Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1133/13.9TBTVD-D.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: RAPTO INTERNACIONAL DE MENORES
CONVENÇÃO DE HAIA
RESIDÊNCIA HABITUAL DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: IUma vez que cada um dos progenitores conservava a custódia da criança nos períodos em que atento o acordo de regulação das responsabilidades parentais tinha a criança a residir consigo, tendo o pai autorizado a filha a residir com a mãe na Suíça e sem qualquer limitação e tempo, a custódia do pai em Portugal ficou, de facto, e por vontade do próprio pai, atenta a distância geográfica entre Portugal e Suíça, limitada ao período das férias e no caso particular das férias de Verão ao período de 1 a 31/7/2017, já que, conforme provado está, os progenitores acordaram em que a deslocação da filha para Portugal naquele período se destinava única e exclusivamente a possibilitar que a filha gozasse o período de férias em causa com o pai de 1 a 31/7, estando obrigado (implicitamente) a entregar a filha à mãe a fim de gozar o período subsequente até 14/8/2017 data em que o ano escolar na Suíça começa (ponto 13).

IIA criança que é portuguesa, nasceu em 3/11/2010 e com pouco mais de 3 anos foi viver para a Suíça, inicialmente com a mãe e pouco tempo depois com a mãe e com o pai e aí se manteve até aos 6 anos e 8 meses sensivelmente, convivendo, depois do regresso do pai, com a mãe e um irmão uterino cujo relacionamento se desconhece, mas onde frequentou a escola desde 17/8/2015, ainda não tinha cinco anos e onde se manteve por mais quase dois anos e não obstante ter em Portugal conforme declarou, para além do pai dos primos e da restante familiar que residem em Portugal, a verdade é que o convívio com os mesmos se faz agora apenas em 2017 e pelo curto período de Julho a Setembro de 2017 (a criança já regressou à Suíça como dos autos resulta), sendo certo que foi com a mãe e naturalmente com o pai no período em que estes viveram juntos que o convívio se fez mais intensamente era decerto de forma mais gratificante, resultando provado dos autos que é na Suíça que a vida da menor se encontra organizada, onde praticou todos os seus actos do quotidiano frequentou a escola, foi assistida em termos de saúde, teria sido certamente mais gratificantes para a filha se os pais se tivessem mantido juntos na Suíça, mas tal não foi possível, em suma é na Suíça a residência habitual da menor Eva …….

IIIAveriguar da ilicitude da deslocação ou retenção de uma criança alegada como fundamento do pedido de regresso apresentado nos tribunais portugueses reconduz-se a determinar se aquele que deslocou a criança para Portugal tinha o poder de, por si só, decidir sobre o respectivo local de residência ou se a deslocação ou retenção foi ou não efectuada com o acordo ou com o consentimento do titular o co-titular do poder.

IVNão obstante a criança poder ser particularmente viva e atenta, a verdade é que a mesma se encontra no limiar do seu processo de formação, formação essa que iniciou na Suíça em 2015, muito embora lhe possa parecer indiferente fazer a sua formação escolar na Suíça ou em Portugal, a verdade é que são seguramente diferentes os métodos de ensino em Portugal e na Suíça, todo o percurso escolar será diferente pelo que uma vez iniciado é do superior interesse da criança continuá-lo sem quebras fracturantes, pelo que, não obstante as preferências manifestadas pela criança em ficar em Portugal, as fundamentadas razões para cá ficar, que se prendem com a proximidade com a família alargada,- que a distância geográfica não apagará porquanto nos seus períodos escolares a criança seguramente virá a Portugal- porque é na Suíça que a criança tem o seu centro de vida organizado junto da mãe, como provado está, não se considerará a vontade da menor em não regressar à Suíça.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


I – RELATÓRIO:


APELANTE/REQUERIDO na ACÇÃO ESPECIAL URGENTE dos art.ºs 3, 7 § 1, 12 § 1 da Convenção de Haia de 25/10/1980, ratificada pelo Estado Português através do Dec Governo 33/83 de 11.05 e pela Confederação Helvética nos termos do REg Cons Europa 2201/2003 de 27/11, 3./e do RGPTC e 8 e 219/1 da CRP: GONÇALO ….. (representado, juntamente com outro, pelo ilustre advogado N…………., com escritório em Lisboa, conforme cópia do instrumento de procuração de 10/7/2017 de fls. 90 v.º).
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APELADOS/REQUERENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO; MARIA ……… (representado pelo ilustre advogado V……….., com escritório na Guarda, conforme cópia do instrumento de procuração de 21/7/2017 de fls. 130)
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CRIANÇA: EVA ……... (nascida aos 3/11/20………., filha do apelante requerido e da apelada acima identificados
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Com os sinais dos autos. Valor da acção: 30.000,01 euros (sentença recorrida)
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I.1.O Ministério Público intentou contra o requerido Gonçalo e ao abrigo das citadas disposições legais acção especial de natureza urgente onde pede a) a imediata retirada provisória da menor Eva …….. ao seu pai, emitindo-se mandados a cumprir pela entidade policial (GNR e face da residência do mesmo) em colaboração com a DRRSP com autorização de entrada se necessário, na habitação do requerido ou noutro local de permanência da criança e em que seja localizada e mantida sem consentimento da progenitora permitindo-se a condução da criança a centro de acolhimento ou estabelecimento similar indicar pela DRRSP ou familiar ou pessoa da confiança da progenitora de idoneidade para colher crianças, b) que a decisão de retirada provisória seja de imediato e logo que confirmada comunicada pessoalmente à progenitora, c) que se comunique o teor da decisão pelo meio mais expedito à DGRSPO - Autoridade Central Portuguesa para efeitos da Convenção mencionada  (Aviso do MNE 302/95 publicado no DR 1.ª Série 241 de 18/10), d) a realização de quaisquer diligências adequadas à urgência da situação para regresso da criança à Suíça sob os cuidados da DGRSP, e) que se comunique o teor da decisão ao processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais mormente para efeitos do disposto no art.º 16 da Convenção de Haia, f) para a hipótese de Eva …… não ser localizada na morada do progenitor sejam emitidos mandados para os efeitos da alínea a) a enviara à Direcção Nacional da P.S.P., Comando Geral da G.N.R., Directora Nacional da P.J., bem como comunicação ao S.E.F. a interditar a saída da menor de território nacional caso o faça na companhia de pessoa diferente da sua mãe ou de funcionário credenciado da D.G.R.S.P. em suma dizendo:

