Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
257/18.0GCMTJ-R.L1-3
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: CRIME DE TERRORISMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- susceptível de integrar os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de terrorismo, com a descrição legal constante da conjugação dos artigos 2º, nº 1, parte final e 4º nº 1, alínea a), ambos da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, o comportamento de quem, agindo livre e conscientemente, executou tarefas essenciais de um plano conjunto com os outros co-arguidos, sob um desígnio e interesse comum, com o propósito, atingido, de intimidar e aterrorizar um grupo de pessoas , no caso constituído pelos jogadores profissionais da equipa principal de futebol de uma instituição de particular relevo no país, mediante o cometimento de crimes contra a integridade física e de crimes contra a liberdade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. No processo 257/18.0GCMTJ, findo o primeiro interrogatório em 8 de Junho de 2018, o Exmo. juiz do Juízo de Instrução Criminal do Barreiro do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa determinou a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido JC....
Inconformado, o arguido interpôs recurso desse despacho, com as seguintes 67 “conclusões” (transcrição):
1-O ora recorrente encontra-se em situação de prisão preventiva desde o dia 08 de Junho de 2018, na sequência de detenção efectuada pela GNR e validada pelo Juiz de Instrução Criminal. Porém,
2- Nem do auto de detenção, ou do auto de notícia, ou de qualquer outro elemento constante no processo, depoimentos, apreensões, ou sequer do despacho de apresentação e do despacho do Mmo. Juiz de Instrução Criminal que determinou a aplicação ao arguido, ora recorrente da medida de coacção mais gravosa, se consegue identificar, qualquer facto ou acto praticado pelo ora recorrente, JC..., que suporte a sua indiciação por qualquer um dos crimes constantes do Despacho de que ora se recorre. Cumpre aqui arguir a nulidade da acusação deduzida, porquanto, compulsado todo libelo acusatório verifica-se que em todo o seu texto não se imputa qualquer acção ou omissão à ora contestante passível de subsumir-se a qualquer tipo de ilícito criminal.
3- Conforme se constata, o despacho que determina a aplicação ao arguido da medida de coacção mais gravosa é nulo, porquanto não indica, como deveria, a prática de qualquer acção ou omissão praticado pelo ora recorrente, passível de consubstanciar a indiciação da prática de qualquer crime, imputando-se apenas menções gerais sem qualquer determinação, não indicando, qualquer facto em concreto que lhe seja imputado, impedindo assim o seu direito constitucional à defesa.
4- Ora, em nosso entender e salvo melhor e douta opinião, o despacho que aplica a medida de coacção mais severa ao arguido deve conter, nem que seja por remissão ao despacho de apresentação, que neste caso em concreto também não cumpre os requisitos legais, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos/indícios que fundamentam a aplicação ao arguido de uma medida de coacção, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer outras circunstâncias relevantes.
5- Não pode o arguido defender-se se é “acusado/indiciado” como co-autor, numa “participação”, em nosso entender conclusiva, que não tenha os pressupostos fácticos, consubstanciando tal omissão nulidade insanável, devendo o arguido ser imediatamente devolvido à liberdade por a sua prisão se mostrar, em nosso entender ilegal.
6- Pois em bom rigor o arguido só pode defender-se de factos e depois, da sua adequação ao direito, não se compreendendo no presente caso. Qual seria a possibilidade de o arguido se defender dizendo o que quer que seja, se não lhe são imputados factos em concreto.
7- Quanto aos crimes pelo qual se encontra indicado o ora recorrente;
8- Cumpre perguntar, percorrendo todo o Douto Despacho que aplica ao arguido a medida de coacção mais gravosa, onde se encontram os indícios de que o arguido, ora recorrente, agrediu ou compactuou de algum modo, com pelo menos dolo eventual, com as pessoas que agrediram os jogadores, isto no que concerne aos crimes de ofensa à integridade física qualificada, onde estava o ora recorrente quando tais factos foram perpetrados, por quem foram perpetrados e com o conhecimento e conivência de quem?
9- Cumpre também perguntar como é possível alguém estar indiciado por vinte crimes de sequestro quando o Douto Despacho que aplica a medida de coacção mais gravosa ao recorrente refere expressamente “ “No dia 15 de Maio de 2018, por volta das 17h, nas instalações da Academia do Sporting Club de Portugal, (...) onde se encontravam cerca de vinte pessoas portanto todas as pessoas que ali entraram, em Alcochete, sejam ou não arguidos nos presentes autos, sequestraram cerca de vinte pessoas.
10- Cumpre perguntar se em Direito Penal, é possível dizer que sequestraram cerca de vinte pessoas, mais ou menos, ou se é necessário mesmo em termos indiciários ter algum grau de certeza?
11- A subscritora do presente entende que sim, especialmente quando se aplica ao ora recorrente a medida de coacção mais gravosa, que deixou de ser a excepção, para neste caso, ser a regra.
12- Também somos forçados a perguntar que intervenção, ou sequer conhecimento destes alegados factos teve o ora recorrente? Que elementos constantes nos autos permitem afirmar, que existem fortes indícios que o JC..., ora recorrente, tenha tido sequer conhecimento da prática destes alegados cerca de vinte crimes de sequestro, e que só a medida de coacção de prisão preventiva, poderá, no caso do ora recorrente, salvaguardar qualquer um dos perigos constantes do artigo 204.° do Código de Processo Penal.
13- Diremos também que não se compreende como existe 1 crime de dano com violência alicerçado nos mesmos factos do que um dos crimes de incêndio.
14- Quanto aos demais crimes o de incêndio florestal, o de dano com violência e o de posse de arma proibida, seremos forçados a repetir, inexiste qualquer indício da prática desses crimes quanto ao ora recorrente.
15- No que concerne ao crime de introdução em local vedado ao público, terá de se aferir, se o ora recorrente de facto entrou nas instalações da Academia de Alcochete e a ter entrado, em que condições terá entrado nas referidas instalações, acresce que este ilícito, por si só, nunca poderia fundamentar a aplicação da medida de coacção mais severa ao ora recorrente.
16- No que concerne ao crime de terrorismo, perdoem-me o desabafo, mas a presente situação (a qual durou 3 minutos, segundo relatam os atletas), com todos os contornos que possa com toda a certeza deter, não pode ser comparável, como já se fez em 1.° Interrogatório, com o atentado de Munique aos Atletas Israelitas.
17- Mais cumpre também referir, novamente, que a noção de terrorismo consta da decisão-quadro 2002/475/JAI e a decisão de alteração 2008/919/JAI, as quais exigem que os países da EU harmonizem a sua legislação e introduzam sanções mínimas relativas às infrações terroristas. As decisões definem infracções terroristas, infracções relativas aos grupos terroristas e infracções relacionadas com as actividades terroristas, e definem as regras de transposição nos países da EU.
18- Por muito que se queira, enquadrar a actuação dos indivíduos que entraram na Academia do SCP em Alcochete no dia 15 de Maio e agrediram determinadas pessoas de nos artigos 2.° n.° 1 ais. a), b) e c), e n.° 1do art.° 4.° da Lei 52/2003, temos obrigatoriamente de ter como suporte base da supra referida Lei a decisão quadro 2002/475/JAI e o que a mesma define no seu preambulo e nos artigos l.°e 2.°.
19- De facto a actuação das pessoas que agrediram alguns atletas e outras pessoas e deflagraram tochas, não deixando de ser ilícita não se enquadra no conceito de terrorismo.
20- Mas não só, mesmo que, a limite, se enquadrasse em tais definições, o que inequivocamente não sucede, onde estava o recorrente? O que fez? Qual o seu grau de participação? se é que teve algum tipo de participação.
21- O arguido é primário não detém, como é sua obrigação de cidadão, qualquer antecedente criminal, trabalha e tem a seu cargo uma filha menor.
22- Também cumpre referir que o Douto Despacho que aplica a medida de coacção mais severa ao arguido, ora recorrente, sem que impute qualquer facto em concreto ao recorrente, afirma “De notar que se verifica um elevado nível de preparação e de premeditação em todo o processo que conduziu à ida dos arguidos e outros adeptos à Academia do SCP, tendo os elementos acordado, previamente, que deviam de levar instrumentos que lhes permitisse tapar a cara para não serem reconhecidos, que lhes permitiu coordenar todos os meios para poder levar o máximo número de pessoas possível, tendo as pessoas sido distribuídas por viaturas conduzidas, muitas vezes, por desconhecidos.”
23- Com base em que elemento ou indício se pode chegar a tal conclusão? Qual o papel do JC...? Que actos alegadamente praticou?
24- Ninguém sabe. No entanto tal não foi impeditivo de se aplicar ao ora recorrente a medida de coacção, que deveria de ser a medida de excepcção.
25- Percebe-se que neste caso em concreto, e apenas devido ao alarme social, e não ao facto de existir qualquer indício contra o ora recorrente que lhe seja aplicada qualquer outra medida de coacção que não privativa da liberdade nomeadamente a proibição de frequentar recintos desportivos, enquanto durar a investigação, e quiçá, a limite cumulada com apresentações periódicas, agora o que não pode, nem se deve fazer, é prender para depois investigar, que é o que sucede no presente caso.
26- Não podem nem devem os mais elementares Direitos Fundamentais como o Direito à liberdade e à plena defesa, ser, liminarmente afastados, para calar o alarme social.
27- Somos um Estado de Direito Democrático e tal como as pessoas, todas têm direito a não serem agredidas, ameaçadas e injuriadas, não se pode justificar uma ilegalidade com outra ilegalidade, não existe igualdade na ilegalidade.
28- Cumpre também referir que nenhum dos co-arguidos que prestaram declarações poderá ter dito nada que implicasse o arguido na prática de quaisquer actos ilícitos, uma vez que este nada de ilícito fez.
29- De facto o arguido não tem qualquer relação com os factos descritos no acervo indiciário. Lendo atentamente quer a Douta Promoção, quer o Douto Despacho de que ora se recorre, não se compreende qual a participação do arguido nos factos descritos e nem se poderia, uma vez que não teve qualquer intervenção nos mesmos.
30- Não se compreende quais os fortes indícios a que a Douta Promoção e o Douto Despacho de que ora se recorre referem, pois não há quaisquer indícios, quanto mais fortes indícios, da prática de qualquer facto ilícito por parte do ora recorrente.
31- Não se pode atirar as coisas para o ar à espera de algo, não se pode privar um cidadão da liberdade porque sim, a existência de indícios é absolutamente necessária para a aplicação de qualquer medida de coacção e como já se viu, quanto aos factos agora indicados, reitera-se não existe qualquer indício de que o ora recorrente tenha tido qualquer tipo de intervenção nos mesmos, não podendo estes factos servir de suporte para a aplicação de qualquer medida de coacção e muito menos da medida de coacção que lhe foi aplicada.
