e que esta recusou fazer.
aa)-A R. não aprovou o auto de medição referente à factura n.º 204/2021 emitida pela A..
bb)-Os factos referidos em p) fizeram com que a R. incumprisse o prazo de execução da empreitada.
cc)-Face aos atrasos da A. na execução da obra, a Madre acabou por resolver o contrato de empreitada com a R. por carta enviada em 29 de Julho de 2021, com o teor constante do doc. junto a fls. 42 verso e 43, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
dd)-A Madre não efectuou o pagamento à R. das últimas facturas desta obra n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278, as quais perfazem o valor de 70.035,70€.
ee)-A obra da Madre constituía uma obra de referência para a R., dada a sua localização no centro de Lisboa e a importância da cliente Madre para o futuro da R., que tinha a expectativa de voltar a executar outros trabalhos para aquela.
ff)-Os factos descritos em p) e cc) fizeram com que esta expectativa se frustrasse, dada a quebra de confiança da cliente Madre na R..
gg)-A imagem da R. perante a Madre ficou denegrida pela actuação da A..
hh)-No final de Junho de 2021, a A. elaborou o respectivo auto com os trabalhos realizados, aprovado pela R., e emitiu a factura nº 200.
ii)-O orçamento apresentado em c) tinha como observações “Com Adjudicação até 8/3 conclusão até 21/5”.
jj)-Nos termos impostos pela R., “antes da execução dos trabalhos, o adjudicatário obrigar-se-á a apresentar à consideração da direção de obra amostras/documentação técnica de todos os materiais e acessórios a instalar, tudo sujeito a aprovação para início dos trabalhos”.
kk)-A 16 de Março de 2021, a R. enviou à A. o planeamento com entrada da A. em obra a 12 de Abril, ao qual a A. respondeu, por email de 19 de Março de 021, com o conteúdo do documento junto a fls. 76 verso cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
ll)-Durante o mês de Março a R. realizou alterações às peças desenhadas e escritas do projecto, obrigando a A. a proceder a alterações aos desenhos técnicos necessários à produção das carpintarias.
mm)-Em 31 de Março de 2021, 2 de Abril de 2021, 7 de Abril de 2021 e 22 de Abril a A. remeteu à Directora de Produção da R., os emails com o conteúdo dos documentos juntos a fls. 78 verso a 79 verso, 80 verso, 81 e 82 verso cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
nn)-Os trabalhos subcontratados à A. deveriam seriam efectuados de acordo com o planeamento inicial elaborado pela R., nos termos constantes do doc. junto a fls. 83 verso cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
oo)-Em 7 de Maio de 2021 a A. remeteu à Directora de Produção da R., o email com o conteúdo do documento junto a fls. 84 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
pp)-Várias peças fabricadas pela A. e colocadas na obra foram reclamadas pela R. por apresentarem defeitos.
qq)-Após a analisar as reclamações, a A. concluiu que das peças reclamadas, apenas 18 peças tinham defeito, tendo procedido à sua imediata substituição, rejeitando qualquer responsabilidade na reparação das demais situações, por entender que as mesmas foram danificadas por responsabilidade da R..
rr)-Relativamente às peças danificadas cuja responsabilidade rejeitou a A. propôs-se a realizar esse trabalho extraordinário, reparando as peças desde que a R. assumisse o pagamento do custo dessa reparação.
ss)-Em 13 de Julho de 2021 a A. remeteu à R., o email com o conteúdo do documento junto a fls. 88 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
tt)-Em 15 de Julho de 2021 a A. elaborou um auto referente aos trabalhos realizados no mês de Julho e emitiu a factura 204, que enviou à R..
uu)-Após os factos referidos em u) e v) a A. remeteu em 17 de Julho de 2021 à R. o email com o conteúdo do documento junto a fls. 40 verso cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

*

O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos (que ora se numeram para maior facilidade de exposição):
1)–Não se provou que o orçamento referido c) tivesse sido apresentado a pedido da R..
2)–Não se provou que os trabalhos deveriam ser liquidados na data da emissão da factura.
3)–Não se provou que a obra da A. teve início a 27 de Abril de 2021, nem que só nessa data a R. possibilitou à A. que entrasse na obra.
4)–Não se provou que os trabalhos foram concluídos pela A. a 10 de Julho de 2021.
5)–Não se provou que à data da emissão da factura referida em h) a obra estivesse concluída.
6)–Não se provou que a Madre recusou o pagamento das facturas referidas em dd).
7)–Não se provou que a A. concluiu a obra.
8)–Não se provou que apenas a 23 de Março de 2021 a R. liquidou os 30% do valor da adjudicação, nem que em 17 de Junho de 2021 tivesse liquidado os trabalhos realizados no mês de Maio.
9)–Não se provou que a A. executou todos os trabalhos contratados e realizou as correcções/substituições reclamadas pela R. aos trabalhos executados.
10)–Não se provou que imediatamente após a adjudicação a R. procedeu a sucessivas alterações ao projecto, obrigando a A. a redesenhar várias vezes as peças e não aprovando as preparações da A., designadamente ao nível dos desenhos técnicos e materiais, atrasando constantemente a actividade de produção das carpintarias.
11)–Não se provou que durante o mês de Março a R. realizou alterações ao cronograma geral da obra, nem que em função dessas alterações obrigou a A. a alterar sucessivamente o planeamento e o cronograma dos seus trabalhos.
12)–Não se provou que por acordo entre A. e R. o prazo de conclusão dos trabalhos foi adiado para 28 de Maio de 2021.
13)–Não se provou que a R. não concluiu as paredes, tectos e pavimentos de acordo com o cronograma por si estabelecido, impedindo a A. de confirmar e rectificar as medidas dos móveis em obra na data prevista.
14)–Não se provou que a R. se obrigou a concluir todos os trabalhos referentes aos tectos falsos, revestimento de paredes e pavimentos e pinturas, antes da entrada da A. na obra, disponibilizando-lhe os locais limpos e prontos a receberem as carpintarias.
15)–Não se provou que na data referida em tt) a obra da A. estava concluída, nem que o auto de medição tivesse sido aprovado pela R..
16)–Não se provou que na data referida em tt) faltava apenas realizar afinações e rectificações finais nas carpintarias.
17)–Não se provou que a R. seja conhecida no mercado por não pagar aos fornecedores.

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3.2.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO

3.2.1.–Da Impugnação da Matéria de Facto

Dispõe o art.º 640º do CPC:

1– Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2– No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. […]”

Em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.

Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escritos – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.

O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que se integra no ónus de alegação e destinada a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.

De notar que a imposição da síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 142, nota 228.

O vertido no art.º 640º do CPC torna possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, que visa não tanto fundamentar e delimitar o recurso, mas possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – cf. acórdão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1[2].

A recorrente impugna os factos provados sob as alíneas g), k), m), n), o), p), r), s), t), u), v), w), z), aa), bb), cc), dd), ff), gg) e ll), propondo a decisão que pretende que recaia sobre os factos neles vertidos e os factos considerados não provados sob os pontos 2), 3), 4), 5), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15) e 16), que considera que deveriam ter sido dados como provados.

Ora, como se retira do acima expendido, os requisitos do ónus impugnatório cingem-se à especificação dos pontos de facto impugnados, dos concretos meios de prova convocados, da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, com expressa indicação das passagens dos depoimentos gravados em que se funda o recurso (cf. alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC).

Em face do conteúdo das alegações e conclusões da recorrente deve reconhecer-se, não obstante algum grau de confusão e desordem na motivação do recurso, que esta cumpriu o ónus impugnatório e respectivos requisitos que sobre si impendia, impondo-se, assim, reapreciar os factos que foram objecto da sua impugnação (a circunstância de serem examinados em conjunto diversos factos que se mostram interligados não parece violar qualquer um dos requisitos expressamente previstos no art. 640º do CPC em sede de ónus de impugnação, pois que não deixam de ser indicados os concretos pontos impugnados e a decisão que sobre cada um deles deve recair).

Impõe-se, assim, analisar os depoimentos prestados em audiência, indicados pela recorrente a propósito dos pontos impugnados, em confronto com a restante prova produzida, para verificar se tal factualidade deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pela apelante, ou se, ao invés, aquela não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo.

Importa, contudo, realçar que enquanto a primeira instância toma contacto directo com a prova, nomeadamente os depoimentos e declarações de parte, e os depoimentos das testemunhas, com a inerente possibilidade de avaliar elementos de comunicação não-verbais como a postura corporal, as expressões faciais, os gestos, os olhares, as reacções perante as demais pessoas presentes na sala de audiências, a Relação apenas tem acesso ao registo áudio dos depoimentos, ficando, pois, privada de todos esses elementos não-verbais da comunicação que tantas vezes se revelam importantes para a apreciação dos referidos meios de prova.

Atente-se, antes de se avançar que, tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-06-2018, processo n.º 18613/16.7T8LSB.L1-2:

“[…] no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial. De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.

Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, Miguel Teixeira de Sousa, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.

A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.

É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.

Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente. Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (P 1156/2002.L1.S1).”

Releva ainda a circunstância de se manterem em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, sabendo-se que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, de tal modo que a Relação só deve lançar mão dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Procedendo a Relação à audição efectiva da prova gravada, deverá alterar a matéria de facto provada quando conclua, com a necessária segurança, no sentido de os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontarem em direcção diversa daquela que foi encontrada pela 1ª instância – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-11-2017, processo n.º 216/14.2T8EPS.G1 – “O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” enunciada no n.º 1 do art. 662º, bem como na ratio e no elemento teleológico desta norma. Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.”

Neste enquadramento, há ainda que ter presente que “A prova não é (nunca é) certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica). E isso significa que à vida em sociedade não escapa um certo nível de incerteza; havendo é que descortinar a partir de quando é que esse nível é aceitável; ou, ao invés, intolerável. Julgamos sempre que, se ao cidadão razoável e medianamente esclarecido não chocar tomar como certo um dado segmento de vida, é já consciencioso assumi-lo como provado; mas se ao invés a mesma consciência ainda ali se puder comportar como hesitante ou indecisa, só imprudentemente a prova pode ser assumida e afirmada.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-12-2012, processo n.º 1267/06.6TBAMT.P2.

Por facilidade de exposição seguir-se-á a ordem pela qual a recorrente impugnou os factos/conjunto de factos, a não ser que tal se revele desadequado ou se justifique a apreciação simultânea de outros pontos impugnados.

Alíneas g), r) e z) dos Factos Provados

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
g)- A 30 de Junho de 2021, indicando como data de vencimento a mesma data, a A. emitiu a factura 2021/200, no valor de € 23.037,06, referente ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de Junho, que remeteu à R..
r)- Posteriormente, mantendo-se os mesmos defeitos, a R., em 10 de Julho de 2021, 11 de Julho de 2021, 13 de Julho de 2021 e 14 de Julho de 2021, voltou a pressionar a A. para que fossem corrigidos, o que não sucedeu.
z)- Os trabalhos a que se refere o auto de medição de Junho de 2021 apresentaram vários defeitos, cuja correcção foi solicitada pela R. à A. e que esta recusou fazer.

Para além da remissão para a globalidade dos documentos juntos aos autos e análise da prova quanto ao facto de a obra não ter sido concluída pela recorrente e apresentar defeitos, o Tribunal recorrido não consignou na motivação da decisão sobre a matéria de facto alusões específicas aos concretos pontos de facto ora impugnados.

Pretende a apelante que à redacção da alínea g) seja acrescentada a referência: “e que esta aceitou”; que a alínea r) passe a ter a seguinte redacção: ““Posteriormente a 7 de julho, a A. corrigiu os defeitos indicados para correção pela R., incluindo aqueles indicados em 10 de julho de 2021, 11 de julho de 2021, 13 de julho de 2021 e 14 de julho de 2021”; e que o facto descrito em z) seja dado como não provado.

Argumenta a apelante que o documento junto em audiência[3], que consiste numa troca de mensagens de correio electrónico entre as partes, revela que a ré aceitou os trabalhos executados no mês de Junho, pelo valor consignado na factura n.º 2021/200, o que é incompatível com a afirmação de que os trabalhos a que se reportavam o auto de medição de Junho de 2021 apresentavam defeitos, louvando-se ainda no depoimento de parte dos legais representantes da autora, Ana... e Ricardo..., no documento que constitui a mensagem enviada em 8 de Julho de 2021 (documento n.º 17 junto com a réplica), de onde decorre que a maioria dos defeitos apontados foram causados por terceiros, para além do que entre 7 e 14 de Julho de 2021 foram reparadas peças, como resulta dos documentos n.ºs 5, 8 e 9 juntos com a oposição, o que foi confirmado pelas testemunhas Ana..., Pamella..., Válter... e João... e ainda Henrique... (que confirmou que a factura não foi devolvida).

Contra este entendimento insurge-se a recorrida, que pugna pela manutenção dos pontos ora em crise tal como figuram na decisão recorrida, referindo que o documento junto em audiência não sustenta a pretensão da apelante, para além do que a aceitação dos trabalhos ou da factura não significa que não existissem defeitos, sendo que a alínea r) dos factos provados resulta dos documentos n.ºs 7, 8, 9 e 10 juntos com a oposição, de onde se extrai que a requerida interpelou a recorrente várias vezes para os corrigir, tal como referiram as testemunhas Válter..., Henrique ... e João..., até porque foram retiradas peças no fim-de-semana de 17 de Julho de 2021, nunca devolvidas.

Para a autora, em face do mencionado documento, a ré aceitou os trabalhos executados no mês de Junho, no valor de 23 037,06 €, pelo que isso significa, no seu entender, que tais trabalhos foram executados sem defeitos, o que é incompatível com a afirmação que consta da alínea z).

No que diz respeito à alínea g), está causa a emissão da factura n.º 2021/200, no valor de 23 037,06 €, que não foi paga pela ré e cujo pagamento é reclamado nos presentes autos.

Conforme consta do conteúdo da própria factura, com data de 30 de Junho de 2021 – documento n.º 1 junto com a réplica[4] -, o valor facturado, reporta-se ao “auto mensal de Junho referente às carpintarias da obra Escritórios Madre em Lisboa”.

Sob a alínea e) dos factos provados – ponto não impugnado – ficou consignado que o preço dos trabalhos contratados pela ré à autora deveria ser pago 30% na data da adjudicação e o restante valor em função de autos de medição mensais, o que significa que a emissão da correspondente factura dependia da verificação mensal dos trabalhos efectuados por parte da autora e da ré (empreiteira geral da obra), da sua medição e subsequente aprovação, para que a factura pudesse ser emitida.

Isto mesmo foi explicado pela testemunha Henrique..., director geral na empresa ré, desde finais de 2018, referindo que a análise era feita entre o dia 20 e 25 de cada mês, por parte da direcção de obra, que a percorria, verificando o trabalho executado, o material fornecido e comprovando o que estava ou não executado, instalado e aplicado, sendo feito um orçamento à proporção, vistoria acompanhada pelo fiscal designado (no caso a testemunha João...), após o que o auto era proposto à fiscalização, aprovado e emitido o auto final, o que permitia a emissão da factura por parte dos subempreiteiros, entres eles o da carpintaria, a aqui autora (cf. minuto 6.01 e seguintes e 41.27 e seguintes do seu depoimento, prestado em 24 de Outubro de 2022).

Mais disse esta testemunha, a propósito do auto referente aos trabalhos de Junho de 2021, que a factura correspondente, aqui peticionada, “não estava em questão sequer”, sucedendo apenas que a ré estava em prazo para proceder ao seu pagamento, tendo, depois, surgido o assunto da reparação das peças danificadas.

Os legais representantes da autora, Ana... e Ricardo..., confirmaram que o auto de Junho de 2021 foi aprovado em inícios de Julho de 2021 (6 de Julho de 2021, conforme disse Ana...), referindo o segundo que os autos não eram pacíficos, porque a autora colocava em obra as peças, que depois eram danificadas e a ré as rejeitava por não estarem em condições, mencionando ainda que, neste caso, inicialmente, o auto era de cerca de 40 mil euros, tendo ocorrido redução do valor em função do existente e do que havia por reparar (cf. minuto 51.45 e seguintes e 17.58 e seguintes dos respectivos depoimentos).

O processo da vistoria mensal, medição e emissão de factura foi também descrito pela testemunha Gisela..., directora de obra, a exercer funções para a sociedade ré desde o início de 2019, que disse que mensalmente, no final do mês, em data a acordar, entre os dias 20 e 25, efectuava o auto com o cliente e consoante aquilo que era aprovado verificavam os trabalhos e as percentagens realizadas, sendo que a aprovação do auto com o subempreiteiro dependia da aprovação pelo dono de obra do auto da própria ré (cf. minuto 3.41 e seguintes do seu depoimento, prestado no dia 24 de Outubro de 2022).

Por sua vez, a testemunha Ana..., arquitecta, funcionária da autora desde 2020/2021, referiu que nem sempre a medição abrangia a totalidade dos trabalhos executados, pois dependia da sua aceitação pelo cliente, o que podia implicar redução na facturação (cf. minuto 42.05 do seu depoimento), o que revela que, à partida, o valor facturado corresponderia a trabalhos achados em conformidade com o previsto.

A análise do documento junto em audiência permite constatar isso mesmo, ou seja, que nem sempre a totalidade dos trabalhos executados eram efectivamente facturados, o que significa que existiam trabalhos não considerados como total ou correctamente executados pelo cliente, de modo que a aceitação do auto de medição não significa que tudo o que tenha sido executado até esse momento esteja isento de defeitos, mas, por outro lado, permite admitir que a parte facturada, aparentemente, estará conforme (sem prejuízo de, posteriormente, como é evidente, serem detectados defeitos).

O documento em questão[5] constitui uma troca de mensagens de correio electrónico entre a autora e a ré, esta na pessoa de Gisela ..., entre os dias 30 de Junho e 6 de Julho de 2021, com o seguinte teor:

Mensagem de Ana... para Gisela... de 30 de Junho de 2021 20:05:

“Conforme acordado junto auto de medição Mensal no valor de 44.977,92€, nos quais não foram incluídos os artigos a roxo ainda não concluídos.

No seguimento do solicitado ontem pela Ana... para verificação do Auto hoje em obra, e na impossibilidade de se ter realizado hoje, solicitamos que não passe de amanhã pois temos a necessidade de o facturar em Junho conforme acordado.

Propomos assim que fique agendado para amanhã pelas 16h.”

Mensagem de Ana... para Gisela... de 4 de Julho de 2021 10:50:

“Como falamos ontem iremos recolher as peças das floreiras (cerca de 6/7) por nós sinalizadas para reparar e lacar em fábrica, iremos repô-las o mais rápido possível em obra, durante o inicio da semana.

Ainda na sequência da nossa conversa, iremos aferir uma maneira com o nosso lacador de reparar o revestimento de parede que sinalizamos, caso o D.O. não o aceite.


Em relação aos custos da reparação de lacados, a gotflow já se disponibilizou-se para reparar todas as portas dos armários que estavam massacradas, assumindo este custo, independentemente do responsável pelas danificações. Neste sentido, contamos agora com a vossa colaboração para nos ajudar e dividir custos face a estas novas reparações. A esta altura ambos queremos resolver e entregar a obra, ao invés de estarmos a encontrar os culpados pelos danos.

Aproveito o presente e-mail para solicitar a partilha do Auto referente a 30/06 que ontem, em conjunto, fechamos.

O Auto para nós servirá de guia para finalizarmos e afinarmos os artigos que não foram aceites a 100% pelo D.O. e ainda para podermos facturar o referente ao mês de Junho. […]”

Mensagem de Gisela... para a recorrente (Ana...) de 4 de Julho de 2021 19:08:

“Sim, é importante aferir uma maneira com o vosso lacador de reparar o revestimento de parede que sinalizamos, pois com o grau de exigência requerido nesta empreitada, o mais certo será que venha a ser reclamado.

Relativamente às novas reparações de lacados avancem no imediato, estamos disponíveis para repartir os custos inerentes, como verificado ontem não nos-parece que seja um valor por aí além, estamos a falar de 6 ou 7 tampos de móveis perimetrais, já incluindo de floreiras.

No que se refere ao auto, as quantidades estão ainda em análise pelo cliente, era expectável obter uma resposta ontem, mas tal não aconteceu.

Dada a precisão e por serem tão minuciosos com os acabamentos, teremos de aguardar pela resposta e confirmação de aceitação, pois os artigos mais importantes e com mais expressão não estão concluídos (divisória sala reunião,—solução para fecho, ripados entrada e móvel, ripados sala de reunião por reparar, poriá de entrada principal por inverter, portas laterais que há data do auto não estavam e que ainda faltam as fechaduras, pergola e banco há data do auto aperás iniciadas e ainda por terminar, móveis cafetaria com portas lacadas colocadas apenas ontem e ainda por confirmar a aceitação das orlas, portas de móveis perimetrais por afinar e acerar, portas de um modo geral em conctusão agora, portas de móveis a serem instaladas há data do auto, etc).

O vosso auto será enviado logo após aferidas e aceites as quantidades/ percentagens com o nosso cliente. […]”

Mensagem de Gisela... para a recorrente (Ana...) de 6 de Julho de 2021 02:12:

“De acordo com o contato telefónico desta tarde, junto enviamos auto de medição referente ao mês de Junho, auto revisto de acordo com o trabalho executado e aceite à data do mesmo.

Valor Auto Junho: 23 037,06€”.

Como se retira do conteúdo destas mensagens existiu, efectivamente, um auto de medição referente aos trabalhos executados no mês de Junho de 2021, que foi acordado entre as partes e cujo valor corresponde ao valor facturado (factura n.º 2021/200).

Por outro lado, do conteúdo deste documento e bem assim dos depoimentos supra mencionados é evidente a existência de trabalhos que não foram considerados como executados em conformidade com o projecto ou que apresentavam anomalias, que não foram aceites pela ré.

Pode admitir-se, como parece pretender a recorrente, que o valor acertado no auto de medição corresponde aos trabalhos executados e aceites pela ré como não apresentando anomalias, porquanto, em face do valor inicialmente apresentado pela autora – 44 977,92 € mencionados na mensagem de 30 de Junho de 2021 -, terá ocorrido uma redução face ao executado, cingindo-se o valor a trabalho executado e aceite.

No entanto, seguro é que, como refere a recorrida, a aceitação dos trabalhos não significa que estes não apresentem qualquer anomalia, podendo apresentar defeitos ocultos que posteriormente poderão ser denunciados ao empreiteiro. No entanto, tendo existido uma vistoria, não sendo atendidos na medição alguns dos trabalhos para efeitos de facturação e tendo a ré referido que o valor apurado era atinente ao trabalho executado e aceite, pode ter-se por bom que esse valor correspondia a trabalhos que foram aceites sem reclamação de defeitos.

No entanto, relativamente à alínea g) dos factos provados, aquilo que a recorrente pretende é que se dê como provado que a factura n.º 2021/200 foi remetida à ré e que esta a aceitou, o que nada tem que ver com a questão da existência de defeitos, da sua reparação ou falta dela.

Na verdade, tal como decorre da prova documental e testemunhal atrás referida, a emissão dessa factura teve subjacente um auto de medição acertado entre as partes, em que foi fixado um valor aprovado pela ré, que veio a constar da factura n.º 2021/200 e que a ré, de facto, não devolveu, fosse por não concordar com o valor facturado, fosse por nela se consignar que o pagamento seria a pronto, com ela se conformando. Atente-se, quanto a este ponto, que a testemunha Henrique... referiu precisamente que para si as condições de pagamento estavam acertadas no momento da celebração do contrato, sendo irrelevante o que constava da factura a propósito do prazo de pagamento e que não devolveu a factura por essa questão não ser então relevante (cf. minuto 39.42 e seguintes do seu depoimento).

Logo, parece nem constituir discussão nos presentes autos o facto de tal factura ter sido enviada à ré, que a recebeu e não a devolveu, não havendo que mencionar uma aceitação que tenha o alcance de abranger a inexistência de qualquer defeito nos trabalhos então facturados, porquanto tal não resulta cristalino da prova produzida, havendo apenas que mencionar a sua não devolução.

No entanto, a recorrente entende que não é possível reconhecer a aceitação dos trabalhos do mês de Junho de 2021 e simultaneamente afirmar que tais trabalhos apresentavam defeitos, cuja correcção foi solicitada e que a autora se recusou a fazer, para o que convoca as declarações dos seus legais representantes, Ana... e Ricardo..., a mensagem por si remetida à recorrida em 8 de Julho de 2021 sobre a reparação das peças e a responsabilidade pelos danos verificados, o que afastaria uma sua recusa de reparação; convoca também os documentos n.ºs 5, 8 e 9 juntos com a oposição, que, no seu entender, permitem comprovar que a autora procedeu a reparações, pois alguns itens não figuram na listagem posterior, invocando ainda em seu apoio o depoimento das testemunhas Ana..., Pamella..., Válter..., João... e Henrique...

A recorrente louva-se em passagens de depoimentos que asseguram que em 15 de Julho de 2021 as peças estavam todas entregues para justificar que as reparações estavam feitas, mas estão em causa duas questões distintas: uma, que tem que ver com a circunstância de as peças que constituíam objecto dos trabalhos contratados terem sido todas executadas e colocadas em obra, o que, efectivamente, foi confirmado pelas testemunhas mencionadas; outra, distinta, concernente ao facto de muitas dessas peças apresentarem defeitos ou anomalias.

Ora, o conjunto da prova produzida revela que existiram anomalias detectadas já no decurso da obra e, no final, algumas foram admitidas pela própria autora e por ela reconhecidas como devendo ser por si reparadas e outras foram rejeitadas, cuja reparação, porém, ainda assim, assumiu, exigindo, contudo, um pagamento suplementar.

Por outro lado, há que cindir a questão das anomalias que foram sendo identificadas no decurso das vistorias para elaboração dos autos de medição e a situação ocorrida no fim-de-semana de 16 a 18 de Julho, anterior à data prevista para a inauguração da obra (19 de Julho de 2021) e que tem a ver com a retirada de peças da obra para alegada reparação e recolocação até ao dia 18 de Julho, o que não veio a suceder, sendo evidente que nem todos os pontos assinalados como carecendo de reparação foram objecto dessa rectificação, o que, aliás, é claramente reconhecido pela recorrente, cujas testemunhas por si arroladas confirmaram que procederam a algumas reparações, mas outras necessitavam de levantamento das peças e sua deslocação para a fábrica, para nova lacagem.

