Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
266/16.4T8VIS.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: BANCO DE PORTUGAL
RESOLUÇÃO BANCÁRIA
FUNDO DE RESOLUÇÃO
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Declarada a incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, e peticionada pelo Autor a remessa dos autos ao tribunal competente, com aproveitamento dos articulados, nos termos do artigo 99º nº 2 do Código de Processo Civil, o tribunal, perante oposição justificada do Réu, não pode deferir a tal remessa decidindo que a mesma se faz com aproveitamento apenas da petição inicial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:
            I. Relatório[1]
A…, com os sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação contra B…, contra C… e contra D…., peticionando a condenação solidária de todos os RR. a pagarem-lhes o montante de €… investidos em … e em …, acrescidos de juros de mora e ainda a pagarem o valor de €… a título de danos não patrimoniais, alegando, em síntese, que:
- Emigrou (…)
- Em Agosto de 2012 durante um período de férias em Portugal, deslocou-se à agência
de … para procurar depósitos a prazo,
- Em 15 de Outubro de 2012, aconselhado por uma funcionária, (…) investiu em alegados depósitos a prazo, denominados …, o montante de €… com maturidade a 24 meses,
- Nesse mesmo ano, novamente aconselhado pela mesma funcionária voltou a investir mais €…;
- Ambas as aplicações tinham taxa fixa, e capital e juros garantidos;
- Após vencimento, tais montantes foram colocados à disposição do A., na sua conta corrente;
- Desta forma o A. acreditava que se tratavam de verdadeiros depósitos a prazo com taxas de juro mais elevadas;
- Por força da deliberação do Banco de Portugal de 03 de Agosto de 2014 a conta do A. no B… passou para o C…, de que é o único accionista o D…;
- Tal deliberação determinou que se transferissem para o C… todas as responsabilidades do B… perante terceiros que constituam passivos, excluindo dessa transmissão os litígios e outras matérias como eventuais responsabilidades emergentes de fraude ou violação de disposições ou determinações regulatórias penais ou contra-ordenacionais que resultem de factos praticados antes de 3 de Agosto de 2014;
- Este litígio não constitui matéria objecto das excepções contidas na referida deliberação, tendo esta responsabilidade se transmitido para o C…;
- Foi garantido que nenhum risco corria porque os seus depósitos passavam para o C…;
- por força da medida de resolução do BdP a relação jurídica entre o A. e o B… foi “cedida” a beneficio do C… que é controlado pelo D…, em que são únicos intervenientes o BdP e o Ministério das Finanças;
- O C… desenvolveu uma campanha que consistia em transformar esses depósitos em obrigações seniores e noutros depósitos, de 60% num prazo que não referiu, e de 40% que ficariam bloqueados por 5 anos;
- Sempre se convenceu que fizera aplicações sem risco, que contratara um depósito a prazo com capital garantido e que estava integralmente garantido pelo B… e posteriormente pelo C…;
- O gestor de conta convenceu-o a fazer essas aplicações, sem nunca explicar que podia perder todo o seu dinheiro;
- Os papéis que assinou, por confiar no seu gestor, mais não são do que acções preferenciais de sociedades financeiras de que nunca ouviu falar e que se situam em paraísos fiscais;
- Se tivesse sido esclarecido nunca teria assinado e concordado com esses investimentos, pois não pretendia colocar as suas poupanças em produtos de risco;
- Os funcionários do B… e depois do C… agiram como intermediários financeiros, zelosos no interesse das sucessivas entidades bancárias em detrimento dos interesses do A.,
- O A. sentiu-se e continua a sentir-se enganado.