32- Conforme muito bem se refere no Douto Despacho, de que ora se recorre, a faculdade de se remeter ao silêncio é um Direito constitucionalmente consagrado não podendo interpretar-se o exercício desse direito como assunção de culpa.
33- Pelo que quanto aos supostos indícios é o que cumpre dizer.
34- Não obstante a sua inserção social, familiar e económica, foi aplicada ao arguido ora recorrente, a medida de coacção de prisão preventiva, com o fundamento de existir perigo de fuga/subtracção à acção da justiça e bem assim de continuação da actividade criminosa e perturbação da ordem e tranquilidade pública.
35- Não nos parece que no caso em apreço, atenta à inexistência de indícios que seja adequada e proporcional a medida de coação mais severa, medida essa excepcional que deveria ser aplicada só como último recurso. Mas não só,
36- No caso do ora recorrente e a entender-se ser de lhe aplicar uma medida de coacção privativa da liberdade, não obstante tudo o que supra se disse sobre os indícios ou ausência de indícios, tudo o que se pretende impedir com a aplicação desta medida de coacção, poderia ser, a limite acautelado, caso se entendesse que só uma medida de coacção privativa da liberdade poderia acautelar qualquer dos perigos constantes do artigo 204.° do CPP, a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com auxílio a vigilância electrónica, sendo certo também que, a medida de coacção não é, nem deve ser, como parece que se pretende, uma punição antecipada.
37- A Digna Magistrada do Ministério Público promoveu a medida de coacção mais severa, não obstante não indicar, em concreto, qual a participação, conhecimento ou sequer se este teve qualquer conhecimento dos factos ilícitos praticados.
38- Acresce que das declarações prestadas pelos co-arguidos não resulta que o arguido tenha tido qualquer participação nos factos.
39- Não é pelo simples facto do arguido acompanhar pessoas que poderão ter cometido ilícitos criminais, que faz com que o mesmo seja criminoso. Pois não podemos em processo criminal, onde a responsabilidade é pessoal e intransmissível utilizar a máxima popular do “Diz-me com quem andas, dir-te-ei que és”, não é pelo facto de se dar com uma ou mais pessoas que eventualmente terão praticado ilícitos criminais, que faz com que o recorrente ou qualquer outra pessoa, seja criminoso ou lhe seja imputada a prática de ilícitos criminais.
40- Ocorre, em nosso entender, ilegalidade se, como no caso em análise, simplesmente se afirmar, que os autos contêm indícios, sem os concretizar devidamente e sem os contextuaiizar. Não se preenchendo, com as meras referências abstractas, a exigência legal de motivação decorrente dos art.os 97.° n.° 4 e 193.° n.° 3 do C.P.P. Mais,
41- Entendemos também que nada permite concluir, como se concluiu, da inadequação ou insuficiência, no caso concreto, de demais medidas de coacção.
42- Dispõe o art.° 28.° n.° 2 da CRP que “ a prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada, nem mantida, sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei”.
43-O art.° 191.° do CPP, a propósito do princípio da igualdade, preceitua no seu n.° 1 que “ a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei.”
44- E o art.° 193.° n.° 2 do mesmo código refere que: ” a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.”
45- E o art.° 202.° n.° 1 preceitua quais os casos em que pode ser aplicada a prisão preventiva.
46- O artigo 204.° do CPP determina:
“Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.°, pode ser aplicada em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga; 
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidades públicas.”
47- Entendemos que nada permite concluir, como se conclui, pela inadequação ou insuficiência, no caso em concreto, das demais medidas de coacção.
48- Ora, quanto ao perigo de fuga, este tem de se aferir em concreto, o que não sucedeu.
49- A mera afirmação de que os autos contêm indícios, mas sem concretizar quais são esses indícios, equivale à não fundamentação da decisão, prejudicando mesmo a possibilidade de, num eventual recurso, o arguido recorrente contrariar a conclusão do despacho judicial que determina a prisão preventiva.
50- Os factos existentes no processo, pelo menos aqueles que foram dados a conhecer ao arguido, não permitem concluir pela inadequação ou insuficiência, no caso concreto, das demais medidas de coacção, pelo menos, sem ambiguidade ou duplicidade.
51- Tal como dispõe a lei, a aplicabilidade da prisão preventiva restringe- se aos casos em que, verificado qualquer dos requisitos gerais do art.° 204.° e o requisito especial do art.° 202.°, ambos do CPP, as restantes medidas de coacção se mostrem inadequadas ou insuficientes.
52- As medidas de coacção só devem manter-se enquanto necessárias para a realização dos fins processuais que, observados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, legitima a sua aplicação ao arguido e por isso, devem ser revogadas ou substituídas por outras menos graves, sempre que se verifique a insubsistência das circunstâncias que justificaram a sua aplicação, ou uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (art.° 212.° do CPP), ou como no caso em concreto, que a mesma foi erradamente aplicada.
53- Mesmo que existissem indícios, que entendemos não existirem, a obrigação de permanência na habitação, com controlo permanente é eficaz para prevenir qualquer perigo.
54- A gravidade dos crimes pelos quais o arguido se encontra indiciado, não fundamenta, nem pode fundamentar, só por si, a afirmação constante do despacho que decretou a sua prisão preventiva, de que se verifica em concreto, perigo de continuação da actividade criminosa, perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito e perigo para a ordem e tranquilidade públicas. Porquanto,
55- Os requisitos gerais de aplicação da medida de coacção não podem nunca inferir-se da natureza e gravidade dos crimes imputados.
56- Eles têm antes de ser revelados por elemento e circunstâncias de facto, ainda que em valoração conjugada com a natureza e circunstância do crime.
57- Inexistindo elementos de facto que fundamentem a verificação, em concreto, quer de perigo de fuga, quer de perigo de continuação de actividade criminosa, quer de perigo para a ordem e tranquilidades públicas, quer de quaisquer outros dos requisitos enunciados no art.° 204.° do CPP, nenhuma medida de coacção, à excepção do TIR, pode ser aplicada.
58- Neste quadro, entendemos que, é de revogar a medida de prisão preventiva imposta ao arguido, por ter sido aplicada fora das condições previstas na lei (art.° 212.° n.° 1 al. a) do CPP). Mais,
59- De forma alguma se poderá entender que, como é obrigatório informar o arguido quais os factos e elementos de prova existentes nos autos contra si, o que efectivamente sucedeu no caso em apreço, se possa depois decretar a sua prisão preventiva fundamentando-a que como o arguido viu esses elementos de prova, pode vir a perturbar o inquérito.
60- Acresce ainda que, no caso concreto, inexiste qualquer elemento de prova quanto ao ora recorrente
61- Pois o mesmo seria dizer que cumpre-se o imperativo constitucional e informa-se o arguido dos elementos existentes nos autos quanto ao mesmo e agora que já se mostraram tais elementos, ou seja que se cumpriram os imperativos legais e constitucionais, como o arguido tem conhecimento dos mesmos tem de ficar preso preventivamente, ora desde já afirmamos que, tal entendimento viola os mais elementares Direitos de defesa do arguido e os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da presunção de inocência, princípios esses que vigoram em qualquer processo, seja ele complexo e secreto ou não e em qualquer fase processual, pelo que tal interpretação é violadora dos art.° 27.° n.° 3 al. b), 28.° n.° 2 e 32.° n.°s 1 e 2 todos da CRP, inconstitucionalidade esta que desde já se argui com as respectivas consequências legais.
62- Entendemos assim que, o arguido tem direito a ser informado dos motivos da privação da liberdade; tem direito a ser informado das razões de facto e de direito da decisão em termos que cabalmente lhe permitam discutir a correspondente legalidade, mas que esse direito não pode ser subvertido sendo utilizado in dubio contra reo. Mas não só,
63- Para que a limitação da liberdade resultante do perigo de perturbação da ordem e tranquilidades públicas, a que se refere a mencionada al. c) do art.° 204.°, seja uma exigência processual de natureza cautelar (art.° 191.° do CPP), esse perigo tem necessariamente de se reportar a um comportamento futuro do arguido e não ao seu comportamento pretérito, que no caso também o beneficia, e à reacção que a sua prática possa gerar na comunidade.
64- O despacho do Mmo. JIC que aplica a medida de coacção da prisão preventiva não carreia fundamentos que permitam concluir pela existência de fortes indícios da prática de crime doloso com pena de prisão de máximo superior a cinco anos, conforme a exigência do art.° 202.° n.° 1 al. a) do CPP.
65- Também não existem quaisquer elementos que permitam vislumbrar sequer a possibilidade de existência dos perigos consagrados na al. c) do art.° 204.° do CPP. Violou assim o despacho de que ora se recorre, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art.° 204.° al. c) do CPP, preceito que, na concreta interpretação que lhe foi dada pelo Mmo. JIC, se tem sempre de considerar ferido de vicio de inconstitucionalidade material por violação do principio da legalidade e da proporcionalidade consagrados, designadamente no art.° 32.° n.°s 1 e 2 da CRP e também no art.° 27.° n.° 3 al. b) da mesma Lei Fundamental.
66- Pois que, tais perigos têm sempre que referir-se ou fundamentar-se em actuação do arguido, sob pena de discricionariedade. Assim, e face a tudo quanto se deixa alegado, verifica-se também que o Douto Despacho sob recurso ao aplicar a medida de prisão preventiva, violou claramente o principio da adequação e proporcionalidade previstos no art.° 193.° n.° 1 do CPP, por as exigências cautelares do caso afastarem completamente a necessidade de tal medida;
67- E, com aplicação de tal medida cautelar, viola claramente, por errada interpretação, não só aquele principio de adequação, mas também o principio da subsidiariedade consagrado no art.° 193.° n.° 2 e 202.° n.° 1, ambos do CPP, pois que sendo a prisão a extrema ratio das medidas de coação, qualquer outra medida menos gravosa, designadamente as previstas nos art.°s 196.°, 197.°, 198.° e 200.° do CPP, estariam em condições de defender os mesmos interesses que com aquela se visa proteger, e em substituição dela, se determinar a aplicação de outra menos gravosa, em que as mesmas eventuais obrigações a impor ao arguido sejam susceptíveis de defender os mesmos interesses, o que desde já se requer.
68- Termos em que deve o presente recurso merecer, da parte de V. Exas., o consequente provimento, por ser de Lei e de Justiça e consequentemente deve ser revogado o Douto despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que restitua imediatamente o arguido à liberdade, assim se fazendo a habitual Justiça.
Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser considerado procedente e ser substituída a medida de coacção de prisão preventiva devolvendo-se o arguido à liberdade.”
O Ministério Público, por intermédio da Exm.ª magistrada no DIAP de Lisboa, apresentou resposta, terminando com as seguintes conclusões: (transcrição) :
“1. No âmbito das nulidades vigora o principio da legalidade, estabelecido no art.° 118.° do C.P.P-
Ou seja só é nulo, o acto que a lei expressamente cominar.