A criança é filha de Gonçalo …….. e de Maria …….. , a progenitora tem residência habitual na R…. …… , 2017 B…… - N……..-Suíça e o progenitor tem actualmente a sua residência na Rua ……, nº…… A……, R……….., os pais nunca foram casados um com o outro viveram juntos com algumas separações de permeio em Portugal de 2007 a 2012 e, após a separação, em 2013 acordaram no Tribunal Judicial de Torres Vedras em conferência de pais, o exercício das responsabilidades parentais ficando assente que as questões de particular importância e da vida corrente seriam exercidas em conjunto por ambos os progenitores (art.ºs 1 a 4)
Em 21/2/2014 o pai autorizou a filha a residir com a mãe na Suíça por declaração escrita por si assinada que foi reconhecida presencialmente no Cartório Notarial - H... P... S... em T...V..., pouco tempo depois o pai juntou-se à mãe da menor na Suíça em Dezembro de 2016 o casal separou-se novamente, no corrente ano de 2017 a mãe deu o seu acordo para a menor vir a Portugal passar as férias com o pai entre 1 e 31 de Julho tendo entretanto o pai a 7 de Julho contactado a mãe dizendo-lhe que a filha já não regressava à Suíça e que já a tinha inscrito na escola em Portugal (art.ºs 6 a 9);
A residência habitual da criança é a indicada como sendo a da mãe na Suíça onde vive desde Fevereiro de 2014, é na Suíça que está toda a sua vida organizada, país em que praticou todos os actos do seu quotidiano onde foi assistida em termos de saúde e em que possui os seu eixo de vida estabilidade e vivência normal, desde data situada no seio do mês de Julho de 2017 após a informação do pai nesse sentido que a menor está a residir em Portugal sem o consentimento da sua progenitora, não tendo o progenitor legitimidade para impedir que a menor regresse à Suíça contra a vontade da progenitora que não autorizou o regresso definitivo da filha para território português nem a saída do seu agregado familiar e residência habitual sita na Suíça na morada da mãe da criança e ao não permitir que a criança regresse à Suíça contra a vontade da mãe o requerido violou o disposto no art.º 3.º da Convenção de Haia de 2/10/1980 e por isso a progenitora accionou na Suíça aos 11/7/2017 os mecanismos da Convenção com vista ao regresso da filha, a Autoridade Central deu cumprimento ao art.º 7.º/c da Convenção solicitando que o pai da Eva se pronunciasse quanto à possibilidade de assegurar o regresso voluntário da criança à residência habitual, o progenitor rejeitou tal hipótese o que configura uma retenção ilícita ao abrigo do art.º 3 da Convenção sancionada com o regresso da mesma ao Estado da sua residência habitual na Suíça nos termos dos art.ºs 7 e 12 da Convenção, devendo suspender-se em obediência ao art.º 16 da Convenção os trâmites da acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais sob o n.º 1133/13.9tbtvd, existindo uma situação de perigo para a criança (art.ºs 10 a 24);

I.2.Por despacho judicial de 11/8/2017 entendendo-se que inexistia, então, perigo imediato para a criança, ordenou-se se abrisse vista ao Ministério Público para esclarecer se pretende uma retirada imediata sem contraditório prévio, ao que o Ex. Procurador-adjunto respondeu no sentido de se assegurar o contraditório prévio o que foi feito, tendo o pai vindo responder onde pede que não seja decretada a imediata retirada da criança Eva devendo a mesma continuar à sua guarda e cuidados até decisão final que não seja decretada qualquer diligência para o regresso da criança à Suíça, que nos termos do art.º 5 do DL 141/2015 seja autorizada a audição da criança que seja proferida decisão final que face aos factos invocados vá no sentido da criança não regressar à Suíça com os fundamentos do art.º 13 da Convenção e que nos termos do art.º 16 da mesma se conclua não estarem reunidas as condições para esse regresso e que sejam impulsionado os trâmites da acção de alteração de regulação das responsabilidades parentais apensa aos autos 1133/13.9tbvd em suma dizendo:
Não corresponde à verdade o alegado pelo Ministério Público sob 9, 11, 13, 15, 16, 19 e 24, foi a menor que em 7/7/2017 telefonou à mãe dizendo que não queria regressar à Suíça e que queria ficar no seu país Natal, o que o pai corroborou à mãe e que não obstante ser a Suíça o país onde a menor tem residido desde o início de 2014 tal não significa que seja aí que possui o seu eixo de vida, estabilidade e vivência social, em rigor a menor manifesta que não pretende regressar àquele país atento que entre outras se encontra lá sozinha apenas com a mãe e o irmão, não é o pai que impede a regresso da criança à Suíça é a criança que manifesta a sua vontade de não regressar o que por diversas vezes comunicou à mãe, inexiste perigo de fuga do progenitor levando a filha para arte incerta o pai sempre respondeu às solicitações das entidades oficiais contactou os serviços da Unidade de Serviço Externo do Tribunal, deslocou-se ao Tribunal na companhia da filha (art.ºs 5 a 16);
A menor afirma querer ficar a estudar e a viver com o pai em Portugal conjuntamente com os seus avós paternos avó materna, tios e primos na Suíça tem apenas a mãe e o seu irmão fruto de uma relação anterior da mãe, não tem a proximidade com qualquer outros familiar, já manifestou à mãe não obstante gostar muito da mesma o seu desejo de ficar a viver em Portugal país de origem manifestando essa vontade a amigos e familiares a mãe da menor concordou com a intenção manifestada, o pai não sendo imune aos desejos da filha e compreendendo os mesmos diligenciou por aferir as condições para que a menor possa frequentar estabelecimento de ensino oficial de modo a que confirmando-se a vontade da mesma e se vier a ser esse o entendimento do Tribunal possa a mesma ser inscrita em estabelecimento de ensino oficial, o pai tenta possibilitar que a mesma continue a crescer e a viver no país que é o seu, onde nasceu e viveu, mas principalmente no país e junto da família com quem a menor deseja viver tal não significa que a menor tenha algum receio em voltar para junto da mãe, apesar da sua idade a Eva tem capacidade cognitiva e perceptiva exprime muito bem e com sólidas convicções, a menor deverá residir com o progenitor que seja a sua referência afectiva, aquele com quem mantém uma relação de maior proximidade aquele que se mostre mais capaz e disponível para lhe garantir um adequado desenvolvimento físico e psíquico, a sua segurança e a sua saúde a formação de uma correcta estruturação de personalidade a sua educação bem-estar e desenvolvimento integral e harmonioso, na Suíça foi o pai que assumiu grande parte das tarefas inerentes ao cuidar da sua filha Eva sendo o mesmo para a menor a sua referência (art.ºs 17 a 44);
O regresso à Suíça causa medo e receio à Eva pelo que nos termos do art.º 13 da Convenção a autoridade judicial do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar que existe um resido grave da criança no seu regresso ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou se qualquer modo fira numa situação intolerável, a Eva opõe-se ao seu regresso à Suíça, pelo que ordem do seu regresso poderá provocar na mesma constrangimentos físicos e emocionais que uma saída do território nacional contra a sua vontade necessariamente acarretará, tendo inclusivamente sido pedido no âmbito do processo de alteração do exercício das responsabilidades parentais sob o n.º 1133/13.9tbtvd apenso A e ao abrigo do art.º 15 do Reg 22017/03 de 27/11 ao Tribunal Português para o Tribunal Suíço atribuir a competência para conhecer do mérito desses pedidos de alteração (art.ºs 45 a 56);