Os RR. contestaram e para o que aqui interessa, o R. C… concluiu:
“a) Deve ser julgada procedente por provada a invocada excepção dilatória de incompetência territorial com as legais consequências; E bem assim,
b) Deve ser julgada procedente por provada a invocada excepção de ilegitimidade activa, com as legais consequências; Mas sempre
c) Deve ser julgada procedente por provada a invocada exceção da ilegitimidade passiva do Réu e, em consequência, ser o mesmo absolvido do pedido;
Assim não se entendendo,
d) Deve ser julgada procedente por provada a invocada exceção da ineptidão da petição inicial por inviabilidade e, em consequência, ser o Réu absolvido;
Assim não se entendendo,
e) Deve ser declarada a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide (cfr. art.º 277º, al. e) do Cód. Proc. Civil) relativamente ao C…., que deverá ser absolvido do pedido;
Caso ainda assim não se entenda,
f) Deve a ação ser julgada improcedente por não provada, absolvendo-se o Réu do pedido”.

O Réu D…, na sua contestação, concluiu:  
“a) deve a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial ser julgada procedente e, em consequência ser o processo declarado nulo e o D… absolvido da instância,
b) ou, se assim não se entender, deve a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria ser julgada procedente e, em consequência, ser o D… absolvido da instância,
c) ou, se assim não se entender, deve a excepção de incompetência relativa em razão do território ser julgada procedente e, em consequência, remetidos os autos para o tribunal territorialmente competente,
d) se não se der provimento às excepções invocadas, nomeadamente à primeira e segunda delas, deve a presente acção, pelo menos, no que ao D… respeita, ser julgada não provada e improcedente e, em consequência, absolver-se o Réu do pedido;
 
Tendo o tribunal notificado as partes de que em seu entender lhe era possível, sem mais, proferir decisão de mérito, veio a fixar o valor da acção em €90.000,00, e pronunciando-se sobre a incompetência material veio a final a decidir:
Pelo exposto, nos termos conjugados das disposições legais que se vêm referindo e dos arts. 64º, 96º, 97º, nº 1, 98º, 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 571º, nº 2, parte final, 576º, nºs 1 e 2 e 577º, nº 1, al. a), do CPC, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta deste Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 15, em razão da matéria, e, consequentemente, absolvo os réus da instância.
Custas pelo autor, cfr. art.527º, 1, do CPC”.

O Autor veio então requerer a remessa dos autos ao tribunal competente para que os mesmos prosseguissem os seus ulteriores termos, vindo os RR. C… e D… opor-se, nos termos constantes dos seus requerimentos de fls. 486vº-487vº e 489-490.
Mais concretamente, pronunciou-se o R. C… nos seguintes termos:
“1 – Como refere José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2014, 3ª Ed., pág. 204) a oposição apenas “será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente (…)”, o que manifestamente não ocorre in casu, pois que o Réu não utilizou todos os meios de que lhe era possível lançar mão se o A. não tivesse intentado a ação neste Tribunal – manifestamente incompetente materialmente - e o tivesse feito no competente Tribunal Administrativo.
2 - No mesmo sentido é pacifica a jurisprudência, podendo citar-se a titulo meramente exemplificativo o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 1.06.2015 (processo nº 1327/11.1TBAMT-B.P1) no qual se refere que “Para que o tribunal indefira o pedido do autor basta que o réu invoque alguma razão plausível para se opor à remessa, sem carecer de a explicar em pormenor, desde que mostre não se tratar de um caso de oposição arbitrária” e, no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.02.2016 (processo nº 141591/13.3YIPRT.A.C1) em que é e referido que “O réu terá fundadas razões para se opor à remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta sempre que a defesa já deduzida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência”.
3 - Ora, in casu, o Réu, fundadamente, opõe-se à remessa dos presentes autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal desde logo porque diversas questões jurídicas substantivas e adjectivas não foram suscitadas na sua contestação precisamente por serem exclusivas dos processos que correm termos nos tribunais administrativos, como por exemplo, entre muitos outros, a admissibilidade da ação administrativa – in casu a inadmissibilidade da ação administrativa -, a aceitação tácita do ato administrativo constitutivo da responsabilidade, o cumprimento do ónus de alegação de facto e de direito da ilegalidade dos factos constitutivos dessa responsabilidade – in casu o flagrantíssimo incumprimento de tal ónus -, à inexecução de sentenças dos tribunais administrativos por existência de causa legítima de inexecução, etc.
4 - Pela referida razão, não levantou, também o Réu outras questões, designadamente e a título meramente exemplificativo, a verificação dos pressupostos da adoção das Deliberações do Banco de Portugal que o A. pretende não ver executadas e frontalmente contrariadas.
5 - Tais questões, entre outras, atenta a sua natureza, apenas fazia sentido serem invocadas perante o Tribunal Administrativo e já não perante este Tribunal comum, dada a absolutamente evidente incompetência material do mesmo.
6 - É, face ao exposto, manifesto que a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal com aproveitamento dos articulados, designadamente da contestação, consubstanciaria uma clara e inaceitável diminuição das garantias de defesa e contraditório do Réu, violando-se o disposto nos art.ºs 13º e 20º da Const. Rep. Portuguesa,
7 - E, por outro lado, prejuízo algum terá a A. intentando nova ação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal, afinal aquele em que pacificamente devia ter interposto a ação.
8 - Atento o exposto, sempre terá o pedido de remessa dos autos ao TAF de ser indeferido, julgando-se a presente oposição do Réu julgada justificada, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 99º, nº 2, do Cód. Proc. Civil”.