2. Calcorreando o art.° 119.° do C.P.P, não se vislumbra ali qualquer sanção para eventual omissão na descrição de factos constantes no interrogatório a que alude o art.° 141.°, do C.P.P., norma que também não fulmina com a nulidade a eventual omissão invocada.
3. Em sede de interpretação da lei, prescreve o artigo 9.°, n° 3 do C.C. que o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
4. O despacho de apresentação do M.P. do arguido a 1.° interrogatório judicial, e o despacho que aplica a medida de coação, ainda não é uma verdadeira acusação, daí não prever o art.° 141.° qualquer vício para eventuais omissões ou imprecisões, bastando que a descrição seja inteligível de tal modo que possibilite ao arguido defender-se dos factos ali descritos.
5. Quisesse o legislador fulminar a eventual omissão de factos constantes no despacho que aplica a medida de coação, tê-lo-ia detido expressamente, como o fez no art.° 283.°, n.° 3 do C.P.P, onde está em causa uma verdadeira acusação.
6. Assim, defendemos não só que o despacho em causa descreve a fatualidade de forma pormenorizada e inteligível, permitindo assim ao arguido o exercício cabal da sua defesa, como não padece do vício ora invocado.
7. O MM.° Juiz de Instrução avaliou e conjugou todos os elementos recolhidos de prova apresentados pelo Ministério Público e os resultantes das declarações dos arguidos que as prestaram, para concluir pela forte indiciação dos factos práticas pelo arguido.
8. Estão em causa nos autos factos praticados em coautoria, sendo certo que, conforme evolva do despacho de apresentação do M.P e da demais prova posteriormente carreada e que resulta das conversas no whatsaap”, estabelecidas pelos grupos “Academia Amanhã, Piranhas one tour e Exército invencível”, criados pelos arguidos VS... e TP..., respetivamente (vide fls. 30 a 37 do apenso D), com exclusivo propósito de defenir a estratégia de exercer represálias através de agressões físicas a exercer sobre os jogadores da equipa profissional e equipa técnica do clube.
9. Na figura da coautoria o que releva é a ilicitude dos factos, que serão de todos aqueles que neles participarem, sendo a culpa apreciada individualmente.
10. A figura em causa pressupõe um acordo prévio, expresso ou tácito e basta-se com a existência da consciência e vontade de colaboração dos vários agentes na realização do crime e, a atuação de cada agente, embora parcial integra-se no todo planeado que conduz a produção do resultado. Ac. TRP - Proc. 15/14.1 PEPRT, consultável em www.dgsi.pt
11. Ora, as circunstâncias indiciadas demonstram claramente a existência desse acordo expresso em todos os arguidos, sendo que conhecendo o recorrente que os restantes coarguidos levariam consigo tochas, balaclavas e outros artefactos que seriam utilizados, então também quis aderir às agressões tal como foram infligidas contra os jogadores da equipa profissional do SCP. Logo, todos os factos e a ilicitude daí decorrentes, dever-lhe-ão ser imputados.
12. “Fortes indícios”, numa fase em que a investigação ainda está em curso, satisfaz-se com a possibilidade de, com base nos elementos probatórios até esse momento adquiridos nos autos, relacionar, de forma idónea e suficiente, um concreto agente com um concreto facto ilícito em termos de atribuição àquele da prática deste - Ac. do TRP, Proc. 651/12.0JAPRT-A.P1, consultável em www.dgsi.pt.
13. As medidas de coação a aplicar devem ser adequadas às exigências cautelares que em concreto a situação requer e, simultaneamente, proporcionais à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada.
14. O douto despacho sob censura, não violou os preceitos legais invocados pelo recorrente dos quais fez justa, adequada e criteriosa aplicação.
15. No caso “sub-judice” verifica-se, em concreto, perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito no que tange à aquisição, conservação e veracidade da prova, perigo de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.
16. Perigos esses decorrentes, da previsibilidade de condenação em pena efetiva de prisão, de o arguido poder concatenar versões com os demais coarguidos e suspeitos ainda por identificar, de no futuro poder repetir ações semelhantes às indiciadas nos autos sempre que o seu clube não atinja os resultados pretendidos.
17. Qualquer outra medida para além da prisão preventiva levaria o comum cidadão, designadamente aqueles que compõe as claques de adeptos rivais, a perguntar-se se o crime não compensa, levando-os a um efeito mimético, o que concorreria para o alarme social e a perturbação da ordem e tranquilidade públicas;
18. Nestes termos, e dado que qualquer outra medida de coação, que não a de prisão preventiva, se revelava inadequada e insuficiente, impunha-se, tal como fez o Mm. JIC, determinar e manter a prisão preventiva do arguido.
19. Por todo o acima exposto, consideramos não ser merecedor de qualquer censura a douta decisão recorrida, tendo o MM.° JIC fundamentado e valorado com a devida ponderação, todos os factos e circunstâncias de interesse para a determinação da medida de coação que aplicou
20. Deve, consequentemente, ser negado provimento ao recurso e confirmado integralmente o douto despacho sob censura.
Os autos de recurso em separado deram entrada neste Tribunal da Relação de Lisboa em 03-09-2018 e foram distribuídos ao relator em 10-09-2018.
No momento processual a que se reporta o artigo 416º nº 1 do Código de Processo Penal (C.P.P.), o Exm.º procurador-geral adjunto exarou parecer no sentido da improcedência do recurso.
O arguido apresentou resposta ao parecer, renovando os argumentos expostos na motivação.
Realizada a conferencia na primeira data disponível, cumpre apreciar e decidir.
2. Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.
As questões suscitadas e a resolver restringem-se fundamentalmente a saber se o despacho recorrido se encontra devidamente fundamentado, se os autos contêm fortes indícios do cometimento pelo arguido dos crimes que lhe são imputados e se para precaver as concretas exigências cautelares se revela imprescindível a aplicação ao arguido recorrente da prisão preventiva ou se deve antes aplicar uma outra medida de coacção.
3. A decisão recorrida
No despacho proferido findo o primeiro interrogatório judicial do arguido recorrente consta o seguinte: (transcrição) “Julgo válidas as detenções dos arguidos, que foram tempestivamente apresentados
O tribunal é competente e não existem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento da causa.
Fortemente se indicia a prática, pelos arguidos EC..., NT..., FB... E JC..., em co-autoria material de um crime introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191º do Código Penal, vinte crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153º, n.º 1 e 155°, nº 1, alínea a) do Código Penal, doze crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 e 145º, n.º1, alínea a), n.º 2 por referência à alínea h) do n.º 2, do artigo 132° do Código Penal, vinte crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158°, n.º 1 do Código Penal, dois crimes de dano com violência, p. e p. pelo artigo 212°, n.º 1, e 214º, n.º1, alínea a), do Código Penal, um crime de detenção de arma proibida agravado, p. e p. pelo artigo 86°, n.111, alínea d) e 89°, por referência ao artigo 2°, n.11 5, alínea af) e q) e 91°, n.111, alínea a) e n11 2 da Lei n.11 5/2006, de 23.02, um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274°, n.11 1 do Código Penal, e um crime de terrorismo, p. e p. pelo artigo 411, n.11 1, por referência ao artigo 211, n.111, alínea a) da Lei n.11 52/2003, de 22.08, com a redacção dada pela Lei n.11 60/2015, de 24/6 e que consistiram na seguinte factualidade:
A “Juventude Leonina”, doravante “JUVE LEO” é um grupo organizado de adeptos afecto ao Sporting Clube de Portugal.
Em data indeterminada vários membros da “JUVE LEO” - agruparam-se no subgrupo denominado “Casual`s”, com o objetivo de se confrontarem fisicamente com claques e adeptos de clubes de futebol rivais, fazendo-o em locais vigiados por polícias, nomeadamente à porta dos estádios quando a norma seguida no estrangeiro é combinar rixas em sítios mais discretos, longe da vigilância policial.
Foi o que aconteceu com a 'invasão' do estádio do FCP, cuja ação é característica da cultura ultra, conhecida das autoridades por métodos idênticos aos da guerrilha urbana, ou seja, ataques em grupo, utilizando tochas, paus, garrafas e pedras, com o propósito de agredirem grupos rivais e, face à aproximação das autoridades policiais, fuga rápida do local, deixando para trás um rasto de violência e adeptos feridos.
Esta escalada de violência nunca foi criticada, pelo menos publicamente, pelo Conselho Diretivo do Sporting Clube de Portugal, sendo certo que “JUVE LEO” é um grupo organizado de adeptos, apoiado e reconhecido pelo Clube.
Acresce que na sequência de um jogo realizado em Madrid entre o Sporting Clube de Portugal e o Atlético de Madrid, que terminou com a derrota do Sporting, o Presidente BC... teceu críticas à atuação de alguns jogadores na sua página do “Facebook” a 5 de abril de 2018, onde entre outros comentários escreveu que a equipa de jogadores cometeu erros grosseiros.
Tais comentários potenciaram um clima de animosidade que já existia entre a “JUVE LEO”, os jogadores e a equipa técnica face a alguns inêxitos de resultados desportivos
Com efeito, no passado dia 13 de Maio de 2018, a equipa profissional do Sporting Clube de Portugal disputou o jogo com o Club Sport Marítimo, no Estádio dos Barreiros-Funchal, tendo o Sporting sido derrotado por 2 golos a 1.
Logo ali, alguns membros da “JUVE LEO” manifestaram o seu desagrado com os jogadores da sua equipa, acusando-os de falta de empenho e profissionalismo.
Já no Aeroporto Internacional “Cristiano Ronaldo” e continuando a protestar , alguns adeptos da “JUVE LEO”, entre os quais o suspeito FB... ,o qual sempre se assumiu como líder da JUVE LEO confrontaram os jogadores e a equipa técnica com a sua falta de empenho durante o jogo.
Nessa ocasião, após intervenção de elementos policiais o suspeito FB..., passou pelo cordão policial ali montado e aproximou-se do treinador JJ..., membros da sua equipa técnica e dos jogadores WC..., A... e B... dizendo-lhes em tom exaltado: “ Eu estou por tudo...Falamos em Alcochete”.
No essencial, o suspeito FB..., profundamente desagradado com a atuação dos jogadores, designadamente com a atitude manifestada pelo jogador A... incitou publicamente à prática de atos violentos sobre jogadores e equipa técnica.
Na concretização de tais incentivos o suspeito FB... acordou, por meio ainda não apurado, com outros membros do grupo “JUVE LEO”, que se deslocariam no dia 15 de Maio de 2018 à “Academia do Sporting Clube de Portugal”, com o propósito de intimidar através de actos violentos, os jogadores e equipa técnica, privando-os ainda da liberdade se necessário fosse.