I.3. Ordenada a tomada de declarações do pai da menor, audição da menor e inquirição das testemunhas arroladas pelo requerido, procedeu-se às mesmas, dia 12/9/2017, com gravação.

I.4. Inconformado com a decisão de 14/9/2017, (ref.ª 134805644 de fls. 141 e ss), que, atendendo ao acordo de regulação das responsabilidades parentais de 3/6/2013, e entre outros, ao abrigo das disposições dos art.ºs 1.º, 3.º, 13 da Convenção de Haia, determinou o regresso da menor à residência de Maria …….. , sua mãe, na Suíça, dela apelou o requerido, em cujas alegações conclui:
a)O Tribunal procede a uma incorrecta valoração da prova consubstanciada na oposição entre os factos dados com o provados e as conclusões consequentemente retiradas, incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual da menor tendo em conta a duração, a regularidade, as condições as razões da permanência no território do Estado Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade da menor, o local e as condições de escolaridade os conhecimentos linguísticos e os laços familiares e sociais que a menor tiver com o referido Estado, e essa residência só pode ser em Portugal desde logo porque por conferência de pais realizadas a residência da menor foi fixada em Portugal, que em momento algum qualquer dos progenitores requereu qualquer alteração da mesma quer perante tribunal portugueses quer perante tribunais suíços, o documento de autorização assinado pelo recorrente só foi assinado devido ao facto de não ter sido possível viajarem ao mesmo tempo considerando que a regulação proíbe a deslocação da menor ao estrangeiro sem a autorização escrita de ambos os progenitores (Conclusões 1 a 15);
b)Averiguar da ilicitude da deslocação ou da retenção para efeitos do art.º 3.º da Convenção de Haia de 25/10/1961 reconduz-se a determinar se aquele que deslocou a criança para Portugal tinha o poder de, por si só, decidir sobre o respectivo local e residência, ou se a deslocação ou retenção foi ou não efectuada com o acordo ou com o consentimento do titular (ou co-titular) desse poder, a deslocação foi efectuada com o acordo e consentimento do co-titular do poder, o direito de guarda quando da deslocação da menor ocorre, estava a ser exercido pelo pai o que desde logo exclui a ilicitude da deslocação, se a criança estava em território português onde vigora um regime imperativo fixado pela sentença de 3/6/2013, não subsistindo acordo entre os progenitores para a deslocação para o estrangeiro está proibida a deslocação do menor e entendimento diverso é uma violação do estabelecido e anteriormente ordenado por instância judicial, sem qualquer tutela jurisdicional adequada (Conclusões 16 a 26)
c)A pessoa que instaura o procedimento não tinha efectivamente o direito de custódia, quer na época de transferência (que autorizou) quer para invocar a alegada retenção (pois é co-titular não podendo exercer o pode sozinha), a menor, aquando da separação dos seus progenitores ficou por diversas vezes sozinha na companhia do seu irmão uterino, o pai tomando conhecimento de tal, assegurou por diversas vezes a alimentação dos menores e o seu cuidado, com o regresso do pai a Portugal a menor ficará entregue a si mesma sem supervisão de um adulto, como a menor refere nas suas declarações, o Tribunal a quo deveria antes de tomar a decisão e face aos factos conhecidos deveria ter desenvolvido maior actividade investigatória a fim de apurar da aplicabilidade da excepção invocada, nomeadamente determinado que a Segurança Social procedesse à realização de um inquérito através de profissionais especializados na área da psicologia infantil, com vista a apurar da actual situação da criança no agregado familiar, procurando aprofundar os seus sentimentos em relação ao regresso à Suíça, como se decidiu no Ac da RP de 20/6/2017, devendo tal relatório ter sido pedido às autoridades suíças nos termos do art.º 7 da Convenção de Haia (Conclusões 27 a 35);
d)O art.º 13 da Convenção frisa que a oposição a criança cuja idade e maturidade justifiquem a consideração as suas opiniões pode fundamentar a decisão e recusa do pedido de regresso e face às declarações prestadas pela menor, o desrespeito pelas opiniões da mesma é uma violação dos seus direitos e da Convenção dos Direitos da Criança aprovada pela Nações Unidas em 1989 e a Convenção Europeia sobe o Exercício dos Direitos da Criança, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República 3/2014 de 27/1, o Tribunal limitou-se a desconsiderar a vontade manifestadas no depoimento da criança com base na sua idade e na suposta manipulação pelo lado paterno (Conclusões 36 a 43);
Termina pedindo a procedência do recurso por a decisão não cumprir com as disposições da Convenção de Haia ou assim e não entendendo por terem sido preteridas diligencias reputadas de essenciais para a correcta apreciação do caso dos autos seja anulada a decisão recorrida sendo determinado que a Segurança Social proceda a inquérito através de profissionais especializados na área da psicologia infantil com vista a apurar a actual situação da criança nos eu agregado familiar, procurando-se igualmente apurar o seu sentimentos em relação ao regresso à Suíça.