Mais concretamente, pronunciou-se o Fundo de Resolução nos seguintes termos:
1. Dispõe o art. 99º/2 do Código de Processo Civil, com a epígrafe “Efeito da incompetência absoluta”, que “[s]e a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada” (destaques nossos).
2. Ora, o D… não pode deixar de se opor à remessa dos presentes autos para o TAC de Sintra com aproveitamento total do articulado de contestação por si oferecido.
3. E isso porque, por um lado, o D… não prescinde da invocação de questões processuais específicas e exclusivas dos processos que correm termos na jurisdição administrativa – veja-se o elenco de fundamentos que “obstam […] ao prosseguimento do processo” do art. 89º do CPTA –, que não foram, como não poderiam ser, suscitadas na sua defesa.
4. Não prescindindo, também, por outro lado, da alegação de facto e de direito em matéria de resolução bancária (e, em concreto, da resolução do B…), o que não fez por ser este Tribunal manifestamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer do objecto da acção instaurada pelo Autor.
5. Enfim, tudo isto para demonstrar que tivesse a acção sido proposta junto dos tribunais administrativos – como deveria ter sido e este Tribunal reconheceu –, a defesa do D… teria sido apresentada em moldes substancialmente diferentes.
6. Assim, da eventual remessa destes autos para o referido tribunal administrativo, com aproveitamento dos respectivos articulados – pelo menos do articulado da sua contestação – resultaria uma evidente diminuição das garantias de defesa e contraditório do D…, com violação do art. 20º (e do art. 13º) da Constituição da República Portuguesa, bem como do art. 3º do CPC”.