Importa também ter presente que em sede de impugnação da matéria de facto não há que ponderar se a ré deveria ou não ter procedido ao pagamento da factura n.º 2021/200, que não foi devolvida, mas aferir se, efectivamente, existiam defeitos assinalados e se estes foram ou não reparados.

Ora, ainda antes da fase final da obra (fim-de-semana de 16 a 18 de Julho de 2021) já tinham sido detectadas anomalias e introduzidas correcções, pelo que importa distinguir os eventos ocorridos nessa fase final daquilo que se passou durante a fase de execução da obra.

A testemunha Válter... aludiu precisamente a esse facto referindo que existia uma lista de anomalias a reparar, produzida por si e pela fiscalização da obra, que existiram reparações efectuadas pela recorrente, mas que não abrangeram a totalidade da enunciação constante dessa lista, e que, de facto, algumas peças foram novamente para lacagem e recolocadas ou substituídas, mas tal sucedeu numa fase anterior à retirada de peças ocorrida no dia 16 e 17 de Julho de 2021 – cf. minuto 31.08 e seguintes do seu depoimento.

Quer pela declarante Ana..., quer pelas testemunhas arroladas pela autora e pela ré foi referido o facto de ter sido reconhecida a existência de riscos e outros danos em diversas peças e que a autora aceitou que alguns ocorreram por descuido próprio ou no transporte e por isso os reparou, ainda durante o período da obra, voltando a recolocar as peças. Contudo, na fase final da obra, foram identificados danos que a autora não admitiu que lhe fossem imputados, mas que acabou por aceitar reparar, o que veio a culminar na situação verificada no fim-de-semana de 16 a 18 de Julho, em que comunicou à ré que apenas voltaria a colocar as peças se as facturas (em discussão nos presentes autos) fossem pagas; além disso, disseram também que parte da lista de reparações de 5 de Julho foi corrigida – cf. minuto 49:30 e seguintes do depoimento de Ana...; minuto 7:39 e seguintes do depoimento de Ricardo...; minuto 25:24 e seguintes e 36:00 e seguintes do depoimento de Ana...; minuto 19:45 e seguintes do depoimento de Pamella... e minuto 33.33 e seguintes do depoimento de Gisela....

Nas alíneas r) e z) dos factos provados estão em causa defeitos que foram identificados e que decorrem das duas vistorias que o arquitecto Válter... fez à obra, já na sua fase final e que disse serem vistorias com vista à entrega da obra, referindo que as fez no início de Julho, com um intervalo de uma semana, tendo aludido ao facto de terem existido, numa primeira fase, peças corrigidas, mas correcções que não foram aceites (cf. minutos 38.40 e seguintes e 41:00 e seguintes do depoimento da testemunha Válter...), ou seja, as correcções a que se alude na alínea r), vêm já das reclamações iniciadas em 5 de Julho de 2021 e dias seguintes (conforme referido, aliás, na alínea q)), o que é aferível em face do conteúdo das listagens de pontos a reparar, que constam das mensagens de correio electrónico enviadas pela directora de obra, Gisela..., a Ana..., e que consistem nos seguintes documentos juntos com a oposição[6]:

  • Mensagem com data de 5 de Julho de 2021, às 23h16, referente às anomalias detectadas nos gabinetes 14 a 18 – documento n.º 10;
  • Mensagem com data de 7 de Julho de 2021, às 01h05 – documento n.º 10;
  • Mensagem com data de 7 de Julho de 2021, às 01h50, referente a anomalias nos gabinetes 3 a 7 – documento n.º 5;
  • Mensagem de 8 de Julho de 2021, às 01h26 - documento n.º 10;
  • Mensagem de 10 de Julho de 2921, às 00h56 –documento n.º 7;
  • Mensagem de 11 de Julho de 2021, às 23h57 –documento n.º 7;
  • Mensagens de 14 de Julho de 2021, às 02.27 e às 10h08, com indicação de novos pontos indicados pelo arquitecto Válter... (em mensagem dirigida a Gisela... em 14 de Julho de 2021, às 10h05) – documentos n.ºs 9 e 8.

Após estas mensagens, a autora propôs-se proceder às reparações solicitadas, sendo que, tal como antes já tinha reparado peças de que a ré havia reclamado, procedeu a reparações de algumas das anomalias nelas indicadas, em concreto, aquilo que era possível executar em obra, sendo que parte dessa listagem não foi objecto de reparação, porque era necessário retirar as peças e reparar em fábrica, tal como se retira dos depoimentos das testemunhas Ana ... (minuto 1h.02 e seguintes), Pamella... (minuto 17:35 e seguintes), Válter... (minuto 20:37 e seguintes), João... (minuto 36.20 e seguintes), Henrique... (minuto 14:25 e seguintes) e Gisela... (minuto 34:00 e seguintes).

Assim, contrariamente ao afirmado pela recorrente, esta não logrou demonstrar ter corrigido todas a anomalias comunicadas pela ré nas mensagens em referência, embora, efectivamente, algumas reparações (tais como afinações), tenham sido executadas, daí que a redacção da alínea r) deva espelhar isso mesmo.

Quanto à alínea z), transcorrida toda a prova produzida, não se pode afirmar, especificamente, que os trabalhos contemplados no auto de medição de Junho de 2021 apresentavam defeitos, cuja correcção a autora recusou efectuar, porquanto tal não resulta de nenhum elemento documental, até porque não está junto ao processo esse auto de medição, o que impede que se identifiquem os trabalhos nele descritos.

Por outro lado, tendo em conta que a medição de Junho terá sido efectuada no final desse mês e porque se sabe que no início de Julho estavam já em curso as vistorias com vista à entrega da obra, onde foram assinalados os múltiplos defeitos enunciados nas mensagens supra mencionadas, não se consegue discernir a que período da obra tais defeitos se reportam, sendo certo que foi relatado que desde o início existiam anomalias detectadas em obra e cuja correcção foi solicitada e algumas foram até efectuadas.

Acresce que a recusa da autora em proceder a reparações sem que o valor total da obra lhe fosse pago teve lugar após o levantamento das peças, em 16 de Julho de 2021. Porém, anteriormente a autora tinha já condicionado as reparações ao pagamento das facturas emitidas (incluindo a factura n.º 2021/200 – cf. mensagem de correio electrónico de 13 de Julho de 2021, às 19h17, que integra o documento n.º 11 junto com a oposição), embora, sem que tal pagamento tenha ocorrido, tenha dado início ao levantamento das peças que careciam de reparação.

Assim, quer porque não é possível fazer corresponder os defeitos reclamados aos específicos trabalhos descritos no auto de medição de Junho de 2021, quer porque a autora no decurso da obra procedeu a diversas correcções, o que foi admitido pelas testemunhas arroladas pela ré, quer porque uma sua eventual recusa em proceder à reparação deverá ser uma conclusão a retirar dos dados de facto que sejam apurados, a alínea z) não pode subsistir entre os factos provados.

Assim, a redacção das alíneas g) e r) dos factos provados será a seguinte:

g)-A 30 de Junho de 2021, indicando como data de vencimento a mesma data, a autora emitiu a factura 2021/200, no valor de 23 037,06 €, referente ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de Junho, que remeteu à ré, que não a devolveu.

r)-Posteriormente, mantendo-se defeitos, a ré, através de mensagens de correio electrónico dirigidas à autora, com datas de 8 de Julho de 2021, 10 de Julho de 2021, 11 de Julho de 2021 e 14 de Julho de 2021, voltou a pressioná-la para que aqueles fossem corrigidos, tendo a autora procedido apenas a algumas reparações exequíveis no local.

A alínea z) dos factos provados transita para o elenco de factos não provados.

*

Alínea k) dos Factos Provados e pontos 2) e 8) dos Factos Não Provados

O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:

k)- Nos termos do referido contrato a R. obrigou-se a liquidar 30% do valor do orçamento na adjudicação dos trabalhos à A., o que fez, sendo os pagamentos subsequentes feitos no prazo de 30 dias após a aprovação do respectivo auto de medição.

E como não provado:

2)–Não se provou que os trabalhos deveriam ser liquidados na data da emissão da factura.

8)–Não se provou que apenas a 23 de Março de 2021 a R. liquidou os 30% do valor da adjudicação, nem que em 17 de Junho de 2021 tivesse liquidado os trabalhos realizados no mês de Maio.

O que fundamentou do seguinte modo:

“O Tribunal julgou igualmente não provado que os pagamentos a efetuar pela R. no decurso da obra tivessem que ser efetuados na data de emissão da fatura respetiva. Não obstante terem sido nesse sentido as declarações de parte dos seus legais representantes da A., as mesmas mostram-se infirmadas pelo teor dos documentos juntos aos autos pela R., os quais não foram impugnados pela A., apenas tomando posição no sentido de estarem descontextualizados e não serem idóneos a provar os factos alegados.

Do teor do email remetido pela R. à A. em 9 de março de 2021, junto a fls. 19 verso e segs., no qual esta comunica a intenção de adjudicação dos trabalhos, consta expressamente como condições de pagamento: 30% com a adjudicação e restantes pagamentos por autos de medição mensais a 30 dias (sublinhado nosso). Em resposta a esta intenção de adjudicação, por email da mesma data, junto a fls. 19 verso, a A. nenhum reparo faz quanto às condições de pagamento indicadas pela R., sendo que no orçamento que apresentou junto a fls. 66 verso e segs., apenas referia como condições de pagamento: 30% com a adjudicação (Início de Março) + Restantes pagamentos por autos de medição mensais (sublinhado nosso) sem fazer qualquer menção ao prazo. Destes documentos resulta que a declaração negocial da R. de que o prazo de pagamento que aceitava era de 30 dias, chegou perfeitamente ao conhecimento da A., retirando-se do seu silêncio, na resposta à aceitação, que aceitou tal prazo para pagamento das faturas que viesse a emitir na sequência dos autos de medição mensais – cfr. artigos 224º nºs 1 e 2, 217º, 218º e 236º do Código Civil. Também do email de 14 de julho de 2021, em resposta ao email da A. de 13 de julho de 2021, juntos a fls. 36 verso e 37 se retira que a posição da R. se mantém em conformidade com a proposta de aceitação do orçamento remetida à A. e aceite por esta, aí se reiterando que o prazo de pagamento acordado foi “a 30 dias”.

Acresce que, para além das declarações de parte dos legais representantes da A. nenhuma outra prova esta produziu nos autos no sentido de ter acordado com a R. o pagamento imediato das faturas ao contrário do que consta do email de adjudicação da R., nem alegou estar impedida de o fazer, pelo que, o Tribunal entendeu serem tais declarações insuficientes para contraditar o que resulta dos documentos elaborados pelas partes à data da outorga do contrato – cfr. artigo 346º do Código Civil.”

A apelante impugna estes factos e pretende que a alínea k) passe a ter a seguinte redacção: ““Nos termos do referido contrato a R. obrigou-se a liquidar 30% do valor do orçamento na adjudicação dos trabalhos à A., o que fez apenas em 23.03.2021” e que sejam aditadas à matéria de factos duas novas alíneas com o seguinte teor: “A Ré liquidou os trabalhos realizados no mês de Maio apenas em 17.06.2021 após interpelação da Autora e a data de vencimento da respetiva fatura”; “Os trabalhos executados pela Autora deveriam ser liquidados na data da emissão da fatura”.

Convoca a apelante as declarações dos seus legais representantes, Ana... e Ricardo..., que disseram ter sido acordado com a ré que as facturas seriam a pronto pagamento, porque é essa a sua forma de trabalhar e que perante a mensagem de adjudicação enviada pela ré, onde se aludia a pagamento a 30 dias, a primeira entrou em contacto com Ventura..., responsável da ré com quem negociou, que aceitou que seria a pronto pagamento (como consta das facturas não devolvidas pela ré), referindo o segundo, que a adjudicação foi no dia 23 de Março; remete a autora ainda para as facturas que a ré juntou aos autos, dirigidas por si à dona da obra, que eram também a pronto pagamento, sendo que a testemunha Henrique... disse que pretendia aplicar à autora o mesmo modelo financeiro aplicado a si pela dona da obra; alude também aos documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a réplica, decorrendo do primeiro (orçamento apresentado) as condições do pagamento e do segundo (mensagem da autora para a ré de 15 de Junho de 2021), que exigiam o pagamento da factura dos trabalhos de Maio, o que não foi contrariado pela ré; e do documento n.º 5 retira que em 17 de Março de 2021 o valor da adjudicação ainda não tinha sido pago.

A recorrida pugna pela improcedência da impugnação referindo que a prova documental, designadamente o documento n.º 1 junto com a oposição, suporta o facto dado como provado, de onde decorrem os termos aceites pelas partes, sendo as declarações de parte dos legais representantes da autora insuficientes para demonstrar o contrário.

Transcorrida toda a prova documental, testemunhal e por declarações de parte produzida não se vislumbram razões para divergir da convicção espelhada pelo Tribunal a quo na fundamentação supra transcrita.

Certo é que no orçamento apresentado pela autora, conforme documento n.º 1 junto com a réplica, figura no item “Condições de pagamento”: “30% com adjudicação (início de Março) + Restantes pagamentos por Auto de Medição Mensal”, mas tal, porém, em nada é contrariado com aquilo que ficou consignado na mensagem de correio electrónico de 9 de Março de 2021[7] enviada por Ventura..., responsável da ré, a Ana..., da autora, confirmando a adjudicação da obra, com descrição dos trabalhos, o valor acordado, a programação dos trabalhos, a data de conclusão e condições de pagamento, estas sob o ponto D, com o seguinte teor: “30% com a adjudicação; restantes pagamentos por autos de medição mensais a 30 dias”.

Na verdade, basta atentar na circunstância de se aludir a autos mensais para a menção “a 30 dias” dever ser interpretada no sentido de que, elaborado o auto mensal, o pagamento da correspondente factura seria a trinta dias. Nenhum outro dado documental existente nos autos corrobora entendimento contrário. Pelo contrário, tal como realçado na decisão recorrida, a resposta da ré a esta mensagem, em 9 de Março de 2021, às 16h28, foi apenas de agradecimento do voto de confiança e convite para visita à fábrica, solicitando ainda os dados da ré para efeitos de facturação, sem qualquer alusão a uma eventual surpresa ou desconhecimento quanto às condições de pagamento vertidas na mensagem de adjudicação (cf. documento n.º 1 junto com a oposição).

E como argumenta a recorrida, a circunstância de as facturas[8] emitidas conterem a indicação de deverem ser pagas a pronto não afasta o anteriormente acertado entre as partes, porquanto, embora a factura facilite a prova da declaração negocial, não estando assinada seja pela emitente, seja por quem nela figura como devedor, posto que a assinatura é elemento fundamental, de onde emerge a força probatória que a lei confere a esta espécie de documentos (cf. art.º 373º, n.º 1 do Código Civil), constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena – cf. art. 366º do Código Civil.

Por outro lado, certo é que os legais representantes da recorrente declararam aquilo que se mostra vertido nas passagens transcritas, ou seja, sobretudo a declarante Ana... disse que confrontou o seu interlocutor junto da ré em sede de negociação, o engenheiro Ventura..., alertando para o facto de as facturas deverem ser pagas a pronto pagamento, o que este teria aceitado, facto também relatado pelo declarante Ricardo... .

Sucede que, tendo as partes mantido nas suas relações negociais o sistema de troca de mensagens de correio electrónico, não deixa de ser dúbio que num ponto tão pertinente das condições acertadas para a realização dos trabalhos, a autora se tenha bastado com uma conversa telefónica e com um assentimento meramente verbal sobre as condições de pagamento, que alega ter exigido e terem sido aceites.

Além disso, para contrariar o que resulta da mensagem de adjudicação a recorrente oferece apenas as declarações dos seus legais representantes.

Nos termos do art.º 466º, n.º 3 do CPC, o Tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se estas constituírem confissão.

O valor probatório a conferir às declarações de parte tem sido objecto de interpretações divergentes na doutrina e na jurisprudência, que conferem uma maior ou menor preponderância em função do momento em que são prestadas, da assistência ou não da parte à audiência de julgamento, da corroboração ou não dos factos que delas emergem por outros meios de prova.

Acompanha-se, neste aspecto, a posição do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in Para que serve afinal a prova por declarações de parte?[9], quando refere:

“Não se ignora, como é evidente, que a prova por declarações de parte merece uma especial ponderação pelo tribunal, dado que é a própria parte que depõe em juízo sobre factos que, em princípio, lhe são favoráveis. Isto é, no entanto, coisa completamente diferente de se entender que, à partida e independentemente de qualquer valoração específica em função das circunstâncias do caso concreto, a prova por declarações de parte não pode ter um valor probatório próprio. […] a não atribuição de um valor probatório próprio à prova por declarações de parte é contraditória com a faculdade, resultante da conjugação do disposto no art. 466.º, n.º 2, CPC com o estabelecido no art. 452.º, n.º 1, CPC, de o juiz ordenar oficiosamente essa prova. Se o tribunal tem o poder de ouvir as partes sobre, por exemplo, um aspecto das negociações de um contrato, isso só pode querer significar que o tribunal tem o poder de avaliar, para efeitos probatórios, as declarações que as partes venham a produzir (ou mesmo, como é claro, a declaração que só uma delas venha a produzir, pela recusa de depoimento ou por um depoimento evasivo da outra). Qualquer outra interpretação diminuiria a relevância ou retiraria mesmo qualquer justificação para os poderes oficiosos atribuídos ao tribunal pelos referidos preceitos. Do exposto resulta que nada justifica a desqualificação, à partida, do valor probatório da prova por declarações de parte. Esta prova tem o valor probatório que, em função do caso, for justificado atribuir segundo a prudente convicção do juiz. […] Se é certo que se impõe apreciar a prova por declarações de parte sem ilusões ingénuas, também é verdade que não há que, à partida, desqualificar o valor probatório dessa prova. Em suma: a prova por declarações de parte tem, sem quaisquer apriorismos, o valor probatório que lhe deva ser reconhecido pela prudente convicção do juiz; nem mais, nem menos, pode ainda precisar-se.”

No sentido de uma posição ampla e permissiva sobre a potencialidade das declarações de parte na formação da convicção do juiz pronuncia-se também, Luís Filipe Pires de Sousa, in As Declarações de Parte. Uma Síntese[10], pág. 33 e seguintes, sustentando que a credibilidade das declarações tem de ser aferida em concreto e não em observância de máximas abstractas pré-constituídas, sob pena de se esvaziar a utilidade e potencialidade deste novo meio de prova.

Ainda de acordo com este autor, os critérios de valoração das declarações de parte hão-de coincidir essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas que hierarquizá-los diversamente. Nada obsta, contudo, que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.

Neste mesmo sentido se pronuncia Rui Pinto referindo defender “a normalização do valor probatório das declarações de parte: são um meio de prova que, como outro qualquer, pode suportar, só por si, uma decisão sobre um facto, em função dos resultados obtidos em sede de livre apreciação da prova (cf. artigo 607º n.º 5).” – cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, pág. 680; no mesmo sentido, ao que se depreende, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-06-2015 processo n.º 3852/09.5TJVNF.G1.S1.[11]

Ora, mas se assim é, no caso em apreço, a análise de tais declarações em conjugação com a prova documental produzida e, bem assim, com a prova testemunhal - designadamente, o depoimento da testemunha Henrique..., que asseverou que a condição era a de pagamento a 30 dias, não tendo devolvido as facturas porque para si isso não era uma questão, até porque tinha pagado a primeira factura a 15 dias e não a pronto e a autora não deixou de trabalhar e explicando também, já em sede de acareação com a declarante Ana..., que não podia aceitar o pagamento a pronto, porque ia receber da dona de obra uma entrada de apenas 10%, tendo concedido numa entrada de 30% para a autora, o que afastava a capacidade para efectuar pagamentos a pronto na subempreitada de carpintaria (cf. minuto 39:42 e 1h.05 e seguintes do seu depoimento) -, inviabiliza qualquer preponderância a conferir ao conteúdo de tais declarações, pois que numa matéria tão belicosa como a dos pagamentos não se afigura crível que a autora se tenha considerado satisfeita com uma alegada correcção meramente verbal da condição de pagamento acertada por escrito.

Esta conclusão não é sequer infirmada pelo facto de a testemunha Henrique... ter referido que pretendia aplicar as mesmas condições que recebeu da dona de obra aos subempreiteiros e, com base nisso, atentando nas facturas emitidas pela ré à Madre, S. A. (documentos n.ºs 17 a 19 juntos com a oposição), com pagamento a pronto, considerar que tal também seria aplicado à autora, porquanto aquela mesma testemunha justificou precisamente que, tendo recebido uma entrada de 10% e tendo pago 30% de adjudicação à autora, não poderia assegurar pagamentos a pronto pagamento.

Os autos não contêm qualquer prova documental que ateste a data em que ocorreram os pagamentos atinentes à primeira factura (adjudicação) e aos trabalhos executados em Maio de 2021, sendo que, também nesta sede, apenas os declarantes mencionaram as datas que a recorrente ora pretende ver inscritas no elenco da matéria de facto provada. Embora em 15 de Junho de 2021 a autora tenha enviado à ré uma mensagem de correio electrónico exigindo o pagamento da factura n.º 167, referente ao auto de medição de Maio[12] e na mensagem de 22 de Junho de 2021, dirigida por Henrique... à autora, este mencione que procedeu a um pagamento antes mesmo de a factura se ter vencido, tal é insuficiente para dar como provadas as datas em que tais pagamentos terão ocorrido, sendo que quanto à adjudicação a própria Ana... não tinha a certeza da data em que enviou a factura (cf. minuto 29:00 e seguintes das suas declarações).

Improcede, pois, nesta parte, a impugnação, mantendo-se inalterados os factos descritos na alínea k) da matéria provada e nos pontos 2) e 8) dos factos não provados.

Alíneas m), n), ll) dos Factos Provados e pontos 3), 10), 11), 12), 13) e 14) dos Factos Não Provados

O Tribunal a quo deu como provado o seguinte:

m)-Em 19 de Março de 2021, a. assumiu perante a R. que não estava em condições de cumprir o prazo contratualmente acordado, solicitando que fosse alterado o planeamento dos trabalhos.
n)-Por várias vezes, a R. alertou a. da máxima urgência em terminar os trabalhos, atentas as consequências que os atrasos verificados significavam para aquela.

ll)-Durante o mês de Março a R. realizou alterações às peças desenhadas e escritas do projecto, obrigando a A. a proceder a alterações aos desenhos técnicos necessários à produção das carpintarias.

E como não provado:
3)–Não se provou que a obra da A. teve início a 27 de Abril de 2021, nem que só nessa data a R. possibilitou à A. que entrasse na obra.
10)–Não se provou que imediatamente após a adjudicação a R. procedeu a sucessivas alterações ao projecto, obrigando a A. a redesenhar várias vezes as peças e não aprovando as preparações da A., designadamente ao nível dos desenhos técnicos e materiais, atrasando constantemente a actividade de produção das carpintarias.
11)–Não se provou que durante o mês de Março a R. realizou alterações ao cronograma geral da obra, nem que em função dessas alterações obrigou a A. a alterar sucessivamente o planeamento e o cronograma dos seus trabalhos.
12)–Não se provou que por acordo entre A. e R. o prazo de conclusão dos trabalhos foi adiado para 28 de Maio de 2021.
13–Não se provou que a R. não concluiu as paredes, tectos e pavimentos de acordo com o cronograma por si estabelecido, impedindo a A. de confirmar e rectificar as medidas dos móveis em obra na data prevista.
14)–Não se provou que a R. se obrigou a concluir todos os trabalhos referentes aos tectos falsos, revestimento de paredes e pavimentos e pinturas, antes da entrada da A. na obra, disponibilizando-lhe os locais limpos e prontos a receberem as carpintarias.

O que fundamentou do seguinte modo:

“Não logrou igualmente a A. provar que deu início aos trabalhos a que se obrigou em 27 de abril de 2021, nem tão pouco que apenas o fez nessa data porque só na mesma a R. possibilitou que entrasse em obra. Uma vez mais, não obstante as declarações de parte dos legais representantes da A. e das testemunhas Ana... e Pamella..., que pretenderam imputar à R. todos os atrasos na execução da obra, desde logo, o atraso no inicio dos trabalhos, resulta dos documentos juntos aos autos que a A., que se propôs concluir os trabalhos até 21 de maio de 2021, caso a adjudicação fosse feita no próprio dia da apresentação da proposta (sendo que a adjudicação ocorreu no dia imediatamente seguinte), logo no dia 19 de março de 2021, cfr. documento junto a fls. 23, cerca de 10 dias após a adjudicação dos trabalhos, enviou um email à R. informando-a da impossibilidade de cumprir os prazos a que se propôs, invocando como principal motivo para “arrastar os prazos” os acessos à obra, aí referindo como data de entrada em obra no dia 3 de maio e de saída 5 junho. Dos documentos juntos a fls. 21 verso e 22 verso resulta igualmente que esta alteração de prazos, indicada pela A., não foi aceite pela R. de forma consensual. Da análise conjunta dos demais documentos juntos aos autos, conclui o Tribunal que a R. desde a data da adjudicação da obra, até 17 de julho de 2021, consequentemente insistiu com a A. para que concluísse os trabalhos e que os concluísse em conformidade com o adjudicado, refutando todas as imputações que a A. lhe foi fazendo via email.

