Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
487/19.8PALSB-C.L1-3
Relator: RUI MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: VIOLÊNCIA DEPOIS DA APROPRIAÇÃO
MEDIDA DE COAÇÃO
PERIGO EM CONCRETO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: - As medidas de coacção dependem, para a sua aplicação, da verificação de um qualquer dos perigos a que alude o artº 204º do C.P.P.;
- Tais perigos terão de ser verificados em concreto e não em abstracto;
- A verificação dos perigos terá de ser afirmada por factos que permitam concluir, por si ou em conjugação com regras de experiência, que o perigo se verifica.
- A condenação não transitada permite afirmar a verificação de indícios fortes da prática de crime por já ter existido contraditório e exame judicial da causa.
- O que a condenação, só por si, permite concluir é que, por via dela, os perigos concretos se possam afirmar.
 (Sumário elaborado pelo relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
Inconformado com a decisão que determinou a sua prisão preventiva apresenta-se a recorrer para este Tribunal o arguido RFG_____, com os sinais nos autos, sustentando, após motivações, as seguintes conclusões:
“I. Existe um poder-dever de exigente análise ao processo intelectivo de aplicação de qualquer medida de coacção, sendo que a opção, in casu e in concreto, pela aplicação da medida de coacção de prisão preventiva não se bastaria por uma consideração dos princípios subjacentes a qualquer medida de coacção;
II. É, a todo tempo, exigível um esforço complementar de consideração dos requisitos específicos da medida de coacção de prisão preventiva, justificando essa escolha de ultimíssima ratio - o que não nunca feito no presente caso;
III. Tais exigências foram ignoradas, inexistindo quaisquer indícios de perigo que permitissem a aplicação ao arguido da dita prisão preventiva;
IV. Foi, ainda desconsiderado, todo o historial do processo em crise, sendo certo que o Arguido nunca se alienou dos seus deveres nem se furtou à acção da justiça, tendo-se sempre comportado de forma exemplar;
V. Sendo certo que o arguido demonstrou colaboração com a justiça, sem excepção, até à leitura da sua sentença, a 13 de Dezembro de 2021;
VI. Mantendo o contacto com as vítimas e tendo ainda chegado a pedir que as mesmas fossem ouvidas – o que, inexplicavelmente, lhe foi negado;
VII. Tendo prestado declarações de parte e comparecido às audiências de julgamento marcadas, assistindo à restante produção de prova;
VIII. Não existindo por isso qualquer razão para agora se alienar às suas obrigações perante a justiça;
IX. Ao contrário do propalado pela MM.ª Juiz Presidente na audiência em crise não foi efectuada qualquer análise ao processo pois, se tivesse sido, certamente não seria desta resultado a aplicação desta medida;
X. A fundamentação do despacho que aplica qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial (e, numa interpretação extensiva, também aplicável aos despachos que a(s) mantenha(m)), à excepção do termo de identidade, contém, sob pena de nulidade a:
a. descrição dos factos concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b. enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c. a qualificação jurídica dos factos imputados;
d. referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos art.193º e 204º.
XI. Inexistindo, padece o despacho recorrido de evidente nulidade.
XII. As medidas de coacção e de garantia patrimonial obedecem a requisitos estritos de aplicabilidade, nomeadamente de necessidade, adequação e proporcionalidade, sempre analisados a coberto do que deve ser um processo justo e equitativo, assim entendido na senda do artigo 6º da CEDH;
XIII. Sendo certo que a esses requisitos, sempre acrescerão os previstos no artigo 204.º, al. a, b e c do CPP, sendo que, por serem o core de possível análise e de aplicação de uma medida de coacção, sem prejuízo do rigor e objectividade que em sede de conclusões se impõe, e sem especial prejuízo de toda a argumentação supra expendida, sempre merecerão uma abordagem aqui mais desenvolvida;
XIV. Assim, compulsada a decisão em crise, verifica-se facilmente que, não existiu um esforço mínimo para ultrapassar uma abordagem genérica de mera indicação dos requisitos de aplicação geral das medidas de coacção, previstas no artigo 204.º do CPP, em direcção à consideração e fundamentação concreta de como é que os comportamentos alegadamente em causa poderiam justificar o preenchimento dos seus requisitos e, nesta sede, a sua eventual aplicação;
XV. Não havendo, também, qualquer consideração dos requisitos específicos de aplicação da medida de prisão preventiva que, como suficientemente estabilizado doutrinal e jurisprudencialmente, é uma medida de ultima ratio, tendo obviamente que ser especialmente analisada a sua eventual aplicação - nunca se bastando, como é o caso, com uma simples referência à fórmula legal de forma supérflua;
XVI. Mais ainda, quanto aos requisitos específicos de aplicação de uma pena de prisão preventiva, denote-se que os mesmos não se encontram preenchidos neste caso.
Vejamos,
XVII. Em relação à inexistência de continuidade de actividade criminosa:
a. Existe convívio actual entre o Arguido RFG_____  e filhos menores bem como,
b. Entre o Arguido RFG_____  e a Assistente ALG______ ;
c. Inexiste qualquer informação, sinalização ou facto referente a violência, maus-tratos ou agressões do arguido aos filhos ou a mulher, aquando da produção de prova em audiência, desde a separação.
d. Existe, ainda, o relatório isento da EATTL a sugerir um regime alternado: que os filhos passem uma semana com o pai, duas com a mãe.
e. Após aplicação do TIR, o Arguido manteve a sua postura, não houve qualquer atitude negativa, agressiva, violentar ou atentatória de terceiros consequente destes despachos.
f. Não existindo, portanto, qualquer precedente que indicie ou justifique a aplicação de medida de coacção de prisão preventiva, por risco de continuidade de actividade criminosa!
