Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1279/13.3TVLSB-D.L1-1
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
PARECER TÉCNICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A junção tardia de documentos não pode assentar na circunstância de se pretender fazer contra prova da “narrativa das testemunhas” apresentadas, pois mesmo estando em causa a eventual contradita, esta não se destina à contraprova de um depoimento testemunhal, mas sim a abalar a credibilidade e a fé que a testemunha possa merecer ao tribunal.
II. Considerando que os meios de prova se destinam à instrução da causa, ou seja aos factos necessitados de prova, a junção de documentos terá sempre como pressuposto a enunciação dos factos a cuja prova ou contraprova se destinam.
III. Um parecer técnico sobre determinada questão, de facto ou de direito, pressupõe um discurso sobre essa concreta questão, analisando-a nas suas variadas vertentes ou pontos de vista, para ela propondo opinada solução. Não revestem a natureza de “pareceres” estudos genéricos, sem que o Autor os correlacione em concreto com alguma das questões a decidir.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
JC…, veio intentar contra JI… e Instituto…, Lda acção declarativa de condenação com processo ordinário, pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia de €491.701,61, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela actuação alegadamente culposa do 1º R. e decorrentes da intervenção cirúrgica oftalmológica a que foi submetido em 22 de Setembro de 2005, realizada pelo R. J…, nas instalações do Instituto de Microcirurgia Ocular.
A acção após a contestação do R. e intervenção da Companhia de Seguros seguiu os seus termos processuias normais. Foi realizada a audiência de discussão e julgamento e a produção de prova.
No decorrer da audiência o Autor apresentou requerimento do seguinte teor:
«JC…, A. no processo supra identificado, vem, ao abrigo do artigo 423. º, n. º 3 e do artigo 424. º do Código Processo Civil, requerer a junção aos autos dos documentos que ora se apresentam, em face dos depoimentos das últimas testemunhas, que levantaram determinados pontos que podem suscitar dúvidas e que são indispensáveis esclarecer, para descoberta da verdade material, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1. Os documentos apresentados, a saber:
• Pedido de autorização da cirurgia para a MÉDIS, – pedido pelo Dr. JI... para a cirurgia a que foi submetido o A, como doc. 1 se junta e dá por integralmente reproduzido;
• Recibo do R. Instituto de Microcirurgia Ocular das lentes intraoculares, no valor de 800,00 €, como doc. 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido;
• Documento do Instituto de Microcirurgia Ocular, de 2005, sobre o implante de Lentes Fáquicas, como doc. 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido;
• Artigo Oftalmológico do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa, de 2011, como doc. 4 que se junta e se dá por integralmente reproduzido;
• Tese de Doutoramento de W…., de 2013 intitulada “Desempenho visual dos pacientes pseudofácios com diferentes lentes intraoculares”, como doc. 5 que se junta e se dá por integralmente reproduzido;
• Artigo do Professor Dr. JM..., de 2016, intitulado “Lentes intraoculares multifocais pré-carregadas permitem corrigir doenças refrativas”, como doc. 6 que se junta e se dá por integralmente reproduzido, 2. são documentos que se justificam juntar pelas questões suscitadas nas audiências de julgamento dos dias 08/04/2019, 09/04/2019 e 11/04/2019, particularmente pelos depoimentos das testemunhas ouvidas nas mesmas.
3. Todos eles são essenciais para a descoberta da verdade material e, assim, para alcançar a justiça da causa.
4. Relativamente ao doc. 1 e doc. 2, justifica-se a sua junção em face do depoimento das testemunhas do R. Instituto de Microcirurgia Ocular, Dr.ª AL…, AFS… e SFS…
5. Nos seus depoimentos foram questionadas quanto à obrigatoriedade de dizer, nos pedidos de cirurgias feitos para a Companhia de Seguros Médis, quais as lentes – se mono ou multifocais - que iriam ser colocadas nos pacientes, no geral.
6. Em reposta a esta questão, a testemunha do R. Instituto de Microcirurgia Ocular, AF…, afirmou que desde sempre é obrigatório dizer se a lente a colocar é mono ou multifocal.
7. No mesmo sentido, o depoimento da testemunha SFS…, que reiterou que foi desde sempre obrigatório indicar o tipo de lente no pedido para a seguradora.
8. Ora, no doc. 1 que se junta não se discrimina o tipo de lente, contrariamente à prática habitual (e obrigatória) descrita pelas testemunhas, contendo apenas o tipo de cirurgia que se iria realizar.
9. O mesmo se diz do doc. 2 – fatura das lentes – onde apenas se pode ler, na descrição do tipo de lente, que são lentes intraoculares.