I.5. Em contra-alegações, conclui a mãe da menor:
1)A menor Eva tem residência habitual fixada pelos progenitores e pela justiça Suíça no domicílio da mãe na Suíça
2)A alegada preferência da menor em residir em Portugal não se afigura motivada nem consciente, uma vez que não resultam motivos válidos e atendíveis para tal preferência
3)A retenção e Eva em Portugal é a todos os títulos ilícita uma vez que o pai trouxe-a para Portugal apenas para aqui passar um mês de férias no Verão e não para aqui passar a residir.
4)Não ocorrem quaisquer das excepções previstas no art.º 13 da Convenção de Haia
5)Assim afigurando-se a douta sentença sob censura ponderada e defensora dos reais interesses da criança e conforme com o direito internacional, mantendo-a nos seus precisos termos farão Vossas excelências justiça

I.6. Por sua vez o Ex. Procurador Adjunto em contra-alegações em suma diz:
a)Inexiste qualquer nulidade na decisão recorrida, desde Janeiro de 2014 que esta criança reside na Suíça, só vindo a Portugal nos períodos de férias onde se encontra de forma ininterrupta desde 1/8/2017, nos termos dos art.ºs 65/1 do CPC e 1 e 13 da Convenção de Haia de 1961 são as autoridades judiciárias suíças internacionalmente competentes para a acção de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à criança, tendo a Autoridade de Protecção das Criança e do Adulto do Tribunal Regional do Litoral e Val-de-Travers, Suíça, restringido a autoridade parental do recorrente, estando em causa um rapto internacional, materializado na retenção e não regresso da Eva ao arrepio do acordado com progenitores em violação de decisão judicial das autoridades suíças (Conclusões 1 a 5);
b)Não se coloca em causa o depoimento de Eva, não se pode é extrapolar para ser o único critério a determinar a futura residência desta criança de seis anos, porquanto as reacções de pessoas que lhe são familiares são muito importantes e podem modificar a sua disponibilidade em falar, não foram alegados ou provados factos referentes a que a Eva estivesse em perigo na Suíça, o recorrente referiu que nunca achou que a mãe colocasse a filha em perigo, não podendo ser invocadas as excepções do art.º 13 da Convenção nem se justificada averiguar situação, o que o recorrente fez foi, sem embargo das suas boas intenções e ligação afectiva à filha, criar uma situação de facto consumado, contra a vontade do outro progenitor e sem qualquer suporte legal. (conclusões 6 a 9);

I.7.Recebida a apelação, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mesmo.

I.8. Questões a resolver:
a)- Saber se a decisão recorrida padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e por não ter sido ordenado o inquérito a que se refere o art.º 13 da Convenção.
b)- Saber se ocorre na decisão recorrida do art.º 8/1 do REg CE 2201/03 e 13 da Convenção de Haia, por não ser na Suíça a residência habitual da criança, por se não ter levado em consideração a opinião da criança e por o regresso da criança à Suíça colocá-la em perigo.

II–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O Tribunal recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos que não vêm impugnados nos termos da lei de processo:
1)- A menor Eva .… nasceu a …. …. 20…... em S….. M……. ….. O.... , L…. e é filha de Gonçalo ……… e de Maria………... (documento de fls. 3 dos autos principais).
2)- Os pais da menor não são casados entre si e viveram entre si juntos em Portugal entre 2007 a 2012.
3)- A progenitora da menor tem residência habitual em R…….. .. .. G….., 2017 B…… – N…….. – Suíça e o progenitor atualmente tem residência na R… …. … , n.º …em – A….. – R……….

4)- Após a separação, em 3 de Junho de 2013, no âmbito do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais n.º 1133/13.9 TBTVD do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras tendo ficado acordado e homologado por sentença o exercício das responsabilidades parentais da menor Eva ……………, nomeadamente, nos seguintes termos:
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância e da vida corrente da menor Eva ………….., são exercidas em comum por ambos os progenitores;
A menor passará um fim de semana de 15 em 15 dias com o progenitor e, duas vezes por semana, a mesma ficará a residir com o pai;
Qualquer deslocação da menor ao estrangeiro carece da autorização escrita de ambos os progenitores;

5)– Em 21 de Fevereiro de 2014 o pai autorizou a sua filha a residir com a mãe na Suíça, por declaração escrita por si assinada que foi reconhecida presencialmente no Cartório Notarial – H... P... S... em T... V....
6)– O pai voltou a juntar-se à mãe da menor na Suíça, mas em Dezembro de 2016 o casal separou-se novamente.
7) No corrente ano de 2017 a mãe deu o seu acordo para a menor vir a Portugal passar as férias com o pai entre 1 e 31 de Julho tendo entretanto o pai a 7 de Julho contactado a mãe dizendo-lhe que a filha já não regressava à Suíça e que já a tinha inscrito na escola em Portugal.
8)– A residência habitual da criança é a acima indicada como sendo a da sua mãe na Suíça onde vive desde Janeiro de 2014, só tendo desde então vindo a Portugal nos períodos de férias.
9)– É na Suíça que toda a vida da menor está organizada país em que praticou todos os atos do seu quotidiano onde foi assistida em termos de saúde e em que possui o seu eixo de vida, estabilidade e vivência normal.
10)– Desde 1.8.2017 que a menor está a residir em Portugal com o pai sem autorização da mãe e contra a vontade desta por não ter autorizado o regresso em definitivo da filha para território português nem a saída do seu agregado familiar e residência habitual sita na Suíça na morada da mãe da criança.
11)– A progenitora acionou na Suíça a 11.07.2017 os mecanismos previstos pela Convenção de Haia de 2.10.1980. para regresso da sua filha Eva à residência habitual supra mencionada.
12)– O progenitor instaurou em 13.7.2017 no Juízo de Família e Menores de Torres Vedras a ação de alteração de regulação das responsabilidades parentais que foi autuado sob o n.º 1133/13.9TBTVD-A.
13)– A menor tem frequentado o círculo escolar de C……. na Suíça desde 17.8.2015, estando matriculada para o ano 2017-2018 e tendo o ano escolar começado em 14.8.2017.
14)– O progenitor matriculou a menor Eva na E….. B……. P….. F…… S…… em Torres Vedras para o ano letivo de 2017-2018, tendo o pedido de matrícula sido entregue 16.6.2017, às 15.47 horas.
15)A menor referiu que prefere ficar a residir em Portugal, tendo vindo com o pai passar férias escolares na companhia do pai durante o mês de Julho, com o consentimento da mãe que permaneceu na Suíça.
16)A menor referiu como motivos para preferir a viver em Portugal do que na Suíça: o pai, o cão, o terreno que tem, os primos e a família que reside em Portugal.
17)A menor, já manifestou à mãe, não obstante gostar muito da mesma, que gostava de ficar a viver em Portugal.
18)A menor na Suíça vive com a mãe e o irmão uterino de 14 anos.
19)Durante o tempo em que a menor esteve na Suíça o progenitor chegou, por diversas vezes, a fazer as refeições e a estar com a menor, quando esta estava impedida ou chegava mais tarde, mas nunca achou que a mãe colocasse a filha em perigo.