XVIII. Já em relação à inexistência do risco de fuga:
a. O Arguido apenas trabalhou em Cuba uma vez, há já 18 anos, num projecto e por indicação da sua entidade empregadora, sem tem qualquer vínculo com Cuba.
b. Cuba não é sequer, como bem sabemos, no panorama internacional, propriamente um país livre para onde se possa fugir sem qualquer motivo e desempregado.
c. A fundamentação do Tribunal que assenta do no facto do Arguido estar desempregado é desactualizada porquanto, este teve oferta de emprego a dar início em Janeiro 2022 – factos que são do conhecimento do Colectivo e do MP pois foi pelo mesmo afirmado em audiência de julgamento.
d. Já a fundamentação de que pode fugir pela proibição de contacto também não releva pois, mesmo depois do processo em causa, nunca o pai deixou de se preocupar com os filhos e de estar presente, pagando os colégios, as duas casas que tem com a Assistente e continuando a querer estar com os filhos mesmo perante o impedimento da mãe e a notável obstaculização que esta impunha aos filhos.
e. O arguido nunca desistiu de estar com os filhos, mesmo ouvindo as DMF e lendo as acusações, não sendo a proibição de contacto uma implicação de risco de fuga.
f. O arguido já esteve desempregado cinco vezes, não deixou de cumprir com as suas obrigações familiares e nem por isso se candidatou ao estrangeiro.
g. Não existindo, por isso, qualquer risco de fuga que possa justificar, no limite, a aplicação desta medida de coacção de prisão preventiva.
XIX. Não existe, portanto, um qualquer preenchimento suficiente de todos os patamares de aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, não tendo bem andado o Tribunal a quo ao escolher uma medida de coacção de ultima ratio, nem tendo bem andado a referida MM.ª Juiz Presidente ao aplicar esta mesma medida precipitadamente e sem a exigível cuidadosa análise.
XX. Reafirmando-se que não se encontram preenchidos os requisitos previstos nos artigos 202.º e 204.º do Código de Processo Penal, pelo que nunca poderia ter sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva ao aqui Arguido, motivo pelo qual, nos termos legais aplicáveis, deve ser a mesma imediatamente revogada sendo aquele devolvido à devida liberdade – o que, desde já, se requer!
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida de aplicação da medida de prisão preventiva em crise, ordenando-se a substituição de tal medida de coação por medida não privativa da liberdade ou, em ultima hipótese, pela obrigação de permanência na habitação por recurso a meios de vigilância electrónica, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”
Ao assim recorrido respondeu o Ministério Publico sustentando que o recurso não merece provimento.
Subidos os autos a este Tribunal, a Digna Procuradora Geral Adjunta elaborou douto parecer onde sustenta que:
“Examinados os fundamentos do recurso, acompanhamos a muito bem fundamentada argumentação da Exma. Colega na 1ª Instância para os rebater, que subscrevemos na íntegra.
No entanto, aditamos o seguinte.
Dos autos resulta inequivocamente que o recorrente considera ter actuado sobre os filhos no exercício do poder correctivo e de educação inerente às responsabilidades parentais, não vendo na aplicação de castigos físicos qualquer mal por que os aplica com intuitos correctivos e de educação, apenas se vendo como exigente na educação [vejam-se, entre outros, os factos provados 7., 117. e 119.]. Os castigos físicos [agressões] aplicados sobre os filhos, que o recorrente desvaloriza, consistem em pancadas com as mãos fechadas e abertas sobre a face, cabeça, costas e pelo corpo, empurrões, puxões de orelhas, pontapés, mesmo quando os filhos ficam prostrados no solo em consequência dos “correctivos”. E os castigos psicológicos [palavras ofensivas e humilhações] consistem em dirigir aos filhos e mulher epítetos como “preguiçoso, palerma, JG____ tu és uma nódoa”, “burro, estúpido”, “bem estúpida”, “palerma”, “parva”. Nem a presença de terceiros inibiu o recorrente de praticar os factos dos autos.  O recorrente tem, por isso, uma ideia muito própria sobre aquilo em que consistem as responsabilidades parentais e o seu exercício, em especial, o poder correctivo, de que os castigos físicos e psicológicos fazem parte na correcção de atitudes, aprendizagem e educação dos filhos.
Acresce que as acções do recorrente sobre os filhos e mulher, descritas nos factos provados, revelam crueldade, insensibilidade e falta de empatia pelas pessoas que deviam ser as mais importantes na sua vida [vejam-se, em especial, factos provados 44., 78. a 82.]. O recorrente não vê os filhos e mulher como vítimas dos seus actos [facto 119.], o que evidencia que não tem uma consciência crítica sobre os efeitos dos seus actos naqueles, os quais, que devido à sua actuação, tornaram-se pessoas tristes, inseguras, infelizes, medrosas e sofredoras. 
O recorrente mostra-se imune a estas consequências da sua actuação.  Como o Tribunal a quo deu como provado [factos 117., 118. e 119.], o recorrente não evidencia juízo critico ou de autocensura face aos factos que praticou, não está arrependido, tem uma atitude manipuladora e de desejabilidade social, é detentor de uma personalidade agressiva, impulsiva e controladora. 
Donde, o perigo de continuidade da actividade delituosa ser concreto e muito elevado. 
Importa ainda ponderar que aplicar ao recorrente uma medida de coacção não privativa da liberdade, pode implicar, atendendo à sua personalidade, atitude face ao crime e a que a sua actuação foi colocada a descoberto, um elevado risco de retaliação sobre as vítimas, cujo perigo é muito elevado e concreto. Impõe-se proteger as vítimas.
 A aplicação da medida de coacção de OPHVE não é adequada a prevenir o perigo de continuidade da actividade delituosa, mesmo sendo acompanhada da proibição de contactos com as vítimas, pois que o recorrente não ficará inibido de as contactar por telefone, internet…
 Tendo presente este quadro factual e os crimes imputados [a condenação está sob recurso], temos que a medida de coacção de prisão preventiva se mostra adequada e proporcional em face da gravidade dos crimes e à sanção que virá a ser aplicada em sede de recurso, sendo que, em cúmulo jurídico, o recorrente foi condenado na pena de 9 anos de prisão, configurando-se como a única medida de coacção apta a prevenir os perigos de fuga, perante a ameaça de cumprimento de pena de prisão efectiva, e de continuidade da actividade delituosa, em face da personalidade do arguido, com correspondência na fragilidade/vulnerabilidade das vítimas, e como adequada às exigências cautelares que o caso requer.
Em face do exposto,
Somos de parecer que o recurso não merece provimento.”
Os autos foram a vistos e à conferência.
*
II– Do âmbito do recurso, do despacho recorrido e seus fundamentos.
O objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in www.dgsi.pt ) : “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”, sem prejuízo, obviamente da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Considerando a ditas conclusões temos que as questões a conhecer são:
a) A ausência de fundamentação concreta da decisão que aplica a medida (conclusão XIV);
b) A questão da existência de perigo de continuação da actividade criminosa (conclusão XVII)
c) A questão da inexistência de perigo de fuga (conclusão XVIII);
d) A questão da aplicação da obrigação de permanência na residência em detrimento da prisão preventiva (pedido final).