Acordaram ainda que o fariam, trajando roupas e adereços alusivos à “JUVE LEO”, utilizariam tochas e outros artefactos pirotécnicos, cintos e bastões, e atuariam com os rostos ocultados por balaclavas e cachecóis, de forma a ocultar a sua identidade.
Na prossecução do plano assim acordado e por todos aceite, no dia 15 de Maio de 2018, cerca das 16h00 os arguidos já presos e os arguidos FB..., NT..., EC..., JC... e outros ainda por identificar, reuniram-se no parque de estacionamento do LIDL de Afonseiro - Montijo, local onde ultimaram os últimos pormenores da sua intervenção.
Seguidamente, cerca das 17H00, munidos dos citados objetos, fazendo-se transportar em vários veículos, dirigiram-se às instalações da Academia do Sporting Clube de Portugal (SCP), sitas na Estrada da Malhada de Meias - 2890 - Alcochete, onde se encontravam cerca de vinte pessoas, entre membros da equipa técnica e jogadores da equipa principal do Sporting.
Uma vez ali o grupo, de cerca 43 individuos, quase todos encapuzados, à excepção dos arguidos FB..., NT..., EC..., JC... dirigiram-se em correria na direcção dos campos n.º 2 e 3.
Neste local, onde habitualmente a equipa principal treina, e onde se encontravam dois elementos da equipa técnica, os ofendidos JD... e PC..., bem como o treinador principal, JJ..., para dar início ao treino naqueles campos, os arguidos arremessaram na direcção destes, vários artefactos pirotécnicos, vulgarmente conhecidos por "Tochas" acesas, com a intenção de os atingir fisicamente e causar estragos nas instalações e nos veículos dos jogadores.
Seguidamente, os arguidos já presos e os arguidos FB..., NT..., EC..., JC..., bem como outros indivíduos ainda não identificados, deslocaram-se para a zona exterior de acesso à ala profissional, onde forçaram a abertura da porta de acesso em vidro, abrindo-a e entraram na ala profissional.
Em simultâneo, os mesmos arremessaram algumas tochas acesas na direcção dos veículos dos jogadores que aí se encontravam parqueados, provocando estragos nos mesmos, concretamente no veículo matricula 36-..., marca Porsche, modelo Panamera, de cor preta, da propriedade de NP..., danos no valor aproximado de €3.000,00.
Algumas das tochas arremessadas pelos arguidos provocaram ainda a deflagração de um foco de incêndio num jardim relvado e numa zona de pasto com ervas secas.
Sabiam todos os arguidos e suspeitos que o lançamento de tochas acesas na direção dos veículos, designadamente para a parte inferior da carroceria, poderia provocar um incêndio nos veículos, seguido de sucessivas explosões o que os mesmos previram, conformando-se com o resultado.
Enquanto isso o treinador JJ..., RG..., JD... e MP..., todos estes funcionários do SCP, pediram ajuda aos arguidos FB..., NT..., EC..., JC... e ao arguido BM... e outros indivíduos ainda não identificados, no sentido de impedirem a entrada dos demais elementos do grupo no balneário da equipa principal, tanto mais que levavam tochas em deflagração, não obstante saberem que tais artefactos quando arremessados contra as roupas dos jogadores provocariam necessariamente graves queimaduras nos corpos dos mesmos e libertariam gases tóxicos em locais confinados, como é o balneário.
Apesar dos apelos de JJ..., os arguidos FB..., NT..., EC..., JC... e o arguido BM..., conluiados com os demais elementos do grupo, não o ajudaram nem apoiaram.
Acresce que os arguidos FB..., NT..., EC... e JC... sabiam que no interior da balneário estavam atletas de alta competição entre os quais alguns jogadores que seriam necessariamente convocados para a seleção nacional e que com a actuação concertada e violenta dos restantes elementos do grupo punham em causa a representação de PORTUGAL no mundial de futebol na Rússia, denegrindo a imagem do futebol português perante os organismos internacionais, diminuindo as capacidades fisíca e psiquica dos jogadores e prejudicando gravemente as aspirações de muitos portugueses na vitória da seleção.
Ainda na ala profissional, os arguidos presos, e os demais elementos do referido grupo, forçaram as portas de acesso ao corredor e balneário da equipa principal do SCP, tendo com recurso à força física, acedido ao interior daquele local, e causado estragos naquelas portas.
Chegados ao balneário da equipa principal, surpreenderam todos os jogadores e elementos da equipa técnica aí presentes e, bloqueando as respectivas saídas, impediram a saída daqueles do local, obrigando-os, contra a sua vontade a aí permanecerem, bem sabendo que os impediam de se movimentar livremente.
Vários elementos do grupo empunhavam tochas acesas e arremessaram-nas contra os ofendidos, com o propósito de lhes provocarem queimaduras em várias partes do corpo.
Uma das tochas arremessadas pelos arguidos atingiu um elemento da equipa técnica, o ofendido MP..., que lhe causou queimaduras no pulso do membro superior esquerdo, assim como, na zona abdominal, inutilizando a camisola que vestia.
Enquanto aí permaneceram, os arguidos proferiram diversas expressões, tais como "vocês são uns filhos da puta, cabrões. Vocês são um monte de merda. Vamos-vos matar! Vocês estão fodidos! Vamos-vos arrebentar a boca toda! Não ganhem no domingo que vocês vão ver!".
Enquanto isso, os arguidos presos e outros elementos do grupo aproximaram-se do jogador BD..., atingindo-o com um cinto na zona cabeça e desferiram indeterminado número de pontapés no ofendido provocando-lhe lesões por todo o corpo.
De igual modo e perante o pavor e medo dos jogadores, elementos do grupo, dirigiram-se a JJ..., atingindo-o com um cinto de cor verde, na zona da face e, com pontapés, em número não concretamente apurado provocando-lhe lesões em várias partes do corpo.
Molestaram fisicamente, ainda, os jogadores WC..., A..., B..., FM..., M..., RP..., P..., o treinador-adjunto MP... e, o enfermeiro CM..., com vários socos e pontapés que os atingiram em diversas partes do corpo, provocando-lhes lesões.
Os arguidos empurraram os ofendidos HF... e BC..., tendo atingido o Fisioterapeuta LM... com um soco no olho esquerdo, provocando-lhes lesões.
Após estes factos os arguidos abandonaram o local em direcção à portaria, e colocaram-se em fuga apeada em diferentes direcções.
Na sequência da fuga a GNR intercetou inúmeros veículos onde os arguidos presos se faziam transportar, tendo apreendido inúmeros objetos, já descritos no despacho judicial que aqui se dá por reproduzido.
Por seu turno, os arguidos NT..., FB..., EC... e JC... juntaram-se aos funcionários do SCP que ali se encontravam fingindo que estariam a dar apoio à segurança e que ali se deslocaram pacificamente por forma a evitarem que a GNR os intercetasse.
Logo que puderam, os arguidos NT..., FB..., EC... e JC..., dirigiram-se para uma zona recôndita e acabaram por conseguir fugir com a conivência de BJ... o qual transportou no seu veículo, o primeiro até ao exterior permitindo que este fosse buscar o veículo BMW azul com a matrícula 27-..., com o qual acedeu novamente às instalações da academia e transportou no referido veículo FB..., EC..., JC... e um indivíduo não identificado (INI) retratado no Auto de Visionamento com o n.º 36.
Os arguidos, e todos aqueles que os acompanhavam agiram, de comum acordo, em comunhão de esforços, sob a égide um plano comum e previamente traçado, com o propósito concretizado de entrar nas instalações da Academia do SCP contra a vontade do seu legítimo proprietário, bem sabendo que tal entrada nesse local lhes era vedada, porquanto não ser lugar público e mesmo assim não se coibiram de o fazer.
Agiram com o propósito concretizado de manter os ofendidos dentro do balneário fechados, impossibilitados de fugirem do local, privados da sua liberdade e vontade, sujeitando-os a golpes físicos e a ouvirem expressões atemorizantes.
Agiram ainda com o propósito concretizado de ao proferir aquelas expressões de causar medo aos ofendidos, como efectivamente causaram.
Previram e quiseram, nas circunstâncias de tempo e lugar atrás descritas, molestar fisicamente os ofendidos e, causar-lhe os ferimentos verificados e dores.
Atuaram com o propósito concretizado de causar estragos nos bens supra referidos, não se coibindo de fazê-lo como o fizeram, sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, cientes que empregavam violência nos seus actos, com o arremesso de tochas na sua direcção, bem como colocando os ofendidos na impossibilidade de lhes resistir e fugir e dirigindo-lhes expressões que causaram receio e temor pela sua vida e integridade física.
Agiram em comunhão de esforços e vontades, sob a égide de um plano previamente gizado e acordado entre todos, actuando em grupo e de forma concertada, com o propósito concretizado de intimidar os jogadores do SCP e respectiva equipa técnica.
Agiram da forma supra descrita, mediante a prática de crimes contra a integridade física, liberdade e património dos ofendidos, bem sabendo que tais actos perturbavam de forma grave os ofendidos visados, a instituição SCP, bem como a população em geral, que quiseram e conseguiram.
Bem sabiam os arguidos que tinham na sua posse objectos pirotécnicos, cuja detenção é proibida e mesmo assim não se coibiram de os ter consigo.
Agiram de forma livre, deliberada e consciente de ser a sua conduta proibida e punível por lei.