10. Relativamente ao doc. 3 este foi o documento apresentado ao A. antes da sua cirurgia ocular.
11. No mesmo pode ler-se o seguinte:“ (…) As situações em que o erro refractivo (n. º de dioptrias)
ultrapassa os limites do Laser, estes implantes de lentes intraoculares constituem uma ótima alternativa, proporcionando uma excelente qualidade de visão e uma rápida recuperação. (…) constitui em alguns casos uma primeira escolha, sobretudo em olhos com córneas muitos finas, nas quais o Laser está contra-indicado. “
12. Ou seja, as lentes intraoculares denominadas lentes fáquicas, eram adequadas para tratar altas miopias, que era o problema de visão que o A. padecia à data da cirurgia, uma vez que o A. tem as córneas muito finas, sendo contraindicado o recurso ao Laser para solução do seu problema.
13. Ou seja, o documento corrobora o facto de que existe uma cirurgia própria para resolver o problema de miopia que o A. tinha – a introdução das lentes fáquicas.
14. Esse foi também o sentido dos esclarecimentos dos médicos oftalmologistas prestados na audiência de dia 09/04/2019 e, em virtude dos quais, se procede à junção destes documentos.
15. Nomeadamente das testemunhas Dr. LC... e Dr. AC….
16. Os mesmos vêm corroborar o alegado pelo A. na sua petição, que foi também confirmado pela Eng. AS…, testemunha e esposa do A., na audiência de 08/04/2019, no sentido de que nenhuma vez foi referido ao A. que este tinha cataratas e que a cirurgia a que seria submetido lhe iria retirar o cristalino, tendo possibilidade de perder a visão intermédia, mas sim uma cirurgia para correção da miopia de que padecia desde sempre, através da introdução de lentes fáquicas.
17. A cirurgia a que fora submetido, conforme foi dito ao A., tinha como único objetivo o tratamento da sua miopia e não o tratamento de cataratas, que nem sabia ter.
18. No que toca ao doc. 4 e doc. 5, a sua junção justifica-se pelo depoimento prestado pelas testemunhas supra referidas, na audiência de 09/04/2019.
19. Efetivamente, conforme se pode ler no doc. 4, que ora se transcreve: “(…) Todas as LIO Multifocais têm limitações na sua utilização. As LIO difractivas (por exemplo Tecnis) estão associadas a excelentes resultados visuais para longe e para perto, com algum compromisso da visão intermédia. “
20. Ou seja, a introdução de lentes intraoculares multifocais têm como efeito negativo a perda da visão intermédia que, atendendo à profissão do A., este não consideraria nunca perder.
21. Conforme foi referido pelas 3 testemunhas do R. JI..., todos médicos oftalmologistas, na audiência de dia 09/05/2019, a opção pelas lentes multifocais depende da opção do paciente, ou seja, daquilo que este entende como melhor opção para si em face das suas necessidades diárias.
22. O mesmo foi confirmado pelo prof. Dr. JM…, na audiência de julgamento de 08/04/2019 – ou seja, a opção por aquelas lentes depende das características do doente e daquilo que este pretende fazer, pelo que tem de ser muito explicado antes de se proceder a qualquer implantação das lentes.
23. O prof. JM… referiu também no seu depoimento que, de um ponto de vista abstrato, à data da cirurgia, para uma pessoa que necessitasse de acuidade visual a todas as distâncias, como era o caso do A., as lentes multifocais não eram adequadas.
24. Do depoimento dos médicos oftalmologistas não ficou claro, tendo sido aliás bastante controvertido, a questão referente aos efeitos das lentes intra-oculares multifocais que foram colocadas nos olhos do A.
25. Relativamente a estes, no doc. 5 que se junta pode ler-se o seguinte: “ (…) A evolução das lentes intraoculares multifocais tenta manter a sensibilidade ao contraste semelhante aos padrões aceitos para as lentes intraoculares monofocais e induzir o mínimo de aberrações ópticas. Mas a literatura científica demonstra uma perda de sensibilidade ao contraste e de visão funcional, associada ao aparecimento de fenômenos fópticos, primordiais e impactantes na satisfação do paciente. (…) Glare é um fenômeno fóptico em que fontes de luz ou reflexões intensas causam um espalhamento dos raios luminosos, como um conjunto de arestas radiais em torno da fonte. Outro fenômeno fóptico muito comum são os Halos onde encontra-se um anel luminoso rodeando uma fonte luminosa devido às aberrações, reflexões internas, difração ou espaçamento. “
26. Ou seja, todos os sintomas descritos e sentidos pelo A. depois da cirurgia levada a cabo pelo R. JI…, em que lhe foram colocadas lentes intra-oculares multifocais.
27. Do depoimento do professor Dr. JM… fica claro que os halos noturnos e a perda de visão intermédia, que eram as queixas do A., eram efectivamente consequências possíveis da implantação daquelas lentes, afirmando mesmo que as lentes não tinham visão intermédia.