A fim de conhecermos estas questões, primeiro que tudo, no entanto, transcreveremos a decisão recorrida na parte que releva e os factos dados como assentes no acórdão proferido pois que foi com base nos mesmos que a decisão foi tomada.
Assim:
"O arguido encontra-se sujeito, desde o início do inquérito, à medida de coacção de termo de identidade e residência, a qual consubstancia a medida de coacção menos gravosa consagrada pelo sistema processual penal vigente.
Porém, face ao acórdão ora proferido, nos termos do qual ficou provado que o arguido cometeu, em autoria material, seis crimes de violência doméstica, p. e p. pelos arts. 152°, n°s 1 e 2, do Código Penal, pelos quais foi condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares de 3 anos de prisão, 4 anos de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão, 3 anos e 3 meses de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão e 3 anos e 4 meses de prisão, cumpre questionar se a medida de coacção que o arguido mantém é a adequada e proporcional ao caso concreto.
Inequivocamente que o arguido, confrontado com a circunstância de ter de cumprir os 9 anos de prisão em que foi condenado, pese embora não se possa ainda prever o momento em que ocorrerá o trânsito em julgado desta condenação, poderá ver-se tentado a furtar-se ao cumprimento de tal pena, até porque resulta da prova produzida em audiência que, no passado, exerceu funções profissionais fora do país, concretamente, em Cuba, sendo ainda certo que as suas habilitações académicas e experiência profissional são aptas a que, a qualquer momento, possa vir a receber proposta de trabalho fora de Portugal, ou mesmo a candidatar-se a um emprego em país estrangeiro. Na verdade, o arguido encontra-se presentemente desempregado e sem vínculo laboral, o que potência o risco de tal suceder, seja por opção profissional, seja por força da condenação que ora conheceu. Existe, assim, em concreto, o forte perigo de, a qualquer momento, o arguido se ausentar para parte incerta, frustrando a execução da pena e as consequências punitivas decorrentes dos crimes que cometeu.
Por outro lado, se é nítido, que, presentemente, o arguido se encontra separado da assistente e vítima ALG______ e dos filhos, à excepção da vítima JM______   , que consigo tem residido com algum carácter de frequência, não pode o tribunal ignorar o facto de tal separação não impedir o arguido de, quando está com os filhos, na residência que habita, bem como noutros locais, os agredir fisicamente e de lhes dirigir palavras insultuosas e lesivas da sua honra e consideração pessoal, humilhando-os.
Tal foi o que resultou, de forma expressa, das declarações para memória futura prestadas nos autos pelos menores AM______ e MM_____ no dia 04.11.2020, e que foram devidamente valoradas pelo Tribunal para a formação da sua convicção, permitindo concluir que a permanência do arguido em liberdade proporciona, em concreto, o perigo de continuação da actividade criminosa, não sendo o tribunal insensível à circunstância de os seus contactos com o filhos potenciarem nestes maior instabilidade psíquica mercê das características manipuladoras que o arguido apresenta. Na verdade, por várias vezes ao longo da audiência, pretendeu o arguido que os menores fossem ouvidos em julgamento, tendo pretextado que os mesmos lhe confessaram pretender repor a verdade e, com isso, desvalorizar e relativizar o que haviam declarado na referida diligência ocorrida nos autos a 04.11.2020, documentada a fls. 371 a 375.
Existe, assim, em concreto, o forte perigo de fuga do arguido e o forte perigo de continuação da actividade criminosa caso permaneça sujeito, apenas, a termo de identidade e residência, sendo ainda evidente que se mostra fortemente indiciada a prática dos crimes pelos quais vai condenado na pena única de 9 anos de prisão.
Por conseguinte, impõe-se a conclusão de que, no caso vertente, se encontra excluída a aplicação de qualquer outra medida de coacção que não a prisão preventiva, pois que mais nenhuma se afigura suficiente, adequada e proporcional à salvaguarda das exigências cautelares que o caso impõe, nomeadamente tendo em vista evitar o perigo de fuga e de continuação da sua actividade criminosa por parte do arguido RFG_____   .
Não pode, ainda, olvidar-se a patente proporcionalidade da prisão preventiva à gravidade dos ilícitos por cuja prática se mostra já condenado, pese embora sem que se verifique ainda o respectivo trânsito em julgado.
Nesta conformidade, e atenta a fundamentação aduzida, determino que o arguido RFG_____ aguarde os ulteriores termos do processo em prisão preventiva - artigos 191°, 192°, 193°, 202°, n° 1, al. a), e 204°, alíneas a) e c), todos do Código de Processo Penal.
Passe, de imediato, mandados de condução do arguido ao Estabelecimento Prisional.”