Oportunamente, o tribunal recorrido veio a proferir a seguinte decisão:
Em resposta ao pedido dos Autores de remessa dos autos ao Tribunal competente, nos termos do artigo 99º do Código de Processo Civil, vieram os Réus C… e D…, ao abrigo do disposto no n.º 2 do mesmo normativo, opor-se a tal remessa ou, subsidiariamente, pugnar pelo aproveitamento, apenas, da petição inicial. Para isso, referiram, em síntese, que não prescindem da invocação de questões processuais e substantivas que não foram suscitadas nas defesas apresentadas nestes autos, por o deverem ser apenas nos tribunais da jurisdição administrativa, e também que não prescindem da contra-alegação específica da matéria de facto e de direito alegada na petição inicial, o que também não fizeram nas respectivas contestações já apresentadas por este Tribunal ser manifestamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer de tais questões.
Decidindo.
Nos termos do artigo 99º, n.º 2 do C.P.C., se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.
Os motivos invocados pelos Réus são, de facto, ponderosos. Por um lado, considerando a alegação de incompetência do tribunal em razão da matéria – que foi julgada improcedente – não faria sentido invocar questões cuja sede adequada para o seu conhecimento seria o tribunal administrativo; por outro, pouco sentido, também, faria o esgotar de uma defesa, numa sede que não se tinha como a própria, quando o resultado natural da decisão de procedência da excepção de incompetência material seria a absolvição da instância – o que, por princípio, conduz à necessidade da instauração de uma nova acção – no que redundaria na dedução de argumentos de forma manifestamente inútil.
Dir-se-á que esse seria o risco a correr pelo demandado, que não poderia ter como certa, nem a procedência da excepção dilatória, nem a ausência do pedido de remessa ao tribunal competente feito pelo autor; mas para isso, cremos, previu a lei esta válvula de escape, permitindo a possibilidade de repetição de actos no tribunal competente, designadamente, a apresentação de nova contestação.
Finalmente, tendo os Autores manifestado o seu desejo de aproveitamento da sua petição inicial, não vislumbramos razões para que isso não possa acontecer.
Pelo exposto, defiro o pedido de remessa dos autos ao tribunal competente, com o aproveitamento, apenas, da petição inicial.
Considerando que os autos não se mostram findos, consigna-se que a apresentação das notas discriminativas de custas foi extemporânea.
(…)”.
O segmento final do decisório, sobre a extemporaneidade da apresentação das notas discriminativas de custas veio, após a interposição do recurso, em 21.5.2018, a ser dado sem efeito, consignando o tribunal expressamente que a apresentação era tempestiva.