28. O mesmo é corroborado pelo artigo do Prof. Dr. JM, o doc. 6 que se junta, em que este explica o seguinte: “Atualmente os especialistas dispõem de “lentes multifocais que permitem corrigir a visão ao perto, ao longe e em distâncias intermédias, e antes só existiam lentes nas quais a visão intermédia estava limitada”.
29. Ou seja, todos os documentos que se requerem juntar contém matéria muito relevante para a verdade material e, como tal, para a boa decisão da causa.
30. A sua junção tornou-se indispensável em face dos depoimentos das últimas testemunhas, nomeadamente do depoimento das testemunhas dos médicos Dr. LC..., Dr. AC…e Dr. JC..., cujos depoimentos foram um pouco contraditórios sobre estes pontos, que podem suscitar dúvidas e que são indispensáveis esclarecer para descoberta da verdade material e justiça da causa.
31. Estas questões foram suscitadas, conforme referido supra, na pendência das audiências de julgamento.
Face ao exposto, requer-se que V/ Ex. se digne a admitir os documentos ora apresentados, uma vez que os mesmos, salvo melhor entendimento, se mostram indispensáveis para a descoberta da verdade material e, como tal, necessários à boa decisão da causa».
O R. pugnou pela inadmissibilidade de tal junção de documentos.
Sobre tal requerimento foi proferido o seguinte despacho:
Veio o A a 15 de Maio de 2019, nos termos do n.º 3 do artigo 423º e 424º do CPC juntar aos autos seis documentos que considera importantes para a descoberta da verdade e a necessidade de junção advém dos depoimentos prestados em julgamento. O R I… veio opor-se, alegando que a junção de documentos à luz do n.º 3 do artigo 423, tendo por base o teor depoimento de testemunhas não constitui facto posterior à luz do mesmo preceito; acresce que para puder ser valorado o A. deveria ter transcrito as passagens dos depoimentos das testemunhas onde a referida ocorrência posterior se verificasse, o que o A não fez, impugnando o teor de todos os documentos. Cumpre apreciar: Tendo em conta o teor do artigo 423º, n.º 3 do CPC, admitem-se os documentos n.º 1 e 2 juntos pelo A uma vez que vêm corroborar o documento junto a fls. 906 pela Medis e constante de fls. 906, ocorrência esta posterior aos factos alegados na petição inicial. Já não se admite os doc. n.º 3 pelo A. uma vez que o mesmo, de acordo com o alegado pelo próprio A. foi alegadamente apresentado ao A. em 2005 e, portanto, podia ter sido junto com a petição inicial, não constituindo ocorrência posterior. No que concerne aos documentos 4 a 6, os mesmos também não vão admitidos, desde logo, pelas datas neles apostas, Setembro de 2011; 2013 e 2016 que indicam que poderiam ter sido juntas com a petição inicial e ou até vinte dias antes da audiência de julgamento para poderem ser contraditados em conjunto com a demais prova e, por outro lado, constituem artigos de revista e ou teses de doutoramento que não se enquadram no referido normativo. Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, indefere-se a junção de tais documentos requerida pelo A.
Inconformado com tal decisão veio o Autor recorrer, concluindo da seguinte forma:
«A. No âmbito do processo à margem identificado, no decorrer da audiência de julgamento, o Recorrente, aí Autor, juntou documentos supervenientes ao abrigo dos artigos 423. º, n. º 3 e do artigo 424.º do Código Processo Civil por requerimento probatório enviado via CITIUS a 15/05/2019 com a referência n.º 32435844.
B. A 24/09/2019 o Recorrente foi notificado do despacho do Tribunal a quo de 16/09/2019 com a referência CITIUS n.º 390212335, o qual rejeitou a maioria dos documentos juntos pelo requerimento probatório supra identificado, tendo apenas admitido dois dos seis documentos juntos.
C. Porém, e salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não andou bem ao indeferir a junção dos documentos a 3 a 6 pelo Recorrente no requerimento probatório de 15/05/2019, uma vez que os mesmos são supervenientes e fundamentais para a defesa do Recorrente e a descoberta da verdade material, conforme infra melhor se explicará.
D. De facto, com o devido respeito, o Tribunal a quo não se interpretou nem aplicou bem o artigo 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
E. Trata-se de um claro caso de negligência médica, sendo que o ora Recorrente sofreu graves danos oftalmológicos, psicológicos, patrimoniais e familiares pela intervenção no R. JI... no processo à supra à margem melhor identificado.
F. Igualmente trata-se de uma intervenção cirúrgica ao Recorrente que, em sede criminal, originou a condenação do R. JI… condenado prática do crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários, p. e p. nos termos dos artigos 156.º n.º 1 e 157.º do Código Penal por decisão proferida pela 8ª Vara Criminal de Lisboa, no processo n.º 2686/06.3 TDLSB foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida em 13 de Dezembro de 2012.