 São os seguintes os factos dados como assentes:
“1. O arguido e a assistente ALG______   casaram um com o outro no dia 7 de Junho de 2003;
2. O arguido e ALG______ são progenitores comuns de JM______  de  , nascido em 15 de Abril de 2004, AM______ de  , nascido em 17 de Agosto de 2005, MMD_____ de  , nascida em 20 de Março de 2007, JM____ de  , nascido em 9 de Fevereiro de 2009, MM_____ de  , nascido em 7 de Junho de 2011, e FM____  de  , nascido em 22 de Agosto de 2014;
3. O arguido, ALG______ e os filhos comuns coabitaram até 30 de Julho de 2019, data em que aquela abandonou o domicílio comum, até então sito na Rua JG_____  , lote 9, 1º esquerdo, Lisboa, levando consigo os filhos;
4. A partir de tal data, cessou a coabitação entre o arguido e ALG____ , e por inerência entre o arguido, e os filhos menores comuns, não mais tendo sido retomada;
DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRA O FILHO JM______  DE 
5. Em data não apurada, quando o filho JG_____  contava cerca de oito meses de idade, o arguido, aquele filho JG____ e ALG______ encontravam-se no domicílio comum;
6. Então, na sequência do menor JG_____  ter desferido um pontapé num aparelho de aerossol que estava em uso para tratá-lo, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na cara, assim lhe causando dores;
7. Quando chamado à atenção por ALG______ quanto a tal conduta, o arguido retorquiu que o filho JG____ sabia o que tinha feito, que os pais deviam corrigir os filhos, e que tais castigos não faziam mal nenhum; 
8. Em data não apurada, quando o filho JG_____  contava cerca de oito anos de idade, no domicílio comum, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na cara, fazendo-o embater no parapeito de uma janela próxima, assim lhe causando dores e lesões visíveis numa das orelhas;
9. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2010 e o término da coabitação, o arguido e o filho JG_____  encontravam-se na residência de  _____ , avôs maternos deste, sita no concelho de Alenquer;
10. Nessas circunstâncias, irado por estar convicto de que o referido menor derramara chá sobre alguns artigos escolares, o arguido desferiu-lhe um pontapé nos glúteos e uma pancada com a mão fechada nas costas, assim lhe causando dores;
11. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2016 e o término da coabitação, o arguido e o filho JG_____  encontravam-se no domicílio comum;
12. Em tais circunstâncias, ali também se encontrava DV_____ , que à altura privava com o agregado familiar do arguido;
13. Então, aparentando irritação por o filho JM______  patentear dificuldades em compreender a matéria escolar que estava a estudar, o arguido desferiu-lhe várias pancadas com as mãos abertas na cara, assim lhe causando dores;
14. O arguido agarrou então o filho JG____ e conduziu-o até à cozinha da habitação, local onde voltou a desferir-lhe várias e audíveis pancadas, com as mãos abertas, pelo corpo, assim lhe causando dores;
15. Em data não apurada, compreendida no mês de Dezembro de 2018, na via 
pública, junto às instalações da Paróquia de São Tomás de Aquino, nas Laranjeiras, em Lisboa, o arguido encostou o filho JG____ a uma parede e desferiu-lhe uma pancada nas costas, com a mão aberta, assim lhe causando dores;
16.       Em data não apurada, compreendida na época do Natal de 2018, nas instalações da Paróquia de São Tomás de Aquino, nas Laranjeiras, em Lisboa, no decurso do ensaio do respectivo coral, o arguido desferiu um empurrão no filho JG___ , fazendo-o embater contra uma parede, assim lhe causando dores;
17. Acto contínuo, o arguido desferiu um pontapé no referido menor, atingindo-o na zona dos glúteos, assim lhe causando dores;
18. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2017 e a cessação da coabitação, o arguido, o filho JG____ e demais agregado familiar encontravam-se no domicílio comum, sentados à mesa do jantar, tomando a dita refeição;
19. Nessas circunstâncias, aí também se encontrava MVV_____ , que à altura privava com o agregado familiar do arguido;
20. Então, o arguido disse ao filho “JM_____, TIRA-ME ESSA CARA”, e acto contínuo desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na face, assim lhe causando dores;
21. No dia 15 de Abril de 2019, o arguido e o filho JG____ encontravam-se no domicílio comum;
22. Nessas circunstâncias, ali se encontravam alguns amigos do menor, em celebração do aniversário deste, e bem assim MVV_____ , que à altura privava com o agregado familiar do arguido; 
23. Então, o arguido desferiu duas pancadas nas costas do menor, indiferente a que tais actos fossem presenciados pelas demais pessoas presentes, assim vexando o filho e causando-lhe dores;
24. Em data não concretamente apurada, compreendida no ano de 2019, pouco tempos antes da cessação da coabitação, o arguido e o filho JG_____  encontravam- se no domicílio comum;
25. Em tais circunstâncias, ali também se encontrava DV_____ , que à altura privava com o agregado familiar do arguido;
26. Então, na sequência da vítima ter agredido alguns dos seus irmãos, o arguido agarrou no filho JG____ e conduziu-o até a um quarto, local onde lhe desferiu vários pontapés, mesmo quando o menor se encontrava prostrado no solo, assim lhe causando dores;
27. A assistente ALG____  compareceu então no aludido quarto, com vista a cessar tais agressões;
28. Então, gritando, o arguido declarou a ALG_____ “DESAPARECE”, tendo esta saído do local, por recear o que o arguido lhe pudesse fazer, caso não acatasse tal ordem assim vociferada;
29. Em data não concretamente apurada, compreendida no ano de 2019, pouco tempos antes da cessação da coabitação, o arguido e o filho JG_____  encontravam-se na sala do domicílio comum;
30. Então, o arguido desferiu vários empurrões na vítima, impelindo-o até à casa de banho. 
31. Nessa divisão, o arguido continuou a desferir empurrões até fazê-lo tombar na banheira, assim lhe causando dores;
32. Ao longo de todo o período da coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, com frequência pelo menos semanal, no domicílio comum, o arguido desferiu pancadas com as mãos abertas no filho JG___ , atingindo-o onde calhasse, mormente na cara, pernas e glúteos, assim lhe causando dores, pranto e marcas visíveis nas zonas atingidas;
33. Por força de tais pancadas, por vezes o menor tombava no chão, sendo que nessas ocasiões o arguido tinha por hábito levantá-lo, puxando-o pelos cabelos, e bem assim pelas orelhas, exercendo força muscular, assim lhe causando dores;
34. Quando assim procedia, o arguido não se coibia de apelidar o filho de “PREGUIÇOSO, PALERMA”, e de lhe declarar “JG___ , TU ÉS UMA NÓDOA”;
DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRA O FILHO AM______
35. Em data não apurada, quando o filho AG_____ contava cerca de quatro anos de idade, no domicílio comum, na sequência daquele ter riscado uma parede com um carrinho de brincar, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta nos glúteos, assim lhe causando dores;
36. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2016 e o término da coabitação, o arguido e o referido menor encontravam-se no domicílio comum;
37. Em tais circunstâncias, ali também se encontrava DV_____ , que à altura privava com o agregado familiar do arguido;
 38. O arguido questionou então o filho por que estava um livro no chão, ao que o menor nada respondeu, por ter ficado transido de medo com tal pergunta;
39. Acto contínuo, o arguido desferiu-lhe várias pancadas com as mãos abertas, atingindo-o por todo o corpo, mormente na cara e cabeça, assim lhe causando dores e pranto persistente, de que o arguido ficou ciente, e que não o demoveu de continuar a bater no menor de tal forma;
40. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2018 e o término da coabitação, o arguido e o referido menor encontravam-se no domicílio comum;