20)Em 19.7.2017 a Autoridade de Proteção da Criança e do Adulto do Tribunal Regional do Litoral e Val-de-Travers, restringiu a autoridade parental do pai e retira-lhe o direito de determinar o local de residência da menor Eva ………… , nascida a … de ……. de 20   , a criança continua no domicílio da sua mãe em R…. …., 2017 B…… – N……….;
Atribui a guarda da menor à sua mãe;
Dá conhecimento ao pai de que é autorizado a passar férias com a sua filha até ao 31 de Julho de 2017 e que tem a obrigação de restituir a criança à sua mãe nesta data, sob a ameaça das sanções penais.

Factos não provados.
Que o pai não obriga a sua filha a regressar à Suíça contra a sua vontade.
Que o pai já manifestou disponibilidade em levar a menor à Suíça, para junto da mãe, mas a menor opôs-se a esse regresso à Suíça.
Que o regresso da menor à Suíça cause medo e receio à menor.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

III.1.Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608/2, 5, 635/4 e 639 (anteriores 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3), do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2.Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3.Saber se a decisão recorrida padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e por não ter sido ordenado o inquérito a que se refere o art.º 13 da Convenção
III.3.1.A nulidade da alínea c) do n.º 1 do art.º 668 do CPC ocorre quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
II.3.2.A nulidade em causa traduz-se num vício lógico da sentença, o juiz escreveu o que queria escrever mas a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não a resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto.[2] Assim o tem entendido também a jurisprudência do STJ, acrescentando que a nulidade também ocorre, quando os fundamentos conduzam lógica e necessariamente a um resultado diferente. Ora os fundamentos invocados na sentença recorrida, designadamente a qualificação da residência habitual da criança como sendo na Suíça, o exercício conjunto das responsabilidades parentais, a qualificação da retenção da criança pelo seu pai em Portugal, como sendo ilícita, apenas poderiam conduzir ao resultado que se decretou; de igual modo não se vislumbra na sentença qualquer obscuridade que a torne ininteligível. Do que o apelante discorda é da subsunção ou qualificação jurídica dos factos no que toca aos pressupostos da Convenção de Haia, questão diferente a analisar de seguida. Por outro lado com o bem se decidiu na sentença recorrida e com base nos mencionados arestos da Relação do Porto (25/11/2014, Proc.º 102/14.6T6AVR-A.P1) e da Relação de Évora (25/2/2017, proc.º 687/16.2t8tmr.e1), não é diligência imperativa que gere nulidade a elaboração do referido relatório. A este propósito convém salientar que os processos destinados a exigir o regresso da criança com o fundamento em deslocação ou retenção ilícita ou a regular as responsabilidades parentais são expressamente incluídos pela lei portuguesa no âmbito da jurisdição voluntária (antigo art.º 150 da OTM, actuais art.ºs 3/3, 12, 49 e ss do RPTC aprovado pela Lei 141/2015 de 8/9, o que provoca a aplicação de regras e princípios específicos distintos das regras e princípios da jurisdição contenciosa, constantes dos actuais art.ºs 986 e ss, do Tribunal não se espera que resolva imparcialmente e segundo direito pré-existente conflitos de interesses, colocados em pé de igualdade, pretende-se diferentemente que controle o modo concreto de prossecução do interesse a seu cargo colocado, subordinado aos demais interesses envolvidos à defesa daquele que lhe cabe tutelar, no caso o superior interesse da criança, não estando o Tribunal dependente dos factos directa ou indirectamente alegados pelas partes, não tendo aplicação o princípio da preclusão da alegação ou da necessidade da demonstração da superveniência (art.º 611), muito embora em sede de recurso não legitime desvios não previstos quanto à alegação de factos não conhecidos na primeira instância, sem prejuízo dos factos de conhecimento oficioso.[3] No que à definição dos meios de prova, há significativa diferença de grau de intervenção entre a jurisdição contenciosa e de jurisdição voluntária, como por exemplo no ACSTJ de 5/11/09 proc.º 1735/06.otmprt-.S1 que observou que uma alegação de violação do princípio do inquisitório, por discordância sobre a forma como o tribunal exerceu os poderes de investigação previsto no art.º 1409/3 do Código de Processo Civil então vigente (actual art.º 986/2) no contexto de um pedido de regresso a outro Estado de uma criança ilicitamente retida em Portugal não pode ser enquadrada no âmbito das nulidades processuais por omissão de prática de actos devidos, o mesmo tendo sucedido no Ac TRC de 22/10/2010, proc.º 786/09.2t2obr-A.C1 quanto à dispensa de diligências probatórias requeridas salientando o poder de decisão atribuído ao juiz e a natureza urgente do processo no qual se pediu o regresso do menor com o fundamento de rapto e ainda que o deferimento do requerimento tinha como necessária consequência impedir a resposta célere ao pedido e entrega, solicitado por um Estado membro da União Europeia (elaboração do relatório social e audição de 14 testemunhas, sendo um apor carta rogatória), devendo o tribunal igualmente indeferir diligências instrutórias que se afigurem desnecessárias e que apenas serviriam para protelar processo que são urgentes, como se decidiu no ACRLxa de 5/6/2012, processo 773/08.2tblnh.l-7.[4] O apelante na sua oposição oportunamente deduzida não referiu quaisquer factos que uma vez indiciados ou demonstrados pudessem levar à conclusão de que o regresso da criança a França pudesse constituir um perigo para a mesma (art.º 13 da Convenção), pelo contrário o apelante não impugnou a decisão de facto designadamente os pontos 6, 8 (eventualmente excluindo o juízo fáctico-jurídico conclusivo de residência habitual), 9, 10 e 13 de que resulta que desde Janeiro de 2014 que menor vive na Suíça na residência da mãe, só vindo a Portugal nos períodos de férias, o pai voltou a juntar-se à mãe da menor na Suíça, tendo o casal separado em Dezembro de 2016, é na Suíça que toda a vida do menor está organizada país em que praticou todos os actos do seu quotidiano, onde foi assistida em termos de saúde e em que possui o eixo da vida, estabilidade e vivência normal, estando a residir desde 1/8/2017 em Portugal com o pai sem autorização da mãe e contra a vontade desta, o menor tem frequentado o círculo escolar de C…….. na Suíça desde 17/8/2015, estando matriculada para o ano de 2017-2018 e tendo o ano escolar começado em 14/8/2017, o progenitor matriculado a menor Eva na E…. B…….. p……. F……… S………. em Torres Vedras para o ano lectivo e 2017-2018, com pedido de matrícula dia 16/6/2017. Nenhuma nulidade, pois.
III.4.Saber se ocorre na decisão recorrida do art.º 8/1 do Reg CE 2201/03 e 13 da Convenção de Haia, por não ser na Suíça a residência habitual da criança, por se não ter levado em consideração a opinião da criança e por o regresso da criança à Suíça colocá-la em perigo.
III.4.1.Inquestionado nos autos que o Estado Português e a Confederação Helvética aprovaram e ratificaram a Convenção sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (Convenção de Haia de 1980), cujo art.º 1 estatui que “A presente Convenção tem por objecto a) assegurara o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele resida indevidamente b) fazer respeitar de maneira efectiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante”. Dispõe igualmente o art.º 3 que “a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando a) tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferências ou da sua retenção e b) este direito estiver a ser exercidos de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivesse ocorrido”; o direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado. Nos termos da Convenção segundo o art.º 5 do direito de custódia inclui a) o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa e em particular o direito de decidir sobre o lugar da sua residência enquanto o direito de visitas b) compreende o direito de levar uma criança, por um período limitado de tempo para um lugar diferente daquele onde ela habitualmente residência.