G. De facto, a cirurgia realizada no dia 22 de Setembro de 2005 pelo R. JI… fez com que o ora Recorrente ficasse com muitas limitações ao nível da sua capacidade visual que impactam fortemente a sua vida pessoal e laboral.
H. No que respeita aos documentos juntos pelo ora recorrente, no decorrer da audiência de discussão e julgamento, o autor, ora Recorrente, indicou todos os documentos juntos no requerimento probatório como documentos, tendo invocado o mecanismo previsto no artigo 423.º, n.º 3, in fine do Código de Processo Civil, pois a sua junção foi necessária uma vez que questões técnicas e científicas surgiram numa fase avançada da audiência de julgamento.
I. De qualquer forma, uma análise dos indeferidos pelo Tribunal a quo – os documentos 3 a 6 do requerimento probatório – e das suas características, revela que esses são, na verdade, pareceres técnicos e não meros documentos, devendo, portanto, estar sob a égide do artigo 426.º do Código de Processo Civil, podendo ser apresentados em qualquer fase do processo nos Tribunais de Primeira Instância.
J. Ora, a análise do teor dos documentos 3 a 6 juntos pelo Recorrente com o requerimento probatório revela que os mesmos são verdadeiros pareceres técnicos sobre a matéria fundamental do processo cível, a saber-se:
K. Os aspectos negativos das lentes que foram implementadas no ora Recorrente – as lentes TECNIS MULTIFOCAL – os quais o Recorrente sofreu e que tiveram efeitos devastadores na sua vida.
L. De facto, os documentos 3 a 6 juntos pelo Recorrente com o requerimento probatório debruçam-se em questões técnico-cientificas sobre as lentes implantadas no Recorrente, questões que são centrais para a presente acção cível, para o esclarecimento do Tribunal e para descoberta da verdade material.
M. Tem sido o entendimento da jurisprudência que os pareceres contribuem para a boa resolução do litígio, pois são capazes de chamar a atenção do julgador para questões específicas, consideração e razões de decidir que lhe poderiam passar despercebidos, aliás como tão eloquentemente descrito no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 24/10/2014 no processo n.º 00626/14.5BEPRT-A.
N. Ora, não restam, pois, dúvidas de que tais documentos são pareceres técnicos com relevância máxima para a descoberta da verdade material e para justiça no caso sub judice, pelo que não deveriam ter sido indeferidos uma vez que se lhes aplica o regime do artigo 426.º do Código de Processo Civil, podendo ser juntos nos tribunais de primeira instância, em qualquer estado do processo.
O. Ademais, as partes têm o direito de juntar ao processo pareceres técnicos que contribuem ou podem contribuir para esclarecer o espírito do julgador.
P. Por outro lado, o princípio do inquisitório consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade. Ademais, o princípio do inquisitório tem por objectivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes.
Q. Ora, tendo o Tribunal a quo considerado que os documentos 3 a 6 juntos com o requerimento probatório seriam inamissíveis à luz do artigo 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, algo que, com o devido respeito, não pode o Recorrente aceitar, tê-los ia de admitir pelo supra exposto ao abrigo do artigo 426.º do mesmo diploma.
R. Durante as sessões da audiência de discussão e julgamento de 08/04/2019, 09/04/2019 e 11/04/2019 foram, pelos depoimentos dos médicos enquanto testemunhas, suscitadas questões que tratavam de matérias que não tinham sido abordadas nem sequer superficialmente nos articulados.
S. No decorrer da audiência de discussão e julgamento os depoimentos dos médicos chamados a depor entram profundamente na questão técnico-científica da distinção entre as lentes multifocais e monofocais, concretamente das características do modelo TECNIS MULTIFOCAL implementadas no ora Recorrente, sendo certo que essa discussão científica não existiu ao nível dos articulados.
T. Desta forma, a junção dos documentos 3 a 6 juntos com o requerimento probatório impunha-se para clarificar algumas questões técnicas que focaram por esclarecer, a saber-se: os aspectos negativos das lentes que foram implementadas no ora Recorrente – as lentes TECNIS MULTIFOCAL – os quais o Recorrente sofreu e que tiveram efeitos devastadores na sua vida.
U. De facto, o Recorrente juntou com o seu requerimento probatório os seguintes documentos indeferidos: - Documento do Instituto de Microcirurgia Ocular, de 2005, sobre o implante de Lentes Fáquicas, como doc. 3 do requerimento probatório; - Artigo Oftalmológico do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa, de 2011, como doc. 4 do requerimento probatório; - Tese de Doutoramento de Wilson Takashi Hida, de 2013 intitulada “Desempenho visual dos pacientes pseudofácios com diferentes lentes intraoculares”, como doc. 5 do requerimento probatório; - Artigo do Professor Dr. JM..., de 2016, intitulado “Lentes intra-oculares multifocais pré-carregadas permitem corrigir doenças refrativas”, como doc. 6 do requerimento probatório.
