Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17030/13.5T2SNT.L1-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
CENTRO COMERCIAL
CONDOMÍNIO DE PARTE DO PRÉDIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/12/2017
Votação: MAIORIA COM UM VOTO VENCIDO
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.É legalmente admissível a constituição de condomínios parcelares autónomos (mais exactamente, administrações autónomas de algumas das partes comuns do condomínio).

II.Essa autonomização tem de ser constituída por deliberação do condomínio global.
Não é suficiente para essa autonomização uma mera deliberação unilateral da parte autonomizada.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

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NESTES AUTOS DE EXECUÇÃO 

           
ENTRE:

CONDOMÍNIO DO CENTRO COMERCIAL... Exequente/Apelante


CONTRA


... – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, Ldª Executada/Apelada

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I–Relatório:


O Exequente intentou acção executiva para cobrança de 9.709,44 € referentes a quotização para o condomínio de JAN2011 a JUL2013, e juros, apresentando como título executivo as actas n.ºs 78 e 79 das Assembleias Gerais Orinárias, ocorridas em 31MAI2011 e 11JUL2012, do Exequente.

Tal execução foi rejeitada por falta de título executivo, na medida em que o Centro Comercial ... não é um condomínio quer porque ocupa áreas de quatro distintos edifícios constituídos em propriedade horizontal quer pela inexistência de qualquer título constitutivo enquanto condomínio autónomo.

Inconformada, apelou o Exequente concluindo, em síntese, por não ser manifesta a falta de título executivo, estar constituído como condomínio e nulidade da sentença.

Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.

Posteriormente veio o Apelante juntar uma decisão judicial proferida noutro processo em que se analisa idêntica problemática à dos autos.

A Apelada opôs-se a tal junção, requerendo a condenação da Apelante como litigante de má-fé e em taxa sancionatória excepcional.

II–Questões a Resolver.

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece; sob pena de indeferimento do recurso.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
- da junção de decisão judicial;
- da litigância de má-fé de tal junção;
- da aplicação de taxa sancionatória excepcional por tal junção;
- da manifesta falta de título executivo;
- da qualificação da Exequente como condomínio.

III–Questões Prévias.

Aquilo que o Apelante apelida de nulidade da sentença corresponde antes ao que entende ser o erro de julgamento, que será apreciado no âmbito do mérito do recurso; sendo que a decisão recorrida enuncia as razões de decidir, não lhe sendo imputável a nulidade de falta de fundamentação.        
A junção ou indicação de uma peça de jurisprudência não constitui junção de um documento (elemento de prova) ou de parecer (opinião de um jurisconsulto), pelo que não está sujeita às referidas regras e pode ser feita a todo o tempo.
E a indicação de jurisprudência favorável à posição defendida não pode constituir litigância de má-fé, nem ser fundamento de aplicação de taxa sancionatória excepcional.
Razões porque se não atende a pretensão da Apelante formulada na oposição que deduziu à junção de decisão judicial proferida noutros autos.

IVFundamentos de Facto.

A factualidade relevante é a constante do relatório deste acórdão, para o qual se remete.
           
V–Fundamentos de Direito[1]

A execução só deve ser indeferida liminarmente quando for manifesta a falta ou insuficiência do título (art.º 726 CPC).
Essa falta ou insuficiência é manifesta quando se revelar evidente, clara, óbvia, irremediável (o que não seria o caso dos autos). Fora dessa circunstância corre por conta do executado vir arguir em sede de embargos as insuficiências do título.
           
Mas a falta ou insuficiência do título também pode ser manifesta se, não obstante a simples visualização do título não evidenciar qualquer vício ou insuficiência, a existência do mesmo resultar da repetição de situações em que a questão foi posta e que a tornam ‘facto conhecido em juízo’. O que é o caso dos autos uma vez que, como neles vem referido, inúmeros são os processos executivos que a Exequente tem pendentes onde se tem levantado a questão. Na perspectiva do Mmºjuiz a quo, e face aos factos que são do seu conhecimento oficial, é evidente que as actas da assembleia de condóminos do CCB não são títulos executivos.

O indeferimento liminar não se mostra, assim, em desconformidade com a lei processual.

Mas ainda que assim se não entendesse, sempre seríamos confrontados com a circunstância de que a Executada veio sufragar a questão da inexistência de título executivo na sua contra-alegação, não fazendo sentido uma decisão de revogação por uma questão processual vislumbrando-se que se irá de imediato reatar a discussão da questão de fundo no processado subsequente atenta a posição do executado.

Os valores da economia e celeridade processual e da prevalência do fundo sobre a forma (artigos 2º, 6º, 130º, 131º, 278º/3 do CPC) imporiam se conhecesse desde já da questão de fundo: a existência de título executivo.

O Centro Comercial ... está instalado num conjunto de 4 edifícios (ocupando os pisos 01 e 00, cave e r/c), construídos ao longo do tempo e cada um deles constituído em propriedade horizontal (4 títulos constitutivos distintos).

Em JUN1986 (quando só o primeiro edifício estava construído) os lojistas do CCB constituíram-se em condomínio do CCB e aprovaram o regulamento interno do CCB. Depois foram integrando o que foi sendo construído.

Não se põe em causa que por razões de operacionalidade ou racionalidade de gestão, designadamente em condomínios de grande dimensão ou destinados a diversos tipos de utilização, possam ser constituídos condomínios parcelares autónomos (mais exactamente, administrações autónomas de algumas das partes comuns do condomínio), tal como é afirmado no acórdão do STJ de 16OUT2008 (proc. 08B3011).

Fundamental é que essa autonomização seja feita a partir da totalidade dos condóminos. Como se escreve no citado acórdão do STJ: “não se vê proibição legal de que todos os condóminos aprovem a administração autónoma relativa a tais blocos, sem prejuízo, como é natural, da coordenação com a administração geral”.

A autonomização de uma parte do condomínio, tal como definido no título constitutivo, tem de partir do condomínio, não podendo consistir numa mera declaração unilateral da parte autonomizada do condomínio.

Ora no caso em apreço não se vê que os 4 prédios (com títulos constitutivos autónomos) onde se insere o CCB tenham decidido, alterando os respectivos títulos, unir-se num único condomínio e estabelecido a existência de uma administração parcelar e autónoma para o centro comercial (ou sequer que as assembleias de condóminos desses condomínios tenham conjuntamente deliberado uma administração parcelar para o centro comercial).

O que se constata é que os condóminos do CCB se auto-organizaram para a gestão do espaço comercial e se intitularam unilateralmente como condomínio autónomo.

Assim, não temos um condomínio (autónomo) do centro comercial mas apenas uma associação ou uma sociedade irregular de proprietários lojistas ou um contrato de centro comercial; e só as actas de condomínio valem como título executivo.

VI–Decisão:
Termos em que, na improcedência da apelação, se confirma a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.


Lisboa, 12DEZ2017

                                                                                
(Rijo Ferreira)   [Relator por vencimento] 
(Afonso Henrique) 

                                                                            
(Ana Grácio)      
[Vencida, conforme posição assumida no acórdão da Relação de Lisboa de 14MAR



[1]salvo outra indicação, toda a jurisprudência dos tribunais nacionais referida, pode ser consultada em www.dgsi.pt.