Inconformado, veio o R. C… interpor o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões, aqui se transcrevendo apenas aquelas que respeitam à decisão da remessa dos autos ao tribunal competente:
A. Veio o A. requerer a remessa dos presentes autos para o TAF, no entanto, refere o n.º 2 do art. 99.º do CPC que tal remessa irá depender do não oferecimento de oposição justificada por parte dos RR.
B. Ofereceu o ora Recorrente, bem como o R. D…, oposição suficientemente justificada a tal remessa, entendendo a Mm.ª Juiz a quo, no douto Despacho de que ora se recorre, que “Os motivos invocados pelos Réus são, de facto, ponderosos. Por um lado, considerando a alegação de incompetência do tribunal em razão da matéria – que foi julgada improcedente – não faria sentido invocar questões cuja sede adequada para o seu conhecimento seria o tribunal administrativo; por outro, pouco sentido, também, faria o esgotar de uma defesa, numa sede que não se tinha como a própria, quando o resultado natural da decisão de procedência da excepção de incompetência material seria a absolvição da instância – o que, por princípio, conduz à necessidade da instauração de uma nova acção – no que redundaria na dedução de argumentos de forma manifestamente inútil.
Dir-se-á que esse seria o risco a correr pelo demandado, que não poderia ter como certa, nem a procedência da excepção dilatória, nem a ausência do pedido de remessa ao tribunal competente feito pelo autor; mas para isso, cremos, previu a lei esta válvula de escape, permitindo a possibilidade de repetição de actos no tribunal competente, designadamente, a apresentação de nova contestação”.
C. Não partilha o Recorrente do mesmo entendimento, desde logo por entender que os RR. que se opuseram à remessa dos autos para o TAF justificaram e fundamentaram o porquê da sua pretensão, socorrendo-se de motivações que não podem, simplesmente, ser desconsideradas, por serem justificação mais que suficiente.
D. Vieram os RR. referir, entre o mais, que haveria questões que teriam sido, por si levantadas, caso o processo tivesse corrido, desde logo, nos Tribunais Administrativos, questões essas que não foram levantadas perante este Tribunal comum atendendo à absoluta e evidente incompetência material deste, por serem  exclusivas dos processos que correm termos nos tribunais administrativos.
E. Com a remessa dos presentes autos ao TAF fica aos RR. vedada a invocação de determinadas questões processuais específicas dos processos de jurisdição administrativa, nomeadamente as excepções constantes do disposto no artigo 89.º do CPTA, vendo-se, desde logo, impedidos de suscitar diversas questões jurídicas, substantivas e adjectivas.
F. Neste sentido refere Abílio Neto (in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed. Revista e ampliada, Lisboa, Edições Ediforum, 2017, p. 211) que “O Réu terá fundadas razões para se opor à remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta sempre que a defesa já deduzida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência”
G. Acrescentando José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2014, 3ª Ed., p. 204) que a oposição apenas “será justificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente (…) o que manifestamente não ocorre in casu.
H. No mesmo sentido é pacífica a jurisprudência, podendo citar-se o douto Acórdão do TRP, de 1/06/2015 (proc. nº 1327/11.1TBAMT-B.P1), disponível em  www.dgsi.pt no qual se refere que “Para que o tribunal indefira o pedido do autor basta que o réu invoque alguma razão plausível para se opor à remessa, sem carecer de a explicar em pormenor, desde que mostre não se tratar de um caso de oposição arbitrária”, sendo tal entendimento igualmente acolhido pelo TRC, em Acórdão de 12/02/2016 (proc. nº 141591/13.3YIPRT.A.C1), disponível em www.dgsi.pt.
I. Os motivos invocados pelos RR. são demonstradores de que a remessa dos presentes autos – com o aproveitamento de todos os articulados – prejudica a defesa destes, consubstanciando uma clara e inaceitável diminuição das garantias de defesa e contraditório dos RR., violando-se o disposto nos artigos 13º e 20º da CRP.
J. Por outro lado, não adviria qualquer prejuízo para o A. se intentasse nova acção judicial no TAF de Lisboa, que seria aquele competente para conhecer da acção.
K. Ainda que assim não se entenda – que se concebe, sem conceder – sempre haveria aqui uma desconcordância dos RR. que os autos fossem simplesmente remetidos para o Tribunal competente.
L. Concordância esta, entre A. e RR., sem a qual não será de aplicar o disposto no nº 2 do art. 99.º do CPC, pois, como vertido no douto Acórdão do TRP, de 6/96/2005 (proc. n.º 0550207), disponível em www.dgsi.ptDecretada a incompetência absoluta (em razão da matéria) pelo Tribunal Judicial onde a acção foi instaurada (…), depois de findos os articulados, faltando o acordo das partes sobre o seu aproveitamento, não podia o Juiz, que declarou a incompetência absoluta da sua jurisdição, determinar a remessa do processo para o Tribunal Administrativo, considerado o materialmente competente, com base no nº 2 do art. 105º do Código de Processo Civil [actual n.º 2 do artigo 99.º]”, sendo tal entendimento igualmente acolhido pelo TRL em Acórdão de 21/05/2007, (proc. 4633/2007-1), disponível em www.dgsi.pt.
M. Foi o A. que mal andou em propor a acção num Tribunal que não tinha competência para a receber, levando todos os RR. a terem custos com todo o processo, pelo que não faria agora sentido que o A., que foi quem aqui procedeu erradamente, fosse beneficiado pelo seu erro.
N. Atendendo o supra exposto não pode o Recorrente conformar-se com o entendimento acolhido no douto Despacho ora recorrido.

Não foram produzidas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a única questão a decidir é a de saber se não podia ter sido ordenada a remessa dos autos ao tribunal materialmente competente.