V. Todos estes documentos juntos pelo Recorrente são essenciais para a descoberta da verdade material e, assim, para alcançar a justiça da causa.
W. Relativamente ao doc. 3 do requerimento probatório, este foi o documento apresentado ao A., ora Recorrente, antes da sua cirurgia ocular.
X. Sendo que no mesmo pode ler-se o seguinte: “(…) As situações em que o erro refractivo (n. º de dioptrias) ultrapassa os limites do Laser, estes implantes de lentes intraoculares constituem uma ótima alternativa, proporcionando uma excelente qualidade de visão e uma rápida recuperação. (…) constitui em alguns casos uma primeira escolha, sobretudo em olhos com córneas muitos finas, nas quais o Laser está contra-indicado. “
Y. O documento corrobora o facto de que existe uma cirurgia própria para resolver o problema de miopia que o A. ora Recorrente, tinha – a introdução das lentes fáquicas.
Z. Esse foi também o sentido dos esclarecimentos dos médicos oftalmologistas prestados na sessão de audiência de discussão e julgamento de dia 09/04/2019.
AA. A cirurgia a que fora submetido, conforme foi dito ao A., ora Recorrente, tinha como único objectivo o tratamento da sua miopia e não o tratamento de cataratas, que nem sabia ter.
BB. No que toca aos doc. 4 e doc. 5 do requerimento probatório, a sua junção justifica-se pelo depoimento prestado pelas testemunhas supra referidas, na audiência de 09/04/2019.
CC. Efetivamente, conforme se pode ler no doc. 4 do requerimento probatório que ora se transcreve: “(…) Todas as LIO Multifocais têm limitações na sua utilização. As LIO difractivas (por exemplo Tecnis) estão associadas a excelentes resultados visuais para longe e para perto, com algum compromisso da visão intermédia. “
DD. Ou seja, a introdução de lentes intraoculares multifocais têm como efeito negativo a perda da visão intermédia que, atendendo à profissão do A. ora Recorrente, este não consideraria nunca perder.
EE. Conforme foi referido pelas 3 testemunhas do R. JI…, todos médicos oftalmologistas, na audiência de dia 09/05/2019, a opção pelas lentes multifocais depende da opção do paciente, ou seja, daquilo que este entende como melhor opção para si em face das suas necessidades diárias.
FF. O mesmo foi confirmado pelo prof. Dr. JM…, na sessão de audiência de discussão e julgamento de 08/04/2019 – ou seja, a opção por aquelas lentes depende das características do doente e daquilo que este pretende fazer, pelo que tem de ser muito explicado antes de se proceder a qualquer implantação das lentes.
GG. O prof. JM… referiu também no seu depoimento que, de um ponto de vista abstrato, à data da cirurgia, para uma pessoa que necessitasse de acuidade visual a todas as distâncias, como era o caso do A., ora Recorrente, as lentes multifocais não eram adequadas.
HH. Relativamente a estes, no doc. 5 junto com o requerimento probatório pode ler-se o seguinte: “(…) A evolução das lentes intraoculares multifocais tenta manter a sensibilidade ao contraste semelhante aos padrões aceitos para as lentes intraoculares monofocais e induzir o mínimo de aberrações ópticas. Mas a literatura científica demonstra uma perda de sensibilidade ao contraste e de visão funcional, associada ao aparecimento de fenômenos fópticos, primordiais e impactantes na satisfação do paciente. (…) Glare é um fenômeno fóptico em que fontes de luz ou reflexões intensas causam um espalhamento dos raios luminosos, como um conjunto de arestas radiais em torno da fonte. Outro fenômeno fóptico muito comum são os Halos onde encontra-se um anel luminoso rodeando uma fonte luminosa devido às aberrações, reflexões internas, difração ou espaçamento. “
II. Ou seja, todos os sintomas descritos e sentidos pelo A., ora Recorrente, depois da cirurgia levada a cabo pelo R. JI…, em que lhe foram colocadas lentes intraoculares multifocais.
JJ. Do depoimento do professor Dr. JM… fica claro que os halos noturnos e a perda de visão intermédia, que eram as queixas do A., ora Recorrente, eram efetivamente consequências possíveis da implantação daquelas lentes, afirmando mesmo que as lentes não tinham visão intermédia.