41. Em tais circunstâncias, ali também se encontrava DV_____ , que à altura privava com o agregado familiar do arguido;
42. Nessa ocasião, o menor AG_____  estava doente, patenteando estar acometido de febre;
43. Pese embora tivesse ficado bem ciente de que o filho estava doente, e patenteava estado febril, o arguido não se coibiu de lhe ordenar que mudasse os lençóis das camas de seus irmãos, o que o menor fez;
44. Em data não apurada, quando o menor cursava o sétimo ano de escolaridade, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na face, causando-lhe dores, e bem assim, na zona atingida, uma marca vermelha visível nos três dias subsequentes, causada pelo impacto da aliança de casamento que o arguido usava na mão;
45. Em data não apurada, compreendida no ano de 2019, próxima da cessação da coabitação, o arguido agarrou o filho AG_____  por uma orelha, exercendo força, assim lhe 
causando dores;
46. Ao longo de todo o período da coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, com frequência pelo menos semanal, no domicílio comum, o arguido desferiu pancadas com as mãos abertas no filho AG_____ , atingindo-o onde calhasse, mormente na cara, pernas e glúteos, assim lhe causando dores, pranto e marcas visíveis nas zonas atingidas;
47. Nesse contexto, por vezes o arguido atingia o filho com lombadas de livros, assim lhe causando dores;
48. Por força de tais pancadas, por vezes o menor tombava no chão, sendo que nessas ocasiões o arguido tinha por hábito levantá-lo, puxando-o pelas orelhas, exercendo força muscular, assim lhe causando dores;
49. Quando assim procedia, o arguido não se coibia de apelidar o menor de “BURRO, ESTÚPIDO”;
DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRA A FILHA MMD_____
50. Desde, pelo menos, o ano de 2011, que, no domicílio comum, o arguido passou a dirigir maus tratos à filha    ;
51. Assim, ao longo de todo o período compreendido entre data não apurada de 2011, quando a menor tinha quatro anos de idade, e o término da coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, com frequência pelo menos semanal, no domicílio comum, o arguido desferiu-lhe pancadas com as mãos abertas, atingindo-a onde calhasse, mormente na cara, costas e glúteos, assim lhe causando dores, pranto e marcas visíveis nas zonas atingidas;
52. Por força de tais pancadas, por vezes a menor tombava no chão, sendo que nessas ocasiões o arguido tinha por hábito levantá-la, puxando-a pelas orelhas, exercendo força muscular, assim lhe causando dores;
53. Quando assim procedia, o arguido não se coibia de apelidar a menor de “BURRA, ESTÚPIDA, PALERMA, PARVA”.
DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRA O FILHO JM____
54. Em data não apurada, compreendida em Maio de 2018, o arguido e filho JG_____    encontravam-se junto à Igreja de São Tomás de Aquino, em Lisboa, após a missa dominical;
55. Então, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na face, provocando a respectiva queda no solo;
56. Como consequência de tal conduta do arguido, o menor JG_____ sofreu dores, e bem assim uma marca de impacto na face, aí impressa pelos dedos do arguido;
57. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2016 e o término da coabitação, o arguido e o referido menor encontravam-se no domicílio comum;
58. Em tais circunstâncias, ali também se encontrava DV_____ , que à altura privava com o agregado familiar do arguido;
59. Em tais circunstâncias, o arguido, o referido menor e demais agregado familiar estavam sentados à mesa de jantar, tomando tal refeição;
60. Então, no contexto de conversa com DV____ sobre matérias escolares, o filho JG_____ , denotando entusiamo, levantou-se da mesa;
61. Acto contínuo, o arguido desferiu-lhe duas pancadas com as mãos abertas na cara, causando-lhe dores e pranto;
62. Em tal ocasião, vociferando, o arguido questionou o filho “QUEM TE MANDOU LEVANTAR? QUEM É QUE TE MANDOU LEVANTAR?”;
63. Em data não apurada, compreendida no período da coabitação, por o menor estar a chorar após ter saído da piscina em que estava a nadar, e por não ter explicado ao arguido o motivo para tanto, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na cara, assim lhe causando dores;
64. Ao longo de todo o período da coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, com frequência pelo menos semanal, no domicílio comum, o arguido desferiu pancadas com as mãos abertas e fechadas no filho JG_____ , atingindo-o onde calhasse, mormente na cara, pescoço, costas e glúteos, assim lhe causando dores, pranto, e marcas visíveis nas zonas atingidas;
65. Nesse contexto, o arguido não se coibia de puxar o filho pelas orelhas, exercendo força muscular, assim lhe causando dores;
66. Quando assim procedia, o arguido não se coibia de apelidar o menor de “ESTÚPIDO, PALERMA, PARVO”;
DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRA O FILHO MM_____  
67. Em data não apurada, compreendida entre o ano de 2018 e o término da coabitação, o arguido, o referido menor e demais agregado familiar encontravam-se. no domicílio comum;
68. Aí também se encontrava MVV_____ , que à altura privava com o agregado familiar do arguido;
69. Nessas circunstâncias, o menor MG______  estava a brincar à mesa de jantar;
70. Então, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na face, assim lhe causando dores;
71. Ao longo de todo o período da coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, com frequência pelo menos semanal, no domicílio comum, o arguido desferiu pancadas com as mãos abertas e fechadas no filho MG______ , atingindo-o onde calhasse, mormente na cara, pescoço, costas e glúteos, assim lhe causando dores, pranto, e marcas visíveis nas zonas atingidas, mormente nas pernas;
72. Nesse contexto, o arguido não se coibia de atingir o menor com chinelos, assim lhe causando dores;
73. Nesse contexto, o arguido não se coibia de puxar o filho pelas orelhas, exercendo força muscular, assim lhe causando dores;
DOS FACTOS PRATICADOS PELO ARGUIDO CONTRA ALG______  
74. Ao longo de todo o período de coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, no domicílio comum, o arguido apelidou a mulher de “IRRESPONSÁVEL, ESTÚPIDA”, por entender que a mesma não desempenhava de forma adequadas as lides domésticas, cuja execução o arguido lhe impunha na totalidade;
75. Ao longo de todo o período de coabitação, em múltiplas ocasiões, de número não apurado, no domicílio comum, o arguido desferiu empurrões a ALG____ , para evitar que a mesma se interpusesse entre o arguido e os filhos menores comuns, nas ocasiões em que o arguido dirigia a estas agressões físicas;
76. Em data não apurada, compreendida no período da coabitação, após ALG______ ter limpo o chão da cozinha do domicílio comum, o arguido aí despejou o conteúdo de um caixote de lixo, sob pretexto de procurar um artigo que aí estaria perdido;
77. De seguida, o arguido ordenou à mulher que limpasse de novo o chão da cozinha, o que esta fez, para não incorrer na ira do arguido;
78. Em data não apurada, compreendida em Janeiro de 2018, ALG______ sofreu um aborto espontâneo, no terceiro mês de gestação, o que apurou após a realização de ecografia;
79. No dia seguinte, de manhã, pelas 07H, ALG______ acordou tomada de dores, apurando então que havia expelido o feto que trazia ainda no ventre, e que por força de tal facto estava acometida de profusa hemorragia na zona vaginal;
80. Então, pediu ajuda ao arguido, explicando-lhe o que acontecera, e bem assim que estava com muitas dores e com perda de sangue;
81. Ainda nesse dia, por o arguido recusar prestar ajuda à mulher, esta solicitou à sua amiga MVV____ que recolhesse alguns dos filhos menores comuns nas respectivas escolas, ao que MVV____ anuiu;
82. Nessa altura, pese embora bem soubesse que a mulher ficara perturbada com o aludido aborto, o arguido disse-lhe que a mesma era uma má cristã, por chorar a morte do filho que perdera;