No dia 06 de junho de 2018, cerca das 22h25, o arguido FB... guardava na sua residência sita Rua Â..., n.° ..., ...° Andar, 1...-... – L..., entre outros objetos, o seguinte: (…)
No dia 06 de junho de 2018, cerca das 22h30, o arguido EC... guardava na sua residência sita no Beco dos T..., n.° ..., ... – B..., 1...-... – L..., entre outros objetos, o seguinte:
No dia 6 de junho de 2018, cerca das 22h40, o arguido NT... guardava
na sua residência sita no Avenida dos R..., F... – coordenadas
(..., -...), entre outros objetos, o seguinte:
(…)
No dia 06 de junho de 2018, cerca das 23h00, o arguido JC... guardava na sua residência sita no Rua S... n.º ... – ...º C – Quinta ... – V..., entre outros objetos, o seguinte:
- Casaco tipo desportivo com capuz e fecho de marca CEDAR WOOD STATE, de
cores cinza, verde e preto;
- Cartão de sócio n.° 6... da JUVE LEO pertencente a JAC...;
- Calças de tecido tipo desportivo, da marca CEDAR WOOD STATE, de cor cinza escuro cinza;
- Telemóvel de marca SAMSUNG, modelo 7 EDGE com o IMEI n.° 35...;
- Três cartões de sócio da “JUVE LEO” pertencentes ao arguido;
No dia 07 de junho de 2018, cerca das 00h20, nas instalações da sede da Juventude Leonina, sita na Rua P... - 1...-... L..., com as coordenadas 3..., -..., foram apreendidos os seguintes objetos:
- Um (1) telemóvel da marca LG, com o IMEI 352..., de cor preto;
- um (1) bastão em madeira de cor castanha, com punho em fita adesiva, de cor
preta e comprimento total de 88cm;
- Três tochas de fumo;
- 3,1 gramas de haxixe;
- Um computador “EMACHINES” modelo EL1352;
- Quatro caixas contendo 34 (trinta e quatro) “T Shirts” com os dizeres “HONRA 23
LIBERDADE”
- Um envelope contendo 500€ (quinhentos euros) em numerário;
- Um quadro em corticite, com impressões em papel, de perfis da rede social facebook com as inscrições “OS ROSTOS ESCONDIDOS ATRÁS DO COMPUTADOR, JÁ TODOS SABEMOS QUEM VOCÊS SÃO! ANTES MORTE QUE TRAIÇÃO”;
- Um bastão policial rígido com a dimensão de 70 cm;
- Duas balaclavas de cor preta;
- Um sistema de gravação de imagens de videovigilância captadas no interior da sede da “JUVENTUDE LEONINA”;
Os factos indiciariamente imputados aos arguidos resultam dos elementos de prova que constam dos autos, designadamente do Auto de Noticia de fls. 3 a 10; da Inquirição de testemunhas de fls. 478 a 528, 530 a 534, 537 a 656, 935, 947; do Relatório Fotográfico a fls. 455 a 472; do Auto de Apreensão de fls. 474 e 477; dos Fotogramas a fls. 662 a 668, 671 a 679, 696, 1166 a 1180, 1199 e 1200, 1233 a 1235, 1731, 1732, 1739, 1742 a 1745, 1746, 1747, 1883; da Transcrição a fls. 1878 (video junto aos da CMTV com reportagem transmitida no Aeroporto Cristiano Ronaldo - Madeira); do Post do facebook de BC...; do Apenso de Busca 1; dos CRC’s de fls. 2066 a 2096.
Dos arguidos agora presentes para interrogatório judicial, apenas o arguido JC... não prestou declarações, no uso do direito que lhe assiste.
O arguido EC..., declarou que, no dia 15 de Maio, por volta das 15:30, estava no Estádio de Alvalade, com o arguido JC..., quando recebeu um telefonema do arguido FB..., que lhe pediu para o acompanharem a Alcochete para falarem com o treinador da equipa principal de futebol ao que acedeu, tendo o JC... ido também, conduzindo a carrinha da JUVE LEO, uma carrinha cinzenta. Encontraram-se com o FB... no Parque de Estacionamento do LIDL do Montijo, onde este estava, sozinho e apeado, à espera deles, tendo o mesmo entrado no carro e seguido os três para a Academia do SCP em Alcochete, onde deixaram o carro num descampado utilizado como parque de estacionamento, a cerca de 50/100 metros da entrada daquela Academia, local onde já se encontravam cerca de 30 carros parados, mas onde não se encontrava ninguém.
Caminharam então para a entrada da Academia e, no caminho, juntaram-se-lhes o BM... e o NT... que chegaram depois e vinham atrás deles. À entrada, o FB... perguntou ao segurança se podiam entrar e ele disse que sim, tal como havia acontecido em alturas diferentes que ali se deslocaram.
Mais à frente, seguiram na direcção dos campos de treinos e, quando chegaram à zona dos balneários, apercebeu-se que saia fumo de dentro dos mesmos, viu uma zona de mato a arder e ouviu uma sirene a apitar, pelo que ficaram perto da zona dos balneários, não tendo entrado e, pouco depois, viu um grupo de encapuzados a correr saídos dos balneários e a seguirem na direcção da saída da Academia. Logo a seguir, saiu da porta do balneário o treinador principal da equipa principal de futebol, JJ... que disse para o FB...: “já viste isto?”, não o tendo ouvido pedir ajuda a ninguém.
Depois disso viram chegar uma viatura da GNR e os militares foram ao encontro deles e perguntaram se tinham alguma coisa a ver com aquilo e eles disseram que não, no que foram corroborados por um elemento da equipa técnica que desconhece, após o que ficaram a conversar com os elementos da equipa técnica e com o jogador WC....
A seguir, o arguido NT... saiu, no carro do BJ... e foi buscar o carro dele para os levar até ao parque de estacionamento para irem, ele, o JC... e o FB..., buscar o carro que os tinha levado até ali, a carrinha da JUVE LEO cinzenta e o NT... seguiu com outro.
Declarou ainda que os arguidos BM... e GT... se encontravam com eles até à altura em que apareceu o treinador JJ....
O arguido FB... declarou que, ainda no aeroporto da Madeira, por causa da atitude que considerou menos correcta por parte do jogador A..., combinou com o treinador JJ..., que na terça feira seguinte iria a Alcochete para falar com ele e com o jogador, com vista a serenar os ânimos dos adeptos que tinham visto aquela atitude e que não tinham, como ele, gostado e que aquele jogador, o A..., ainda no aeroporto, lhe chamou “hijo de puta”, o que motivou uma discussão entre ambos, tendo o treinador JJ..., na altura, afastado um do outro, bem como os jornalistas.
Mais declarou que, naquela terça feira, foi a Alvalade levar as faixas e pediu ao seu amigo TS... para lhe dar boleia para Alcochete e, depois, foi à procura do BJ... para lhe facultar a entrada na Academia, tendo depois passado na zona da “Expo” e levado outro amigo, tendo-se dirigido ao parque de estacionamento do LIDL no Montijo, onde chegaram e viram que só ali se encontravam umas 7 ou 8 pessoas, tendo os arguidos EC..., NT... e JC... ido consigo e com o Tiago.
Esclareceu o arguido que não falou com ninguém, que não combinou nada com ninguém através de telefone ou por qualquer outro meio.
Declarou também que quando chegaram ao parque de estacionamento perto da entrada da Academia do SCP, a cerca de 1 quilómetro da entrada, já ali se encontravam cerca de 15 a 20 carros parados e, quando saíram viram que um grupo grande de pessoas seguia, também, para a entrada da Academia, a cerca de 400 ou 500 metros de distância deles.
Quando passaram a entrada, não estava nenhum segurança à porta tendo, de seguida, o grupo onde estava seguido para o campo principal e, ali chegados, viu toda a gente a fugir, uma zona de mato a arder e fumo a sair do ginásio e, já as pessoas que iam a fugir estavam a cerca de 300 metros de distância, apareceu o treinador JJ... a pedir ajuda, o MF... e o WC..., tendo todos pedido ajuda, ao que respondeu que não tinha nada a ver com o sucedido, que apenas tinha marcado uma reunião para conversarem. Depois ficaram a conversar com o WC..., o Tiago Fernandes e um elemento da equipa técnica, que desconhece, até que chegaram elementos da GNR e perguntaram se eles tinham alguma coisa que ver com o sucedido, tendo aquele elemento da equipa técnica respondido que não.
Mais declarou que, depois de ter passado o presidente do clube, o jogador WC... foi-se embora, os jogadores começaram a sair e o arguido NT... saiu com o BJ..., foi buscar o carro dele e depois, passado cerca de meia hora, voltou para os levar para o parque de estacionamento onde tinham o carro onde tinham vindo para aquele lugar.
O arguido NT... declarou que, no dia 15 de Maio, depois de almoço, recebeu uma chamada do FB... em que este lhe perguntou se podia vir consigo a Alcochete, uma vez que o FB... tinha uma reunião marcada com o treinador JJ..., com os jogadores e com a equipa técnica, pelo que ficou entusiasmado com a ideia e acedeu ao pedido, tendo-se encontrado com o grupo no Parque de estacionamento do LIDL no Montijo, pelas 17 horas, local onde estavam cerca de 3 ou 4 carros, após o que chegou o carro que transportava o arguido JC..., o arguido BM..., o arguido FB..., o arguido TS... e o T... que é irmão de um militar da GNR de Vialonga, após o que seguiram todos para Alcochete e, no caminho, surgiram mais carros que se lhes juntaram, em número aproximado de 10.
Quando chegaram, porque achou estranho, perguntou ao FB... porque estavam a estacionar fora da Academia, ao que o FB... lhe respondeu que era sempre assim. Depois de pararem e quando seguiam pela estrada, que é uma recta até à entrada da Academia, viram um grupo grande de pessoas, entre 30 a 40, todos de caras tapadas, a correr, tendo o arguido EC... comentado “o que é que eles vão fazer”.
Declarou também que, na entrada, estava um segurança, com quem o FB... foi falar, tendo todos entrado sem qualquer problema. Depois de entrarem e de andarem um bocado, viu uma zona de mato a arder com uma tocha acesa, que o JC... apagou e, quando iam a chegar ao balneário, viu o MF... a sair e o outro técnico apareceu com a camisola queimada e o treinador JJ... tinha sangue na boca, pelo que pediu água para o JJ... que pediu ajuda ao FB... e lhe disse “isto não devia ter acontecido”, ao que o FB... lhe pediu muitas vezes desculpa, após o que estiveram a falar com elementos da equipa técnica, tendo-lhes dito que o tinham convidado para uma coisa diferente.
Seguidamente, chegaram elementos da GNR, tendo dito a um dos militares que conhecia que só queria ir para casa.
Depois disso, saiu com o BJ... e foi buscar o seu carro ao Montijo, voltou e foi buscar o FB..., o EC..., o JC... e um rapaz do Lavradio que não conhece, tendo deixado o EC..., o FB... e o JC... no parque de estacionamento a cerca de 1 quilómetro da Academia.
Mais declarou que, no caminho para o Montijo, o BJ... ligou para alguém, para o deixar entrar, depois, na Academia com o carro dele e que não quis ir com os outros amigos no outro carro que estava no parque de estacionamento, no carro onde tinha ido para lá, pois que não queria ser multado, pois que ele é que tinha vendido aquele carro à JUVE LEO e ainda não tinha mudado o nome do registo.
Depois destas declarações, o arguido NT... declarou que quem preparou e organizou tudo, inclusivamente o ataque aos jogadores, foi o FB..., que até lhe ligou, na sexta feira após os acontecimentos, dizendo-lhe para ir ter com o Dr. Q... e ele foi, tendo aquele advogado dito para, antes de falar com os jornalistas, uma vez que tinha uma entrevista marcada com o Correio da Manhã, falar primeiro com o FB... para que contassem a mesma história.
Dos depoimentos prestados resulta, claramente, que os arguidos não estiveram no mesmo local ou, estando, não se aperceberam das mesmas coisas ou, ainda, faltaram à verdade.