KK. O mesmo é corroborado pelo artigo do Prof. Dr. JM…, o doc. 6 junto com o requerimento probatório do Recorrente, em que este explica o seguinte: “Atualmente os especialistas dispõem de “lentes multifocais que permitem corrigir a visão ao perto, ao longe e em distâncias intermédias, e antes só existiam lentes nas quais a visão intermédia estava limitada”.
LL. Ou seja, todos os documentos apresentados pelo Recorrente no seu requerimento probatório contêm matéria muito relevante para a verdade material e, como tal, para a boa decisão da causa e que foram introduzidas no decorrer das sessões de audiência de discussão e julgamento, novas questões cientificas e médicas não abordadas nos articulados das partes.
MM. Desta forma, deveria o Tribunal a quo ter admitido a junção de todos os documentos juntos com o mencionado requerimento probatório nos termos do artigo 423.º, n.º 3, in fine do Código de Processo Civil, tendo o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, interpretado mal a mencionada norma aquando o seu despacho.
NN. Ademais, a não admissão de todos os documentos juntos pelo Recorrente no seu requerimento probatório, viola o princípio da igualdade das partes consagrado no artigo 4.º do Código de Processo Civil.
OO. Ora, estando em causa um caso de negligência médica e tendo sido a apresentação dos documentos juntos no requerimento probatório em virtude de questões novas e complexas suscitadas pelo depoimento dos médicos enquanto testemunhas, não admitir que o Recorrente lance mão dos documentos em sua posse como meio de prova para reagir a novas questões, é permitir uma desigualdade de armas entre as partes.
PP. De facto, tratando-se de negligência médica e estando em causa matérias como o consentimento informado, procedimentos médicos e áreas específicas da medicina, como no caso sub judice a oftalmologia, é um facto notório a diferença de conhecimento do médico e do paciente.
QQ. Tal disparidade, típica dos casos de negligência médica, é notada pela jurisprudência a qual propõe a inversão do ónus da prova, pelo que, a título de exemplo, veja-se o acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 2/06/2015 no processo n.º 1263/06.3TVPRT.P1.S1.
RR. Ora, sendo, portanto, pacifica a dificuldade de prova da negligência médica pelo paciente e tendo em consideração a sua posição fragilizada neste tipo de casos, não pode o Direito compactuar que o Tribunal a quo coarte a defesa do Recorrido ao não admitir a junção de documentos absolutamente necessários e ao abrigo do mecanismo do artigo 423.º, n.º 3, in fine do Código de Processo Civil.
SS. De facto, mesmo que nesses casos a jurisprudência defenda uma maior flexibilização e até inversão do ónus da prova, o Recorrente tem o direito a apresentar a sua defesa e os meios de prova que achar por convenientes pelos mecanismos que tem ao seu dispor.
TT. Em suma, ao não admitir os documentos juntos pelo Recorrente no seu articulado probatório, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, viola, assim, o principio da igualdade consagrado no artigo 4.º do Código de Processo, bem como interpreta incorrectamente a norma do artigo 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
UU. Desta forma, e pelo supra exposto, deveria o Tribunal a quo ter admitido igualmente os documentos 3 a 6 do requerimento probatório do Recorrente enviado via CITIUS a 15/05/2019 com a referência n.º 32435844.»
            Contra alegou o réu, sumariando da seguinte forma:
« A - Sendo o recurso um meio de impugnação das decisões judiciais, conforme o disposto nos termos
do nº 1 do artigo 627º do CPC, os factos enunciados no referido Capítulo II – INTRODUÇÂO das alegações de recurso, não devem ser considerados no presente recurso por nada terem a ver com a decisão recorrida nem com os vícios que lhe são imputados nas alegações de recurso a que agora se
responde.
B – A pretensão do Recorrente, em qualificar como pareceres técnicos os documentos que pretende que sejam juntos aos autos, é manifestamente improcedente pela razão de que tais documentos, por se traduzirem em documentos publicitários e em estudos científicos de natureza geral, não se podem qualificar como pareceres técnicos para os efeitos do artigo 426º do CPC, porque só podem ser qualificados como tal os pareceres que incidam sobre as questões concretas que são objeto do processo.
C – A pretensão formulada pelo Recorrente de que a decisão recorrida, ao não ter admitido a junção dos documentos aos autos, conforme foi por si requerida, violou o artigo 426º do CPC, por tais documentos serem pareceres técnicos, é questão nova que não submeteu ao Tribunal recorrido, no requerimento probatório, nem foi apreciada na decisão recorrida, devendo o recurso ser declarado improcedente nesta parte pela razão de violar o disposto no artigo 627º, nº 1, do CPC, nos termos do qual o objeto do recurso é a decisão recorrida dentro dos mesmos condicionalismos em que foi proferida.