83. Em data não apurada, por essa altura, no domicílio comum, ALG______ começou a bater nas suas próprias pernas, no contexto de revolta com o aludido aborto;
84. Então, o arguido desferiu-lhe uma pancada com a mão aberta na face, assim lhe causando dores;
85. No dia 28 de Julho de 2019, no domicílio comum, na presença dos filhos comuns, o arguido apelidou a mulher de “IRRESPONSÁVEL”;
86. Ao agir da forma descrita, teve o arguido o propósito logrado e reiterado de humilhar e maltratar a sua mulher, ALG______  , no domicílio comum, na presença dos filhos menores comuns, apesar de saber que lhe devia particular respeito e consideração, na qualidade de sua mulher e de mãe dos seus filhos;
87. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de dirigir maus-tratos ao menor JM______  de  , seu filho, no domicílio comum, bem sabendo que, por força da tenra idade deste, e da desproporção etária entre ambos, o filho não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua ação criminosa;
88. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de dirigir maus-tratos ao menor AM______ de  , seu filho, no domicílio comum, bem sabendo que, por força da tenra idade deste, e da desproporção etária entre ambos, o filho não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua ação criminosa;
89. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de dirigir maus-tratos à menor MMD_____ de  , sua filha, no domicílio comum, bem sabendo que, por força da tenra idade desta, e da desproporção etária entre ambos, a filha não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua ação criminosa;
90. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de dirigir maus-tratos ao menor JM____ de  , seu filho, no domicílio comum, bem sabendo que, por força da tenra idade deste, e da desproporção etária entre ambos, o filho não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua acção criminosa;
91. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito logrado de dirigir maus-tratos ao menor MM_____ de  , seu filho, no domicílio comum, bem sabendo que, por força da tenra idade deste, e da desproporção etária entre ambos, o filho não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à sua actuação, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua acção criminosa;
92. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei; 
Do pedido de indemnização civil:
93. Ao longo do período de coabitação, o demandado humilhava constantemente a demandante ALG______ , menosprezando o seu papel de mãe, doméstica e mulher;
94. O demandado controlava o que a demandante ALG______  fazia e dava ordens para ela corrigir, aos gritos, o que, a mesma fazia, nunca existindo da sua parte ajuda, respeito ou agradecimento por todo o trabalho que a mesma tinha;
95. Perante as críticas do demandado, a demandante ALG______  refugiava-se na casa de banho a chorar, e quando aquele se apercebia de que a mesma aí estava, começava a grita e a bater na porta;
96. Durante os anos de coabitação de ambos, o demandado levou a demandante ALG______  a sentir-se mal consigo própria e a acreditar que não servia para nada e que tudo era culpa sua, incluindo o aborto que sofreu, passando a mesma a viver receosa e em grande estado de alteração nervosa;
97. A demandante ALG______ , perante a situação depressiva que lhe foi causada pelo demandado, teve que recorrer a acompanhamento psicológico e psiquiátrico, que ainda mantém;
98. A demandante ALG______ , por força das actuações do demandado, viveu e vive muito abalada, sentiu-se, e sente-se humilhada, sentiu e sente medo, ansiedade e insegurança extrema;
99. A demandante ALG______ , por força das actuações do demandado, tem perturbações do sono, dificuldade em adormecer e sofre pesadelos recorrentes que a impedem de descansar;
100. A demandante ALG______ , por força das actuações do demandado, tem medo de não ser uma boa mãe e padece de reduzida auto-estima;
101. A conduta do demandado obrigou a demandante ALG______  a recorrer a serviços de especialistas para acompanhamento psicológico e a suportar os seguintes custos: teve de despender, em sessões de tratamento e terapia psicológica na Clínica “Power Clinic”, o valor de € 490, tendo ainda suportado o pagamento total de € 510 no pagamento de consultas de acompanhamento psicológico prestado aos filhos MG______ , na “Clínica da Criança e do Adolescente”, na sequência da conduta do demandado sobre estes;
102. Os demandantes JM______, AM_____, MMD_____, JM____ e MM_____ encontram-se instáveis, sendo crianças com perturbações decorrentes dos comportamentos violentos praticados pelo demandado, supra descritos;
103. Todos os referidos demandantes encontram-se traumatizados face às condutas do demandado e, por força destas, os demandantes JG___ , JG_____  e MG______  sofrem de enurese nocturna;
104. À medida que cresce, o demandado JM______  tem-se tomado uma criança cada vez mais agressiva, aparentando estar a assumir o papel do demandado e actuando como ele;
105. O demandante JM______ apresenta, face aos comportamento do demandado, de que foi alvo, um vazio emocional, tem fraca auto-estima e não dispõe de ferramentas emocionais e psicológicas que lhe permitam conseguir relações interpessoais saudáveis, exibindo impulsos agressivos;
106. O demandante AG_____, por força das actuações do demandado, apresenta- se como uma criança violenta, nervosa e insegura;
107. A demandante MMD_____ tem pavor do demandado, apresenta dificuldades em adormecer e é uma jovem insegura, com crises de ansiedade e escassa auto- estima;
108. O demandante JG_____, por força das actuações do demandado, tem-se tomado uma criança cada vez mais agressiva e com ataques de fúria, agredindo os irmãos com objectos;
109. O demandante JG_____   , por força das actuações do demandado, tem dificuldade em controlar as suas emoções e frustrações, está sempre com medo, tem crises de choro e é emocionalmente instável;
110. O demandante MG______   , por força das actuações do demandado, tem pavor deste, está deprimido, apresenta dificuldades em adormecer, em relacionar-se com os outros e tem ataques de ansiedade e pânico;
Mais se apurou que:
111. O arguido, natural de Lisboa, pertence a uma fratria de dois irmãos, sendo o mais velho, tendo o seu desenvolvimento decorrido no agregado dos progenitores e da irmã;
112. Em termos académicos, o arguido concluiu uma licenciatura em Economia e posteriormente frequentou uma pós-graduação, que concluiu há dois anos; 
113. O seu percurso laboral é maioritariamente estável, tendo desempenhado funções como consultor e director financeiro numa empresa multinacional sita em Cuba, na América Central, e também em Portugal, pese embora tenha passado por alguns períodos de desemprego, situação em que se mantém actualmente;
114. Até Agosto de 2020 trabalhou como director financeiro do Hospital …, tendo perdido essa colocação laboral por foça da pandemia de covid-19;
115. Aufere € 1.100 de subsídio de desemprego e apresenta como despesas o crédito à habitação da casa onde reside, e também da que é habitada pela mulher e os filhos, no valor de € 1.200, bem como as prestações dos colégios dos filhos, no valor de € 700;
116. Nos tempos livres, o arguido desenvolve actividade de cariz cívico e religioso, tendo já sido dirigente de um partido político;
117. O arguido não evidencia juízo crítico ou de auto-censura face aos factos a que se reportam os presentes autos, nem se encontra arrependido da sua prática;
118. O arguido adopta, na relação com os outros, uma postura de desejabilidade social e manipulação;
119. É detentor de uma personalidade agressiva, impulsiva e controladora e não reconhece a condição de vítimas resultantes dos seus comportamentos;
120. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.”