As declarações de parte dos legais representantes da A. e das testemunhas Ana... e Pamella..., testemunhos prestados em conformidade com as declarações de parte dos AA. e reveladores de alguma parcialidade foram igualmente contraditados pelo depoimento das testemunhas Valter... e João..., para além de o terem sido pelos testemunhos dos funcionários da R.. A testemunha Valter..., arquiteto responsável pelo acompanhamento da obra, admitindo que a obra teve atrasos desde a fase de toscos, afirmou que os atrasos não impediram a A. de executar os trabalhos que poderia executar, afirmando ainda que confirmou todos os desenhos e alterações, negando impedimentos dessa ordem ao início dos trabalhos. Também a testemunha João Rodrigues, fiscal da obra, referiu espontaneamente que a A. foi “o calcanhar de Aquiles da obra”, apesar de admitir que a obra foi complexa em termos de logística. Dizendo ainda que logo em reunião de obra realizada em 13 de abril de 2021, a A. afirmou que não iria conseguir cumprir os prazos, numa fase em que praticamente não tinha executado qualquer trabalho. Estas duas testemunhas prestaram depoimentos totalmente imparciais, revelando não ter qualquer interesse no desfecho da causa, merecendo por isso toda a credibilidade.

Sopesada toda a prova produzida a este respeito, o Tribunal julgou não provada a data de inicio da obra alegada pela A. e sobretudo que o atraso no inicio dos trabalhos se deveu ao incumprimento da R.. Da análise dos documentos, declarações de parte dos legais representantes da A. e depoimento das testemunhas, concluiu o Tribunal que a A. por razões que apenas a si são imputáveis, não conseguiu coordenar a realização dos trabalhos a que se propôs com os demais trabalhos em obra, pretendendo executar a sua subempreitada tão só quando as demais estivessem concluídas, posição contratual que a A. defendeu de forma unilateral e que não tem respaldo nem na proposta que apresentou, nem no mapa dos trabalhos definido pelo empreiteiro geral. Não resultando do organigrama de obra junto a 83 verso demonstrada a versão alegada pela A., dado que os trabalhos de carpintaria surgem nesse organigrama a par e concomitantes à realização de outros trabalhos. […]

[…] a R. logrou provar a sua versão dos factos, quer quanto aos termos do contrato celebrado com a A., no que o prazo respeita e condições de pagamento, como supra referido, resultando ainda da prova produzida provados os factos que alegou quanto aos atrasos e incidências em obra que imputou à A..

Dos documentos juntos aos autos resulta provado que ainda antes de executar qualquer trabalho a A. comunicou à R. a impossibilidade de cumprir os prazos, invocando dificuldades em aceder à obra, tendo sido confirmado pela prova testemunhal que a localização da obra constava do caderno de encargos. E ainda que sucessivamente a A. invocou perante a R., o arquiteto responsável pelo projeto e o fiscal da obra, dificuldades/impossibilidade na execução dos trabalhos, as quais não se mostram reconhecidas na prova documental junta, nem o foram pelas testemunhas ouvidas em Tribunal, quer as oferecidas pela R., quer pela única testemunha oferecida pela A. que não era seu funcionário.

Com efeito, as testemunhas Valter... (arrolada pela A.), João..., Nuno... e Gisela... de forma objetiva e imparcial, merecendo por isso credibilidade, descreveram as incidências da empreitada, referindo que o prazo inicial era ambicioso, mas que o dono de obra foi sendo flexível com os atrasos que se foram verificando. Porém, afirmaram que todas as especialidades, com exceção das carpintarias a que a A. se obrigou se foram organizando em obra de modo a concluírem a obra. Referiram que os atrasos em obra da A. resultaram da falta de organização na colocação das peças em obra, da falta de pessoal da A. em obra e da falta de cuidado e rigor na entrega e depósito dos trabalhos executados em obra, nomeadamente, quanto à proteção dos mesmos.

Em face dos depoimentos prestados não colhem os argumentos alegados pela A. para justificar os atrasos no cumprimento do contrato a que se obrigou, como acima referido. Desde logo, quando afirma que o prazo a que se vinculou dependia da aceitação da proposta de orçamento no próprio dia do seu envio à R., 8 de março de 2021, alegando e provando que a aceitação da R. e a confirmação pela A. dessa aceitação teve lugar no dia 9 de março de 2021.”

A autora/apelante pretende a alteração destes pontos da matéria de facto de modo a que passe a constar o seguinte:

m)- Em 19 de março de 2021, após visita à obra e depois de lhe serem ser dados a conhecer o estado real da progressão dos trabalhos de construção civil e as condições físicas da obra, a A. manifestou junto da R. que não seria possível observar o prazo de execução inicialmente indicado.

ll)- Durante os meses de março a maio, a R. realizou alterações às peças desenhadas e escritas do projeto, obrigando a A. a proceder a alterações aos desenhos técnicos necessários à produção das carpintarias.”

Sendo aditado o seguinte:

“Imediatamente após a adjudicação a R. procedeu a sucessivas alterações ao projeto, obrigando a A. a re-desenhar várias vezes as peças e não aprovando as preparações da A., designadamente ao nível dos desenhos técnicos e materiais, atrasando constantemente a atividade de produção das carpintarias”;

"Durante o mês de março a R. realizou alterações ao cronograma geral da obra, nem que em função dessas alterações obrigou a A. a alterar sucessivamente o planeamento e o cronograma dos seus trabalhos",

“A R. possibilitou à A. que entrasse na obra apenas 27 de abril de 2021”;

"Por determinação da R. o prazo de conclusão dos trabalhos foi adiado para 28 de maio de 2021";

"A R. não concluiu as paredes, tetos e pavimentos de acordo com o cronograma por si estabelecido, impedindo a A. de confirmar e retificar as medidas dos móveis em obra na data prevista";

"A R. obrigou-se a concluir todos os trabalhos referentes aos tetos falsos, revestimento de paredes e pavimentos e pinturas, antes da entrada da A. na obra, disponibilizando-lhe os locais limpos e prontos a receberem as carpintarias".

Pretende ainda que a alínea n) dos factos provados deve passar a constar dos factos não provados.

Sustenta a recorrente que a prova produzida revela que o seu trabalho e o cumprimento dos prazos foram condicionados pela recorrida, com atrasos nas diversas especialidades da empreitada e introdução de sucessivas alterações aos desenhos de produção e por danos causados nas peças colocadas em obra, louvando-se nas declarações dos seus legais representantes - que disseram que não tinham condições para tirar medidas e mandar os desenhos para a produção e que foram pressionados para colocar as peças em obra, com os outros trabalhadores no local e receberam muitos pedidos de alterações -, nos depoimentos das testemunhas Ana... (minutos 00:04:11 a 00:34:55, 00:47:43 a 00:52:41, 00:57:28 a 00:58:53 e 01:21:56 a 01:23:42), Pamella... (minutos 00:03:33 a 00:16:32, 00:25:26 a 00:31:42), Válter... (minuto 00:07:29 a 00:09:29, 00:10:50 a 00:12:16, 00.15.04 a 00:20:27, 00:34:52 a 00:35:06), João... (minuto 00:29:13 a 00:29:35, 00:38:07 a 00:38:38), que relataram os constrangimentos existentes em obra, com atrasos na execução de outros trabalhos, que impediam o avanço das carpintarias e na aprovação dos desenhos e suas alterações; e ainda nos documentos n.ºs 6 a 9 e 11 juntos com a réplica.

Por sua vez, a ré/recorrida sustenta que a alínea m) resulta logo do documento n.º 2 junto com a oposição, o que foi confirmado pela declarante Ana..., sendo que a essencialidade da execução dos trabalhos (alínea n)) é inerente a qualquer contrato e dos documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a oposição evidenciam-se os alertas efectuados pela ré; quanto aos factos dados como não provados, foram infirmados pelas testemunhas Válter... e João..., e ainda pela testemunha Gisela..., para além de estar demonstrado que a ré continuou a aceitar os trabalhos para além do prazo inicial e foi tendo em consideração as dificuldades da recorrente, pelo que aqueles se devem manter como tal.

A recorrente louva-se em excertos das declarações de parte e depoimentos que indicou para lograr obter a alteração dos pontos impugnados ora em apreciação, no sentido por si propugnado, fazendo uma apreciação do seu conteúdo distinta daquela que foi a interpretação e convicção formada pelo Tribunal a quo, pretendendo conferir maior preponderância às declarações dos seus legais representantes, que, naturalmente, vieram a juízo confirmar a versão por ela trazida aos autos e aos depoimentos das testemunhas por si arroladas, e sustentando ainda que as testemunhas Válter... e João... teriam confirmado os atrasos, as alterações, a falta de aprovação de desenhos, o que tudo teria justificado o incumprimento do prazo inicial fixado para o termo da obra.

Todavia, como acima se apontou, há que ter presente que vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, ou seja, o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto conforme a sua convicção, dentro de um quadro de probabilidade lógica, sendo que a Relação apenas deverá modificar os factos impugnados se se convencer que a prova testemunhal, em conjunto com a demais prova existente nos autos, impõe decisão diversa.

Transcorrida toda a prova produzida nos autos resulta evidente que os trabalhos contratados à autora não foram executados no prazo inicial que foi fixado (21 de Maio de 2021), mas, não obstante isso, a ré foi aceitando os protelamentos ocorridos, pelo menos até 19 de Julho de 2021, data em que a obra deveria ter sido inaugurada.

Quer os legais representantes Ana... e Ricardo..., quer as testemunhas Ana... e Pamella... relataram que, desde início, depois de visitarem a obra após a adjudicação, constataram que os trabalhos que deveriam preceder a sua entrada na obra (por exemplo, paredes e tectos)estavam muito atrasados, impedindo-os de tirar as medidas necessárias para poderem produzir as peças de carpintaria, cujos desenhos teriam ainda de ser aprovados para serem enviados para a fábrica; mais referiram que tiveram de começar a colocar o mobiliário em obra ainda com as outras especialidades a decorrer, o que impedia a colocação das peças e permitia que estas fossem danificadas em obra, para além de referirem que numa fase mais adiantada da obra ainda havia desenhos que foram objecto de alteração, o que retardava a produção das peças, sendo que não estavam em causa peças de série, mas a executar à medida - cf. minuto 4:10 e seguintes, 7.45, 9:51 e 33:00 e seguintes das declarações de Ana...; minuto 3.43 e seguintes e 5:39 e seguintes das declarações de Ricardo... e minutos 3:00 e seguintes. 5:30 e seguintes e 10:51 e seguintes do depoimento de Ana....

Contudo, sabe-se que a autora apresentou o seu orçamento ainda antes de visitar a obra, com base no projecto de arquitectura, sabendo que a obra ainda estava no início nessa altura e provavelmente desconhecendo as condicionantes do local, como apontou o arquitecto Válter..., referindo que “é vulgar em construção nova o carpinteiro ir tirar medidas; e é impossível não acontecer em edifício existente; o edifício é dos anos 70; […] Estive presente na 1ª visita da autora à obra […] o contexto foi conhecer o espaço, não foram tiradas medidas; perceber acessos, condicionantes de obra, como se transportam materiais […] Que eu soubesse a autora não conhecia os acessos; a questão do estacionamento para descarregar, os elevadores para subir o material para o 11º andar; e a caixa de escadas; tínhamos alguns ripados com mais de 2 metros de comprimento, a intenção da arquitectura era peças inteiras, para evitar juntas visíveis, portanto, há sempre necessidade de verificar os acessos verticais […]” (cf. minuto 8:11 e seguintes).

Além disso, também parece seguro que a obra apresentou sempre alguns atrasos desde o seu início, que não eram imputáveis ao subempreiteiro de carpintarias, como disso deu conta o arquitecto Válter...: “a obra começou logo a atrasar na fase de tosco […] toda a preparação, infra-estruturas, águas, esgotos, ar condicionado, ventilação, electricidade, a obra atrasou bastante; foram levantadas muitas questões por parte da fiscalização […] teve de se refazer, na fase de acabamentos, a betonilha de nivelamento de acabamento porque não estava todo nivelado”, acrescentando ainda que, na sua opinião: “enquanto técnico o prazo requerido pelo cliente ao empreiteiro geral era curto, era muito difícil, a existir qualquer atraso haveria sempre derrapagem; o cliente deu sempre alguma margem ao empreiteiro geral para conseguir terminar a obra num tempo que se considerasse aceitável; a data proposta inicial pedida pela dona de obra à ré para entrega da obra, em contrato não havia flexibilidade, mas o cliente foi sempre flexível” (cf. minutos 15:15 e seguintes e 16:30 e seguintes do seu depoimento).

No entanto, do conjunto da prova não parece possível afirmar, tal como pretende a recorrente, que todos os atrasos se ficaram a dever a falta de coordenação e programação em obra de todas as especialidades ou a alterações introduzidas, porquanto, como referiu a testemunha Válter..., existe sempre o risco de alterações no decurso da obra e que isso é uma situação normal: “foi uma obra, mesmo tendo em conta os atrasos, foi uma obra normal até esse fim-de-semana que foi tudo muito estranho; há sempre atrasos, mas é muito difícil uma obra não ter atrasos, toda a gente está dependente de tanta gente e tanta coisa, que é difícil controlar tudo; o projecto de arquitectura foi baseado no desenho de licenciamento; chegámos lá com o espaço com margens de erro de cerca de 1 metro entre as dimensões total do piso; mais de 10% é muito; toda a gente está dependente de toda a gente; esta atrasou bastante tendo em conta o prazo inicial, e é factual que o cliente foi bastante flexível ao longo do tempo, Maio não, vamos tentar Junho, Junho não tem de ser em Julho, mas depois as coisas deram uma volta tal que foi impossível fechar a obra de uma forma normal; o cliente nunca pensou em Setembro e Outubro” (cf. minuto 32.21 e seguintes) e mais à frente, no seu depoimento: “ao longo da obra foram pedidos desenhos de obra, para apoiar, porque há alterações, porque as dimensões em obra são diferentes no projecto, há sempre desenhos de obra que têm de ser produzidos em obra; […] Houve peças carpintaria requeridas pelo dono de obra numa fase avançada de obra; aí ele sabe que corre o risco de não chegar a tempo da entrega final de obra, isso pode acontecer; alterações que resultassem de transformação da peça, que implica mais tempo na sua produção, isso aconteceu; mas a ré garantiu uma data ao dono de obra […]” (cf. minuto 43:40 e seguintes)-

Também parece estar demonstrado que as diversas especialidades coexistiram no local, o que gerou diversos constrangimentos e tensões, sendo que posteriormente passaram a tentar fechar gabinete a gabinete, especialidade a especialidade, sendo as carpintarias uma das últimas, tal como referiu a testemunha João ..., fiscal da obra, mas não deixou de mencionar que tais constrangimentos existiram para todos os subempreiteiros, designadamente em termos de acessos e entrada e saída de material, mas admitindo que terão sido comunicadas dificuldades devido a atrasos na construção civil, que, porém, em parte, refutou, referindo, designadamente quanto à aprovação dos desenhos, que o arquitecto Válter... era muito presente e logo no dia seguinte à apresentação dos desenhos procedia à sua aprovação, sendo que sempre caberia à carpintaria medir e aferir se tinha ou não como executar o projecto, pelo que considerou as alterações introduzidas como normais no decurso da obra e decorrentes de afinações que ali importava fazer, sendo que, na sua perspectiva, era possível à autora tirar medidas porque as paredes do edifício existiam e as paredes dos gabinetes foram as primeiras coisas a serem executadas (cf. minuto 5:50 e seguintes, 25:16 e seguintes e 30:04 e seguintes do seu depoimento).

No mesmo sentido, a testemunha Henrique..., director geral da empresa ré, admitiu a existência de atrasos, que qualificou como normais em obra, mas nada que justificasse o comportamento da autora, cujos trabalhos, na sua maioria, não estavam dependentes da construção civil, sucedendo apenas que, ao contrário do que estava previsto (os materiais deveriam vir prontos de fábrica e serem logo instalados), a autora teve de fazer trabalho na obra, com muitos cortes e produção de lixo, o que dificultou todo o trabalho (cf. minuto 10:20 e seguintes e 13:20 e seguintes do seu depoimento).

A testemunha Gisela... confirmou que a autora exigiu uma data limite para a aprovação de projectos de execução, para poder fazer a preparação e colocar as peças para montagem, com vista a que fossem depois transportadas e colocadas no local, e que o arquitecto foi procedendo a essa aprovação, admitindo que existiram alterações posteriores, mas que se reduziam a ajustes, que vão sendo solicitados ao longo da empreitada, sem grande dimensão, sendo que, ao contrário, as peças não chegaram prontas, sendo executadas, na maioria, em obra, onde eram adaptadas, não tendo a autora respeitado a ordem de instalação nos gabinetes, colocando em obra peças que não estavam previstas naquele momento para aqueles gabinetes em concreto, causando com isso perturbação nos trabalhos das outras especialidades (cf. minuto 7:25 e seguintes e 17:05 e seguintes do seu depoimento)

Assim, não obstante terem existido os atrasos mencionados pela autora e apesar das condicionantes existentes no local da obra, não deixa de ser evidente que a recorrente aceitou executar trabalhos dentro de um determinado período que não conseguiu respeitar e que algumas das dificuldades que apontou poderiam ter sido por si prevenidas, desde logo, no que diz respeito à aferição das condicionantes do local, para além de não poder desconhecer que para cumprir o prazo teria de ter, como refere, os desenhos de produção aprovados em 1 de Abril de 2021, o que, face ao que ficou dito, era altamente provável que não fosse suceder, ao menos na íntegra, tendo a própria testemunha Ana... referido, precisamente, que “as plantas nunca correspondem à realidade e quando se começa a obra existe um preparador de obra que afere as medidas todas”, e também pela testemunha Pamella...: “vamos seguir o desenho do arquitecto, mas vamos ter pormenores que temos de ser nós; as medidas têm de ser validadas com o projecto, em que as medidas nunca são correctas” (cf. minuto 55:00 e seguintes e 5:55 e seguintes dos depoimentos de Ana... e Pamella ...), pelo que estas contingências não constituíam uma surpresa para a autora, que com elas deveria contar à partida.

Assim, não se detectam razões para divergir da preponderância que a 1ª instância conferiu à versão trazida aos autos pela ré, aliás, no que concerne à alínea m), em perfeita consonância com aquilo que resulta do documento n.º 2 junto com a oposição, expressamente mencionado na alínea kk) dos factos provados, que contém uma mensagem da autora para a ré (Gisela...), de 19 de Março de 2021, às 19h37, em que é dado conta que, após analisar o planeamento partilhado, prevendo a entrada da autora em obra a 12 de Abril[13] e saída a 21 de Maio, atendendo à ordem de trabalhos, informa que não irá conseguir entrar nessa data, pedindo ajuda para encontrar uma solução, justificando esse facto com os acessos que constataram na visita à obra e que condicionam o transporte de material, referindo que teriam de repensar a modulação dos itens orçamentados e o processo de montagem, que seria mais moroso, para além de existirem pontos que ainda estavam a ser fechados, não permitindo fechar os desenhos de preparação.

Assim, nessa altura, não foram os alegados atrasos na construção civil que determinaram a comunicação da autora, mas as condições físicas de que só então a autora tomou conhecimento, após visita à obra.

Aliás, a leitura das mensagens subsequentes que constam desse documento – de João... para Gisela... e de Válter... para João..., em 22 de Março de 2021 – permite verificar a surpresa dos interlocutores quanto às dificuldades avançadas pela autora, que não teria ainda se inteirado das condições existentes no local.

Além disso, nas mensagens trocadas entre as partes entre 31 de Março de 2021 e 2 de Abril de 2021[14] é possível constatar que foram surgindo questões em obra - por exemplo, a falta de implantação das divisórias da Divilux, que não permitiria aferir as medidas dos armários suspensos -, a que testemunha Gisela... foi dando resposta e informando do momento em que essas situações estariam resolvidas, algumas delas logo no dia seguinte, pelo que a ré foi acolhendo as preocupações da autora e tentando solucionar os pontos suscitados.

Apesar de a autora, na mensagem de 22 de Abril de 2021[15] que dirigiu à ré, ter indicado como dificuldade as alterações aos desenhos ocorridas até 12 de Abril, alterações que de facto existiram e foram mencionadas nos depoimentos supra aludidos, certo é que logo em 19 de Março de 2021, dez dias depois da adjudicação e sem ainda ter entrado em obra, a autora anunciou não ser capaz de assegurar a data de entrega, com razões que, nessa altura, não podiam ter que ver com essas alterações que viriam a ser introduzidas posteriormente, não tendo ali mencionado quaisquer atrasos na construção civil.

De todo o modo, impõe-se corrigir a redacção da alínea m) dos factos assentes de modo a que se compagine com aquilo que resulta do mencionado documento n.º 2 junto com a oposição e consta já da alínea kk), que não foi impugnada, pelo que passará a ter a seguinte redacção:

m)-Em 19 de Março de 2021, a autora, através da mensagem de correio electrónico referida em kk) informou não conseguir entrar na obra na data prevista e propôs outras datas para o efeito.

Quanto à alínea n) dos factos provados, tal como argumenta a recorrida, não só os documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a oposição (mensagens trocadas entre as partes entre 21 e 23 de Junho de 2021) revelam que sempre foi uma preocupação da ré o cumprimento das datas que foram sendo fixadas para a conclusão dos trabalhos e que foram sendo adiadas por diversas vezes, como também tal foi manifestado em Abril de 2021, conforme mensagem de Henrique... para Ana...[16], onde se alerta para a necessidade de indicarem uma data concreta para o término da obra, sendo que, nessa altura, se perspectivava a entrega da obra a 28 de Maio.

Da sucessão de mensagens juntas com a réplica é possível verificar o surgimento de questões em obra que importava resolver e que careciam da colaboração da ré ou do andamento das outras especialidades, mas também se constata que a ré foi facultando as respostas e informando sobre os momentos em que esses problemas estariam solucionados, estando já alguns em curso de execução, sendo preocupação de todos que a obra se concluísse a breve trecho, embora nessa altura a data de 28 de Maio de 2021 já estivesse comprometida.

É também de admitir, de acordo com as regras da experiência comum, que a falta de conclusão dos trabalhos por parte da autora teria implicação no prosseguimento dos restantes e na conclusão da empreitada geral, tendo a ré, efectivamente, alertado aquela para as consequências que tais atrasos teriam para a própria e para a relação com o seu cliente, como decorre do conteúdo da mensagem electrónica de 22 de Junho de 2021, às 12h45 enviada por Henrique... para Ana...[17], o que deve ser reflectido na alínea n), ainda que a redacção desta deva ser melhor concretizada (sem prejuízo dos factos que foram dados como provados sob as alíneas o), p), bb) e cc), também eles objecto de impugnação).

Assim, a alínea n) dos factos provados passará a ter a seguinte redacção:

n)-A ré alertou a autora, por diversas vezes, para a necessidade de terminar os trabalhos de carpintaria em função dos prazos previstos para o término da obra, dando conta de possíveis prejuízos para si caso tal não sucedesse.

Relativamente às alterações introduzidas pela ré às peças desenhadas decorre já do acima explanado que essas alterações existiriam no decurso da obra e, conforme mensagens acima referidas, ocorreram pelo menos até Abril de 2021[18], mas não se apurou que tenham consistindo numa alteração generalizada logo após a adjudicação ou que a ré não tenha aprovado as preparações da autora ao nível dos desenhos técnicos e materiais, com isso atrasando, logo de início, a produção das carpintarias.

Do depoimento da testemunha Válter... resultou claro que existiram alterações, mas que nessas circunstâncias era sabido, incluindo pelo dono de obra, que tal teria repercussão no prazo de entrega da obra, mas isso não foi determinante para qualquer recusa dos trabalhos, até porque, como ressalta dos autos, o prazo inicial de 21 de Maio de 2021 não foi cumprido e nem por isso a autora foi penalizada ou foi impedida de prosseguir com a obra, tendo sido apontadas datas sucessivas para a entrega, até que a data final seria 19 de Julho de 2021, embora não tenha ficado demonstrado ter existido um qualquer acordo entre as partes quanto à data de 28 de Maio de 2021.

Assim, ao contrário do pretendido pela recorrente, não estão demonstrados os factos descritos sob os pontos 10), 11) e 12), devendo, porém, aditar-se à alínea ll) o dado de que as alterações ocorreram também, pelo menos, no mês de Abril de 2021.

A alínea ll) dos factos assentes passará a ter a seguinte redacção:

ll)–Durante os meses de Março e Abril de 2021 a ré introduziu alterações nas peças desenhadas e escritas no projecto, obrigando a autora a proceder a alterações aos desenhos técnicos necessários à produção das carpintarias.

No que diz respeito aos pontos 13) e 14) dos factos não provados a prova produzida não se afigura idónea a modificar o juízo probatório formulado pela 1ª instância no que concerne às razões pelas quais a autora não conseguiu cumprir com os prazos que foram sendo sucessivamente indicados como data limite para a conclusão dos seus trabalhos, encontrando-se, nesta parte, a decisão fundamentada em termos lógicos e bastantes, resultando claro, designadamente dos depoimentos das testemunhas Válter ..., Henrique... e João..., que os atrasos ocorridos em sede de construção civil, designadamente em paredes e tectos, não contendiam com a maioria dos trabalhos que competia à autora realizar, tanto mais que estava planeado que a obra fosse sendo fechada gabinete a gabinete, sucessivamente por cada uma das especialidades, sucedendo que a autora acabou por colocar em obra móveis que não diziam respeito aos gabinetes que estavam em fase de conclusão, criando, desse modo, dificuldades aos trabalhadores das outras empreitadas.

De igual modo, não se evidencia, seja de qualquer dos elementos documentais juntos aos autos, seja da prova testemunhal, dados consistentes para afirmar que a entrada em obra da autora ocorreu a 27 de Abril de 2021, data unicamente mencionada na mensagem de correio electrónico enviada por Ana... a Gisela..., em 7 de Maio de 2021[19], e onde a própria refere: “A nossa entrada em obra, em bom rigor, iniciou-se no dia 27 de Abril […]”, o que desde logo indica que antes dessa data a autora já estava em obra, não se tendo aferido que só nessa data a ré possibilitou a entrada, sendo que as passagens dos depoimentos transcritas pela recorrente suportam essa afirmação. Aliás as mensagens anteriores, de 7 de Abril e de 22 de Abril de 2021[20], revelam precisamente que já então a autora se encontrava em obra e a trabalhar.