III. Matéria de facto
A constante do relatório que antecede.

IV. Apreciação
Os termos legais em que se move a questão, e bem assim os termos doutrinais e ainda os termos jurisprudenciais – se bem que, além dos acórdãos citados, bastantes outros vão no sentido indicado pela recorrente, ou seja, que não deve ordenar-se a remessa dos autos ao tribunal competente, mesmo que requerida pelo Autor, se houver oposição justificada, não necessariamente esmiuçada ou avançada com pormenor (é compreensível isto do ponto de vista da defesa) a essa remessa – estão adquiridos nos autos e constam nas menções feitas supra quer nas pronúncias dos RR. na oposição à remessa, quer nas alegações de recurso, e por isso para elas remetemos por concordarmos. E, sem dúvida, o tribunal recorrido também a elas aderiu.
Simplesmente, em vez de em função da justificação da oposição manifestada determinar a improcedência do pedido do Autor de remessa dos autos ao tribunal competente, entendeu deferi-la, limitando o aproveitamento dos articulados à petição inicial.
Ora, com o devido respeito, nem os RR. pugnaram, subsidiariamente, pelo aproveitamento do articulado do Autor – isto não resulta “a contrario” de se manifestarem contra o aproveitamento dos seus articulados – nem o artigo 99º nº 2 do Código de Processo Civil distingue entre remessa dos autos e aproveitamento dos articulados, nem o mesmo preceito pode ser entendido como possibilitando a remessa com aproveitamento apenas da petição inicial. Na verdade, se interpretarmos a norma do artigo 99º nº 2 do Código de Processo Civil que estabelece que “Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada” no sentido de que para salvaguardar o interesse de defesa manifestado na oposição, se pode reduzir o aproveitamento dos articulados, na remessa ao tribunal materialmente competente, à petição inicial, porque o Autor pediu a remessa e neste pedido se encontra a sua vontade de se aproveitar da petição inicial, não só desconsideramos textualmente o segmento “articulados, podem estes aproveitar-se” – isto é, não só interpretamos contra o texto da lei (artigo 9º nº 2 do Código Civil) – como afinal mandamos, passe a expressão, os autos ao tribunal materialmente competente sem o Autor poder duas coisas: - vincular o Réu pela posição que já tomou, uma, e antecipar a defesa relativamente aos argumentos que previsivelmente, na sede materialmente competente, o Réu irá usar, outra. Ou seja, no fundo, cortamos o equilíbrio entre as partes que residia nas posições já manifestadas nos articulados de um e outro lado, e acabamos a tratar desigualmente, já não o Réu mas o Autor, em violação do princípio da igualdade das partes, constante não só dos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa mas também, no plano de lei ordinária, dos artigos 2º e 4º do Código de Processo Civil.
Significa isto que, a nosso ver e salvo o devido respeito, a consequência da oposição justificada – e sem dúvida as razões enunciadas nos pontos 3 e 4 do requerimento de pronúncia do R. Novo Banco sobre o pedido de remessa constituem justificação suficiente e razoável da oposição – a um pedido de remessa dos autos ao tribunal materialmente competente após o trânsito em julgado da decisão de incompetência material do tribunal, apenas pode ser o indeferimento total da remessa dos autos e não o deferimento da remessa com decisão de limitação do âmbito dos articulados a aproveitar.
Nestes termos, procede o recurso, devendo revogar-se a decisão recorrida e substituir-se pelo presente acórdão que, em face da oposição dos Réus Novo Banco e Fundo de Resolução à remessa dos autos ao tribunal materialmente competente, indefere o pedido de remessa formulado pelo Autor.
Considerando que a decisão recorrida não deu vencimento ao Autor, requerente da remessa, que de facto não pediu que os autos fossem remetidos para aproveitamento apenas da petição inicial, entende-se que as custas não devem ser imputadas ao recorrido, que de resto também não contra-alegou, e que por isso não são devidas custas pelo presente recurso – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso, e em consequência revogam a decisão recorrida, substituindo-a pelo presente acórdão que julga procedente a oposição dos Réus C…  e D… ao requerimento do Autor peticionando o aproveitamento dos articulados e a remessa dos autos ao tribunal materialmente competente, e deste modo o indefere.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 15 de Novembro de 2018

Eduardo Petersen Silva

Cristina Neves

Manuel Rodrigues

[1] Com aproveitamento de relatório produzido pelo tribunal recorrido.