D - O recurso deve ser liminarmente indeferido, nos termos do artigo 656º do CPC, com o fundamento de ser manifestamente infundado por comportar pedidos contraditórios e inconciliáveis, ou seja, por pretender que a decisão recorrida violou, ao mesmo tempo, dois preceitos legais que são inconciliáveis, por terem objeto diferente, isto é o artigo 423º, nº 3, in fine e o artigo 426º, ambos do
CPC.
E – É falso o invocado pelo Recorrente de que a questão da adequação das lentes implantadas pelo Respondente ao Recorrente não foi suscitada nos articulados, porque o Recorrente, na petição inicial, invocou a inadequação das lentes e o Respondente, na sua contestação, afirmou o contrário, é manifesto que o Recorrente poderia e deveria, conforme resulta do artigo 423º, nº 2 do CPC e é acertadamente afirmado na decisão recorrida, ter junto os documentos que pretende ver agora juntos ao processo no prazo de 20 dias antes da data em que se realizou a audiência final.
F - A ocorrência posterior a que alude o artigo 423, nº 3, do CPC refere-se à ocorrência de factos posteriores ao momento legalmente fixado, pelo artigo 423º, nº 2, do CPC, factos posteriores esses que não englobam os depoimentos de testemunhas em audiência, conforme pretende e invoca o Recorrente, como sendo ocorrência posterior justificante da sua intenção em juntar os documentos que pretende aos autos.
G - O que implica que o Recorrente não tem qualquer razão na sua pretensão porque nada há a apontar ao despacho recorrido, na parte em que indeferiu a junção de tais documentos, com fundamento na sua extemporaneidade visto que tais documentos não são documentos supervenientes porque o Recorrente os poderia ter junto ao processo antes do início da audiência e a prova testemunhal não se enquadra no conceito de ocorrência posterior, conforme o disposto no citado artigo 423º, nºs 2 e 3 do CPC que foi devidamente aplicado pela decisão recorrida.
H – O recurso a que agora se responde deve ser declarado improcedente pelo facto de, conforme é corretamente afirmado na decisão recorrida e não é sindicado nas alegações de recurso a que agora se responde os documentos 4 a 6, juntos ao requerimento probatório, sendo artigos de revista ou teses de doutoramento, por terem carácter geral e abstrato, não podem ser qualificados como documentos para os efeitos do artigo 423º do CPC, pela razão de serem documentos de carácter genérico que não se debruçam em concreto sobre o caso dos autos.
I - Acresce ainda referir, por cautela, que os fundamentos que o Recorrente invocou para vir aos autos
juntar os referidos documentos, correspondem a um articulado superveniente que, repita-se é legalmente inadmissível por não preencher os requisitos que, para o efeito, são fixados pelo citado artigo 588º do CPC, pela razão de que, além de apresentar os referidos documentos, não se coíbe de, a propósito de cada um desses documentos, formular, nos pontos 8., 9., 10., 12., 13., 17., 20., 26. E 27., do requerimento probatório, afirmações sobre a sua versão dos factos, o que repete nas alegações de recurso.
J - Afirmações essas que deveria invocar em sede de petição inicial, por força do disposto no artigo 552º, nº 1, alínea d) do CPC, e não no requerimento probatório nem nas alegações de recurso a que agora se responde, transformando-as em articulado superveniente que, por não cumprirem o disposto no citado artigo 588º do CPC, consubstanciam articulado ilegal que, por esta razão, deve ser rejeitado
e desentranhado dos autos.
L - O Respondente, relativamente ao documento 3, junto ao requerimento probatório, refuta e impugna
o afirmado no ponto 10 de tal requerimento probatório e nas alegações de recurso em relação a este documento, por ser falsa a afirmação aí produzida e a junção de tal documento, porque este documento não corresponde a qualquer documento que tenha sido entregue ao Recorrente, cumprindo ainda afirmar que tal documento corresponde a uma cópia que consta da página electrónica do IMO – Instituto de Microcirurgia Ocular e que pode ser tirada por qualquer pessoa que tenha acesso à referida página eletrónica.
M – O Respondente impugna a forma como o Recorrente reproduz o documento 4, que juntou ao requerimento probatório, pela razão de que o que o Recorrente faz é uma reprodução parcial de tal documento, de uma afirmação que não se trata de juízo conclusivo deste documento, mas sim, de uma questão que é suscitada em sede de Discussão, cfr. pág. 249 do documento em questão, e que é contrariada pela última conclusão, pág. 250 último parágrafo e pág. 251, que é expressa no mesmo documento, e que não se pode deixar de reproduzir: “Em conclusão, as LIO multifocais permitem uma boa AV (para longe, perto e visão intermédia) com níveis de satisfação e independência de óculos elevados. A presença de sintomas visuais, como halos, encadeamento e sensibilidade à luz, embora frequentes, são bem tolerados pelos doentes. Os resultados obtidos foram semelhantes no grupo de doentes com implante de LIO difractivas em ambos os olhos e no grupo de doentes com implante de LIO com a técnica mix and match”.