Assim, os factos descritos sob os pontos 3), 13) e 14) do elenco factual não provado devem manter-se inalterados.

*

Alíneas o), p), t), s), u), v), w), aa) e bb) dos Factos Provados e pontos 4), 5), 7), 9), 15) e 16) dos Factos Não Provados

O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
o)-A A. não cumpriu o prazo previsto no contrato de subempreitada, e nunca concluiu a obra, tendo-a abandonado em 17 de Julho de 2021.
p)-O comportamento contratual da A. repercutiu-se no contrato de empreitada celebrado entre a R. e a Madre.
t)-A A. nunca corrigiu os defeitos reclamados pela R., os quais se mantiveram, tendo abandonado a subempreitada sem a concluir.
s)-a A. fez depender a correcção dos defeitos enunciados do pagamento das facturas referidas em g) e h).
u)-A A. no fim-de-semana anterior à mudança dos serviços da Madre, para as novas instalações, solicitou autorização para ir à obra desmontar algumas peças que tinham sido mal executadas para as levar para reparação.
v)-A A., a par da desmontagem das peças que necessitavam de reparação, desmontou outras que não necessitava de correcção de defeitos e destruiu alguns dos trabalhos executados.
w)-Sendo que depois de ter as peças em seu poder, exigiu o pagamento imediato do valor de todos os trabalhos, e, ainda, uma quantia pela reparação dessas peças.
aa)-A R. não aprovou o auto de medição referente à factura n.º 204/2021 emitida pela A..
bb)-Os factos referidos em p) fizeram com que a R. incumprisse o prazo de execução da empreitada.

E deu como não provado o seguinte:

4)–Não se provou que os trabalhos foram concluídos pela A. a 10 de Julho de 2021.

5)–Não se provou que à data da emissão da factura referida em h) a obra estivesse concluída.

7)–Não se provou que a A. concluiu a obra.

9)–Não se provou que a A. executou todos os trabalhos contratados e realizou as correcções/substituições reclamadas pela R. aos trabalhos executados.

15)–Não se provou que na data referida em tt) a obra da A. estava concluída, nem que o auto de medição tivesse sido aprovado pela R..

16)–Não se provou que na data referida em tt) faltava apenas realizar afinações e rectificações finais nas carpintarias.

O Tribunal fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:

“Da prova não resultou igualmente que a A. tivesse concluído os trabalhos, como alegou. Também a este respeito, a prova documental e o depoimento das testemunhas Valter... e João..., foram o bastante para refutar as declarações de parte dos legais representantes da A. e das testemunhas Ana... e Pamella..., as quais apesar de afirmarem que a obra estava pronta no que aos trabalhos de carpintaria respeitava, não conseguiram justificar nem a inexistência de auto de medição final ou de receção da obra, nem tão pouco o reconhecimento da A. dos defeitos existentes na obra, ou, como infra referiremos, a retirada dos materiais da obra. […]

Logrou igualmente a R. provar a sua versão dos factos quanto ao abandono da obra pela A.. Uma vez mais, ao contrário do afirmado pelos legais representantes da A., da prova documental e testemunhal resultou que a obra não estava concluída em 15 de julho. Da prova documental resulta que a essa data existiam várias peças com necessidade de serem reparadas, tendo a A. assumido perante a R. o cronograma para a sua reparação.

Por outro lado, as testemunhas Valter... e Henrique... foram perentórios em afirmar que a obra não estava concluída, não tendo sido aceite pelo dono de obra e que tal se devia ao facto das carpintarias apresentarem defeitos que impediam a aceitação da obra e que a A. se havia comprometido a eliminar.

Quanto aos factos ocorridos entre os dias 16 e 17 de julho de 2021, resultou desde logo do depoimento das testemunhas Ana... e Pamella... que a informação que prestaram à R. e ao fiscal de obra era a de que as peças que iriam retirar da obra seriam reparadas e colocadas antes do final do dia 18 de julho de 2021, sendo que ordem posterior dos legais representantes da A., as mesmas não foram recolocadas. Os legais representantes da A. confirmaram nas suas declarações de parte que decidiram que as peças retiradas da obra só seriam recolocadas após o pagamento das faturas que a A. havia emitido e nesse sentido deram ordens aos seus funcionários e comunicaram a sua posição à R..

No que respeita à extensão das peças levadas pela A. da obra, o Tribunal julgou igualmente provado o alegado pela R. atento o teor do depoimento das testemunhas Nuno..., Frederico..., João... e Gisela... que estavam em obra à data em que os funcionários da A. iniciaram a desmontagem ou à mesma se deslocaram durante o dia de sábado e presenciaram que foram retiradas partes de móveis de todo os gabinetes, mesmo alguns sem defeitos assinalados e destruído o ripado de entrada que não apresentava defeitos. Ao contrário destas testemunhas, as testemunhas Ana... e Pamella..., funcionárias da A. afirmaram que não presenciaram a desmontagem até final, não tendo voltado à obra depois da manhã de sábado.”

Pretende a recorrente que os factos provados sejam alterados de modo a que deles passe a constar o seguinte:

“A A. cumpriu o prazo previsto no contrato de subempreitada, tendo concluído a obra em 15 de julho de 2021”;

“A A. executou todos os trabalhos contratados e corrigiu os estragos reclamados pela R., antes da conclusão da subempreitada”;

“A R., no fim-de-semana anterior à mudança dos serviços da Madre, para as novas instalações, exigiu à A. a correção de estragos em peças já montadas, o que implicou a desmontagem das mesmas e o seu transporte para fábrica.

Pretende também que os factos vertidos nas alíneas v) e w) sejam dados como não provados.

E que seja ainda dado como provado que:

“A R. aprovou o auto de medição referente à fatura n.º ..4/...1 emitida pela A..”;

“À data da emissão da fatura 2.../..4 a subempreitada estava concluída”;

“Em 15.07.2021, faltava apenas realizar afinações e retificações finais nas carpintarias”.

E pugna para que sejam eliminados os factos vertidos nos pontos 4), 5), 9), 15) e 16) dos factos não provados e nas alíneas s)e bb) dos factos provados.

Sustenta a apelante que está demonstrada a entrega integral dos trabalhos de carpintaria até ao dia 15 de Julho de 2021, que em 16 e 17 de Julho retirou peças conforme acordado com a ré e que os trabalhos a realizar consistiam apenas em afinações e rectificações finais, para o que convoca as declarações de parte de Ana... (minuto 00:02:33; 00.43:22 a 00:51:26) e Ricardo... (minuto 00:01:23 a 00:13:08; 00:13:41; 00:20:04 a 00:24:23; 00:31:22 a 00:39:09 e 00:42:15 a 00:44:06) e os depoimentos de Ana... (minuto 00:35.31 a 00:41:46, 00:44:55 a 00:45:20 e 01:01:39 a 01:14:52), Pamella... (minuto 00:19:35 a 00:25:11, 00:34:16 a 00:35:40), Válter... (minuto 00:28:33 a 00:30:53), João... (minuto 00.37:18 a 00:37:26, 00:40:25 a 00:42:18) e Nuno... (minuto 00:08:47 a 00:09:28) e os documentos n.ºs 18 junto com a réplica, em que a recorrente insta a ré ao pagamento das facturas, sob pena de suspender as tarefas adicionais exigidas, 3 e 19 juntos com a réplica, de onde resulta que todos os itens estão executados e entregues e o documento n.º 20, mensagem de 15 de Julho, em que foi anexado o auto de medição final, de onde extrai que nessa data a obra estava concluída e entregue e não houve abandono de obra, sendo que as peças foram retiradas da obra a mando da recorrida.

A recorrida contra-alegou no sentido da manutenção de tais factos tal como foram julgados, sustentando que ficou demonstrado que a obra não foi concluída, como resulta do documento n.º 15 junto com a oposição e do depoimento da testemunha Válter... (minuto 00:35:28 a 00:46.49), de onde emerge que a 15 de Julho de 2021 existiam defeitos, que não foram corrigidos, e, bem assim, os documentos n.ºs 14 e 15, que atestam os factos descritos sob as alíneas u), v) e w), corroborados pela testemunhas João... minuto 00:08:50 a 01:08:53) e Gisela... (minuto 00:34:10 a 00:42:00), sendo que, conforme as próprias testemunhas Ana... e Pamella ... disseram, as peças retiradas nunca foram colocadas, pelo que a obra foi abandonada; mais refere que o documento n.º 16 junto com a oposição comprova que a dona da obra resolveu o contrato com a recorrida devido à actuação da recorrente.

Antes de se passar à apreciação dos pontos da matéria de facto acima indicados, importa ter presente que alguns deles contêm expressões de natureza conclusiva, como sucede com as alíneas o), p) e t) dos factos provados.

Tal como decorre do relatório supra, o presente litígio radica no apuramento sobre se o montante inscrito nas facturas cujo pagamento é aqui solicitado pela recorrente lhe é ou não devido, sendo que a ré se defendeu alegando, entre o mais, o cumprimento defeituoso da obra contratada e o incumprimento do contrato por abandono da autora, alegando que na fase final foram identificadas múltiplas anomalias cuja correcção foi solicitada, tendo a autora retirado peças para reparação que não recolocou, pretendendo receber o pagamento integral da obra para o fazer.

Ora, afirmar, como se faz nas alíneas o), p) e t), que a autora abandonou a obra em 17 de Julho de 2021, que abandonou a subempreitada sem a concluir e que o seu comportamento se repercutiu no contrato de empreitada celebrado entre a ré e a Madre, implica efectuar, desde logo, um juízo jurídico-subsuntivo essencial e determinante para o desfecho da acção, seja quanto à verificação do alegado abandono e consequências para o contrato celebrado entre as partes, seja para efeitos de apreciação da responsabilidade civil da autora, que a ré pretende accionar mediante a reconvenção deduzida.

Neste âmbito, aquilo que há que avaliar não é se ocorreu ou não um concreto facto, ou seja, sindicar a convicção formada pelo tribunal com base nas provas produzidas e de livre apreciação, mas avaliar se a matéria considerada como um facto provado reflecte, indevidamente, uma apreciação de direito por envolver uma “qualquer valoração segundo a interpretação ou aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica” – cf. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, 1997, pág. 312; cf. acórdão do Supremo Tribunal de 28-09-2017, processo n.º 659/12.6TVLSB.L1-S1.

Neste ponto, a jurisprudência tem entendido dever actuar o mecanismo anteriormente previsto no artigo 646º, n.º 4 do Código de Processo Civil revisto, que se mantém na nossa ordem jurídica, apesar de não figurar expressamente na lei processual vigente, posto que o art. 607º, n.º 4 do actual CPC determina que devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, conforme vem sendo aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2012, processo n.º 240/10.4TTLMG.P1.S1 acima referido[21]; no mesmo sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-09-2009, processo n.º 238/06.7TTBGR.S1 e de 7-05-2009, processo n.º 08S3441.

Como é sabido, nem sempre é fácil distinguir entre o que é matéria de facto e matéria de direito, sendo, contudo, consensual, na doutrina e na jurisprudência, que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.

A este propósito, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-05-2009, processo n.º 08S3441:

“No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) […]

No mesmo âmbito da matéria de facto, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio.”[22]

Assim, a matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, seja qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas.

A proposição será conclusivase exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, caso em que deverá, por essa razão, ser expurgada.

Ainda que a expressão “abandonou a obra” possa ser entendida como uma expressão de conteúdo misto, possuindo um significado real compreensível, no caso presente a sua vertente jurídica é predominante, por estar em discussão, precisamente, apurar se a autora, com o seu comportamento, abandonou a obra sem a completar e se com essa atitude incumpriu definitivamente o contrato, pelo que a sua integração nos factos – provados ou não provados – assume consequências jurídicas que, por si só, envolve uma apreciação de direito, impondo-se a sua expurgação do acervo factual – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-05-2021, processo n.º 1697/17.8T8MTS.P2 – “O juízo acerca do incumprimento/recusa de cumprimento das obrigações contratuais do empreiteiro, consubstanciado no abandono da obra, carece de alegação de factos que preencham e traduzam tal conceito, designadamente a retirada de máquinas, material e pessoal do local da obra, em circunstâncias tais que revelem de forma inequívoca a sua intenção de não retomar os trabalhos da obra incompleta.”

Por outro lado, o vertido na alínea p) dos factos assentes constitui uma conclusão que deverá ser retirada a partir de factos concretos objecto de alegação e prova que se integrem no thema decidendum, ou seja, trata-se de um juízo de valor que não deve figurar no elenco factual da decisão.

Tendo presente este enquadramento jurídico, passa-se à análise destes factos impugnados.

A versão que a autora trouxe aos autos é a de que realizou integralmente os trabalhos contratados, completados até ao dia 15 de Julho de 2021, data em que apenas subsistiam afinações e rectificações finais por efectuar, tendo procedido ao levantamento de peças danificadas para reparação, a solicitação da ré.

Por sua vez, a ré sustenta que a obra não estava concluída naquela data, porque os defeitos nunca foram corrigidos.

Da audição de toda a prova gravada e do próprio teor dos articulados e alegações de recurso é perceptível a confusão que se instalou quanto a questões atinentes à conclusão dos trabalhos, à sua entrega, à sua recepção/aceitação ou à existência de defeitos e sua correcção, sendo notório das declarações de parte de Ana... e Ricardo... e do depoimento da testemunha Ana..., que aquilo que a autora sustenta é que concluiu a obra, por ter procedido à colocação em obra de todas as peças de carpintaria que lhe foram encomendadas, independentemente de estas apresentarem anomalias ou não e a sua correcção ter tido ou não lugar.

Com efeito, a declarante Ana... asseverou que, na fase final da obra, já em Julho de 2021, a obra “estava terminada e apenas tinha riscos derivados dos maus-tratos das várias especialidades em obra; […] recolhemos as peças e fizemos a reparação de algumas que ficámos na dúvida se teríamos sido nós, e reparámos e voltámos a montar… Aquelas que provámos que tinha sido por terceiros, são riscos de obra, enviámos um orçamento e ficámos a aguardar, com as peças reparadas na nossa fábrica, e ficámos a aguardar o pagamento, e esse pagamento não ocorreu…A obra estava terminada”; e mais à frente: “os trabalhos estavam executados e estavam lá fisicamente” (cf. minuto 13:25 e seguintes; 37:41 e seguintes do seu depoimento).

O declarante Ricardo... disse: “consideramos que a obra foi integralmente concluída, os riscos não são da nossa responsabilidade, os atrasos não são da nossa responsabilidade” (cf. minuto 7:39 e seguintes); Depois foi feito o levantamento e indicaram peças riscadas; mas para nós a obra está concluída e entregue […] estava tudo em obra, as peças estão ali todas; são afinações e pequenas reparações, que muitas vezes são feitas depois da obra entregue, grande parte disto foi corrigido no dia seguinte, no dia 15; no dia 15 estivemos na obra […] Isto era uma obra com mais de 200 peças; aí não diz que falta entregar nenhuma peça […];No dia 15 de Julho não foi feito auto de medição aprovado…; formalmente documento assinado entre as partes que eu saiba não foi feito; o que foi feito foi um levantamento conforme consta desse mail de 14 de Julho (cf. minuto 32:30 e seguintes e 35:58 e seguintes).

Também a testemunha Ana... não deixou de reconhecer que, no final, estava a obra executada e entregue, sucedendo que, após a vistoria gabinete a gabinete com a directora de obra, foram identificados múltiplos pontos que importava corrigir, ainda que os identifique como pequenas afinações ou correcções, imputando os danos maiores a responsabilidade dos demais subempreiteiros que estavam na obra: “No final estava previsto concluir a obra 15 de Julho, talvez por aí… havia uma lista de sala a sala, fitas colas para corrigir, em todas as especialidades, para se ir fechando sala a sala, íamos falando sobre isso e fomos fazendo tentativas de o fazer na própria obra, mas tem de ser feito em estufa, porque depois percebe-se as diferenças de cor [nos lacados] […] terminámos no dia em que ficou tudo entregue, 15 de Julho talvez, todos os itens adjudicados inicialmente e nas adendas posteriores, todos em obra […] A Gisela... confirmou isso comigo; nós as duas estivemos a ver ponto a ponto, na obra, do que havia sido adjudicado e fizemos o auto de todos os itens, porque faltava muito por saldar, ela alegava que não pagava x ou y porque estava riscado, independentemente de ser da responsabilidade e dos sub ou de nós […] Para fechar este tema, recolhemos parte dos tampos e painéis e reparámos à nossa conta”; e mais à frente: “Todos os artigos estavam em obra, mas depois é sempre preciso fazer umas afinações…”; “A Gisela... não assinou nada, não de auto de recepção; ela nunca disse concretamente com essas palavras, que estava fechado; disse que tínhamos de refazer todos estes pontos de lacado; daí termos levado para lacar” (cf. minuto 36:00 e seguintes; 42:05 e seguintes; 1h.09 e seguintes do seu depoimento).

Efectivamente, a autora executou todos os trabalhos abrangidos pelo contrato celebrado com a ré e colocou em obra as peças de carpintaria que lhe foram solicitadas, o que resulta claro do conjunto dos depoimentos, sendo que em 15 de Julho de 2021 as peças estavam em obra, ainda que não correctamente efectuadas.

Quer do depoimento das próprias testemunhas que arrolou, quer do depoimento das testemunhas Pamella..., Válter..., Henrique... e João..., resulta que nessa data, efectivamente, as peças estavam em obra e que então faltariam apenas um pormenores ou outros, tal como colocar uma prateleira, mas, não obstante isso, existia toda uma lista de correcções, reparações e afinações que ainda importava fazer (indicadas nas mensagens de correio electrónico de 7 a 14 de Julho de 2021[23]), apesar de, tal como foi reconhecido pelas testemunhas, algumas dessas reparações terem tido lugar, designadamente aquelas que eram exequíveis em obra – cf. minuto 17:35 e seguintes do depoimento da testemunha Pamella ...; depoimento Válter..., minuto 28:00 e seguintes - “[…] antes desse fim-de-semana os gabinetes estavam praticamente completos… No dia 15 de Julho tenho a ideia de que estava tudo completo, poderia haver algum ou outro detalhe, uma pequena peça, pequenos detalhes, diria a 90 ou 95%, isso certamente sim […]”; minuto 36.41 e seguintes – “A obra estava 90 a 95% da obra geral; haveria sempre um ou outro detalhe por completar […]”; “Estavam [montadas as carpintarias]; todos os móveis, todas as portas? Sim; podia faltar uma ou outra peça mas no cômputo geral estava colocado […] Tirando defeitos visuais, riscos, mossas, alguma coisa não estar nivelada, a obra estava praticamente completa, em toda a sua globalidade”; depoimento de João..., fiscal da obra, minuto 40:5 e seguintes – “[…] andámos a lutar semanas para conseguir inaugurar; incluindo a autora; as peças que estavam danificadas, foram acordadas datas concretas para serem retiradas, nesse fim-de-semana eram apenas afinações…; no dia 15/16 Julho… estava lá tudo entregue; a obra antes dessa data estava para ser inaugurada, portanto estava tudo… podia faltar uma prateleira, a obra estava concluída… […] a obra tinha reparações para fazer, silicones a ser postos, portas para afinar, toques de pintura, aqui e ali, limpezas de alcatifas… Havia uma lista grande de assuntos que tinham de ser rectificados” e ao minuto 1h17min – “as peças estavam montadas, havia peças danificadas para reparar; a fiscalização não tinha aceite a obra”; depoimento da testemunha Henrique..., minuto 42:45 e seguintes – “Ressalvando o facto de depois terem vindo retirar peças, estava tudo entregue no dia 15 Julho, mas não estava tudo instalado, e depois foi para trás, seriam parcialmente reparadas na fábrica… Eu sei que havia um conjunto de peças para tirar, parcialmente, para se ir reparando, para voltarem a entrar e que não incomodassem o funcionamento do escritório; tinham de ser na fábrica; as peças foram marcadas por nós, mas era parcialmente…”; depoimento de Gisela..., minuto 33.33 e seguintes, sobre a sua mensagem de 15 Julho de 2021[24] - “fui eu que mandei isto; não aceitei o auto final; a obra estava concluída para entrega, mas não concluída em termos de reparações, ou seja, o cliente aceitou que iam ter inauguração em dia 19 e aceitou receber a empreitada com algumas peças por rectificar, havia uma série de peças por reparar” e quanto à listagem de reparações constante da mensagem de 14 de Julho de 2021[25] - “alguns trabalhos da listagem foram [executados]; tinha de ver a listagem ponto por ponto, mas grande parte não, porque são reparações de lacagem e eles informaram que tinham de levar as peças para a carpintaria…; recepção provisória da obra concluída, não foi feita essa recepção…”

Ora, independentemente das consequências jurídicas a retirar dos factos apurados e atendendo apenas aos factos da vida real, não há que afirmar que no dia 15 de Julho de 2021 a obra estava concluída, porquanto essa é uma conclusão a retirar daquilo que se demonstre estar efectuado pela autora, mas é possível dizer que a autora realizou e colocou em obra as peças de carpintaria que lhe foram encomendadas pela ré.

Por outro lado, a autora não logrou demonstrar que efectuou todas as reparações ou correcções enunciadas nas mensagens supra indicadas e que todas as testemunhas, e os próprios legais representantes da recorrente, reconheceram terem sido identificadas na obra e que careciam de intervenção, sendo que apenas foi admitido pelas testemunhas da ré que foram feitas algumas correcções, embora não concretamente identificadas.

Acresce ser evidente que a autora não cumpriu o prazo de conclusão da obra contratualmente fixado – 21 de Maio e 2021, conforme resulta da alínea j) dos factos provados, não objecto de impugnação –, pelo que nunca poderia ser dado como provado que tal prazo foi cumprido, sendo que, também a esse propósito, nenhum outro foi acordado pelas partes, sucedendo apenas que a ré foi aceitando o protelamento que o decorrer da obra foi justificando ou que esta foi considerando ainda aceitável.

No que diz respeito à correcção dos defeitos, como resulta do atrás explanado, não foi possível concretizar quais, de entre a lista elaborada pela ré na segunda semana de Julho de 2021, foram efectivamente corrigidos, embora se saiba que, tendo existido algumas reparações, grande parte deles não foi corrigida. Aliás, nem se percebe como pretende a ré que se dê como provado que todos os defeitos reclamados foram corrigidos, quando a própria reconhece que existiam anomalias a reparar e que para o efeito era necessário retirar peças e corrigir em fábrica, o que determinou, precisamente, o levantamento das peças que acabou por ser permitido pela ré nos dias 16 e 17 de Julho de 2021 (independentemente de se saber, para este efeito, se eram ou não danos da responsabilidade da autora).

Assim, as alíneas o) e t) dos factos provados devem reflectir isso mesmo, dando-se conta da realização dos trabalhos, mas mantendo-se a ausência de correcção integral das anomalias, o que determina que os factos descritos sob os pontos 4), 5) e 16) se devem manter como não provados, sendo eliminado o ponto 7) e corrigida a redacção do ponto 9).

Quanto aos factos descritos nas alíneas s), u), v) e w) dos factos provados decorre, desde logo, do teor das mensagens trocadas entre as partes entre 5 e 17 de Julho de 2021 - num período em que, conforme referiu a testemunha Válter..., foram efectuadas duas vistorias à obra e foram assinaladas as peças que careciam de reparação e as anomalias a corrigir, gabinete a gabinete -, que a autora, tendo aceitado que alguns danos seriam da sua responsabilidade, recusou a maioria, mas propôs-se repará-los, apenas a partir do dia 19 de Julho, por antes não dispor de recursos para tanto, mediante a apresentação de um valor adicional, como expressamente decorre das mensagens de 8 de Julho de 2021, às 00h15 e de 17 de Julho de 2021, 17h38[26], esta enviada por Ana... para Gisela..., onde a primeira dá conta que concluiu a fase de recolha das peças a reparar, apurou o valor devido e solicita o pagamento do valor que considera estar em falta, incluindo o novo valor (num total de 72 110,26 €), declarando expressamente que avançará com a reparação logo que recebam tal montante.

Aliás, na sequência da troca de mensagens com indicação dos pontos a reparar, logo em 13 de Julho de 2021, mensagem das 19h16[27], a autora propõe à ré a execução de trabalhos (que se pressupõe serem trabalhos de afinações finais, conforme consta do final da mensagem), nos dias 15, 16 e 17 de Julho, aguardando o pagamento de três facturas vencidas, entre elas a factura n.º 2021/200, condicionando a realização desses trabalhos ao respectivo pagamento, reiterando o pedido de pagamento em mensagem de 15 de Julho de 2021, às 16h37[28], fazendo depender as afinações do pagamento das facturas, incluindo a factura final, que refere enviar nessa data (factura n.º 2021/204), tendo a ré respondido que a obra não estava concluída e que não aceitava o auto final (mensagem de 15 de Julho, às 16h52).

Note-se que a autora indicou, inicialmente, não ter possibilidade de executar as reparações antes do dia 19 de Julho, sendo que, posteriormente, por contacto telefónico – conforme decorre da mensagem da ré de 16 de Julho de 2021, 17h10[29] - se comprometeu a executar todos os trabalhos, incluindo rectificações, tendo procedido à recolha de peças, com o compromisso de tudo voltar a colocar até 18 de Julho, atenta a inauguração prevista para o dia 19 de Julho de 2021, vindo depois a informar que não procederia a essa recolocação sem o pagamento das facturas – cf. documentos n.º 12 e 14 juntos com a oposição.