III.4.2.Ora, como direito de custódia inclui o direito de decidir sobre o lugar da residência da criança, há que ver o que foi acordado entre os pais da criança em 2013. Não há no acordo judicialmente homologado nenhuma cláusula relativa à guarda ou custódia da criança, sequer um cláusula relativa à residência do filho, tão-pouco a decisão judicial que homologou o acordo o refere não observando assim o disposto nos art.º 1906/5, aplicável por força do art.º 1911/2 do CCiv apenas a cláusula geral 1 onde os pais acordaram que “as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância e da vida corrente da menor Eva …………. são exercidas em comum por ambos os progenitores”; no que toca aos períodos e férias, o menor passa com cada um dos progenitores metade dos seus períodos de férias, passando um fim-de-semana de 15 em 15 dias com o pai e “duas vezes por semana, a mesma ficará a residir com o pai.” (cláusulas 2, 3); ora se a menor passa um fim-de-semana de 15 em 15 dias com o pai e se duas vezes por semana a mesma “fica a residir com o pai” é apodítico que no remanescente tempo de um mês, a menor reside com a mãe. Como os fins-de-semana são geralmente entendidos como incluindo apenas o sábado e o domingo, que num mês em regra há 4, metade desses fins-de-semana a menor residia com o pai e a outra metade com a mãe, no período que vai de segunda a sexta-feira, período de 5 dias, 2/5 a residência da menor é com o pai e 3/5 com a mãe, o que significa que segundo o acordo judicialmente homologado a menor residia mais tempo com a mãe, muito embora também residisse com o pai, cada um deles conservando a custódia nos períodos em que com a filha residisse. O exercício conjunto imposto pelo art.º 1906/1 não inclui a residência alternada, refere-se apenas à tomada de decisões de particular importância para a vida da criança, como por exemplo saber se a criança deve ter uma educação católica, como o pai e a família desate, se deve ser testemunha de Jeová como a mãe, se deve ou não realizar determinada intervenção cirúrgica com riscos, no caso de ter um problema de saúde grave, mudança de residência para o estrangeiro etc; ao abrigo do art.º 1906/7 e desde que haja acordo dos pais homologado pelo Tribunal depois de avaliado o interesse da criança a doutrina tem entendido que podem ser adoptados outros modelos mais amplos do exercício conjunto das responsabilidades parentais em casos da vida corrente da criança devidamente especificados no acordo (o que não resulta no caso), o exercício conjunto com residência alternada e o exercício unilateral alternado com repartição paritária do tempo entre cada um dos pais.[5] Concordamos com Clara Sottomayor quando afirma que o exercício unilateral alternado apesar de conforme com o princípio constitucional do art.,º 36/4 criam o risco de colocar a criança no centro do conflito dos pais de provocar competição entre estes, a residência alternada é um conceito que se opõe à obrigação legal do juiz determinar a residência da criança prevista no art.º 1906/5 a qual consiste num conceito jurídico equivalente à guarda ao domicílio nos termos do art.º 85/1 do CCiv servindo de ponto de referência da vida jurídica da criança e não podendo estar sujeita a alterações periódicas, sem prejuízo de as estadias junto do progenitor não residente serem amplas ou até em ritmo alternado, desde que haja acordo dos pais e a que tal se não oponha o interesse da criança, devendo a decisão judicial determinar a residência habitual da criança elemento importante para a definição do Tribunal competente, efeitos fiscais e de prestações sociais, prestações e alimentos.[6]
III.4.3.Nem as partes nem o Tribunal fixaram a residência habitual que a nosso ver se impunha, pelas sobreditas razões, mas tiveram as partes o cuidado de acordar (clª 4.ª) que “qualquer deslocação da menor ao estrangeiro carece da autorização escrita de ambos os progenitores” e aqui entroncamos no percurso de vida deste casal e da filha, casal que viveu junto desde 2007 até 3/1/2010, data em que nasceu a filha de ambos, continuaram a viver juntos os 3 em Portugal até 2012, separaram-se em 3/6/2013 tendo regulado as responsabilidades parentais relativas à filha de ambos do modo descrito, a mãe foi viver para a Suíça, em 21/2/2014 o pai “autorizou a sua filha a residir com a mãe na Suíça por declaração escrita por si assinada e que foi reconhecida presencialmente no Cartório…”(ponto 5 e documento de fls.78, junto por cópia), a filha foi viver com a mãe para a Suíça onde vive desde Janeiro de 2014 e depois também na Suíça com o pai e a mãe, tendo o pai regressado a Portugal em Dezembro de 2016 mantendo-se todavia a filha a residir com a mãe onde tinha o seu centro de vida como provado, voltando a filha a Portugal a 1/7/2017 para passar o período de férias com o pai de 1 a 31/7/2017. Muito embora não conste de documento assinado por ambos os progenitores como clausulado no acordo, a verdade é que o pai anuiu à mudança da residência da filha de Portugal para a Suíça a fim de aí residir com a mãe, o que veio a acontecer, acontecendo também algo que de algum modo subverteu a razão de ser do acordo de regulação das responsabilidades parentais de 2013, ou seja a reunificação deste casal na Suíça e na residência que a mãe tem na Suíça e muito embora não conste de um acordo judicialmente homologado, a mudança da residência da menor de Portugal para a Suíça traduziu a vontade e o interesse do progenitor que ora se opõe à entrega da menor para residir na Suíça com a mãe.
III.4.4.Já no âmbito do art.º 182 da OTM se defendia que o mesmo deveria ser interpretado restritivamente no sentido de que só alterações de circunstâncias que tenham uma repercussão grave na saúde, segurança, educação ou vida da criança servirão de fundamento para alterar a regulação inicial. O impacto da mudança de país consiste nos danos que decorrem da deslocação da criança, por exemplo a ruptura em relação ao ambiente habitual da criança composto pela família alargada a escola, os amigos e a dificuldade de adaptação a outra cultura ambiente e língua, mas estes danos não se presumem, nem se devem confundir com os incidentes normais de uma mudança terá o progenitor não residente que alegar e provar esses danos, os quais terão de ser suficientemente graves para fundamentar a intervenção do Estado na família, o dano criado pela mudança de país terá inda que ser ponderado com outros danos que a criança sofrerá se o progenitor guarda for proibido de se deslocar e de realizar o seu projecto de vida, ou com os danos provocados pelo afastamento da figura primária de referência de vida quotidiana da criança, no caso de a guarda ser transferida a favor do outro progenitor, por último a ruptura na estabilidade social da vida da criança não constitui fundamento para a intervenção do Estado na família pois os pais casados gozam em absoluto de mudarem de terra ou de país sem que o Estado pretenda controlar os efeitos desta decisão na personalidade das crianças[7]. Mas se assim é em relação aos pais casados não se vê nenhuma razão para que os pais não unidos pelo casamento e separados gozem de menor liberdade de movimentação. Daqui decorre inevitavelmente que cada um dos progenitores da criança Eva poderia por razões pessoais/profissionais deslocar-se para o estrangeiro e aí fixar o seu centro de vida sendo que a deslocação da Eva para o estrangeiro estava dependente da autorização como clausulado.