*
III - Do mérito do recurso
Decidindo
Como é sabido as medidas de coacção são meios processuais de limitação de liberdade pessoal, e estão sujeitas aos princípios da legalidade, da adequação, da proporcionalidade, da precariedade e, quanto à prisão preventiva da subsidariedade (arts. 191º, nº 1, 193º, 215º e 218º, 202º e 209º, do CPP).  Com efeito, as medidas de coacção têm uma função cautelar tendo em vista assegurar os fins do processo, quer para garantir a execução da decisão final condenatória, quer para assegurar o regular desenvolvimento do procedimento, e como tal são limitativas da liberdade pessoal e patrimonial dos arguidos. Tais medidas porque limitativas de direitos fundamentais têm que, contudo, estar em conformidade com as garantias da Constituição e da Lei.
Assim, o art. 191º, nº 1, do CPP no qual se consagra o princípio da legalidade das medidas de coacção, determina, de harmonia com o preceito constitucional do art. 27º, nº 2, da CRP, que "a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função das exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e garantia patrimonial previstas na lei". 
O direito à liberdade pessoal, como direito fundamental, é de aplicação directa e vincula todas as entidades públicas e privadas e a sua limitação, suspensão ou privação apenas opera nos casos e com as garantias da Constituição e da lei – arts. 27º, nº 2 e 28º, da CRP, e art. 5º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - não deixando, porém, também a Lei Fundamental de prever os casos de violação dos deveres a que os cidadãos estão adstritos ou as situações particulares decorrentes da prática de crimes.
Com efeito a Constituição admite restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais, mas consagra que tais limitações se hão-de limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, princípio este previsto no art. 18º, nº 2, da Lei Fundamental, que assume especial relevância no âmbito das medidas de coacção.
"A expressão liberdade das pessoas, usada no art. 191º, tem um significado amplo, abrangendo tanto a liberdade física de movimentação e deslocação, que pode ser limitada especialmente pela prisão preventiva, obrigação de permanência na habitação e proibição de permanência ou de ausência, mas também todas as faculdades de exercício de direitos, de natureza pessoal ou patrimonial, que podem ser limitadas por outras medidas" (vide Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Ed. Verbo, 1999, Vol II, pág. 235).
A prisão preventiva prevista no art. 202º, do CPP, que é a medida mais grave das medidas de coacção, e dada a sua excepcionalidade e subsidariedade, conforme resulta da Constituição, em que a liberdade é a regra e a prisão preventiva a excepção (arts. 27º e 28º, da CRP), só pode ser aplicada se considerarem inadequadas ou insuficientes, no caso, as demais medidas de coacção, e, a) houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos; ou b) se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra ela estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.
Indícios suficientes” tem no Código do Processo Penal uma extensão precisa e incontornável: consideram-se tais os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (nº 2 do artigo 283º do Código de Processo Penal). Daqui se infere que os “fortes indícios” terão que corresponder a uma probabilidade elevada de ao sujeito, por força deles, vir a ser aplicada uma pena.
Por outro lado, de harmonia com o disposto no art. 204º, do CPP, tal medida só pode ser aplicada quando, em concreto se verificar:
a) fuga ou perigo de fuga;
b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime, da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas ou de continuação da actividade perigosa.
De harmonia com o disposto no art. 194º, nºs 1 e 2, do CPP, a aplicação da medidas de coacção e de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, são aplicadas por despacho do juiz, durante o inquérito a requerimento do Mº Pº e depois do inquérito mesmo oficiosamente, ouvido o Mº Pº, (nº 1), e é precedida, sempre que possível e conveniente, de audição do arguido e pode ter lugar no acto do primeiro interrogatório judicial (nº 2).
O despacho que aplique tal medida tem que ser fundamentado, uma vez que é um acto judicial decisório, nos termos dos arts. 205º, nº 1, da CRP, e 194º, nº 3, e 97º, nº 4, do CPP.
Feita esta resenha cumpre antes do mais conhecer a primeira questão suscitada e que se prende com a existência de fundamentação adequada.
A questão suscitada, diga-se, é feita por reporte aos artº 97º nº 1 b) e 5 do C.P.P. A falta de fundamentação, com excepção, entre outros, do caso da o da sentença não se mostra cominada com a sanção da nulidade, razão pela qual constitui mera irregularidade.
 As irregularidades estão sujeitas ao regime do artigo 123.º, n.º1, do C.P.P., sendo certo que o recorrente não cumpriu esse regime já que não a invocou perante o tribunal a quo no prazo previsto nesse preceito legal.