Isto porque, relativamente ao arguido EC..., que admitiu ter estado na companhia do arguido BM... que se encontra preso preventivamente à ordem do presente processo, pelo menos até terem encontrado o treinador JJ..., enquanto o BM... viu o grupo de encapuzados a atirar as tochas para o campo de treinos e pegar fogo ao mato e disse “eles já fizeram merda” (cf. auto de interrogatório de 16 a 21 de Maio), o arguido EC... nem sequer viu ninguém encapuzado.
Se o arguido FB... declarou que, quando chegou ao LIDL do Montijo, já só lá estavam 7 ou 8 pessoas, por seu lado, o arguido EC... declarou que, naquele local, apenas estava o arguido FB..., sozinho, apeado, tendo o arguido NT... declarado que, no mesmo local, quando chegaram, estavam 3 ou 4 carros ao que se lhes juntaram mais 6 ou 7 no caminho.
Se o arguido EC... declarou que a distância entre o local onde estacionaram os carros ficava a cerca de 50 ou 100 metros da entrada da Academia, tanto o arguido FB... como o arguido NT... declararam que a distância era de cerca de 1.000 metros.
Se o arguido EC... declarou que não viu mais ninguém a seguir na direcção da Academia, tanto o arguido FB... como o arguido NT... declararam que viram um grupo grande de pessoas, o NT... falou em 30 ou 40 pessoas, a correr mais à frente, com caras tapadas.
Se os arguidos EC... e NT... declararam que o FB... falou com um segurança que estava na entrada, este declarou que não havia qualquer segurança na portaria.
Se o arguido EC... viu o treinador JJ... com sangue na boca mas sem pedir ajuda a ninguém, tanto o arguido FB... como o arguido NT... declararam que aquele pediu ajuda ao FB..., tendo o NT... declarado que o arguido FB... pediu, várias vezes, desculpa ao treinador JJ....
Por outro lado, são claras, também, as incongruências patentes nos depoimentos prestados, designadamente, no que toca a todos os arguidos, quando declararam que o NT..., para lhes dar boleia para o parque de estacionamento que ficava ali perto e donde tinham vindo a pé, estiveram à espera cerca de meia hora que este fosse ao Montijo Buscar o carro, para os levar para o parque de estacionamento que fica logo ali, a cerca de 1.000 metros.
Como incompreensível é o facto de, nos depoimentos prestados pelos arguidos BM... e GT... os mesmos terem dito que entraram com o grupo formado pelos arguidos agora interrogados e, na companhia dos mesmos, terem visto o grupo da frente, que estes (o FB... e o NT...) admitem também ter visto, a atirar tochas para o interior do campo de treinos e para o mato e estes arguidos, agora, apenas terem visto o mato a arder.
Por fim, não convence, ainda, a declaração do arguido NT... quando afirmou que não foi com os demais arguidos buscar o “Volkswagen” Sharan da JUVE LEO, que estava logo ali, porque não queria ter problemas com as pessoas que lhe tinham vendido aquela viatura, pois que ainda não tinha alterado o registo de propriedade do veículo, quando, algum tempo antes, tinha feito a viagem desde o Montijo até à academia do SCP em Alcochete, naquele mesmo carro.
Por tudo isto e porque são, cada vez mais, tal como consta da fundamentação de facto acima elencada, abundantes os elementos de prova que constam dos autos e que conduzem à indiciação que se refere, não lograram os arguidos convencer da verdade das suas declarações.
Resulta, antes, da prova já produzida, que os arguidos, unindo esforços e combinando estratégias, organizaram, de forma ainda não completamente apurada, com outros elementos do grupo “JUVE LEO”, uma deslocação à Academia de Alcochete do Spoting Clube de Portugal, visando intimidar, através de actos violentos, os jogadores e equipa técnica e, para tanto, combinaram encontrar-se no parque de estacionamento do Supermercado LIDL na localidade do Montijo, local que as câmaras de vigilância não abrangem, e seguir, em grupo, até à Academia onde entrariam à força e, através de tochas cintos, bastões e outros objectos contundentes, espalhariam o medo, através de agressões a jogadores, treinadores e equipas técnicas, para que estes, atemorizados, modificassem a sua atitude em campo, “devolvendo aos aficionados, as vitórias que estes merecem”.
Envolvidos neste espírito de terror, os presentes arguidos engendraram o plano que colocou os “soldados” à frente, de cara tapada, envergando as vestes da “honra e do orgulho ferido”, ficando para trás, de cara destapada, conferindo os estragos e as vitórias que, pelo menos neste desafio, tiveram!
Não há qualquer dúvida até porque nenhum dos arguidos que prestou declarações até agora o desmentiu, que se encontra fortemente indiciado que um grande número de adeptos do Sporting Clube de Portugal se juntou no parque de estacionamento do Supermercado LIDL no Montijo, com a finalidade de, juntos, entrarem de rompante (a correr) nas instalações da Academia daquele clube e, através de actos criminosos, criar nos jogadores da equipa principal de futebol, nos seus treinadores e equipa técnica um clima de medo e terror.
Disso não há qualquer dúvida, assim como dúvidas não subsistem de que foram estes arguidos, os que vieram atrás das “tropas”, de cara destapada, que ali ficaram depois dos acontecimentos porque viram que a saída estava bloqueada por elementos da GNR, que tiveram necessidade de ir buscar outro carro para sair dali e de arranjar forma de franquear a entrada de outro carro para dentro das instalações.
Ou seja, dúvidas não podem surgir de que todos os arguidos desempenharam, no plano orquestrado, um papel importante, nos desígnios traçados.
Verificam-se, assim, como acima se referiu e atentos os factos indiciariamente verificados, indícios fortes de terem os arguidos cometido factos que são subsumíveis à prática, em co-autoria de um crime de introdução em lugar vedado ao público, já que há indícios de os mesmos terem entrado, sem qualquer autorização, no espaço da Academia do SCP, onde sabem, ou têm obrigação de saber, já que é uma informação do domínio público, que não é ali permitida a entrada do público sem prévia autorização, não colhendo o argumento de que o portão se encontrava aberto e que ninguém os impediu de entrar, já que todos, sem excepção, declararam que tinham conhecimento de ser necessária autorização, até porque a maioria já ali tinha estado noutras ocasiões, podendo a conduta dos arguidos ser equiparada a terem entrado num comboio sem título válido, quando aquele meio de transporte se encontre parado, de portas abertas numa estação ferroviária.
São, os factos indiciariamente imputados ao arguido subsumíveis ainda à prática, em co-autoria de vinte crimes de ameaça agravada, tantos quantas as pessoas ofendidas pelas palavras indiciariamente proferidas pelo grupo de pessoas que entrou no balneário da equipa de futebol do SCP, de: “vamo-vos matar! Vocês estão fodidos! Vamo-vos arrebentar a boca toda! Não ganhem no Domingo que vocês vão ver!”, uma vez que as mesmas têm a virtualidade de provocar nos ofendidos medo ou inquietação e de prejudicar a sua liberdade de determinação, até pela forma como tais frases foram proferidas, aos gritos, por um grupo grande de pessoas com as caras cobertas, que agrediu, imediatamente, alguns dos ofendidos.
Mais são aqueles factos susceptíveis de integrar a prática, em co-autoria de doze crimes de ofensas à integridade física qualificada, já que é esse o número de visados pela conduta dos arguidos, que indiciariamente utilizaram, para tal, engenhos pirotécnicos que deflagraram e sendo os arguidos em número muito superior a três.
São ainda tais factos susceptíveis de integrar o cometimento, em co-autoria, de vinte crimes de sequestro, já que é esse o número de vítimas que foram, indiciariamente, fechados dentro balneário, impossibilitados de se ausentarem do local, privados da sua liberdade e vontade, enquanto os agrediam e ameaçavam.
É ainda a conduta dos arguidos subsumível à prática, em co-autoria de dois crimes de dano com violência, porquanto se mostra indiciariamente demonstrado terem os arguidos arremessado tochas incendiárias na direcção de um veículo automóvel, de marca “Porsche”, modelo “Panamera” propriedade do ofendido NP... e de terem provocado com que um jardim relvado e uma zona de mato, tivessem ficado inutilizados.
Também é a conduta dos arguidos subsumível à prática, em co-autoria de um crime de detenção de arma proibida, agravado, porquanto resultam indícios fortes de terem os arguidos utilizado artigos de pirotecnia.
São também os factos imputados aos arguidos susceptíveis de integrar a prática, em co-autoria de um crime de incêndio florestal, já que se verifica a existência de fortes indícios de terem os arguidos provocado incêndio florestal, tal como vem definido no art.° 274, n.° 1, do Código Penal, uma vez que, com a sua conduta, ardeu uma zona de mato existente no interior das instalações da Academia do SCP.
Finalmente, é ainda a conduta dos arguidos subsumível à prática, em co-autoria de um crime de terrorismo, uma vez que resulta fortemente indiciado que os arguidos intimidaram os cerca de vinte ofendidos, entre jogadores e técnicos do plantel da equipa principal de futebol do SCP, mediante a prática de crimes contra a integridade física e a liberdade daquelas pessoas.
De facto, de acordo com o disposto no art.° 4°, n.° 1, da Lei n.° 52/2003, de 22 de Agosto que: “Quem praticar os factos previstos no n.° 1 do artigo 2.°, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela, não podendo a pena aplicada exceder o limite referido no n.° 2 do artigo 41.° do Código Penal.”
Por seu lado, é do seguinte teor, o n.° 1, do art.° 2° daquela norma: “Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral, mediante:
a) Crime contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
b) Crime contra a segurança dos transportes e das comunicações, incluindo as informáticas, telegráficas, telefónicas, de rádio ou de televisão;
c) Crime de produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, explosão, libertação de substâncias radioactivas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou avalancha, desmoronamento de construção, contaminação de alimentos e águas destinadas a consumo humano ou difusão de doença, praga, planta ou animal nocivos;
Os arguidos NT..., FB... e EC... têm antecedentes criminais registados, sendo que o arguido FB... tem, a decorrer, o prazo de uma suspensão de pena de prisão de 1 ano e 6 meses pela prática dos crimes de participação em rixa e dano qualificado em recinto desportivo e o arguido EC... tem, a decorrer, o prazo de suspensão de uma pena de prisão de 14 meses, pela prática de crime de condução sem habilitação legal.