III.4.5.Por outro lado, uma vez que cada um dos progenitores conservava a custódia da criança nos períodos em que atento o acordo de regulação das responsabilidades parentais tinha a criança a residir consigo, tendo o pai autorizado a filha a residir com a mãe na Suíça e sem qualquer limitação e tempo, a custódia do pai em Portugal ficou, de facto, e por vontade do próprio pai, atenta a distância geográfica entre Portugal e Suíça, limitada ao período das férias e no caso particular das férias de Verão ao período de 1 a 31/7/20, já que, conforme provado está, os progenitores acordaram em que a deslocação da filha para Portugal naquele período se destinava única e exclusivamente a possibilitar que a filha gozasse o período de férias em causa com o pai de 1 a 31/7, estando obrigado (implicitamente) a entregar a filha à mãe a fim de gozar o período subsequente até 14/8/2017 data em que o ano escolar na Suíça começa (ponto 13).
III.4.6.Averiguar da ilicitude da deslocação ou retenção de uma criança alegada como fundamento do pedido de regresso apresentado nos tribunais portugueses reconduz-se a determinar se aquele que deslocou a criança para Portugal tinha o poder de, por si só, decidir sobre o respectivo local de residência ou se a deslocação ou retenção foi ou não efectuada com o acordo ou com o consentimento do titular o co-titular do poder como se decidiu no Ac RC de 22/6/2010 proc.º 786/09.7obr-a.C1. Assim entende-se uniformemente que existirá rapto se tendo de ser decidido por ambos os progenitores o local da residência da criança por assim resultar do regime das responsabilidades parentais a deslocação e a retenção tiver resultado apenas da vontade de um deles sem o consentimento do outro (cfr Acs RC 22/6/2010 citado, da RLxa de 16/2/2012, proc.º 3380/11.9tbcsc.l1.8, RLXA de 26/6/2012 proc.º 1534/11.7tmlsb-a.l1-7, sendo questão e particular importância a mudança da residência quando é feita para país diferente daquele em que vive habitualmente. Interessa então o conceito de residência habitual não só para efeitos da Convenção de Haia, como ainda para efeitos do art.º 8/1 do REg 2201/03, definição do tribunal competente, tendo-se decidido no Tribunal de Justiça da União Europeia que se deve adoptar um conceito autónomo de residência habitual de acordo com o contexto e os fins do Regulamento distinto do conceito de domicílio do direito interno e que essa residência habitual é o centro efectivo da sua vida encontrado de acordo com os elementos disponíveis no momento da entrada do processo em tribunal, por ser esse que releva para efeitos de competência, essa residência corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar, devendo para o efeitos serem levadas em linha de conta a duração, a regularidade as razões e as condições de permanência no território do Estado-Membro e da mudança de família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado, incumbindo ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto[8]. A criança que é portuguesa, nasceu em 3/11/2010 e com pouco mais de 3 anos foi viver para a Suíça, inicialmente com a mãe e pouco tempo depois com a mãe e com o pai e aí se manteve até aos 6 anos e 8 meses sensivelmente, convivendo, depois do regresso do pai, com a mãe e um irmão uterino cujo relacionalmente se desconhece mas onde frequentou a escola desde 17/8/2015, ainda não tinha cinco anos e onde se manteve por mais quase dois anos e não obstante ter em Portugal conforme declarou, para além do pai dos primos e da restante familiar que residem em Portugal, a verdade é que o convívio com os mesmos se faz agora apenas em 2017 e pelo curto período de Julho a Setembro de 2017 (a criança já regressou à Suíça como dos autos resulta), do que resulta que foi com a mãe e naturalmente com o pai no período em que estes viveram juntos que o convívio se fez mais intensamente, era decerto de forma mais gratificante, resultando provado dos autos que é na Suíça que a vida da menor se encontra organizada, onde praticou todos os seus actos do quotidiano frequentou a escola, foi assistida em termos de saúde, teria sido certamente mais gratificante para a filha se os pais se tivessem mantido juntos na Suíça, mas tal não foi possível, em suma é na Suíça a residência habitual da menor Eva. Uma separação da mãe, nesta tenra idade, imposta pelas circunstâncias de vida dos pais seria seguramente fortemente mais penalizante para a criança pelas razões apontadas, sem deixar de ter os seus contactos com o pai que terão de ser, agora, e face à alteração das circunstâncias, regulados no tribunal competente suíço, por ser o tribunal competente como se diz na sentença recorrida. É que em caso de deslocação ou retenção ilícitas mantém-se a competência do tribunal da residência habitual da criança, nos termos e nas condições previstas no art.º 10 do REg 2201703, Também de acordo com a lei suíça, como se diz na sentença recorrida não cabe, exclusivamente, a um dos progenitores não casados entre si e separados, o exercício das responsabilidades parentais, pelo que o pai que se encontrava em Portugal, a partir do momento em que não viabilizou o regresso da filha para junto da mãe e na Suíça violou o direito de custódia da mãe sobre a filha, retendo-a ilicitamente para efeitos do art.º 3,º da Convenção.
III.4.7.Diz ainda o apelante que com o regresso do pai a Portugal a menor ficará entregue a si mesma sem supervisão de um adulto, aliás, conforme a própria menor refere nas suas declarações e que tal consubstancia a excepção do art.º 13 da Convenção a justificar o direito de retenção da filha em Portugal. O art.º 13/b ao que interessa dispõe que “a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa que se opuser ao regresso provar que existe um risco grave da criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou de qualquer modo ficar numa situação intolerável”. O que vem provado a este propósito é tão-só o que conste do ponto 19 ou seja que “durante o tempo em que a menor esteve na Suíça o progenitor chegou, por diversas vezes a fazer as refeições e a estar com a menor, quando esta estava impedida ou chegava mais tarde, mas nunca achou que a mãe colocasse a filha em perigo”. Apesar de se desconhecerem as concretas condições de vida da mãe que ao que tudo indica da motivação trabalha em escritório de contabilidade na Suíça, vive com a filha e com um outro filho irmão uterino de Eva de nome Fábio de 14 anos, nada foi alegado, nada se demonstra que permita concluir por esse perigo. Na apreciação do risco que justifica a decisão de retenção a jurisprudência tem observado que nem o Regulamento nem a Convenção de Haia de 25/10/1980 enumeram ou descrevem as situações que o podem integrar, mas que a exigência da gravidade do risco ou da intolerabilidade da situação obrigam a uma interpretação restritiva quanto ao grau de um e outra, como por exemplo maus tratos, abuso sexual, regresso a países situados em zona de guerra ou de fome (Ac RLxa de 26/6/2012 processo 1534/11.7mlsb-a.l1-7), a entrega de uma criança de 5 anos ao progenitor que a criança mal conhece, para ir viver num ambiente estranho, criança essa que sempre viveu com o outro progenitor (situação analisada no acórdão da Relação de Lisboa de que foi interposto recurso para o Supremo que por acórdão de 24/6/2010, processo 622/07.9tmbrg.G1.S1, entendeu que seria uma situação mais grave do que uma situação intolerável ou de perigo).[9] Donde a conclusão de que no caso concreto se não verifica a situação de perigo em causa. A autoridade judicial pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto (§ 1.º do art.º 13 da Convenção). O apelante entende que no caso concreto o Tribunal deveria levar em consideração a opinião exarada nos pontos 15, 16, 17 ou seja que a criança Eva prefere ficar a residir em Portugal, referindo como motivos o pai o cão, o terreno que tem, os primos e a família que reside em Portugal, não obstante gostar muito da mãe, por ser a opinião de uma criança que tem maturidade suficiente para exprimir uma opinião firme e adulta. A audição da criança que tem discernimento e maturidade para se pronunciar sobre o pedido de regresso é um instrumento relevante de concretização do princípio do seu superior interesse e destina-se a influenciar a decisão que vier a ser tomada como se observou nos Acs da RLxa de 14/9/2010, proc.º 1169/08.1tbcsc-a.l1 ou de 17/11/2011 proc.º 3473/05.1tbsxl-d.l1.