Quer do teor destes documentos, quer da prova testemunhal produzida, sobremaneira os depoimentos das testemunhas Válter ... João..., Henrique... e Gisela..., resultou muito claro que a ré, numa primeira fase iria efectuar apenas as afinações e rectificações no local e, depois de ter escalonado as reparações que exigiam a retirada das peças para diversos fins-de-semana subsequentes[30], em contacto telefónico com a ré, informou que poderia, afinal, proceder a essa rectificação durante o fim-de-semana anterior à inauguração (16 e 17 de Julho de 2021), tendo sido autorizada a efectuar o levantamento das peças, mediante o compromisso de recolocação, o que não veio a fazer, informando que apenas as recolocaria reparadas se o pagamento das facturas fosse efectuado, pelo que é claro que se devem manter provados os factos descritos sob as alíneas s), u) e w) (aliás, em consonância com o afirmado nas alíneas rr) e uu), que não foram impugnadas) – cf. minuto 9:50 e seguintes do depoimento de João...– “no dia 16 Julho estávamos a afinar as coisas para a inauguração, com a Gisela..., para verificar…”; minuto 36:05 e seguintes do depoimento de Gisela...– “este material foi retirado no fim-de-semana, no dia 16 Julho, sexta-feira; a autora entra em contacto comigo a informar que tinha arranjado forma e se dispunha para ir levantar as peças que necessitavam de lacagem, para reparação e informou que levantava na sexta e entregava até domingo; houve alguma desconfiança […] pensámos que a carpintaria tivesse parceria com outras, sozinhos achei que era impossível, a Ana... disse que era um compromisso do sócio e que ele se comprometia nisso; […] dissemos que sim, para avançar com essa substituição; […] horas depois recebemos o mail a pedir para pagar, o último auto ainda não emitido e o valor de reparação de peças; estava a obrigar a algo antes de fazer alegando que a responsabilidade seria totalmente nossa”; minuto 22:30 e seguintes do depoimento de Henrique...–“não fizemos a entrega porque não tinha as carpintarias; levaram-nas… enviaram mais um mail a nos chantagear: ou pagam ou não reparamos e imputavam toda a responsabilidade dos riscos e danos das madeiras; eu discordei; e a Gisela entendeu confiar; o dono de obra e a fiscalização entenderam confiar e permitiram que eles tirassem e reparassem, mas levaram o material fora da hora prevista, sem a assistência de ninguém”.

Já no que concerne à retirada de peças que não careciam de reparação, na ausência de qualquer prova documental que o ateste, crê-se que a prova testemunhal não foi suficientemente segura e concretizadora para se poder afirmar que tal sucedeu.

É verdade que as testemunhas Henrique... e Gisela... o afirmaram, mas fizeram-no genericamente, sem identificarem claramente quais as peças que estavam correctas e que ainda assim teriam sido retiradas, sendo certo que não deixaram de confirmar que em todos os gabinetes existiam peças para reparar, o que invalida que se conclua que, tendo sido retiradas peças de todos os gabinetes, a autora recolheu peças que não careciam de reparação, sendo que apenas foi dito que levaram “as que deviam e as que não deviam” e que “o que levaram não correspondia ao que estava acordado”, o que é manifestamente insuficiente para se ter como seguro que isso sucedeu e relativamente a que peças.

Por outro lado, as testemunhas João... e Válter... afirmaram não conseguir dizer se a autora levou peças sem defeito, dizendo que levaram o que estava marcado, existindo peças para reparar em todos os gabinetes e referindo o segundo que lhe disseram que teriam sido levadas peças que não estavam danificadas, mas que não fez o levantamento e não o podia comprovar – cf. minuto 15:07 e seguinte e 27:08 e seguintes dos respectivos depoimentos.

Também quanto à destruição dos trabalhos executados, não obstante ter sido feita menção de poderem ter existido estragos na recolha das peças, como disse a testemunha João..., certo é que este não foi assertivo quanto a tal ter sucedido e isso não foi sequer mencionado pela testemunha Gisela..., que foi quem mais de perto acompanhou o evoluir da obra ou pela testemunha Henrique..., tendo a testemunha Válter... explicado que não se tratou propriamente de “vandalização”, como foi alegado pela ré, mas antes o modo como os materiais foram deixados, de uma forma que qualificou de “desmazelo”.

Por outro lado, dos depoimentos das testemunhas Frederico..., encarregado geral, funcionário da ré desde Maio de 2020 e Nuno ..., gestor de projecto, funcionário da ré desde Janeiro/Fevereiro de 2020 confirma-se apenas a retirada das peças no fim-de-semana anterior à data programada para a inauguração, mas deles não se retiram asserções bastantes para afirmar a existência de destruição de um qualquer material em concreto, pois que aludiram apenas ao facto de em cada gabinete terem sido retirados materiais, como o ripado da entrada, mas sem mencionarem a sua destruição, até porque a segunda testemunha disse não ter visto quem retirou as peças, do que se retira que não o presenciou.

A não aprovação do auto de medição final alegadamente elaborado pela própria autora e suporte da última factura (a factura n.º 2021/204, cujo pagamento é aqui peticionado) enviada à ré na mensagem de 15 de Julho de 2021, em que a autora exige o pagamento dos valores em falta, resulta evidente de tudo quanto atrás se mencionou, sendo certo que a ré sempre manifestou que a obra não estava concluída, pelo que não aceitou esse auto, que, aliás, nem se mostra junto aos autos.

Como decorre do acima explanado, a alínea p) dos factos assentes, onde se verteu a conclusão de que o comportamento contratual da autora se repercutiu no contrato de empreitada celebrado entre a ré e a dona de obra deve ser eliminando por ser um juízo valorativo a retirar de factos que revelem essa conexão entre as vicissitudes ocorridas na relação contratual entre as aqui partes com as verificadas na relação da empreiteira geral com a autora.

No que diz respeito à alínea bb), sabe-se que a inauguração dos escritórios estava prevista para o dia 19 de Julho de 2021, pelo que os eventos ocorridos no fim-de-semana anterior (retirada das peças para reparação sem a sua recolocação em obra) impediram a ré de entregar a obra completa, nessa data.

Assim, a redacção da alínea bb) deve ser corrigida de modo a reflectir essa realidade, que foi aquela que ressaltou da prova produzida, tanto mais que o prazo de execução acordado e referido em l) dos factos provados há muito tinha sido ultrapassado, sendo que a generalidade das testemunhas, designadamente as arroladas pela ré, referiram que os atrasos tiveram lugar desde início, mesmo na fase da construção civil, pelo que não se pode afirmar que esse prazo inicial não foi cumprido apenas devido ao comportamento da autora.

Em conformidade com o atrás expendido, decide-se o seguinte quanto aos factos em apreciação:

A alínea o) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

o)-A autora executou a globalidade das peças de carpintaria contratadas, que colocou na obra, mas não cumpriu o prazo referido em j).

A alínea p) dos factos provados é eliminada.

A alínea s) dos factos provados mantém-se inalterada.

A alínea t) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

t)-A autora corrigiu alguns dos defeitos reclamados pela ré consistentes em afinações e rectificações no local da obra, mas os demais, designadamente as peças retiradas do local, mantiveram-se sem reparação.

A alínea u) dos factos provados mantém-se inalterada.

A alínea v) dos factos provados transita para os factos não provados.

A alínea w) dos factos provados mantém-se inalterada.

A alínea aa) dos factos provados mantém-se inalterada.

A alínea bb) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção.

bb)- A retirada das peças pela autora e a sua não recolocação referidas nas alíneas u), t) e w) impediu que a ré entregasse a obra à dona de obra na data prevista para a inauguração (19 de Julho de 2021).

O ponto 4) dos factos não provados mantém-se inalterado.

O ponto 5) dos factos não provados mantém-se inalterado.

O ponto 7) dos factos não provados é eliminado.

O ponto 9) dos factos não provados passa a ter a seguinte redacção:

9)–Não se provou que a autora realizou as correcções/substituições reclamadas pela ré aos trabalhos executados.

O ponto 15) dos factos não provados mantém-se inalterado.

O ponto 16) dos factos não provados mantém-se inalterado.

*

Alíneas cc), dd), ff) e gg) dos factos provados

O Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:

cc)-Face aos atrasos da A. na execução da obra, a Madre acabou por resolver o contrato de empreitada com a R. por carta enviada em 29 de julho de 2021, com o teor constante do doc. junto a fls. 42 verso e 43, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

dd)-A Madre não efetuou o pagamento à R. das últimas faturas desta obra n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278, as quais perfazem o valor de 70.035,70€.

ff)-Os factos descritos em p) e cc) fizeram com que esta expectativa se frustrasse, dada a quebra de confiança da cliente Madre na R..

gg)-A imagem da R. perante a Madre ficou denegrida pela atuação da A..

O que fundamentou do seguinte modo:

“Relativamente aos danos alegados pela R., foi confirmado pelo depoimento das testemunhas Henrique... e Gisela... a intenção e perspetiva da R. de continuar a trabalhar com o Grupo Madre, o que deixou de ser viável face à resolução do contrato motivada pelo incumprimento do mesmo, decorrente da não execução integral e correta das carpintarias, obra a cargo da A..

Porém, não resultou provado que a dona da obra tivesse exigido o pagamento da fatura que emitiu, nem que a R. tivesse exigido o pagamento das faturas por si emitidas.”

A autora/recorrente sustenta que tais factos devem ser dados como não provados considerando que o depoimento das testemunhas Henrique... e Gisela... não é suficiente para se dar como provado que a dona da obra resolveu o contrato devido ao comportamento da autora, sendo que a intenção daquela apenas se poderia demonstrar com depoimentos dos respectivos representantes, para além de não ter sido demonstrado que a ré interpelou a dona de obra para proceder ao pagamento das facturas ou que esta previa recorrer à ré para outras obras, mas tenha deixado de ter uma imagem positiva dela.

A recorrida entende que o facto descrito na alínea cc) se baseou em prova documental que não foi impugnada, que é o documento n.º 16 junto com a oposição e que dos depoimentos das testemunhas Henrique... e Gisela... facilmente se conclui que a imagem da ré ficou denegrida, com quebra de confiança, devendo tais factos permanecerem como provados.

No que diz respeito ao vertido na alínea cc) dos factos provados, sobremaneira na parte em que se afirma que a Madre, S. A. resolveu o contrato de empreitada celebrado com a ré devido aos atrasos da autora na execução da obra, há que considerar que esse facto se baseou, por um lado, no conteúdo do documento n.º 16 junto com a oposição e no depoimento das testemunhas Henrique ... e Gisela... .

O documento n.º 16 junto com a oposição consiste uma carta, sem data aposta (mas cujo sobrescrito que a acompanha contém a indicação de uma data aposta pelos CTT, como “data de fim”, de 10 de Agosto de 2021), dirigida pela Madre, S. A. à aqui ré, onde lhe comunica a resolução do contrato de empreitada invocando a falta de conclusão dos trabalhos no dia 21 de Maio de 2021, a subcontratação da autora sem autorização e relata os factos ocorridos nos dias 17 e 18 de Julho, com retirada de peças pela autora, sem recolocação, para justificar essa decisão, referindo ainda que o subempreiteiro invocou dívidas da ré e que foram obrigados a contratar nova entidade para reparar os danos causados e completar a obra, mais informando que não prescindiam de uma indemnização pelos danos causados e abandono da obra.

Ora, trata-se de um documento que terá sido assinado pelos legais representantes da Madre, S. A. e no qual a autora não teve qualquer intervenção, nem lhe foi dirigido, sendo ela estranha à relação estabelecida entre aquela e a ré.

Trata-se, como é evidente, de documento particular, tendo em conta que são particulares os documentos escritos que não reúnam os requisitos de origem respeitantes aos documentos autênticos – cf. art. 363º, n.º 2 in fine do Código Civil -, em que a respectiva assinatura não se encontra reconhecida.

Como acima já se referiu, o requisito fundamental do documento particular é a assinatura manuscrita do seu autor e é desta que emerge a força probatória que a lei confere a esta espécie de documentos – cf. art. 373º, n.º 1 do Código Civil.

Tal como decorre do estatuído no art.º 374º, n.º 1 do Código Civil, “só pode reconhecer-se força probatória a um documento particular quando este possa ser tido como genuíno ou verdadeiro. Essa genuinidade está em ter sido ele autografado pela pessoa a quem é atribuído, quer pelo que se refere apenas ao texto, se é admitido como meio de prova mesmo sem estar assinado, quer pelo que respeita à assinatura, quer, finalmente quanto ao texto e à assinatura, quando a lei exige a concorrência da demonstração de que foi totalmente redigido e assinado pelo declarante.” – cf. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, volume II, 1988, pág. 155.

Junto aos autos um documento sem reconhecimento notarial a parte contra quem ele é produzido pode tomar uma das seguintes atitudes: declarar que reconhece como verdadeira a letra e a assinatura, ou só a assinatura do documento; impugnar a veracidade da letra ou da assinatura; declarar que não sabe se a letra ou a assinatura são verdadeiras; não fazer declaração alguma.

Uma vez estabelecida a genuinidade do documento, isto é, a veracidade da sua subscrição pela pessoa a quem o documento é atribuído, daí resulta a veracidade do respectivo contexto atento o disposto no art. 376º, n.º 1 do Código Civil.

Encontrando-se reconhecida a autoria do documento particular, tal escrito faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante – cf. n.º 2 do art.º 376º do Código Civil.

Daqui decorre que, estabelecida a autoria do documento, e nele se contendo uma declaração feita ao declaratário, contrária ao interesse do declarante, tal declaração representa uma confissão do seu autor, pelo que a esse documento particular deve ser atribuído, nas relações entre ambos, valor probatório pleno – cf. art.º 352º e seguintes do Código Civil.

Esta força probatória significa que os factos não carecem de outra prova para se terem como demonstrados, o que não implica que o declarante não possa impugnar a sua validade, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, precisamente como acontece com a declaração confessória (cf. art.º 359º do Código Civil), designadamente, provando, por exemplo, que a declaração resultou de erro.

No entanto, isto já não será assim se a parte contra quem o documento é apresentado não for co-autor no documento em referência, como sucede no caso em apreço, porquanto a autora/recorrente não interveio nesse documento nem este lhe foi dirigido.

Nesse caso, o reconhecimento da sua autenticidade não implica qualquer confissão de factos, pelo que tal documento, perante a autora, vale apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal – cf. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2ª Edição, pp. 261-262 – “Não pode ser atribuída força probatória plena ao documento particular da autoria de terceiro, sendo em relação ao seu autor um elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal, porque esse relevo probatório só é susceptível de decorrer da sua invocação pelo declaratário contra o declarante seu autor”; cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-09-2021, processo n.º 100156/19.2YIPRT.P1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-01-2003, Recurso n.º 4003/02, CJ (STJ), Tomo I/2003, pág. 8; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-05-2009, processo n.º 08B1843 – “O documento particular só pode ser invocado com valor probatório pleno pelo declaratário contra o declarante, isto é, apenas nas relações do declaratário – declarante e na medida em que seja prejudicial a este (art.º 376º, n.º 2, do CC). Sendo invocado por terceiros, o documento particular valerá apenas como elemento de prova a ser apreciado livremente pelo tribunal.”

É precisamente esta a situação dos autos. O documento em referência tem como interveniente a Madre, S. A., dirigido à sociedade ré, pelo que, perante a aqui autora, que é terceiro face a tal documento, apesar do reconhecimento da sua autoria, não tem força probatória plena.

Devendo ser apreciado livremente pelo Tribunal e não tendo estado em causa a relação contratual estabelecida entre a ré e a Madre, S. A., não tendo sido alegada ou demonstrada qual a posição que aquela tomou perante a comunicação de resolução em referência, isto é, se eventualmente com ela se conformou e se o terá feito porque reconhecia a sua responsabilidade pela não conclusão dos trabalhos e entendia que esse prazo, que sucessivamente foi sendo adiado, a determinado ponto se tornou essencial e impreterível para a dona de obra, e não tendo sido discutidos os termos dessa resolução, não é sequer possível asseverar que a relação contratual entre a dona da obra e a ré findou com essa comunicação e menos ainda que tenha terminado devido apenas à actuação da aqui autora.

Aliás, não se percebe como, depois de sucessivos adiamentos quanto à entrega da obra – no final agendada para dia 19 de Julho de 2021 -, em 10 de Agosto de 2021 é comunicada uma resolução por incumprimento da data de 21 de Maio de 2021 há muito ultrapassada e com base em abandono, sem qualquer outro facto que demonstre uma eventual interpelação da ré para cumprir (posto que a essencialidade do prazo de 21 de Maio de 2021 está postergada), até porque a testemunha Henrique... afirmou que foram impedidos pela dona de obra de entrar no local logo no dia seguinte, o que não se compadece com o abandono imputado à ré e invocado nessa carta de resolução.

Acresce que analisadas as facturas emitidas pela ré à dona da obra, com data de 31 de Julho de 2021[31], verifica-se que na factura n.º 1/279 se alude a trabalhos adicionais conforme email enviado a 28 de Julho de 2021, o que permite questionar sobre se, afinal, nessa data a ré ainda se mantinha ou não na obra.

Portanto, tal documento não é suficiente para, por si só, revelar que a relação contratual entre a ré e a Madre S. A. terminou nessas circunstâncias, com esses fundamentos e com o envio da carta em questão ou, mesmo admitindo que tenha terminado nesse momento, que não tenha existido um qualquer acerto ou acordo entre as partes a esse propósito, pois que nada mais resulta do depoimento das testemunhas que revele os trâmites dessa cessação.

De igual modo, a alegada quebra de confiança da Madre, S. A. na ré e frustração das expectativas destas quanto a futuros negócios com a primeira (cf. alínea ee) dos factos provados) vertida na alínea ff) dos factos provados não encontra respaldo seja no conteúdo da carta em referência, seja nos depoimentos das testemunhas Henrique... e Gisela... . Quanto a esta matéria, os seus depoimentos foram claramente conclusivos e genéricos, sem alusão a qualquer dado factual passível de justificar tais afirmações, pois que, sendo inviável tomar como seguro que a relação contratual entre a ré e a dona da obra findou do modo descrito no documento n.º 16, também não é possível extrapolar do seu conteúdo para uma presuntiva ou natural perda de confiança e para uma diminuição da consideração profissional da ré perante a Madre, S. A..

Atente-se, aliás, que, para além da falta de pagamento das últimas facturas emitidas pela ré reportada pelas testemunhas – cujo recebimento nem sequer foi convincentemente relatado como tendo sido tentado pela ré -, estas não conseguiram ser assertivas quanto à repercussão negativa na sua imagem ou perda de confiança por parte da Madre, S. A., tanto mais que, ao que parece, a litigiosidade entre as partes não estará instalada, pois a testemunha Henrique... disse que, quando tentaram cobrar os seus valores finais, a Madre, S. A. se limitou a dizer que se iria resolver (cf. minuto 26:45 e seguintes do seu depoimento).

Por outro lado, ainda que se admita que a ré pretendia prosseguir a sua relação comercial com a Madre, S. A. e tivesse essa expectativa, tal não significa que esta última tivesse essa intenção e menos ainda que a tivesse manifestado junto da ré, sendo que isso não foi cabalmente reportado pelas testemunhas. Neste âmbito, a testemunha Henrique... mencionou apenas que, em face do volume de negócios e da relação que criou com pessoas da Madre S. A., esperava isso, mas não tinha qualquer outra adjudicação projectada, pendente ou acertada com esta, era apenas uma esperança que o próprio tinha na continuidade da relação, aludindo a conversas que teria mantido com o representante da Madre, S. A., sem qualquer concretização (cf. minuto 44:35 e seguintes do seu depoimento). Do mesmo modo, a testemunha Gisela... afirmou muito vagamente que ficaram prejudicados em termos de imagem, até perante subempreiteiros, hesitando na explicação ou concretização avançada, referindo apenas genericamente que o sucedido não lhes dava credibilidade, mencionando as redes sociais, sem qualquer especificação (cf. minuto 47:00 e seguintes do seu depoimento).

Em conformidade com a explanação supra, decide-se o seguinte quanto aos pontos impugnados:

A alínea cc) passa a ter a seguinte redacção:

cc)-A Madre – Empreendimentos Turísticos, S. A. dirigiu à ré uma carta, entregue em 10 de Agosto de 2021, com o seguinte teor:

“Pela nossa carta (adjudicação n° 1/2021), datada de 15 de Fevereiro de 2021, foi-vos adjudicada a obra de remodelação interior de escritórios do ...° piso do edifício CG ..., no Campo ....., n° ... - ....-... - L_____.

Por declaração da mesma data, V. Exas. aceitaram a referida adjudicação com todas as suas condições gerais e especiais.

Das vossas obrigações contratualmente assumidas relevam na presente situação:

a)-A obrigação de iniciarem os trabalhos em 20 de Fevereiro de 2021;

b)-A obrigação de terminarem os trabalhos em 21 de Maio de 2021;

c)-Não subempreitar total ou parcialmente os trabalhos adjudicados sem nossa autorização escrita.

Acrescenta o contrato que, sendo dada tal autorização, V. Exas. como Empreiteiro continuam a ser a única entidade responsável, quer perante a Dona da Obra, quer perante as entidades públicas.

Por outro lado, é essencial num contrato a execução e entrega da obra conforme contratualizado.

No plano factual, verificaram-se os seguintes factos:

a)-A obra em 21 de Maio de 2021 não estava concluída;

b)-V. Exas estavam avisados e conhecedores de que a nossa Empresa tudo planificou no sentido de, o mais tardar até 19 de Julho de 2021, ter todos os seus serviços instalados no CG 28 e aí exercer todas as actividades sem qualquer limitação ou restrição;

c)-Essa empresa jamais pediu suspensão de contagem do prazo contratualizado, nem por motivos de força maior, nem por qualquer outro motivo;

d)-Subcontrataram parte da empreitada numa outra Empresa a A., sem qualquer autorização escrita da nossa parte;

e)-No fim de semana de 17 e 18 de Julho, a pretexto da necessidade de reparação de algumas peças em oficina alguns trabalhadores afectos à obra removeram e levaram portas, tampas e forras, que até hoje não foram restituídas. Nem reparadas, nem por reparar.

f)-Removeram peças que nem necessitavam de ser reparadas, tendo a remoção sido feita de forma selectiva, já que foram retiradas uma ou duas peças de cada gabinete, o que o impede a utilização desses gabinetes desde Segunda-Feira, dia 19/07/2021.

g)-Os trabalhadores que removeram os bens do local, afirmaram à Dona da Obra que iriam levar apenas as peças danificadas e que, após isso, recolocariam tudo antes da Segunda Feira, 19/07/2021, para garantir a inauguração e o início da utilização do espaço.

h)-Apesar disso, tais trabalhadores, aparentemente pertencentes ao V/ subempreiteiro A., nada repararam e nada recolocaram até hoje, e além disso destruíram parte do trabalho já executado e deixaram um rasto de vandalismo prepositado.

i)-A obra foi abandonada em estado de inacabada e

j)-Vandalizada com indícios de vandalização dolosa.

k)-Tanto mais que o V/ subempreiteiro, invocou para o efeito (não sabemos se bem ou mal) dividas vossas relativas a esta obra e a outras (também nada sabemos da eventual veracidade disto) .

1)-O que sabemos é que, em consequência disto, estamos obrigados a trabalhar parcialmente no local e com muitas limitações e dificuldades.

m)-E que fomos forçados a contratar nova entidade para reparar os danos e completar o que falta fazer e que é da V/ responsabilidade.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no ponto 16 das Condições Gerais da Empreitada, dos artigos 432', n° 1 e 436° n° 1, ambos do Código Civil, procedemos por esta via à resolução com justa causa do contrato de empreitada em referência, entre nós celebrado em 15 de Fevereiro de 2021.

A presente resolução contratual é feita sem prejuízo do nosso direito à indemnização pelos danos causados com o vosso incumprimento e abandono da obra, e pelo pagamento das penalidades previstas no n° 11, alínea e) das CGE, no valor de 154.875,00 (= 525.000/1000x5x59 dias).”

A alínea dd) dos factos provados mantém-se inalterada.

As alíneas ff) e gg) transitam para os factos não provados.

É aditado aos factos não provados o seguinte:

18)–A comunicação de resolução referida em cc) ocorreu face aos atrasos da autora na execução da obra.

**

Considerando as alterações introduzidas à matéria de facto e procedendo esta Relação à enunciação por ordem cronológica da sucessão dos acontecimentos, para uma melhor percepção dos actos praticados (considerando que na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que se considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção[32]), com a necessária renumeração e introduzindo correcções/aditamentos em função dos elementos documentais existentes nos autos (designadamente nas alíneas m), q), ee), hh) e nn)), os factos provados e não provados a considerar são os seguintes:
a)-A autora é uma empresa industrial que se dedica ao desenho, fabrico e montagem de móveis, revestimentos e outros produtos com madeira e derivados de madeira, na qual centra a sua actividade principal.
b)-A R. dedica-se à consultoria, gestão e manutenção de edifícios públicos e particulares, construção civil e obras públicas, remodelações, consultoria, comércio de materiais de construção, arquitectura, gestão e exploração de empreendimentos turísticos e hoteleiros, também como actividade lucrativa.
c)-No âmbito das respectivas actividades, em 8 de Março de 2021, a A. apresentou à R. o orçamento GF_2116I relativo ao fornecimento e montagem de carpintarias destinadas à obra dos escritórios Grupo Madre, sita no edifício Campo ..... – nº ... – piso ..., do C..... G....., em L_____, de cuja remodelação a R. estava incumbida pelo proprietário no âmbito da sua actividade profissional.
d)-O orçamento apresentado referido em c) tinha como observações “Com Adjudicação até 8/3 conclusão até 21/5”.
e)-A R. aceitou o orçamento a 9 de Março de 2021, no valor total de 123.102,79 €.
f)-O preço deveria ser pago pela ré: 30% na data da adjudicação dos trabalhos e os restantes pagamentos por auto de medição mensais.
g)-Os trabalhos a realizar pela A. incluíam mão-de-obra e materiais.
h)-Nos termos do contrato celebrado entre as partes, a A. obrigou-se a executar os trabalhos que lhe tinham sido adjudicados pela R. até ao dia 21 de Maio de 2021.
i)-Nos termos do referido contrato a R. obrigou-se a liquidar 30% do valor do orçamento na adjudicação dos trabalhos à A., o que fez, sendo os pagamentos subsequentes feitos no prazo de 30 dias após a aprovação do respectivo auto de medição.
j)-O prazo de conclusão da subempreitada indicado em h) foi condição essencial para a adjudicação dos trabalhos pela R. à A., dado que, enquanto empreiteira desta obra, a R. assumiu igualmente obrigações, entre as quais o prazo de execução da empreitada até esse dia 21 de Maio 2021.
k)-Nos termos impostos pela R., “antes da execução dos trabalhos, o adjudicatário obrigar-se-á a apresentar à consideração da direção de obra amostras/documentação técnica de todos os materiais e acessórios a instalar, tudo sujeito a aprovação para início dos trabalhos”.
l)-Os trabalhos subcontratados à A. deveriam seriam efectuados de acordo com o planeamento inicial elaborado pela R., nos termos constantes do documento junto a fls. 83 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
m)-A 16 de Março de 2021, a R. enviou à A. o planeamento com entrada da A. em obra a 12 de Abril, ao qual a A. respondeu, por mensagem de correio electrónico de 19 de Março de 2021, com o seguinte teor:

“Após analisarmos o planeamento partilhado e contemplando a nossa entrada a 12 abril e saída a 21 de maio, atendendo à ordem de trabalhos somos forçados a informar que não iremos conseguir entrar na data por vós prevista. Estamos já partilhar com a Gisela... esta informação pois, acima de tudo, queremos manter a transparência e, ao mesmo tempo, pedir a vossa colaboração neste tema, para em que conjunto, possamos encontrar uma solução ou comprar mais tempo ao vosso cliente.