Assim, a questão sempre seria extemporânea.
Contudo, e em abono da verdade, se diga que a irregularidade não existe pois que o Tribunal explicou porque é que, no seu entendimento, ante os factos dados por assentes, entende que existem os perigos invocados e porque é que, de entre a panóplia de medidas existentes, a prisão preventiva é a única medida aplicável.
Assim, falece a primeira questão aplicável.
Quanto à questão dos perigos optamos por os analisar em conjunto.
Começaremos por dizer que os factos indiciados são, como referido no despacho recorrido, aqueles que constam do acórdão proferido. E tal indiciação é forte pois que a análise dos factos passou pelo crivo do contraditório e pelo crivo de três juízes.
Sobre os factos e a sua indiciação nada há a dizer.
E mais, a questão suscitada pelo arguido de ter proposta de emprego em Portugal é matéria que não releva para a presente decisão.
Na verdade, tal matéria não consta dos factos provadas e não foi discutida em primeira instância. Se o arguido quisesse que tal questão fosse conhecida o caminho seria suscitar a mesma em primeira instância demonstrando uma alteração de factos e pedir a alteração da medida de coacção nos termos do artº 213º do C.P.P..
Não o tendo feito tal matéria não é de considerar.
O Tribunal a quo considerou que, em concreto, existe o perigo de fuga.
Para tanto refere que o arguido foi condenado em 9 anos de prisão e já trabalhou no estrangeiro pelo que poderá abandonar o país.
Ora, a chave da questão prende-se com o facto da Lei existir que os perigos do artº 204º do C.P.P. sejam considerados em concreto e não em abstracto.
É verdade que a perspectiva de 9 anos de prisão não é agradável para ninguém e muito menos o será para o arguido já que ele até está convicto (intimamente convicto) que agiu bem ou pelo menos que nada de mal fez.
Contudo, tal não transforma um perigo abstracto (que existe) num perigo de fuga concreto.
O Tribunal a quo também sustenta o perigo de fuga no facto do arguido ter trabalhado no estrangeiro e aí ter conhecimentos.
Acontece que não está provado que o arguido tenha conhecimentos no estrangeiro mas apenas que trabalhou em Cuba e que tal foi antes de trabalhar em Portugal.
Então o arguido, porque trabalhou no estrangeiro, pode fugir ? É verdade.
Também pode comprar um bilhete na camioneta para Badajoz e fugir.
 Pode comprar um bilhete low cost e seguir no avião. Pode assumir uma miríade de condutas… pode …
De nada interessa o que o arguido, em abstracto, pode fazer. O que releva é se existem factos que nos permitem concluir que, com uma razoável probabilidade, o fará. E estes factos não existem.
Assim, não vislumbramos qualquer perigo de fuga para além daquele que existe quando alguém, em abstracto, concebe a possibilidade de ser preso e tal perigo, embora diminuto, pode ser aplacado com outras medidas que não a prisão preventiva, se necessário for (neste mesmo sentido vejam-se os Acs. desta Relação de 12 de Janeiro de 2022, 24 de Fevereiro de 2021 e 27 de Fevereiro de 2019 tirados, respectivamente, nos processos 37/21.6PJSNT.L1, 441/20.7JDLSB.L1 e 302/17.7PATVD.L1, todos desta secção e relator sendo os dois primeiros subscritos pela aqui Veneranda Adjunta).
No que respeita ao perigo de continuação da actividade criminosa somos igualmente da opinião que a decisão não está correcta, senão vejamos.
A conduta do arguido é motivada por aquilo que o mesmo percepciona ser o seu dever parental de corrigir e educar os filhos. Independentemente do que se possa pensar sobre a questão (a qual deverá ser analisada no recurso interposto da decisão final), o certo que todos os factos dados como assentes são anteriores à cessação da coabitação e, igualmente, à instauração do inquérito.
Não existe qualquer facto posterior ao fim da cessação da coabitação e mesmo o teor das declarações para memória futura a que se reporta o despacho recorrido respeitam a factos ocorridos aquando da vida em comum.
Assim, e mais uma vez, voltamos à questão do abstracto em contraposição ao concreto. Em abstracto o Tribunal a quo tem razão. A conduta do arguido, que não interiorizou o desvalor da mesma, em abstracto permite concluir que as condutas se podem repetir. Acontece que, em concreto, não existem actos ou manifestações, que permitam afirmar que, com razoável probabilidade, o arguido continuará a agir da forma que o fez. Aliás, se a questão é uma de educação e se a separação retirou ao arguido essa função a probabilidade é que o arguido não repetirá a conduta.
Seja como for, desde a separação o arguido não cometeu qualquer facto semelhante ou tomou qualquer atitude que permita concluir pela possível comissão de novos factos pelo que não se pode falar em perigo, concreto, de continuação da actividade criminosa.
Por fim, dir-se-á que as decisões judiciais que aplicam medidas de coacção transitam em julgado, mas compreende-se que, face a prováveis modificações das circunstâncias que as determinam, neste domínio, a eficácia do caso julgado se faça depender da rigorosa manutenção dos pressupostos da respectiva decisão, isto é, "rebus sic stantibus".
Isto vale por dizer que as decisões proferidas mantém o seu carácter de transito, e como tal de intocabilidade, desde que os pressupostos factuais em que se alicerçaram se mantenham intocáveis.
Ora, os factos que estiveram presentes aquando da decisão recorrida são, pelo menos, os mesmos que estiveram presentes aquando do recebimento da acusação e naquele momento foi entendido que o TIR bastava pelo que não se compreende o que mudou aquando da decisão final.
Assim, inexistindo quaisquer perigos a que alude o artº 204º do C.P.P. apenas se justifica o termo de identidade e residência.
*
IV - Dispositivo
Por todo o exposto, julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e determina-se que o arguido RFG_____ aguarde os ulteriores termos do processo sujeito a termos de identidade e residência nos termos do artº 196º do C.P.P.
Sem custas.
Passe mandados de libertação imediata a executar caso a prisão do arguido à ordem de outro processo não interesse.
Remeta cópia à primeira instância.
Notifique.

Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pela Veneranda Juíza Adjunta.
A Veneranda Presidente da Secção não assina pelos motivos constantes da acta.

Lisboa e Tribunal da Relação, 18 de Maio de 2022
Rui  Miguel de Castro Ferreira Teixeira
Cristina Almeida e Sousa