Do que se deixa dito, e atentas as condutas dos arguidos, pode-se concluir pela existência, em concreto, de perigo de fuga, atentas as molduras penais que aos crimes imputados aos arguidos e ao facto de os mesmos, tendo em conta as referidas molduras penais demonstrarem pretender, desde logo, subtrair-se à acção da justiça, de deixarem os carros longe do local, de agirem inseridos em grupo de indivíduos de grandes dimensões, perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente, para a aquisição e conservação e veracidade da prova, tendo em conta o facto de o inquérito se encontrar, ainda, no seu estado embrionário, com todas as diligências de prova que há, ainda por realizar, com todos os restantes intervenientes por identificar, sendo altamente provável que os arguidos tentem alterar e condicionar os demais depoimentos em seu favor, de continuação da actividade criminosa, tendo em atenção que os factos foram levados a cabo pelos arguidos, movidos por sentimentos de ódio que os mesmos nutrem por quem está à frente da equipa de futebol de que eles gostam, mas que não lhes dá a satisfação que desejam, sendo esse um sentimento absolutamente fútil e esclarecedor de que os arguidos, no futuro, sempre que se lhes deparem situações idênticas sentirão a “necessidade” de reagir da mesma forma, não interiorizando, tal como não o fizeram na presente situação, o desvalor da sua conduta, bem como de grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas, atendendo à natureza dos ilícitos em causa e à visibilidade social que a prática dos mesmos implica, considerando, principalmente, o aumento do número e da gravidade dos crimes e dos comportamentos associados ao fenómeno desportivo. Pelo exposto, consciente dos princípios subjacentes a aplicação de qualquer medida de coacção, e concordando com a promoção que antecede, porque entendo como suficientes, adequadas e proporcionais à situação a acautelar, tendo ainda em conta as sanções que, atendendo à factualidade indiciariamente imputada aos arguidos, lhes virão a ser aplicadas, determino que os arguidos aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos, para além do TIR que já prestaram, a prisão preventiva.
Tudo nos termos do disposto nos artigos 191º a 193º, 196º, 202º, nº 1, al. a) e b) e 204º, al. a), b) e c), todos do C.P.P..
Notifique”.
4. Da nulidade processual
O recorrente suscita a nulidade do despacho recorrido, por ausência de uma concretização dos factos que são imputados ao recorrente e dos elementos que justificam a aplicação da prisão preventiva.
Como tem sido insistentemente recordado, o dever de fundamentação das decisões penais, além de constituir uma das fontes de legitimidade da jurisdição em geral, constitui um direito e garantia fundamental do cidadão contra a arbitrariedade no exercício do poder público.
Nos termos do artigo 194º nº 6 do Código de Processo Penal, a fundamentação do despacho de aplicação de uma medida de coacção tem sempre de incluir:
1) Uma descrição dos factos indiciados que são concretamente imputados ao arguido, as circunstâncias conhecidas sobre tempo, lugar e modo de cometimento;
2) A enunciação dos elementos de prova que permitiram o juízo de indiciação dos factos imputados, sempre que essa comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
3) A qualificação jurídica dos factos imputados, e,
4) A enunciação dos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida de coacção, incluindo os previstos nos artigos 193º (necessidade, proporcionalidade e adequação) e 204º (verificação de perigos concretos que justifiquem a aplicação da medida de coacção) do Código de Processo Penal.
A consequência da falta de fundamentação do despacho que aplica medida de coacção é uma nulidade sanável (artigos 194º nº 6, 118º “a contrario”, 119º e 120º nº1 e nº 3, todos do C.P.P.).
No caso destes autos, a anomalia teria sido cometida no despacho proferido findo o primeiro interrogatório judicial e na presença do ilustre defensor e do arguido, pelo que teria de ser suscitada, antes de esse acto ter sido concluído (artigos 120º nº 3, alínea a) e 141º nº 6 do C.P.P), sob pena de ficar sanada.
Não tendo sido suscitada qualquer invalidade processual na altura própria, não houve qualquer decisão da primeira instância sobre essa matéria.
Logo por aí teria agora de se indeferir liminarmente a pretensão do recorrente neste âmbito.
A este propósito relembremos que consta na fundamentação da decisão como fortemente indiciado que JC..., agindo na prossecução de plano conjunto visando intimidar os jogadores e equipa técnica do Sporting, privando-os ainda da liberdade se necessário fosse, reuniu-se num parque de estacionamento com os restantes membros do grupo, tal como planeado, após o que se dirigiu às instalações da Academia em Alcochete. Nesse local, segundo se indicia, o recorrente integrou o grupo de cerca de 43 indivíduos que se dirigiram em correria aos campos n.º 2 e 3, arremessou tochas, forçaram a abertura da porta de acesso em vidro da ala profissional, arremessou algumas tochas acesas na direcção dos veículos dos jogadores, provocando estragos nos mesmos e a deflagração de um foco de incêndio num jardim relvado e numa zona de pasto com ervas secas. Ainda na ala profissional, o arguido recorrente e os demais elementos do referido grupo, forçaram as portas de acesso ao corredor e balneário da equipa principal do SCP, tendo com recurso à força física, acedido ao interior daquele local, e causado estragos naquelas portas.
Na fundamentação do despacho recorrido consta ainda como indiciado que o arguido recorrente integrava o grupo que bloqueou as saídas do balneário da equipa principal, obrigando os jogadores e elementos da equipa técnica a aí permanecerem, sendo que alguns elementos desse grupo onde se incluía o arguido recorrente empunhavam tochas acesas e arremessaram-nas contra os ofendidos.
Também se indicia que os arguidos, onde se inclui o aqui recorrente, proferiram diversas expressões, tais como "vocês são uns filhos da puta, cabrões. Vocês são um monte de merda. Vamos-vos matar! Vocês estão fodidos! Vamos-vos arrebentar a boca toda! Não ganhem no domingo que vocês vão ver!".
Enquanto isso, os arguidos, onde se inclui o recorrente, aproximaram-se do jogador BD..., atingindo-o com um cinto na zona cabeça e desferiram indeterminado número de pontapés no ofendido provocando-lhe lesões por todo o corpo, dirigiram-se a JJ..., atingindo-o com um cinto de cor verde, na zona da face e, com pontapés, em número não concretamente apurado provocando-lhe lesões em várias partes do corpo. Molestaram fisicamente, ainda, os jogadores WC..., A..., B..., FM..., M..., RP..., P..., o treinador-adjunto MP... e, o enfermeiro CM..., com vários socos e pontapés que os atingiram em diversas partes do corpo, provocando-lhes lesões. Os arguidos, onde se inclui o aqui recorrente, empurraram os ofendidos HF... e BC..., tendo atingido o Fisioterapeuta LM... com um soco no olho esquerdo, provocando-lhes lesões.
Também consta na fundamentação do despacho recorrido que o arguido recorrente JC... se dirigiu em fuga, com os arguidos NT..., FB... e EC..., para uma zona recôndita e acabou por conseguir fugir com a conivência de BJ... o qual transportou no seu veículo, o primeiro até ao exterior permitindo que este fosse buscar o veículo BMW azul com a matrícula 27-..., com o qual acedeu novamente às instalações da academia e transportou no referido veículo FB..., EC... e um indivíduo não identificado.
Em nossa apreciação, a descrição dos factos concretos imputados ao arguido, bem como a enunciação dos elementos probatórios que indiciam os factos imputados e as razões ou motivos da opção pela aplicação da medida de coacção, permitem perfeitamente a compreensão do processo lógico e racional que conduziu à decisão e o exercício dos direitos de defesa, assim se respeitando o disposto no artigo 97º nº 1 e nº 5 e, especialmente, no artigo 194º nº 6 do Código de Processo Penal.
Concluímos assim que não se verifica fundamento de nulidade do despacho recorrido por incumprimento do dever de fundamentação.
5. A verificação de indícios ou de suspeitas fundadas da prática de um crime constitui desde logo requisito geral de aplicação de qualquer medida de coacção (maxime artigo 192º, nº 1 e nº 2, 193º nº 1, ambos do Código de Processo Penal). A lei adjectiva exige a formulação de um juízo indiciário qualificado ou mais exigente para a aplicação das medidas de coacção mais gravosas, ou seja, as que com maior intensidade podem atingir o princípio constitucional da presunção de inocência (a proibição e imposição de condutas, a obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva).
Na presente fase processual, constituem fortes indícios do cometimento de um crime, os sinais, vestígios, ou elementos probatórios disponíveis no processo que permitam formular um juízo segundo o qual será mais provável a futura condenação do arguido do que a absolvição ou o arquivamento do processo.
Nesses vestígios se incluem, como já acima exposto, o auto de notícia de fls. 3 a 10, a inquirição de testemunhas de fls. 478 a 528, 530 a 534, 537 a 656, 935, 947; o relatório fotográfico a fls. 455 a 472; o auto de apreensão de fls. 474 e 477; fotogramas a fls. 662 a 668, 671 a 679, 696, 1166 a 1180, 1199 e 1200, 1233 a 1235, 1731, 1732, 1739, 1742 a 1745, 1746, 1747, 1883; da transcrição a fls. 1878 (video junto aos da CMTV com reportagem transmitida no Aeroporto Cristiano Ronaldo - Madeira); do Post do facebook de BC...; do Apenso de Busca 1; dos CRC’s de fls. 2066 a 2096.
Impõe-se ainda notar que na motivação do seu recurso, o arguido também não nega a comprovada presença no local, nunca apenas como mero “acompanhante de outras pessoas”, mas incluído num grupo que estacionou todos os veículos num determinado local, se encaminhou com as caras tapadas em passo de corrida.
O recorrente também não negou a participação na elaboração e intervenção dos actos imputados sob um plano conjunto, a sua participação nos comportamentos que lhe são imputados na decisão recorrida, as conversas com os co-arguidos e a fuga do local.
Cotejados os elementos probatórios constantes neste apenso e enunciados no despacho recorrido, à luz de elementares regras de experiência comum, subscrevemos o entendimento constante do despacho judicial e não vislumbramos erro de apreciação que nos conduza a decisão diferente, pelo que a fundamentação fáctica do despacho recorrido não nos merece qualquer censura.
6. Como é sabido, a punibilidade sob a forma de co-autoria (artigo 26º do Código Penal) não pressupõe necessariamente que cada um dos agentes realize integralmente o facto punível, que execute todos os eventos materiais correspondentes aos preceitos incriminadores, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção dos resultados pretendidos, sendo indispensável que a actuação consciente de cada um dos co-autores, embora parcial, seja elemento componente do todo e também fundamental ou essencial para a produção do resultado visado. No plano subjectivo, é imprescindível à comparticipação que subsista a consciência da cooperação na acção comum[1].
Nos termos já expostos, a descrição factual fortemente indiciada neste fase inicial do processo permite-nos concluir que o arguido JC... empreendeu tarefas essenciais na execução do plano conjunto com os outros co-arguidos, sob um desígnio e interesse comum, visando criar um clima de terror entre a equipa de futebol do Sporting Clube de Portugal.
Na execução desse plano conjunto, os arguidos, onde se inclui o aqui recorrente, entraram sem autorização na Academia do SCP, ou seja, num espaço vedado, dirigiram a a alguns jogadores e elementos da equipa técnicas palavras anunciando a produção de um mal, atingiram fisicamente jogadores e técnicos de futebol por um motivo fútil e utilizando meios perigosos, tiraram a liberdade de movimento a quem se encontrava no balneário, danificaram equipamentos alheios de elevado valor, transportaram artigos de pirotecnia até à Academia, provocaram o incêndio numa zona de mato e causaram o perigo de explosão de uma viatura automóvel.