Este arrastar de datas pesa sobretudo, como vimos na visita à obra, os acesso irão condicionar o transporte de material, o que por uma lado leva a um repensar da modulação dos itens orçamentados e, por outro, torna todo o processo de montagem mais moroso. A acrescentar ainda existem alguns pontos que ainda estão a ser fechados o que não nos permite fechar os desenhos de preparação.

Neste momento e com a informação que temos estamos a considerar entrar em obra dia a 3 de maio e sair a 5 junho.

Aguardamos o vosso feedback,”
n)-Em 19 de Março de 2021, a autora, através da mensagem de correio electrónico referida em m) informou não conseguir entrar na obra na data prevista e propôs outras datas para o efeito.
o)-Durante os meses de Março e Abril de 2021 a ré introduziu alterações nas peças desenhadas e escritas no projecto, obrigando a autora a proceder a alterações aos desenhos técnicos necessários à produção das carpintarias.
p)-Em 31 de Março de 2021, 2 de Abril de 2021, 7 de Abril de 2021 e 22 de Abril a A. remeteu à Directora de Produção da R., os emails com o conteúdo dos documentos juntos a fls. 78 verso a 79 verso, 80 verso, 81 e 82 verso cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
q)-Em 7 de Maio de 2021 a A. remeteu à Directora de Produção da R., a mensagem de correio electrónico com o conteúdo do documento junto a fls. 84 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde refere que de acordo com o cronograma estava prevista a sua entrada no dia 4/5, mas devido à falta de condições em obra, entraram com o mobiliário apenas no dia 5/5, não estando os gabinetes por onde deveriam iniciar em condições, pelo que houve que reprogramar os trabalhos, a iniciar apenas a 10 de Maio.
r)-A ré alertou a autora, por diversas vezes, para a necessidade de terminar os trabalhos de carpintaria em função dos prazos previstos para o término da obra, dando conta de possíveis prejuízos para si caso tal não sucedesse.
s)-A autora executou a globalidade das peças de carpintaria contratadas, que colocou na obra, mas não cumpriu o prazo referido em j).
t)-No final de Junho de 2021, a A. elaborou o respectivo auto com os trabalhos realizados, aprovado pela R., e emitiu a factura nº 200.
u)-O auto de medição de Junho de 2021 foi aprovado por A. e R..
v)-A 30 de Junho de 2021, indicando como data de vencimento a mesma data, a autora emitiu a factura 2021/200, no valor de 23 037,06 €, referente ao auto mensal dos trabalhos realizados no mês de Junho, que remeteu à ré, que não a devolveu.
w)-Em 7 de Julho de 2021, a R. informou a A. de que era necessário proceder a várias rectificações nos mais variados locais da obra.
x)-Posteriormente, mantendo-se defeitos, a ré, através de mensagens de correio electrónico dirigidas à autora, com datas de 8 de Julho de 2021, 10 de Julho de 2021, 11 de Julho de 2021 e 14 de Julho de 2021, voltou a pressioná-la para que aqueles fossem corrigidos, tendo a autora procedido apenas a algumas reparações exequíveis no local.
y)-Várias peças fabricadas pela A. e colocadas na obra foram reclamadas pela R. por apresentarem defeitos.
z)-Após a analisar as reclamações, a A. concluiu que das peças reclamadas, apenas 18 peças tinham defeito, tendo procedido à sua imediata substituição, rejeitando qualquer responsabilidade na reparação das demais situações, por entender que foram danificadas por responsabilidade da R..
aa)-Relativamente às peças danificadas cuja responsabilidade rejeitou a A. propôs-se a realizar esse trabalho extraordinário, reparando as peças desde que a R. assumisse o pagamento do custo dessa reparação.
bb)-A A., no fim-de-semana anterior à mudança dos serviços da Madre para as novas instalações, solicitou autorização para ir à obra desmontar algumas peças que tinham sido mal executadas para as levar para reparação.
cc)-Sendo que, depois de ter as peças em seu poder, exigiu o pagamento imediato do valor de todos os trabalhos, e, ainda, uma quantia pela reparação dessas peças.
dd)-Tais peças já tinham sido colocadas e entregues ao dono da obra e este autorizou que fossem retiradas apenas por lhe ter sido garantido pela Arquitecta Ana..., legal representante da A., que eram levadas com o único intuito de serem reparadas e recolocadas em 48 horas, de forma a ficar tudo pronto para que a Madre pudesse ocupar as instalações a partir da segunda-feira seguinte, para o que já tinha feito a mudança nesse fim de semana.
ee)-Em 13 de Julho de 2021 a A. remeteu à R., uma mensagem de correio electrónico com o seguinte conteúdo:

“Boa Tarde Henrique,

No seguimento da reunião de ontem propomos a execução dos trabalhos em anexo nos próximos dias 15,16 e 17 a partir das 8:30H com duração até ás 20h.

Na sequência das diversas tentativas de contacto telefónico e por email aguardamos o pagamento das 3 facturas vencidas :

Perante a ausência do pagamento das mesmas até a data somos obrigados a condicionar os trabalhos acima propostos, até ao pagamento das mesmas.

Caso o pagamento seja realizado até amanha ás 15h, estaremos na Obra da Madre no dia 15,16,17, caso contrário não teremos condições para realizar os mesmos.

Relembro que a Gotflow já forneceu 100% dos artigos contratados e estamos apenas a preparar afinações e retificações, como tal é nos devido o pagamento da Fact 200 assim como das outras facturas referentes a outra obra também já concluída.

Agradeço assim a sua compreensão e celeridade no pagamento.”
ff)-Em 15 de Julho de 2021, a A. elaborou um auto referente aos trabalhos realizados no mês de Julho e emitiu a factura 204, que enviou à R..
gg)-A R. não aprovou o auto de medição referente à factura n.º 204/2021 emitida pela A..
hh)-A 15 de Julho de 2021, indicando como vencimento a mesma data, a A. emitiu a factura 2021/204, no valor de € 28.913,93, e por referência o auto de obra referente à produção e montagem de carpintaria dos escritórios Madre no Campo ..... em L_____, que remeteu à R..
ii)-A A. fez depender a correcção dos defeitos enunciados do pagamento das facturas referidas em v) e hh).
jj)-A R. não pagou à A. os valores titulados nas facturas supra, pese embora a insistência da A..
kk)-Após os factos referidos em bb), a A. remeteu à ré, em 17 de Julho de 2021, às 17h38, uma mensagem de correio electrónico com o seguinte conteúdo:

“Concluímos agora a primeira fase das reparações da obra do escritório do grupo Madre, que consistiu na recolha das peças a reparar.

Tendo já o número correto final das peças a reparar, concluímos que o valor desta reparação, a suportar pela Inovbuild, será de 12.720€.

De modo a avançarmos de imediato para a correção das peças e montagem das mesmas em obra, agradecemos que seja transferido o valor global em falta, devido pelo nosso trabalho, num total de 72. 110,26 €, já incluindo estes 12.720€.

Assim que confirmemos a receção da valor em conta, avançaremos com a reparação e instalação das peças recolhidas, assim como às afinações finais referidas anteriormente.

Atentamente,”
ll)-A autora corrigiu alguns dos defeitos reclamados pela ré consistentes em afinações e rectificações no local da obra, mas os demais, designadamente as peças retiradas do local, mantiveram-se sem reparação.
mm)-A retirada das peças pela autora e a sua não recolocação referidas nas alíneas bb), cc) e ll) impediu que a ré entregasse a obra à dona de obra na data prevista para a inauguração (19 de Julho de 2021).
nn)-A Madre – Empreendimentos Turísticos, S. A. dirigiu à ré uma carta, entregue em 10 de Agosto de 2021, com o seguinte teor:

“Pela nossa carta (adjudicação n° 1/2021), datada de 15 de Fevereiro de 2021, foi-vos adjudicada a obra de remodelação interior de escritórios do ...° piso do edifício CG ..., no Campo ....., n° ... - ....-... L____.

Por declaração da mesma data, V. Exas. aceitaram a referida adjudicação com todas as suas condições gerais e especiais.

Das vossas obrigações contratualmente assumidas relevam na presente situação:

a)-A obrigação de iniciarem os trabalhos em 20 de Fevereiro de 2021;

b)-A obrigação de terminarem os trabalhos em 21 de Maio de 2021;

c)-Não subempreitar total ou parcialmente os trabalhos adjudicados sem nossa autorização escrita.

Acrescenta o contrato que, sendo dada tal autorização, V. Exas. como Empreiteiro continuam a ser a única entidade responsável, quer perante a Dona da Obra, quer perante as entidades públicas.

Por outro lado, é essencial num contrato a execução e entrega da obra conforme contratualizado.

No plano factual, verificaram-se os seguintes factos:

a)-A obra em 21 de Maio de 2021 não estava concluída;

b)-V. Exas estavam avisados e conhecedores de que a nossa Empresa tudo planificou no sentido de, o mais tardar até 19 de Julho de 2021, ter todos os seus serviços instalados no CG Nº... e aí exercer todas as actividades sem qualquer limitação ou restrição;

c)-Essa empresa jamais pediu suspensão de contagem do prazo contratualizado, nem por motivos de força maior, nem por qualquer outro motivo;

d)-Subcontrataram parte da empreitada numa outra Empresa a A., sem qualquer autorização escrita da nossa parte;

e)-No fim de semana de 17 e 18 de Julho, a pretexto da necessidade de reparação de algumas peças em oficina alguns trabalhadores afectos à obra removeram e levaram portas, tampas e forras, que até hoje não foram restituídas. Nem reparadas, nem por reparar.

f)-Removeram peças que nem necessitavam de ser reparadas, tendo a remoção sido feita de forma selectiva, já que foram retiradas uma ou duas peças de cada gabinete, o que o impede a utilização desses gabinetes desde Segunda-Feira, dia 19/07/2021.

g)-Os trabalhadores que removeram os bens do local, afirmaram à Dona da Obra que iriam levar apenas as peças danificadas e que, após isso, recolocariam tudo antes da Segunda Feira, 19/07/2021, para garantir a inauguração e o início da utilização do espaço.

h)-Apesar disso, tais trabalhadores, aparentemente pertencentes ao V/ subempreiteiro A., nada repararam e nada recolocaram até hoje, e além disso destruíram parte do trabalho já executado e deixaram um rasto de vandalismo prepositado.

i)-A obra foi abandonada em estado de inacabada e

j)-Vandalizada com indícios de vandalização dolosa.

k)-Tanto mais que o V/ subempreiteiro, invocou para o efeito (não sabemos se bem ou mal) dividas vossas relativas a esta obra e a outras (também nada sabemos da eventual veracidade disto) .

l)-O que sabemos é que, em consequência disto, estamos obrigados a trabalhar parcialmente no local e com muitas limitações e dificuldades.

m)-E que fomos forçados a contratar nova entidade para reparar os danos e completar o que falta fazer e que é da V/ responsabilidade.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no ponto 16 das Condições Gerais da Empreitada, dos artigos 432', n° 1 e 436° n° 1, ambos do Código Civil, procedemos por esta via à resolução com justa causa do contrato de empreitada em referência, entre nós celebrado em 15 de Fevereiro de 2021.

A presente resolução contratual é feita sem prejuízo do nosso direito à indemnização pelos danos causados com o vosso incumprimento e abandono da obra, e pelo pagamento das penalidades previstas no n° 11, alínea e) das CGE, no valor de 154.875,00 (= 525.000/1000x5x59 dias).”
oo)-A Madre não efectuou o pagamento à R. das últimas facturas desta obra n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278, as quais perfazem o valor de 70035,70 €.
pp)-A obra da Madre constituía uma obra de referência para a R., dada a sua localização no centro de Lisboa e a importância da cliente Madre para o futuro da R., que tinha a expectativa de voltar a executar outros trabalhos para aquela.

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Factos não provados:
1)–Não se provou que o orçamento referido c) tivesse sido apresentado a pedido da R..
2)–Não se provou que os trabalhos deveriam ser liquidados na data da emissão da factura.
3)–Não se provou que a obra da A. teve início a 27 de Abril de 2021, nem que só nessa data a R. possibilitou à A. que entrasse na obra.
4)–Não se provou que os trabalhos foram concluídos pela A. a 10 de Julho de 2021.
5)–Não se provou que à data da emissão da factura referida em v) a obra estivesse concluída.
6)–Não se provou que a Madre recusou o pagamento das facturas referidas em oo).
7)–Não se provou que apenas a 23 de Março de 2021 a R. liquidou os 30% do valor da adjudicação, nem que em 17 de Junho de 2021 tivesse liquidado os trabalhos realizados no mês de Maio.
8)–Não se provou que a autora realizou as correcções/substituições reclamadas pela ré aos trabalhos executados.
9)–Não se provou que imediatamente após a adjudicação a R. procedeu a sucessivas alterações ao projecto, obrigando a A. a redesenhar várias vezes as peças e não aprovando as preparações da A., designadamente ao nível dos desenhos técnicos e materiais, atrasando constantemente a actividade de produção das carpintarias.
10)–Não se provou que durante o mês de Março a R. realizou alterações ao cronograma geral da obra, nem que em função dessas alterações obrigou a A. a alterar sucessivamente o planeamento e o cronograma dos seus trabalhos.
11)–Não se provou que por acordo entre A. e R. o prazo de conclusão dos trabalhos foi adiado para 28 de Maio de 2021.
12)–Não se provou que a R. não concluiu as paredes, tectos e pavimentos de acordo com o cronograma por si estabelecido, impedindo a A. de confirmar e rectificar as medidas dos móveis em obra na data prevista.
13)–Não se provou que a R. se obrigou a concluir todos os trabalhos referentes aos tectos falsos, revestimento de paredes e pavimentos e pinturas, antes da entrada da A. na obra, disponibilizando-lhe os locais limpos e prontos a receberem as carpintarias.
14)–Não se provou que na data referida em ff) a obra da A. estava concluída, nem que o auto de medição tivesse sido aprovado pela R..
15)–Não se provou que na data referida em ff) faltava apenas realizar afinações e rectificações finais nas carpintarias.
16)–Não se provou que a R. seja conhecida no mercado por não pagar aos fornecedores.
17)–Os trabalhos a que se refere o auto de medição de Junho de 2021 apresentaram vários defeitos, cuja correcção foi solicitada pela R. à A. e que esta recusou fazer.
18)–A A., a par da desmontagem das peças que necessitavam de reparação, desmontou outras que não necessitava de correcção de defeitos e destruiu alguns dos trabalhos executados.
19)–Os factos descritos em nn) fizeram com que esta expectativa se frustrasse, dada a quebra de confiança da cliente Madre na R..
20)–A imagem da R. perante a Madre ficou denegrida pela actuação da A..

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3.2.2.-Do (in)cumprimento do contrato e obrigação de pagamento do preço

A sentença recorrida absolveu a ré do pedido deduzido pela autora por entender que o pagamento da factura 2021/200 só era exigível no dia 30 de Julho de 2021, pelo que aquela não podia recusar o cumprimento das prestações com fundamento na sua falta de pagamento e quanto à factura n.º 2021/204, porque não existia fundamento para a sua emissão, não estando concluída a obra, pelo que o pagamento não era exigível; mais considerou que a autora incumpriu o contrato por ter condicionado a execução dos trabalhos em falta ao pagamento das facturas; quanto à ré, entendeu que não havia lugar à excepção de não cumprimento do contrato porque a sua prestação (pagamento) não era devida à data em que a autora cessou os trabalhos.

Considerou-se ainda na decisão recorrida que a autora não cumpriu o prazo de execução, não executou a obra sem defeitos e não concluiu os trabalhos, o que conduziu à resolução do contrato de empreitada, facto que lhe é imputável e tornou impossível a sua prestação, daí que a ré tenha ficado desobrigada da sua contraprestação, o pagamento dos montantes peticionados e que correspondem aos trabalhos que não executou.

A apelante insurge-se contra o assim decidido reiterando que os atrasos na execução da obra se ficaram a dever à falta de condições na obra e alterações introduzidas pela ré, que as facturas deveriam ser pagas na data de emissão e que a ré não a informou de todas as condicionantes da obra, sendo ela quem violou a boa fé na execução do contrato, mais refutando que tenha tornado a prestação impossível, pois a prestação já estava executada, argumentação que, porém, pressupunha que, nessa parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida tivesse merecido provimento, o que não sucedeu.

Refere, contudo, que, mesmo admitindo que os trabalhos subjacentes à factura n.º 2021/204 não foram efectuados, quanto à factura n.º 2021/200, os trabalhos foram entregues e aceites, pelo que a ré nunca poderia ser absolvida do seu pagamento; e que, mantendo-se inalterada a matéria de facto, a solução deveria ter sido a redução do preço, nos termos do art.º 1222º do Código Civil.

A recorrida entende que o Tribunal recorrido aplicou de forma correcta os art.ºs 227º, 405º, n.º 1 e 762º do Código Civil, pois a autora incumpriu a prestação a que estava adstrita, não terminou a obra, não tendo devolvido as peças que retirou, o que levou a que a dona da obra não a aceitasse e resolvesse o contrato, pelo que o cumprimento do contrato de subempreitada se tornou impossível.

Não vem discutida em sede recursória a tipicidade do contrato que emerge dos autos em função da factualidade que surge como provada.

Assim, não existe dissídio quanto ao facto de entre a autora/recorrente e a ré/recorrida ter sido acordado o fornecimento e montagem de carpintarias, no contexto da empreitada de remodelação dos escritórios do Grupo Madre, em Lisboa, de que a ré era a empreiteira geral, tal como descrito em c) dos factos provados, mediante o pagamento de retribuição, ou seja, um preço.

O contrato mediante o qual se acorda na realização duma obra, fornecendo o seu executante os materiais necessários para a sua efectivação, é um contrato de empreitada.

O requisito essencial no contrato de empreitada é a realização de uma obra – cf. Fernando Baptista de Oliveira, Contratos Privados – Das Noções à Prática Judicial, Vol. II, 2ª Edição Revista e Ampliada, pág. 638.

Neste caso, tal como resulta dos factos provados, a ré obrigou-se a executar a obra de remodelação dos escritórios do Grupo Madre, para o que celebrou com a autora o contrato em referência nos autos, para a execução dos trabalhos de carpintaria, pelo que se está perante uma subempreitada, cujos pressupostos são a existência de um contrato prévio, nos termos do qual o empreiteiro se vincula a realizar uma obra e a celebração de um segundo negócio jurídico, mediante o qual um terceiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar toda ou parte da mesma obra – cf. art.º 1213º do Código Civil.

Os contratos de empreitada e subempreitada não se unificam num único negócio jurídico, mantendo-se distintos e individualizados, ainda que prossigam, por regra, uma finalidade económica comum, mas estando o segundo subordinado ao primeiro.

A subempreitada tem uma tipologia idêntica à empreitada, aplicando-se-lhe as mesmas regras, ainda que, por vontade das partes, possa ficar sujeita a cláusulas diferentes das do contrato base. O empreiteiro fica colocado na posição de dono da obra e o subempreiteiro na posição de empreiteiro. No entanto, persiste uma necessária cooperação entre subempreiteiro e empreiteiro na prossecução do interesse do dono da obra – cf. Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada, Coimbra 1994, pp. 124-125; João Serras de Sousa, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada Ana Prata (Coord.), pág. 1557.

Também quanto ao contrato de subempreitada deve reconhecer-se que se trata de um contrato sinalagmático (dele emergem obrigações recíprocas), oneroso (o esforço económico é suportado por ambas as partes e há vantagens correlativas para ambas), comutativo (a obrigação de realização da obra tem como contrapartida o dever de pagar o preço) e consensual (a validade das declarações negociais depende do mero consenso das partes), em que o empreiteiro (subempreiteiro) assume a obrigação de realizar uma obra - prestação de facere –, de acordo com um plano e com características previamente definidas no conteúdo contratual acordado com o dono da obra (empreiteiro), assumindo este a obrigação do pagamento do respectivo preço – cf. art. 1207º do Código Civil.

O contrato de empreitada caracteriza-se por ser bivinculante e sinalagmático, pois que dá origem a obrigações recíprocas, ficando as partes, simultaneamente, na situação de devedores e de credores e coexistindo prestações e contraprestações.

Integra o sinalagma a realização e entrega da obra por parte do empreiteiro e o pagamento do preço acordado, contraprestação, por parte do dono da obra.

O empreiteiro desonera-se da obrigação a que está adstrito quando executa o plano acordado e procede à efectivação da entrega da obra sem quebra dos compromissos fixados no plano contratual.

Característica essencial do contrato de empreitada é a existência de um preço.

No entanto, não se trata propriamente de um preço, mas antes da retribuição devida ao empreiteiro pelo serviço prestado ao dono da obra, pois que o contrato de empreitada não envolve uma compra e venda, ainda que, em algumas situações, ocorra no seu contexto a aquisição de um direito sobre a obra e a favor do respectivo dono – cf. José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume III – Contratos em Especial (artigos 874º a 1250º) 2014, pág. 415.

Quando o preço é determinado por acordo das partes pode ser fixado por várias formas, que são deixadas na disponibilidade dos intervenientes (com excepção do que diz respeito às empreitadas de obras públicas).

Assim, o preço pode ter sido determinado de um modo global, designado preço a forfait, a corpo ou per aversionem, em que este é ajustado para a totalidade da obra, de modo que o montante acordado corresponde à realização de todos os trabalhos necessários à execução da obra prevista, tal como sucedeu neste caso, face ao conteúdo da proposta aceite pela autora – cf. alíneas c) e d)) dos factos provados – cf. Pedro Romano Martinez, op. cit., pp. 105-107.

A recorrente deduziu a presente acção considerando que executou integralmente a obra, corrigiu os defeitos, sendo-lhe devido o preço, pelo que pede a condenação da ré no pagamento das facturas n.ºs 2021/200 e 2021/204.

A ré sustentou que a autora não executou os trabalhos contratados, não concluiu a obra e os trabalhos realizados apresentavam defeitos, de que reclamou e que aquela não corrigiu, para além do que a autora fez depender a correcção das anomalias do pagamento da factura nº 200 quando esta ainda não era devida e que não tinha de pagar enquanto a autora não corrigisse os defeitos, sendo que a factura n.º 204 nunca foi aprovada, porque os trabalhos a que se reporta não foram executados.

Importa, assim, enquadrar juridicamente as vicissitudes apuradas relativamente à execução desta subempreitada para aferir se o respectivo preço – ou parte dele, atinente às facturas n.ºs 200 e 204 – é devido.

É sabido que o incumprimento definitivo da obrigação pressupõe sempre uma situação de mora no cumprimento por uma das partes e concretiza-se pela perda do interesse do credor na prestação, apreciada em termos objectivos, ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável que lhe tenha sido fixado e comunicado pelo credor – cf. art.ºs 801.º e 808.º do Código Civil.

Por outro lado, o cumprimento da obrigação supõe que a prestação do devedor é realizada nos seus precisos termos, pois, de contrário, haverá mora ou incumprimento definitivo do devedor, por exemplo se a prestação se tornou impossível ou inviável.

O incumprimento é imputável ao devedor se puder atribuir-se a uma sua conduta voluntária, caso em que será responsável pelos prejuízos que causar ao credor – cf. art.ºs 798º e 801º, n.º 1 do Código Civil.

Estando em causa um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolvê-lo – cf. art.º 801º, n.º 2 do Código Civil.

Baptista Machado, in “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, pág. 348 esclarece:

“(…) O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem:

a)-O incumprimento definitivo, propriamente dito;

b)-A impossibilidade de cumprimento;

c)-A conversão da mora em incumprimento definitivo – art.º 808.º, n.º 1, do C. Civil;

d)-A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não;

e)-E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso.” – apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-01-2017, processo n.º 148/14.4TVPRT.P1

Qualquer desvio entre a execução do contrato e o programa contratual constitui um inadimplemento, mas para que este possa sustentar um direito de resolução terá de assumir suficiente gravidade.

A importância da obrigação violada deve ser fixada por referência ao interesse do credor, sendo que o relevo do interesse afectado pelo incumprimento, ainda que determinado em função do sujeito, deve ser avaliado objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer outra pessoa.

O incumprimento definitivo pode verificar-se por ter sido inobservado o prazo fixo essencial determinado para a prestação; ou por ter o credor, em consequência da mora da outra parte, perdido o interesse que tinha na prestação ou por, encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor – cf. art. 808.º, n.º 1 do Código Civil.

Contudo, a doutrina e a jurisprudência têm considerado que existem situações em que a simples mora equivale a incumprimento definitivo, impondo-se, contudo, a necessidade de uma declaração de não-cumprimento séria, honesta, precisa e definitiva, associando-se a essa declaração séria e inequívoca de não cumprir, feita pelo devedor, o vencimento antecipado ou a desnecessidade de interpelação – cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, IX – Direito das Obrigações – Cumprimento e Não-cumprimento, Transmissão, Modificação e Extinção, 3ª Edição Totalmente Revista e Aumentada, 2019, pp. 259-266.