Ora, ao invés do sustentado pelo apelante, não obstante a criança poder ser particularmente viva e atenta, a verdade é que a mesma se encontra no limiar do seu processo de formação, formação essa que iniciou na Suíça em 2015, muito embora lhe possa parecer indiferente fazer a sua formação escolar na Suíça ou em Portugal, a verdade é que são seguramente diferentes os métodos de ensino em Portugal e na Suíça, todo o percurso escolar será diferente pelo que uma vez iniciado é do superior interesse da criança continuá-lo sem quebras fracturantes, pelo que, não obstante as preferências manifestadas pela criança em ficar em Portugal, as fundamentadas razões para cá ficar, que se prendem com a proximidade com a família alargada,- que a distância geográfica não apagará porquanto nos seus períodos escolares a criança seguramente virá a Portugal - porque é na Suíça que a criança tem o seu centro de vida organizado junto da mãe, como provado está, não se considerará a vontade da menor em não regressar à Suíça.

IV–DECISÃO.
Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade do apelante pai que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2).



Lxa., 20 de Dezembro de 2017



João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves



[1]Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013, de 26/6, atentas as circunstâncias de a acção tutelar comum de entrega judicial ter sido autuada no Juízo de Família e Menores de Torres Vedras, da Comarca de Lisboa Norte em 11/8/2017 e a sentença recorrida ter sido proferida em 14/9/2017 e o disposto nos art.ºs 5/1 da Lei 41/2013 de 26/7 que estatui que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26/6, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2]A. Reis, obra citada, pág. 142.
[3]Maria dos Prazeres Beleza, Jurisprudência sobre o Rapto Internacional de Crianças, Revista Julgar n.º 24, págs. 67/69
[4]Autora e obra citada, págs. 71/72
[5]Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, pág. 349, concordando com Pamplona Corte-Real/Silva Pereira, Direito da Família pá. 104 que entende que a solução do art.º 1906/1 do CCiv exigindo a participação de ambos os progenitores em questões de particular importância é uma solução que só excepcionalmente poderá vingar, sendo susceptível e provocara conflitualidade defendendo que a solução mais consentânea com os interesses em jogo seria a da atribuição da guarda alternada exercendo cada um dos pais integralmente as responsabilidades parentais, de acordo com o seu critério educativo, aquando da sua custódia, citado pro Clara Sottomayor, obra citada pág. 307
[6]Autora e obra citados, págs.307/308
[7]Autora e obra citados, págs. 94/95
[8]Maria dos Prazeres Beleza, obra citada, págs. 73/74, Citando o Acórdão de 2/4/09, no mesmo sentido indo os Acórdãos do Tribunal de Justiça no processo C-497/10PPU e entre nós os Acórdãos do STJ de 20/1/09 processo 08b2777, de 10/10/2013, no processo 1536/12 da RLxa, da Relação de Lisboa de 12/7/2012, processo 1327/12.4tbcsc.l1-2, de 1/10/2013 proc.º 1536/12.6t2amd.l1-7 da Relação de Coimbra de 20/4/2013 proc.º 1211/08.6tband-a.c1, da Relação de Guimarães de 7/5/2013, processo 257/10.9tbcbt-d.g1
[9]Maria dos Prazeres Beleza obra citada pág. 86.