Finalmente e com os elementos disponíveis para esta fase inicial do processo, também consideramos que os factos indiciados são susceptíveis de preencherem todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de terrorismo, com a descrição legal constante da conjugação dos artigos 2º, nº 1, parte final e 4º nº 1, alínea a), ambos da Lei nº 52/2003, de 22 de Agosto, uma vez que, segundo se indicia, os arguidos (nestes se incluindo o aqui recorrente) agiram com o propósito, atingido, de intimidar certas pessoas ou grupos de pessoas (no caso em apreço, essas pessoas ou grupos de pessoas são os jogadores profissionais da equipa principal de futebol de uma instituição de particular relevo no país), mediante o cometimento de crimes contra a integridade física e de crimes contra a liberdade.
O menor juízo de desvalor e da gravidade das consequências dos factos indiciados nestes autos por comparação com outros fenómenos considerados como de terrorismo a nível mundial, não impede a subsunção no tipo de crime com a extensão ou abrangência que o legislador português entendeu adequadas, sendo de considerar, obviamente, em sede de determinação das consequências do crime
Os diversos crimes indiciados encontram-se numa relação de concurso real, uma vez que visam a protecção de bens jurídicos diferentes e assentam, sempre, em acções distintas.
Em conclusão, os elementos probatórios recolhidos nesta fase inicial do processo, permitem-nos a formulação de um juízo de prognose de uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição e, nessa medida, se devem considerar fortes indícios do cometimento pelo arguido recorrente, em co-autoria e em concurso real, de um crime introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191° do Código Penal, vinte crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153°, n.° 1 e 155°, n°l, alínea a), doze crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143°, n.° 1 e 145°, n.º l, alínea a), n.° 2 por referência à alínea h) do n.° 2, do artigo 132° do Código Penal, vinte crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158°, n.° 1 do Código Penal, dois crimes de dano com violência, p. e p. pelo artigo 212°, n.° 1, e 214°, n.°l, alínea a), do Código Penal, um crime de detenção de arma proibida agravado, p. e p. pelo artigo 86°, n.°l, alínea d) e 89°, por referência ao artigo 2º, n.º 5, alínea af) e q) e 91°, n.° l, alínea a) e n° 2 da Lei n.° 5/2006, de 23.02, um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274°, n.° 1 do Código Penal e um crime de terrorismo, p. e p. pelo artigo 4º, n.° 1, por referência ao artigo 2º, n.°l, alínea a) da Lei n.° 52/2003, de 22.08
7. Entre os requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, o Exmº juiz de instrução considerou verificado em concreto o perigo de fuga, de perturbação para a aquisição e conservação e veracidade da prova, de prosseguimento da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas (artigo 204º alíneas a) a c) do C.P.P.)).
Como é por demais sabido, fuga significa em termos comuns evasão, retirada e por isso, se entende que foge quem se esconde, quem desaparece, quem evita, quem se esquiva para evitar um incómodo, um desagrado ou um acontecimento desfavorável. Neste âmbito, a finalidade de aplicação da medida de coacção consiste em acautelar a presença do arguido no decurso do processo e a execução da decisão final, pelo que fuga ou receio de fuga, enquanto realidades merecedoras de medida cautelar, devem traduzir um efectivo incumprimento ou um concreto receio de incumprimento das obrigações de disponibilidade e de comparência que a lei impõe ao arguido em nome do normal desenvolvimento do processo penal (cfr. artigos 61º nº 3 alíneas a) e d) do Código de Processo Penal).
Impõe-se, por isso, a formulação de um juízo de prognose em relação a um futuro comportamento do arguido, a partir dos indícios já recolhidos e assente numa “qualificada” probabilidade de verificação das particulares exigências cautelares. Esse juízo de “prognose” terá necessariamente de encontrar sustentação em realidades tão díspares como a gravidade dos factos indiciados e a moldura penal abstractamente aplicável, a forma concreta de actuação, os sentimentos indiciariamente revelados pelo arguido na conduta, o relacionamento e estruturação familiar e afectiva, os meios económicos disponíveis, a existência e natureza de vínculos referentes a actividade profissional, bem como os antecedentes por factos desta natureza
 No caso em análise nestes autos, os factos fortemente indiciados são muito graves, atingem bens jurídicos diversificados e podem justificar a aplicação de uma pesada pena de prisão.
Como se assinalou no despacho recorrido, os arguidos, neles se incluindo o aqui recorrente, logo revelaram capacidade de planeamento visando subtrair-se à acção da justiça (só assim se compreende o encontro e estacionamento dos veículos longe da Academia, a acção em grupo e a preocupação em esconder a cara e de sair do local dissimuladamente).
Deste modo, sopesando em conjunto os indícios recolhidos, verifica-se um efectivo perigo que o arguido procure e consiga eximir-se ao contacto com as autoridades judiciárias e ao cumprimento de uma medida de coacção, deslocando-se para local onde não possa ser detido ou de onde não seja possível a extradição.
Também não merece censura a decisão recorrida quando realça o perigo de perturbação do decurso do inquérito. Com efeito, a medida de coacção a aplicar deverá ser adequada e proporcional ao efectivo receio de que o arguido, temendo as previsíveis consequências penais, venha a procurar pressionar as testemunhas e co-arguidos em liberdade, a dificultar ou inviabilizar a recolha de prova documental e pericial, para dessa forma condicionar o prosseguimento da actividade de investigação criminal.
As circunstâncias concretas do comportamento indiciado, aqui se incluindo a aparente facilidade na mobilização dos meios necessários para a agressão, levam-nos a recear também por um intenso receio de que o arguido, se restituído à liberdade, volte a cometer factos de idêntica natureza, desde que surja nova situação de insatisfação perante as prestações desportivas dos jogadores da equipa profissional de futebol.
Por fim, também é certo que a aplicação da medida de coacção no caso concreto deverá ter em conta o moderado receio de alarme social decorrente da profusão e visibilidade social de crimes violentos associados ao fenómeno desportivo.
8.A decisão de aplicação de uma medida de coacção tem sempre de respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (artigo 193.º do C.P.P.) e, se for o caso, da subsidiariedade da prisão preventiva (artigo 202.º n.º 1 do C.P.P. e artigo 28.º n.º 2 da C.R.P.).
Respeitar o princípio da adequação significa escolher a medida que poderá constituir o melhor instrumento para garantir as exigências cautelares do caso, ou seja, para alcançar o fim visado.
Deste ponto de vista, dúvidas não existem que a medida de coacção detentiva constitui um meio adequado para corresponder aos particulares receios de fuga, de perturbação da aquisição e conservação da prova e de prosseguimento da actividade criminosa.
Pela gravidade dos factos indiciados, liminarmente se terá de afastar a viabilidade de aplicação da medida de caução do artigo 197º; além de que o (particular) receio de prosseguimento da actividade criminosa e de perturbação do inquérito nunca poderia aqui ser acautelado por uma medida que se bastasse com meras apresentações periódicas (art. 198º), ou mesmo com a proibição e imposição de condutas (artigo 200º, todos do CPP).
 Para respeitar o princípio da proporcionalidade, a medida de coacção escolhida deverá manter uma relação directa com a gravidade dos crimes e da sanção previsível, cabendo ponderar aqui elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução, a importância dos bens jurídicos atingidos. Uma consequência da aplicação deste princípio será a rejeição de uma medida de coacção detentiva se, apesar de se indiciar o cometimento de um crime punível com severa pena de prisão, seja também validamente de supor que a ocorrência de uma causa de atenuação especial levará o tribunal, no caso concreto, a não optar pela condenação em pena de prisão efectiva.
Considerando a gravidade dos crimes indiciados e sem que se revele qualquer circunstância que dirima a culpa, afaste a ilicitude, permita uma excepcional benevolência ou uma atenuação extraordinária e mesmo tendo em conta a ausência de antecedentes criminais, nunca se poderia concluir que a prisão preventiva seja uma medida de coacção desproporcionada no caso em apreço.
O respeito pelo princípio da subsidiariedade impõe considerar sempre a prisão preventiva como uma medida de natureza excepcional (artigo 28º nº 2 da Constituição da República Portuguesa), que só pode ser aplicada como extrema ratio , quando nenhum outro meio se perfile ou anteveja como adequado e suficiente.
Essa subsidiariedade verifica-se mesmo em relação à medida de coacção considerada como a segunda mais gravosa e prevista no artigo 201º do CPP, ou seja a obrigação de permanência na habitação, eventualmente com recurso a fiscalização de cumprimento por meios técnicos de controlo à distância. Com efeito, como estatui o nº 3 do artigo 193º do CPP, quando esgotada a viabilidade de aplicação de outras medidas, houver de optar por um meio detentivo, ainda aí, se deve dar preferência à obrigação de permanência na habitação, sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
No caso presente, a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica não constitui medida suficiente para acautelar o particular receio de fuga, nem para impedir a perturbação da aquisição e conservação da prova.
Neste quadro concreto, a prisão preventiva revela-se efectivamente como a medida de coacção imprescindível para garantir as exigências cautelares do caso, pelo que improcede a pretensão do recorrente e o despacho recorrido terá de ser mantido.
9. Em caso de decaimento ou improcedência total do recurso, há lugar ainda a condenação do arguido nas custas pela actividade processual a que deu causa (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro).
De acordo com o disposto no artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, as custas incluem, além dos encargos, uma taxa de justiça, a fixar a final, entre três e seis UC.
Tendo em conta a menor complexidade do processo na presente fase, julga-se adequado fixar essa taxa em quatro UC.
10. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e em manter a decisão recorrida.
Condena-se o arguido nas custas do recurso, com quatro UC de taxa de justiça, sem prejuízo da isenção de que beneficie.
Lisboa, 10 de Outubro de 2018.
Texto elaborado em computador e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.
                                                                                                             João Lee Ferreira
Nuno Coelho         

[1] Acórdão do STJ de 27-05-2009, processo n.º 58/07.1PRLSB.S, Henriques Gaspar, que seguimos de muito perto, acórdão do STJ de 18-10-2006, proc. 06P2812, Santos Cabral, acórdão do STJ de 19-03-2009, proc. 09P0240, Armindo Monteiro, in www.dgsi.pt , acórdão do STJ de 11-03-1998, Proc. n.º 1133/97 - 3.ª, CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 220, Figueiredo Dias, Direito Penal, parte Geral, I, 2ª edição, 2007, p. 795-797, Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, II, tradução espanhola da 1ª ed. 2014, Editorial Aranzadi, SA, p. § 25, p. 157, Jeschek, Tratado de Derecho Penal, II, Bosch, Barcelona, § 61, p.899).).