Verificando-se tal situação de declaração inequívoca de não cumprimento, o contrato tem-se como definitivamente incumprido independentemente de o credor fazer a interpelação admonitória ao devedor ou de perder ou não o interesse, objectivamente avaliado, no cumprimento retardado da prestação, de tal modo que a recusa (ou declaração) séria, certa, segura e antecipada de não cumprir (ou o comportamento inequívoco demonstrativo da vontade de não cumprir ou da impossibilidade antes do tempo de cumprir) equivale ao incumprimento (antes do termo), dispensando a interpelação admonitória – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4-02-2010, processo n.º 4913/05.5TBNG.P1.S1 e de 9-12-2010, processo n.º 3803/06.9TBAVR.C1.S1; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-11-2019, processo n.º 1594/14.9TJVNF.1.G1 – “É “o interesse do credor que deve servir como ponto de referência para o efeito de apreciação da gravidade ou importância do inadimplemento […] constitui fundamento para a resolução do contrato a violação grave do princípio da boa-fé, que abrange os deveres acessórios de conduta, como nos casos em que o comportamento do devedor evidencie uma clara e inequívoca vontade de não cumprir. Esta clara vontade de não cumprir pode não ser expressa, admite-se que possa resultar de um declaração negocial tácita, de comportamentos concludentes apreensíveis pela atuação da parte inadimplente, em função dos deveres coenvolvidos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos atos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objetivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor – por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento – esteja atido à vontade lassa do devedor.””

Tal sucede no caso de o devedor declarar ou manifestar através do seu comportamento (v. g., abandonando a obra), de forma absoluta, inequívoca e peremptória o seu propósito de não cumprir, pois que em tais situações, manifestando o devedor de modo evidente que não irá cumprir a prestação a que se obrigou, é despiciendo obrigar o credor a notificá-lo para cumprir, quando sabe desde logo que isso não irá suceder – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6-02-2007, processo n.º 06A4749; do Tribunal da Relação do Porto de 1-02-2011, processo n.º 932/08.8TBPFR.P1; de 28-01-2008, processo n.º 0753641 e de 13-05-2021, processo n.º 1697/17.8T8MTS.P2; do Tribunal da Relação de Guimarães de 4-04-2019, processo n.º 173/17.3T8AVV.G1.

Há incumprimento definitivo da execução total ou parcial da obra por banda do empreiteiro, com a consequente responsabilidade pelos prejuízos decorrentes da inexecução, e não simples mora no cumprimento que obrigue o dono da obra à fixação do prazo admonitório previsto no art. 808.º, n.º 1, do Código Civil, quando o empreiteiro manifestar que não quer cumprir ou que não cumprirá, podendo essa manifestação resultar de declaração expressa ou de actos concludentes da sua parte (cf. art.º 217º do Código Civil).

O abandono da obra revela-se pelo “comportamento do empreiteiro que, após ter iniciado a execução dos trabalhos de realização da obra a que se vinculou, por iniciativa unilateral, cessa essa execução de um modo e/ou durante um período de tempo revelador, de forma concludente, que é sua intenção firme não retomar aqueles trabalhos, deixando a obra inacabada”, ou seja, revela-se por um comportamento de recusa do empreiteiro a cumprir integralmente a prestação a que se obrigou, equiparando-se a um incumprimento parcial definitivo da obrigação de realizar a obra contratada – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2021, processo n.º 2209/14.0TBBRG.G3.S1.

A apelante sustentou que cumpriu integralmente a execução dos trabalhos contratados e que a obra foi entregue, tendo ainda procedido à correcção das anomalias apontadas, pelo que o preço lhe é devido, o que a ré refuta referindo que os trabalhos não foram concluídos e a obra não foi aceite, porque foram detectadas múltiplas anomalias que não foram corrigidas, donde se depreende que invoca um incumprimento (definitivo) do contrato, mas não retira qualquer conclusão quanto ao destino das prestações (ainda que parciais) efectuadas, visando apenas, a final, excepcionar o pagamento, o que entende conduzir à sua absolvição.

Importa, desde já, afastar a confusão entre entrega material da obra pelo comitente, o que pressupõe que este a considera efectuada, e a sua aceitação pelo dono da obra.

No caso em apreço há que ter em atenção os seguintes factos apurados:

  • A autora executou a globalidade das peças de carpintaria contratadas, que colocou na obra;
  • No final de Junho de 2021 foi elaborado o auto com os trabalhos realizados, que foi aprovado pela ré e permitiu a emissão da factura n.º 200;
  • Em 7 de Julho de 2021, a ré informou a autora que era necessário proceder a várias rectificações em variados locais da obra;
  • A ré enviou diversas mensagens à autora solicitando a correcção dos defeitos;
  • A autora reparou e substituiu algumas das peças que tinham defeito e rejeitou a sua responsabilidade quanto às demais, mas propôs-se realizar esse trabalho, desde que a ré assumisse o custo da reparação;
  • No fim-de-semana anterior à data prevista para a inauguração da obra, a autora, com a autorização da ré, concedida no pressuposto de que seriam recolocadas em obra no prazo de 48 horas, desmontou peças que tinham sido mal executadas para as levar para reparação;
  • Tendo-as em seu poder, exigiu o pagamento imediato do valor de todos os trabalhos e da reparação, fazendo depender a correcção do pagamento das facturas n.ºs 200 e 204, esta por si emitida em 15 de Julho de 2021, mas sem auto de medição aprovado pela ré;
  • A ré não pagou as facturas e a autora não corrigiu os defeitos;
  • A retirada das peças, sem a sua recolocação, impediu que a ré entregasse a obra à dona de obra na data de 19 de Julho de 2021.

Está, pois, demonstrado que a autora executou a globalidade dos trabalhos contratados pela ré e colocou as peças de carpintaria na obra, o que deu lugar, aliás, à competente vistoria por parte da recorrida, que originou a comunicação da existência de múltiplos defeitos, que cumpria reparar.

Assim, toda a série de acontecimentos que culminaram na retirada de peças da obra com vista à reparação, sem que a autora tivesse procedido à sua recolocação, teve lugar depois de a autora colocar à disposição da ré a obra por si executada.

Com efeito, após a conclusão da obra, o empreiteiro tem o dever acessório de a colocar à disposição do seu dono, com vista a que este a possa examinar, a fim de verificar se se encontra realizada em conformidade com o acordado, ou seja, sem defeitos.

Colocada a obra à disposição do dono, este tem o direito de a examinar para proceder a tal verificação, findo o que deve comunicar o respectivo resultado ao empreiteiro, daí podendo resultar a aceitação ou não da obra – cf. art.º 1218º, n.ºs 1 e 4 do Código Civil.

Como refere João Cura Mariano, “apesar desta comunicação ser uma declaração juridicamente diversa da declaração de aceitação ou não aceitação da obra, o sentido desta última está dependente do conteúdo daquela, pelo que esse sentido é muitas vezes obtido através da interpretação da comunicação dos resultados do exame, a qual vale também como declaração tácita ou expressa de aceitação ou não aceitação da obra” – cf. Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2011 4ª Edição Revista e Aumentada, pág. 80.

Detectados defeitos durante o exame, o dono da obra tem o ónus de informar o empreiteiro da sua existência. Essa comunicação de defeitos pode justificar uma recusa do recebimento da obra ou a sua aceitação com reservas, podendo o dono da obra optar entre aceitá-la ou não a aceitar, sendo que a aceitação, com ou sem reservas, tem consequências contratuais, designadamente, em sede de transferência da propriedade da obra e vencimento do preço – cf. art.ºs 1212º e 1211º, n.º 2 do Código Civil.

Na situação sub judice, verificada a obra, a ré comunicou à autora múltiplos defeitos e solicitou a sua reparação, o que fez em diversas ocasiões, insistindo pela colocação da obra em conformidade e de modo a poder ser aceite pelo dono da obra – cf. alíneas w), x), y), z), dd), ll) dos factos provados.

Tal comunicação não pode deixar de equivaler, in casu, a uma recusa de recebimento da obra (a ré apenas estava obrigada a aceitar a obra, depois de esta se encontrar concluída e sem defeitos), pois que a ré considerou que a prestação da autora não estava plenamente realizada, em consonância com o que foi convencionado ou projectado e sem vícios que excluíssem ou reduzissem o seu valor, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou contratualmente previsto.

Na verdade, a comunicação em que o dono da obra transmite ao empreiteiro os resultados da sua verificação, nos termos do previsto no art.º 1218º, n.º 4 do Código Civil, consiste numa declaração que equivale a uma denúncia, quando nela se indicam os defeitos concretos de que a obra padece, caso em que se deve considerar a obra como não aceite, salvo indicação em contrário.

A comunicação dos defeitos efectuada no acto de recusa ou de aceitação da obra com reservas conduz, em qualquer dos casos, a uma situação de cumprimento defeituoso da obrigação, que seguirá as regras do art.° 1218 e seguintes do Código Civil – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3-05-2007, processo n.º 820/06-3.

Assim, o que releva aqui distinguir é a entrega material da obra executada pela autora – que ocorreu com a colocação de todas as peças no edifício e realização de vistoria pela ré – da sua aceitação pela dona da obra (no caso, a empreiteira no contexto do contrato base) - que não ocorreu.

Essa diferença é claramente explicada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-09-2015, processo n.º 477/07.3TCGMR.G1.S1, onde se refere:

“[…] a comunicação consiste numa declaração, mediante a qual o dono da obra transmite ao empreiteiro os resultados da sua verificação, em conformidade com o disposto pelo artigo 1218º, nº 4, do CC, sendo certo que quando nela se indicam os defeitos concretos de que a obra padece, o comitente está a proceder a uma denúncia, devendo, então, a obra considerar-se como não aceita, salvo indicação em contrário. […]

A aceitação não goza de autonomia conceitual, sendo certo que não deve confundir-se com a entrega material da obra, porque importa a declaração negocial do comitente de que a obra foi efectuada, nos termos contratuais, a contento do mesmo, “correspondendo, simultaneamente, à entrega material acrescida do reconhecimento de que a obra foi realizada nos termos acordados”, razão pela qual da pura entrega material da coisa se não pode concluir ter a obra sido concluída sem defeito, porquanto ela não representa uma declaração de execução, conforme ao contrato, no que respeita à inexistência de vícios.

Na verdade, o próprio pagamento do preço, salvo disposição legal ou contratual em contrário, não corresponde a uma aceitação tácita da obra […]”.

Finalizadas as obras contratadas, tendo a ré invocado várias deficiências, estava-se então, ao momento em que a autora não reparou as peças retiradas do local nem as recolocou a tempo da inauguração prevista para o dia 19 de Julho de 2021 [importa notar que, apesar do vertido na alínea j), é evidente que a essencialidade do prazo inicial – 21 de Maio de 2021 – está afastada, pois que a dona da obra foi aceitando o protelamento da data de entrega, admitindo a prorrogação dos trabalhos (fruto, certamente, também, das alterações que foram sendo introduzidas no projecto – cf. alíneas o) a r)), pelo que o não cumprimento dessa data inicial não assume sequer relevância para a determinação das consequências a apurar em face do comportamento da autora)], perante uma situação de cumprimento defeituoso, em virtude de a obra ter sido realizada, com deformidades e vícios, não correspondendo a prestação ao resultado a que a autora estava obrigada.

Conforme resulta dos factos descritos nas alíneas w, x), y), dd) e ll) sabe-se que a autora não procedeu à reparação dos defeitos reclamados pela ré após a vistoria aos trabalhos entregues.

Perante isso impõe-se constatar que ocorreu um incumprimento, traduzido em cumprimento defeituoso por parte da autora na execução da subempreitada, dado que não cumpriu integralmente a prestação a que estava vinculada, pois não executou a obra isenta de vícios, como se lhe impunha e não diligenciou pela total reparação das anomalias, incumprimento que se presume culposo – cf. art.ºs 798º e 799º, n.º 1 do Código Civil.

Com efeito, o cumprimento inexacto é aquele em que a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como resulta do contrato e do princípio geral da correcção e boa fé, sendo que a inexactidão pode traduzir-se tanto numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou na sua falta de qualidade.

De acordo com o disposto no art. 1208º do Código Civil, são considerados defeitos os vícios que excluam ou reduzam o valor da obra, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, e as desconformidades com o que foi convencionado. As deficiências podem ocorrer quer nos materiais utilizados pelo empreiteiro, quer nas operações de aplicação destes, seja pela incorrecção do método adoptado, seja pela deficiente execução (note-se que, apesar do alegado, a autora não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si recai quanto à existência dos defeitos).

Perante este cumprimento defeituoso a questão que se coloca é a de saber se a ré podia recusar o pagamento das facturas quando a autora o exigiu como condição da reparação dos defeitos e se, apurando-se a licitude dessa recusa, o pagamento continua a não ser devido.

Ora, nos termos do disposto no art.º 1211º, n.º 2 do Código Civil o preço deve ser pago, na falta de cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra, em respeito pelo princípio da simultaneidade das prestações no contrato em apreço: aceitação da obra - pagamento do preço.

Contudo, subsiste a questão de saber se pode a ré invocar a não correcção dos defeitos para paralisar a pretensão da autora quanto ao recebimento do preço em falta.

A excepção de não cumprimento consiste na recusa de executar a sua prestação por parte de um dos contraentes, nos contratos bilaterais, quando o outro a reclama, sem, por sua vez, ter ele próprio executado a respectiva contraprestação.

O excipiente suspende a sua prestação, até à realização da contraprestação pela outra parte. Esta encontra-se numa situação de não ter realizado a sua prestação, quando já o devia ter feito.

A exceptio non adimpleti contractus é uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem a alega.

O excipiente apenas se opõe à exigência de cumprimento da sua obrigação feita pelo outro contraente, enquanto este não realizar ou não oferecer a realização simultânea da contraprestação a que, por seu turno, está adstrito. Limita-se à recusa da sua prestação enquanto se mantiver a situação de recusa de cumprir por parte do outro contraente. Apenas o neutraliza, ou melhor, apenas o paralisa temporariamente.

Consequentemente, o seu efeito principal é o direito à suspensão da exigibilidade da sua obrigação, que se manterá enquanto se mantiver a recusa de cumprimento da parte contrária, sem com isso o excipiente incorrer em mora.

É sabido que para que a excepção funcione é necessário que não estejam fixados prazos diferentes para cumprir, pois devendo uma ser cumprida antes da outra, a exceptio não teria razão de ser. No entanto, “mesmo estando o cumprimento das prestações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá sempre ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro”. Além disso, funciona quer em caso de falta integral do cumprimento, como para situações de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé – cf. Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pp-405-406.

No contrato de empreitada, enquanto contrato sinalagmático que é, as prestações de uma e outra parte, ainda que de natureza diferente, estão ligadas pelo nexo sinalagmático próprio dos contratos bilaterais. Assim, o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação enquanto não se aprestar a cumprir adequadamente a sua prestação.

O direito à suspensão da exigibilidade do preço manter-se-á apenas enquanto o devedor se recusar a cumprir o que foi acordado. Os efeitos da excepção são assim temporários, sendo um meio de defesa da ré para obter a execução do contrato nos termos que foram acordados. Não extingue o direito ao recebimento do preço, sendo apenas uma simples recusa provisória de cumprimento da obrigação respectiva por parte do excipiente.

Contudo, a excepção do não cumprimento apenas pode ser validamente exercida se, no caso, a ré ainda tiver o direito à reparação, ou à redução do preço – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-02-2015, processo n.º 2036/13.2TBVFR.P1.

No que diz respeito à situação aqui em apreço há que notar a diversidade de situações relativamente à pretensão da autora de obter o pagamento de cada uma das facturas aqui em causa.

Quanto à factura n.º 2021/200 referida em v), com data de emissão de 30 de Junho de 2021, acompanha-se a decisão recorrida no segmento em que considerou que o seu valor apenas seria exigível a partir do dia 30 de Julho de 2021, porquanto, ao contrário do que sustentou a apelante, o pagamento foi acertado entre as partes para ter lugar no prazo de 30 dias (cf. alínea i)).

Assim, quando em 13 de Julho de 2021 a autora fez condicionar os trabalhos de reparações ao pagamento das facturas, entre elas a factura n.º 200 (cf. alínea ee)), tal pagamento não era ainda devido por não ter ocorrido o respectivo vencimento, assim como não o era em 17 de Julho de 2021, pela mesma razão (cf. alínea kk)) – cf. art.ºs 777º a contrario e 805º, n.º 2, a) do Código Civil.

No entanto, não obstante as vicissitudes que, após essa data, afectaram a relação contratual em referência, o vencimento dessa factura entretanto ocorreu e há que aferir se, neste momento, o respectivo valor é devido.

Na decisão recorrida entendeu-se que não seria devida a factura por a prestação da autora se ter tornado impossível, em face da resolução do contrato de empreitada celebrado entre o dono da obra e a ré, por factos que àquela eram imputáveis, considerando-se a ré desobrigada do seu pagamento com base no art.º 795º do Código Civil (norma atinente ao regime da impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor).

Não se acompanha este entendimento.

A propósito da fixação do preço no âmbito do contrato de empreitada há que ter em conta que, devendo o preço ser pago no acto da aceitação da obra, como regra de aplicação supletiva, atento o disposto no art.º 1211º, n.º 2 do Código Civil, nada obsta à existência de cláusula em contrário.

A fixação do preço pode ser feita através de várias modalidades, do que acima já se deu conta: i) por preço global, a corpo, a forfait ou per aversionem, em que o preço é fixado no momento da celebração do contrato; ii) por artigo (o preço é fixado em função do número de artigos produzidos); iii) por medida (o preço final varia em função, por exemplo, do número de metros que resultar da medição feita após a conclusão da obra; iv) por tempo de trabalho (sendo acordada uma tarifa diária); ou por administração ou percentagem – cf. Pedro Romano Martinez, op. cit., pp. 106-107; João Serras de Sousa, op. cit., pág. 1553.

No caso em presença, como decorre dos factos provados, foi fixado um preço global, mas as partes escalonaram o respectivo pagamento, em prestações diversas, à medida que a execução da obra fosse progredindo, pois que, após a adjudicação, o preço seria pago no prazo de 30 dias após a aprovação dos autos de medição, que teriam lugar mensalmente – cf. alíneas e), f), i) dos factos provados.

Sabido é que o dono da obra pode recusar pagar a prestação devida (parte ou até a totalidade do preço ainda não satisfeito), se o empreiteiro interromper a execução da obra sem causa justificativa, ou se ela se não processar, segundo o ritmo estipulado, assim como, não se mostrando a obra executada em conformidade com o devido, enquanto os respectivos vícios não forem eliminados, e que o empreiteiro pode suspender a empreitada na falta de pagamento de uma das prestações devidas no decurso da obra – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-09-2015, processo n.º 477/07.3TCGMR.G1.S1; Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição Revista e Actualizada, pág. 800.

Embora à data em que a autora condicionou a execução das reparações ao pagamento a factura n.º 2021/200 não fosse ainda devida, certo é que no final de Junho de 2021 foi elaborado o auto com os trabalhos realizados, aprovado pela ré, e que permitiu a emissão daquela factura pelo valor nela consignado (cf. alíneas t), u) e v)).

Consequentemente, não obstante os defeitos depois detectados e na falta de prova de que estes tinham que ver com os trabalhos que justificaram a emissão dessa factura e na ausência da formulação de um pedido de redução do preço por parte da ré, que, a ser deferido, afectasse o preço global fixado e o escalonamento do pagamento tal como foi fixado pelas partes, o valor constante da factura n.º 2021/200 é devido (até porque não resultou demonstrado que relativamente aos trabalhos a que se reporta o auto de medição de Junho de 2021 tenham sido reclamados defeitos – cf. ponto 17) dos factos não provados).

Note-se que a invocação em sede de contestação da excepção de não cumprimento do contrato não tem aqui qualquer viabilidade, seja porque relativamente à factura n.º 200 nem sequer se colocava a existência de defeitos por reparar, seja porque, quanto à factura n.º 204, a reparação em falta não se mostra hoje possível, havendo que reconhecer um incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos, o que impede o funcionamento dessa excepção, que tem natureza meramente temporária e visa, precisamente, a execução do contrato, no caso já totalmente arredada.

Com efeito, tendo o dono da obra posto termo ao contrato de empreitada (com ou sem razão, o que aqui não releva), tornou-se impossível o cumprimento da prestação pela autora, dado que o contrato de subempreitada é um subcontrato em relação ao contrato de empreitada, ou seja, uma relação obrigacional que está condicionada à existência contemporânea do contrato base, ainda que os dois contratos mantenham uma autonomia estrutural; o subempreiteiro tem por função realizar prestações a que o empreiteiro se vinculou pelo contrato de empreitada, pelo que o desaparecimento deste tira razão de ser àquele – cf. Pedro Romano Martinez, O Subcontrato, Coimbra 1989, págs. 119 e 129.

De todo o modo, ainda que assim não fosse, sempre se teria de ter presente que a factura n.º 2021/200 se reporta a um valor que foi aprovado pela ré e reconhecido como sendo devido a partir do momento em que aprovou o auto de medição de Junho de 2021, o que, se não invalida, como argumenta a recorrida, que após a aprovação possam ser ainda denunciados defeitos, no caso tal não se comprovou.

Assim, dentro do plano de escalonamento do pagamento do preço global, a factura n.º 2021/200 é devida, ainda que, posteriormente, os trabalhos de reparação não tenham sido concluídos, como infra se analisará.

Já no que diz respeito à factura n.º 2021/204 a solução será diversa.

Como se disse, o pagamento foi escalonado, em prestações sucessivas, à medida que a execução da obra progredisse, sendo que cada prestação dependia da medição dos trabalhos e aprovação pela ré, o que não se verificou no final da obra, tendo a factura n.º 2021/204 sido emitida sem ter subjacente um auto de medição aprovado ou a aceitação da obra.

Como decorre do atrás exposto, a ré não aceitou a obra porque recusou o seu recebimento através da reclamação dos defeitos que apontou e cuja rectificação solicitou, sendo que, também como se explanou, o dono da obra tem de aceitar ou não aceitar a obra, quando esta é posta à sua disposição para verificação.

É sabido que perante o incumprimento do contrato, onde se inclui o cumprimento defeituoso, o dono da obra terá de seguir a ordem estabelecida nos art.ºs 1221º, 1222º e 1223º do Código Civil, ou seja, exercer o direito de exigir a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos, exigir o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados, exercer o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, ou o direito à indemnização, nos termos gerais.

O direito à eliminação dos defeitos referido no art.º 1221º, n.º 1 do Código Civil existe quer o dono da obra a tenha aceitado, quer a tenha recusado após a verificação da existência de defeitos. Além disso, no âmbito da subempreitada, o empreiteiro após a entrega da obra pelo subempreiteiro, caso verifique a existência de defeitos, pode, de imediato, proceder à sua denúncia e exercer os direitos decorrentes dos art.ºs 1221º a 1225º do Código Civil, previamente à entrega da obra ao seu dono – cf. João Cura Mariano, op. cit., pág. 191; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-09-2021, processo n.º 1184/19.0T8VRL.G1 – “as consequências do cumprimento defeituoso da prestação por parte do subempreiteiro repercutem-se necessariamente no contrato de empreitada e desencadeiam reações do dono da obra perante o empreiteiro que, por sua vez, tem de reagir junto do subempreiteiro. O empreiteiro, após a entrega da obra pelo subempreiteiro, caso verifique a existência de defeitos pode de imediato proceder à sua denuncia e exercer os direitos que são atribuídos nos artigos 1221º a 1225º do Código Civil”.

Mas importa ter presente a natureza desse direito.

Atente-se, pois, na explanação que consta do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3-05-2007, processo n.º 820/06-3:

“O direito à eliminação dos defeitos, sendo uma das possíveis consequências legais sancionatórias do cumprimento inexacto da prestação do empreiteiro, traduz-se num direito à reparação do dano inerente ao cumprimento defeituoso.

O cumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos está sujeito às regras gerais das obrigações, nomeadamente as que respeitam ao lugar e tempo de cumprimento, atento o facto de estarmos perante uma obrigação de indemnização em espécie derivada de responsabilidade contratual.

O início das obras de reparação e o seu termo devem ocorrer num prazo razoável, tendo em consideração as características dessas obras, nada obstando a que o dono da obra fixe esses prazos aquando da interpelação ou posteriormente, podendo conferir ou não carácter admonitório a essa interpelação. Se a interpelação não tiver esse cariz, a ultrapassagem do prazo fará o empreiteiro incorrer em simples mora no cumprimento da obrigação de eliminar os defeitos. Caso a fixação de prazo contenha inequivocamente a advertência de que o seu decurso determinará o fim da possibilidade do próprio empreiteiro proceder às obras de reparação, a ocorrência desse facto determinará o incumprimento definitivo dessa prestação (art° 808° n° 1 do CC). O mesmo ocorrerá se, entretanto o dono da obra perder o interesse na sua realização, devendo essa perda ser apreciada objectivamente.”

Como explica João Cura Mariano, sendo uma das consequências legais sancionatórias do cumprimento inexacto da prestação do empreiteiro, o direito à eliminação dos defeitos traduz-se “num direito à reparação do dano, inerente ao cumprimento defeituoso. Não estamos perante um meio de efectivação da prestação devida (um direito ao cumprimento), mas sim perante um sucedâneo deste, ao qual se recorre para compensar o dono da obra do dano sofrido com a sua realização defeituosa. É um verdadeiro direito de indemnização, na sua modalidade de reconstituição natural, através do qual se visa remover integralmente o prejuízo causado, estabelecendo-se a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º, do C.C.)” – cf. op. cit., pág. 99.

Como sucede com qualquer indemnização em espécie, tal direito deixa de ser exigível caso seja impossível ou se revele desproporcionado – cf. art.º 566º, n.º 1 e 1221, n.º 2 do Código Civil.

A impossibilidade de eliminação do defeito pode ser física ou jurídica, quando existe impedimento legal à realização das obras de reparação.

Na situação sub judice, já se mencionou que ao momento em que a ré exigiu à autora a eliminação dos defeitos, esta não podia recusar-se a tanto com base na falta de pagamento de facturas que ainda não se mostravam vencidas, assim como nessa data tal eliminação era possível, porque se mantinha em vigor o contrato de empreitada.

Atente-se que estando o cumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos sujeito às regras gerais das obrigações, designadamente quanto ao lugar e tempo de cumprimento, o dono da obra pode fixar um prazo para a reparação e conferir-lhe carácter admonitório; se este prazo, sendo peremptório, não for observado, ocorre o incumprimento definitivo da prestação (de eliminação dos defeitos) - cf. art.º 808º, n.º 1 do Código Civil; João Cura Mariano, op. cit., pp. 100-101.

Após a entrega da obra pela autora, apurou-se a seguinte tomada de posição da ré:

  • Em 7 de Julho de 2021 a ré informou a autora que era necessário proceder a várias rectificações, tendo reclamado de peças colocadas na obra que apresentavam defeitos;
  • Reiterou a necessidade de correcção dos defeitos apontados em mensagens de 8, 10, 11 e 14 de Julho de 2021;
  • A ré corrigiu algumas situações no local, substituiu algumas peças e quanto às demais entendeu que os danos não eram da sua responsabilidade, mas propôs-se realizar esse trabalho mediante pagamento do respectivo custos;
  • A dona da obra ia mudar-se para as novas instalações numa segunda-feira (19 de Julho de 2021) e no fim-de-semana anterior a autora pediu autorização para desmontar algumas peças mal executadas, para reparar, tendo a ré autorizado porque lhe foi garantido que seriam recolocadas em 48 horas, de modo a ficar tudo pronto na segunda-feira;
  • A autora levantou as peças e exigiu o pagamento das facturas para proceder à sua reparação, pagamento que a ré não efectuou, não tendo as peças sido recolocadas e não podendo a ré entregar a obra na data prevista para a inauguração.

Do circunstancialismo descrito parece claro que a ré apenas autorizou o levantamento das peças já executadas e colocadas no local para que fossem reparadas durante o fim-de-semana de 17 e 18 de Julho de 2021, devendo a autora voltar a colocar as peças, depois de reparadas, nesse mesmo fim-de-semana e de modo a que a inauguração tivesse lugar no dia 19 de Julho de 2021.

Trata-se, como se depreende, de um prazo fixo, isto é, a eliminação dos defeitos dessas peças cujo levantamento foi autorizado deveria ser cumprida impreterivelmente durante o fim-de-semana mencionado, passado o qual o interesse do credor já não poderia ser satisfeito.

Com efeito, ainda que não exista uma convenção clara nesse sentido, a própria finalidade da prestação revela essa imperatividade do prazo – cf. neste sentido, Ana Prata, Código Civil Anotado, pág. 1051.

Incumprida a prestação nesse momento, deve reconhecer-se que ocorreu por parte da autora o incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos – cf. art.º 808º, n.º 1 do Código Civil

Em todos os casos em que não se procedeu à eliminação do defeito (ou à construção de nova obra) – seja, por impossibilidade, desproporção relativamente ao proveito do dono da obra, ou pelo seu incumprimento definitivo por parte do empreiteiro, em consequência do não acatamento e interpelação admonitória, de recusa ou insucesso na prestação ou perda de interesse do dono da obra – o dono da obra tem direito à redução do preço contratado, desde que a obra, apesar dos defeitos, não deixe de ter utilidade para ele.

O exercício do direito de redução pressupõe que se mantém um interesse do dono da obra nesta, apesar dos defeitos e pressupõe a sua aceitação. Em alternativa, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina, o dono da obra tem o direito de resolver o contrato, nos termos do art.º 1222º, n.º 1 do Código Civil – cf. João Cura Mariano, op. cit., pág. 105 e 110.

Todavia, a ré, confrontada com o incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos, não exerceu nenhum destes direitos, ou seja, não formulou uma pretensão de redução do preço, nem alegou que a obra se tornou inadequada ao fim a que se destina, emitindo declaração de resolução do contrato, pois que se limitou a invocar a excepção de não cumprimento do contrato para evitar o pagamento do preço.

Contudo, o art.º 1222º, n.º 1 do Código Civil confere apenas ao dono da obra direitos subsidiários para a hipótese do direito de eliminação dos defeitos ou de construção de nova obra não terem sido satisfeitos, por qualquer motivo, ou seja, dele não decorrem consequências específicas para o não cumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos. Significa isto que o accionamento do mecanismo previsto para o incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos, imputável ao empreiteiro, é alternativo, relativamente à utilização dos direitos de redução do preço ou de resolução do contrato de empreitada.

Assim, a ré podia optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato ou efectuar a reparação ou reconstrução da obra pelos seus meios ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos.

Como refere João Cura Mariano, “o incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (art.º 798º do C.C.)”, o que, neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efectuadas pelo dono da obra ou por terceiro, indemnização que não está abrangida nas previstas no art.º 1223º do Código Civil que se destinam a compensar os prejuízos não ressarcidos pelo exercício dos direitos de eliminação, redução do preço ou resolução do contrato – cf. op. cit., pág. 125.

No entanto, a ré não alegou ter procedido à reparação dos defeitos, por si ou por terceiro, sendo evidente, conforme decorre do atrás explanado, que se inviabilizou tal reparação, porquanto deixou de ter qualquer utilidade face à resolução do contrato de empreitada por parte da Madre, S. A..

Aquilo que a ré pretende é não pagar as últimas fracções do preço ainda em dívida e corporizadas nas facturas n.ºs 200 e 204.

Ora, não se pode deixar de ter em atenção que se está perante um cumprimento parcial da obrigação, porque, conforme se viu, existiram autos de medição aprovados e valores pagos, sendo que, a final, ocorreu o incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos, que se inviabilizou, não podendo sequer a ré proceder à reparação e fazer recair sobre a autora o respectivo custo.

A propósito da cessação do contrato de empreitada, refere Pedro Romano Martinez que tendo o empreiteiro realizado parte da obra, tornando-se impossível terminá-la, “ele exonera-se entregando a obra parcialmente efectuada, devendo o preço ser reduzido na proporção do que foi executado (art.º 793º, n.º 1, do CC)”, caso em que a contraprestação do dono da obra será determinada em função do valor do trabalho realizado, dos materiais fornecidos pelo empreiteiro e do lucro deste, proporcionalmente reduzido.

Além disso, ainda que o dono da obra possa resolver o contrato se não tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação (cf. n.º 2 do art.º 793º), há que ter presente o estatuído no art.º 1227º, segunda parte do Código Civil, de onde decorre que o empreiteiro tem direito a ser indemnizado pelo trabalho executado e pelas despesas realizadas, norma em que, segundo refere o autor, se consagra uma regra de repartição do risco – cf. Da Cessação do Contrato, 2017 – 3ª Edição, pág. 520; João Serras de Sousa, op. cit., pág. 1582, esclarecendo que a aplicação do preceito (1227º) visa tutelar a posição jurídica do empreiteiro, afastando a aplicação do art.º 795º, e não depende de qualquer utilidade que o dono da obra venha a retirar do trabalho e despesas já realizadas.

Face ao circunstancialismo descrito, não cumprida a obrigação de eliminação dos defeitos e verificada a impossibilidade de a ré a ela proceder e fazer recair sobre a autora os respectivos custos, pela similitude da situação, deve adoptar-se a solução que está prevista para as situações de impossibilidade parcial de cumprimento de uma obrigação por causa não imputável ao devedor – cf. art.º 793º do Código Civil.

Com efeito, os factos apurados não permitem aferir o que se passou posteriormente à data prevista para a inauguração, sabendo-se apenas que a dona da obra enviou à ré a carta cujo teor se mostra transcrito na alínea nn), onde, de facto, refere que a resolução que comunica se baseia também, mas não só, nos factos atinentes à retirada das peças e sua não recolocação, mas de onde também decorre que a dona da obra se transferiu para o local e que terá reparado o que ficou por reparar, mas, na verdade, nada se apurou sobre a correspondência do conteúdo dessa carta com a realidade, sendo que a relação existente entre a dona da obra e a ré não foi objecto de discussão e prova no âmbito destes autos.

Assim, não tendo resultado provado que a cessação do contrato de empreitada ocorreu por força do comportamento da autora, designadamente, por via do incumprimento da obrigação de eliminar os defeitos, não é possível assacar-lhe a responsabilidade pela impossibilidade dessa eliminação.

Admitindo-se que os escritórios onde a Madre, S. A. instalou a sua sede são aqueles onde a obra decorreu, sabendo-se que a autora apenas retirou peças para reparar (sobretudo as peças lacadas e riscadas, como decorre amplamente da audiência de julgamento), o que significa que no local ficaram todos os caixotes e demais peças que suportavam esses lacados (tampos), deve aceitar-se que a prestação parcial correctamente efectuada pela autora extinguiu uma parte proporcional da obrigação, ou seja, apenas relativamente à parte não cumprida se hão-de aplicar os efeitos do não cumprimento (incumprimento definitivo), decorrente da mencionada impossibilidade – cf. ainda que a propósito da impossibilidade imputável ao devedor, João Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I – Pressupostos da Resolução por Incumprimento, pp. 168-169.

Como tal, porque a ré se pretende eximir do pagamento das facturas n.ºs 200 e 204, mas não veio requerer a resolução do contrato, e porque, mesmo a fazê-lo, se teria de considerar que, tratando-se de contrato de execução prolongada, a resolução motivada por impossibilidade não tem efeito retroactivo, extinguindo-se o contrato, nessa parte, por caducidade[33], afigura-se adequado, perante o incumprimento definitivo por parte da autora em proceder à eliminação dos defeitos e perante a impossibilidade de a eles proceder por banda da ré, que o preço da empreitada seja reduzido à parte executada e aprovada pela ré – cf. art.º 793º do Código Civil.

Assim, a ré deverá proceder ao pagamento da factura n.º 2021/200, mas não lhe é exigível o pagamento da factura n.º 2021/204, porque os trabalhos não foram correctamente concluídos pela autora.

Sobre o valor da factura n.º 2021/200 incidirão os juros de mora, calculados desde a data do seu vencimento, com base nas normas relativas a dívida comercial (cf. alíneas a) e b) dos factos provados), com base nas taxas mensalmente fixadas por Aviso da Direcção Geral do Tesouro, conforme Portaria n.º 597/2005, de 19 de Julho – cf. art.ºs 804º, 805º, n.º 2, a) e 806º do Código Civil e art.ºs 10º e 102º do Código Comercial.

Procede parcialmente, nesta parte, a apelação.

*

3.2.2.–Da reconvenção

A ré, sustentando que foi o incumprimento da autora que determinou o seu incumprimento do contrato de empreitada perante a dona da obra, conforme a carta de resolução referida em nn), invoca a existência de prejuízos que consistem na indemnização que a Madre, S. A. lhe está a exigir (no valor de 190 496,25 €) e no montante das facturas n.ºs 1/280, 1/279 e 1/278 que emitiu e que a dona da obra se recusa a pagar, no valor total de 70 035,70 €; mais alegou que a sua imagem ficou denegrida e que tinha a expectativa de executar outros trabalhos para a Madre, S. A., o que não sucedeu e, com base nisto, pediu a condenação da autora/reconvinda no pagamento da quantia 70 035,70 € referente aos prejuízos directos e 5 000,00 € e pelos danos não patrimoniais. Mais deduziu um pedido de indemnização de danos futuros, correspondentes a eventuais indemnizações que a ré seja condenada a pagar à Madre, S. A. devido ao incumprimento do contrato de empreitada, a liquidar supervenientemente.

A 1ª instância entendeu estar demonstrado que a autora, por ter incumprido o contrato celebrado com a ré, deu causa à resolução do contrato de empreitada, mas considerou que a ré não provou os motivos da recusa do pagamento das facturas pela dona da obra ou que tivesse pago a factura relativa à penalidade que esta lhe terá aplicado, pelo que, presumindo a sua culpa na responsabilidade pelos danos, mas não havendo elementos para fixar o quantum indemnizatório relativamente aos danos directos, que dependem das quantias que a ré venha a ter de liquidar ou que deixe de receber da dona da ora, condenou-a no pagamento das quantias correspondentes às indemnizações que a ré seja condenada a pagar à empresa Madre, S. A. e daquelas que deixe de receber desta, decorrentes do incumprimento do contrato de subempreitada.

A recorrente discorda deste entendimento referindo que se a recorrida não demonstrou os motivos da recusa do pagamento das facturas pela dona da obra ou a penalidade a aplicar, não existe nexo causal entre o invocado incumprimento da subempreitada e os alegados danos, pelo que não deve haver condenação a esse título, para além do que não é possível relegar para liquidação a demonstração do dano futuro meramente hipotético, pois apenas os danos previsíveis podem ser objecto de quantificação posterior, pelo que o pedido reconvencional deve ser julgado totalmente improcedente.

Decorre do disposto no art.º 798° do Código Civil que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, surgindo a obrigação de indemnizar pelo interesse contratual negativo, a fim de colocar o dono da obra na situação em que estaria se não tivesse celebrado o negócio, devendo a indemnização ser calculada de acordo com as regras gerais da obrigação de indemnização – cf. art.º 562º e seguintes do Código Civil.

Incumprida a obrigação de eliminação dos defeitos, a indemnização há-de dizer respeito apenas a outros prejuízos que não sejam os derivados da eliminação de defeitos da obra ou de redução do preço (cf. art.º 1223º do Código Civil), sob pena de um duplo ressarcimento pelo mesmo facto.

Aquilo que a ré/reconvinte pretende é ser ressarcida pelas vicissitudes ocorridas na sua relação contratual com a dona da obra – alegada aplicação de uma multa e falta de pagamento das facturas por si emitidas, na sequência da comunicação da resolução desse contrato.

Em consonância com o acima expendido, apesar de não existirem relações contratuais directas entre o dono da obra e o subempreiteiro, estando em causa contratos distintos, seguro é que ambos prosseguem uma finalidade comum, encontrando-se ligados por um vínculo funcional, pelo que as vicissitudes ocorridas na execução de um podem repercutir-se no outro, mas não há dúvida que o subempreiteiro apenas se substitui na execução material da prestação do empreiteiro e não na sua posição jurídica, pelo que não se vincula perante o dono da obra – cf. João Cura Mariano, op. cit. página 186.

Assim, as consequências do cumprimento defeituoso da prestação por parte do subempreiteiro não serão indiferentes às repercussões que tal incumprimento assuma no contrato base.

A ré/reconvinte veio sustentar que foi o incumprimento da autora que determinou a resolução do contrato de empreitada e com isso a aplicação de uma penalidade que lhe teria sido determinada pela dona da obra e a falta de pagamento das facturas referidas em oo).

Contudo, tal nexo de causalidade não ficou demonstrado, como resulta da decisão que incidiu sobre a impugnação da matéria de facto.

Não foram concretamente apuradas as razões que determinaram a Madre, S. A. a comunicar a resolução do contrato de empreitada.

Mais do que isso, mesmo aceitando-se que a resolução do contrato ocorreu porque a autora não reparou as peças e não as colocou na obra a tempo da inauguração prevista para o dia 19 de Julho de 2021, ainda assim sempre restaria por demonstrar os prejuízos que a ré vem invocar.

Com efeito, apesar de provado que a dona da obra não pagou as facturas referidas em oo) tal não significa que não o venha a fazer, para além de ser totalmente desconhecido o motivo por que não efectuou esse pagamento.

Por outro lado, a alusão a aplicação de uma penalidade não basta para comprovar que essa penalidade foi exigida ou paga pela ré, o que não se demonstrou.

O art.º 564º do Código Civil estatui que “1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. 2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.”

O dano, prejuízo, resultante de facto ilícito culposo, causado a alguém, é condição essencial à obrigação de indemnizar.

O prejuízo pode consistir em dano emergente, ou perda patrimonial, que abrange o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado na ocasião da lesão; e em lucro cessante, que contempla os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito. O n.º 1 do mencionado art.º 564º abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando aqueles uma diminuição efectiva e actual do património e estes traduzindo não um aumento do património, mas a frustração de um ganho.

Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultarem para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do evento danoso.

Para a indemnização do dano futuro a lei prevê a sua previsibilidade.

“Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. O dano futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá. No caso contrário, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível, não sendo indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer. O dano previsível certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível. Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético, podendo conhecer vários graus. O dano certo pode ser determinável quando pode ser fixado com precisão o seu montante, ou indeterminável, quando aquele valor não é possível de ser verificado antecipadamente à sua verificação. Para efeitos do nº 2 do art. 564º do CC, são indemnizáveis não só os danos futuros previsíveis certos, como os futuros eventuais em que se possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer. […] Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis. O dano é futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá a sua ocorrência. Por seu turno, os danos previsíveis são ainda enquadrados em duas categorias: os certos e os eventuais. Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, como infalível e dano futuro eventual o que no momento em que se formula o respectivo juízo se revela como meramente possível, incerto ou hipotético.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8-09-2020, processo n.º 248/19.4T8PNF.P1.

Serão indemnizáveis os danos futuros previsíveis certos e os futuros eventuais, mas em relação aos quais se possa prognosticar que o prejuízo venha a acontecer.

O dano futuro relativamente ao qual não se possa prever que irá acontecer, não passa de um receio, que não é indemnizável antecipadamente.

Para que tenha lugar uma condenação genérica é necessário que os factos apurados não permitam ao tribunal determinar o quantum indemnizatório devido por via desses prejuízos, mas pressupõe que estejam provados os factos relativos ao dano sofrido.

Com efeito, mesmo nos casos em que o autor tenha quantificado a sua pretensão – como aqui sucede -, a acção pode terminar com uma sentença de teor genérico ou ilíquido, desde que, tendo sido apurada a existência do direito e da correspondente obrigação, os elementos de facto sejam insuficientes para a quantificação, ainda que com recurso à equidade – cf. art.º 609º, n.º 2 do CPC.

Todavia, uma sentença de condenação ilíquida pressupõe a demonstração de que existe um direito, que apenas carece de concretização susceptível de ser alcançada ainda através do subsequente incidente de liquidação (cf. art.º 358º e seguintes do CPC) – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 729.

Ora, neste caso, não se detecta a prova de nenhum dano futuro, relativamente ao qual falte apenas a respectiva determinação.

Na verdade, a circunstância de a dona da obra ter comunicado a resolução do contrato de empreitada e ter invocado a penalidade a aplicar em tal situação não significa que esta tenha sido concretamente aplicada ou que exista um qualquer procedimento com vista à sua cobrança, sequer uma qualquer interpelação judicial dirigida à ré para proceder ao seu pagamento, sendo que no conteúdo da carta referida em nn), a Madre, S. A. consignou apenas não prescindir do direito a indemnização por danos causados pelo incumprimento e pagamento das penalidades previstas no contrato (e que sequer foram aqui alegadas e demonstradas).

De igual modo, o facto de a dona da obra ainda não ter procedido ao pagamento das facturas referidas em oo) não permite prognosticar que não o virá a fazer, quando nem sequer estão apuradas as circunstâncias em que se verificou essa falta de pagamento e menos ainda foi alegado ou demonstrado que a ré a interpelou para o efeito.

Não é possível relegar para liquidação ulterior a demonstração de dano futuro meramente hipotético, pois que não estão em causa danos existentes.

Não é apenas a falta de determinação do valor exacto que está em causa, mas sim a própria existência de tais danos, porque são incertos e meramente hipotéticos. Com efeito, não está em causa um dano futuro previsível certo ou um dano futuro eventual, cujo grau de incerteza seja de tal modo que se possa prognosticar que o prejuízo venha a acontecer, pois que o que se revela nada mais é do que um receio da ré que os valores em referência não lhe sejam pagos ou a penalidade seja cobrada, temor que não pode ser indemnizado antecipadamente – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8-09-2020, processo n.º 248/19.4T8PNF.P1 supra mencionado.

Consequentemente, também aqui deve proceder a pretensão recursória, impondo-se a revogação da decisão recorrida, na parte em que julgou procedente a reconvenção e condenou a autora/reconvinda no pagamento das quantias correspondentes às indemnizações que a ré seja condenada a pagar à empresa Madre – Empreendimentos Turísticos S.A. e nas quantias que deixe de receber desta, com a sua consequente absolvição do pedido reconvencional.

Porquanto nenhum crédito foi reconhecido na esfera patrimonial da ré não há que apreciar a matéria da compensação por ela invocada (cf. art.º 847º do Código Civil e art.ºs 608º, n.º 3 ex vi art.º 663º, n.º 2 do CPC).

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Das Custas

De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas cada recurso, desde que origine tributação própria.

Uma vez que a pretensão recursória da recorrente merece parcial provimento, as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo de ambas as partes, autora/recorrente e ré/recorrida, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.

Em face do ora decidido impõe-se alterar a condenação em custas em 1ª instância, cuja responsabilidade deverá ser atribuída, quanto à acção, a ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento e, quanto à reconvenção, à ré – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 282 – “O resultado obtido no recurso de apelação pode determinar ainda uma modificação da decisão sobre custas que tenha sido proferida no tribunal a quo.”

*

IV–DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:
a.-Revogar a decisão recorrida no que diz respeito ao segmento da alínea a) do dispositivo e condenar a ré B no pagamento à autora A da factura n.º 2021/200, no valor de 23 037,06 € (vinte e três mil e trinta e sete euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados desde a data do seu vencimento, com base na taxa supletiva dos juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, mensalmente fixada por Aviso da Direcção Geral do Tesouro, conforme Portaria n.º 597/2005, de 19 de Julho, absolvendo-a do demais peticionado;
b.-Revogar a decisão recorrida no que diz respeito ao segmento da alínea b) do dispositivo e absolver a autora/reconvinda do pedido reconvencional.

Custas a cargo de apelante e apelada, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.

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Lisboa, 16 de Maio de 2023[34]



Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Alexandra Castro Rocha


[1]Adiante mencionado pela sigla CPC.
[2]Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[3]Sessão de 18 de Outubro de 2021 - cf. Ref. Elect. 140261266.
[4]Cf. Ref. Elect. 20145601.
[5]Junto em 18 de Outubro de 2022, com a Ref. Elect. 140261266.
[6]Cf. Ref. Elect. 133917797.
[7]Documento n.º 1 junto com a oposição.
[8]Cf. Documentos n.ºs 1 e 2 juntos com a réplica.
[9]Blog IPPC, entrada de 25-05-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=valora%C3%A7%C3%A3o+declara%C3%A7%C3%B5es+parte.
[10]Acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/As%20declaracoes%20de%20parte.%20Uma%20sintese.%202017.pdf.
[11]Em sentido diverso, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 309 – “A apreciação que o juiz faça das declarações de parte (se estas não constituírem confissão) é livre, nos termos do n.º 3; mas, como esta liberdade não equivale a arbitrariedade, a apreciação importará, as mais das vezes, apenas, como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas […]”
[12]Cf. Documento n.º 4 junto com a réplica.
[13]Cf. Cronograma enviado pela ré à autora, documento n.º 10 junto com a réplica.
[14]Cf. Documento n.º 6 junto com a réplica.
[15]Cf. Documento n.º 9 junto com a réplica.
[16]Cf. Documento n.º 9 junto com a réplica.
[17]Cf. documento n.º 3 junto com a réplica.
[18]Atente-se que a própria apelante, no artigo 30º da réplica refere que as alterações ocorreram até meados de Abril de 2021, não fazendo alusão ao mês de Maio, como ora vem sustentar.
[19]Cf. Documento n.º 11 junto com a réplica.
[20]Cf. Documentos n.ºs 7 e 8 da réplica.
[21]“[…] «[n]ão porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum»”.
[22]Não se desconhecendo, contudo, a possibilidade de se afirmarem juízos que densifiquem e concretizem uma realidade de facto, conforme se retira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017, relatora Fernanda Isabel Pereira, processo n.º 659/12.6TVLSB.L1-S1; no mesmo sentido, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, sustenta que a “chamada «proibição dos factos conclusivos» não tem hoje nenhuma justificação no plano da legislação processual civil; – cf. Matéria de facto; julgamento; “factos conclusivos”, Jurisprudência (785) 6-02-2018, acessível em Blog do IPPC https://blogippc.blogspot.com/search?q=jurisprud%C3%AAncia+%28785%29. No entanto, fá-lo referindo que tal como os temas de prova “não têm de (e, aliás, nem podem, nem devem) ser enunciados fora de qualquer enquadramento jurídico, também a resposta do tribunal à prova realizada pela parte não tem de ser juridicamente asséptica ou neutra” dando como exemplo que “sob pena de se cair num inaceitável formalismo, não pode constituir motivo de censura que o tribunal, depois de considerar provados determinados factos que consubstanciam a violação de deveres de cuidado, conclua que está demonstrada a negligência da parte”, o que revela que a afirmação de factos já com certa conotação jurídico-valorativa dependerá, contudo, da prova de factos que a suportem – cf. Jurisprudência (784) 5-02-2018, no referido Blog.
[23]Cf. Documento n.ºs 8 a 10 juntos com a oposição.
[24]Cf. Documento n.º 15 junto com a oposição.
[25]Cf. Documento n.º 9 junto com a oposição.
[26]Cf. Documentos n.ºs 10 e 14 junto com a oposição.
[27]Cf. Documento n.º 18 junto com a réplica e n.º 11 junto com a oposição.
[28]Cf. Documento n.º 15 junto com a oposição.
[29]Cf. Documento n.º 12 junto com a oposição.
[30]Cf. Documento junto em audiência, sessão de 20 de Outubro de 2022, Ref. Elect. 140289180.
[31]Documentos n.º s 18,19 e 20 juntos com a oposição.
[32]Cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, - Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 718.
[33]Que opera automaticamente no momento em que se verifica a impossibilidade – cf. Pedro Romano Martinez, Da Cessação…, pág. 519.
[34]Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.