N - Relativamente ao documento 5, o Recorrente limita-se a transcrever um parágrafo de um texto com 95 páginas – a tese de Doutoramento do Professor Wilson Takashi Hida, acima identificada, consultável in . file:///C:/Users/pjps/Downloads/WilsonTakashiHida.pdf, das quais só junta as páginas 28 e 29, mas não transcreve, como devia, as conclusões a que o respetivo autor desse texto chegou e que são as seguintes: “Após a análise dos elementos obtidos neste estudo, pode concluir-se que:
1 – As lentes intraoculares multifocais Tecnis MF e Restor propiciaram acuidade visual comparável àslentes monofocais SN60WF e SN60AT para visão de longe, oferecendo melhor visão de perto não corrigida.
2 – O grupo da Tecnis MF apresentou melhor sensibilidade de contraste, menos aberrações ópticas e melhor visão intermediária que o grupo Restor.
3 – As lentes asféricas (Tecnis MF e a SN60WF) proporcionaram valores inferiores de aberração esférica pós-operatórios com melhor visão em condições fotópicas, quando comparadas às esféricas (Restor e SN60AT). Na sensibilidade ao contraste em condições mesópicas, a SN60WF foi superior a todas as lentes.
4 – A lente monofocal SN60AT apresentou índices de maiores de aberração esférica, coma, alta ordem e total após a cirurgia, quando comparada às demais lentes.
5 – As lentes multifocais Tecnis MF e Restor apresentaram mais satisfação na visão de perto e independência do uso de correção óptica com maior incidência de fenómenos fóticos do que as lentes
monofocais SN60AT e SN60WF.”. Sendo aqui de salientar, a este propósito, que a lente que o Respondente colocou ao Recorrente, na intervenção cirúrgica, realizada em 22 de Setembro de 2005, foi uma lente multifocal Tecnis que, conforme decorre dos, acabados de mencionar, pontos 1., 2 e 5 das conclusões daquela tese de Doutoramento, oferecem acuidade visual superior ao das lentes monofocais e que, por esta razão, a opção do Respondente, com a concordância do Recorrente, em lhas ter aplicado foi a que mais se adequava à situação clínica do Recorrente e que lhe permitia maior acuidade visual.
O - O documento 6, junto ao requerimento probatório, trata-se de um pequeno artigo de uma revista comercial (News Farma) no qual se publicitam lente multifocais da multinacional Alcon em que citam o Prof JM... que refere termos atualmente à nossa disposição lentes multifocais com resultados funcionais muitos melhores e menos efeitos secundários o que tem levado a um aumento de indicações e popularidade crescente destas lentes porque, se tal afirmação é verdadeira em 2019, não se pode deixar de afirmar que, em 2005, data em que foi realizada a intervenção cirúrgica pelo Respondente ao Recorrente, as lentes intraoculares Tecnis aí implantadas ao Recorrente, eram reconhecidamente as lentes multifocais mais avançadas à época, aprovadas pelo FDA e pela Agência Europeia e lideres de mercado na Europa.
P - Conforme foi acertadamente afirmado na decisão recorrida, estes documentos não podem ser considerados como documentos para os efeitos do disposto no citado artigo 423º do CPC, por serem documentos que não têm por objeto específico a situação em causa nos autos.
Q – A apresentação de tais documentos, no momento em foi realizada é extemporânea, como também foi afirmado pela decisão recorrida, pela razão de não serem documentos supervenientes e pela razão de a sua junção superveniente não poder ser justificada pelos depoimentos prestados nos autos pelas diversas testemunhas invocadas pelo Recorrente no requerimento probatório e nas alegações de recurso, porque, como já foi demonstrado na presente resposta, a produção de prova testemunhal não corresponde ao conceito de ocorrência posterior, para os efeitos do artigo 423º, nº 1, in fine do CPC.
R – A decisão recorrida não violou o princípio da igualdade processual, consagrado no artigo 4º do CPC, porque, ao não ter aceite a junção dos documentos pretendidos pelo Recorrente, se limitou a aplicar de forma correta e adequada o artigo 423º do CPC.».
O recurso foi admitido.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar é a possibilidade de junção de documentos em audiência:
a) Tendo por base a necessidade de junção face aos depoimento das testemunhas e a obrigação do Tribunal admitir os documentos nos termos do artº 423º nº 3 do CPC;
b) A admissibilidade tendo por base a circunstância de os documentos poderem constituir pareceres para efeitos do artº 426º do CPC.
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II. Fundamentação:
Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os constantes do relatório que antecede que se dão por reproduzidos.
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III. O Direito:
No domínio do CPC, na versão em vigor antes do início de vigência da Lei n.º 41/2013, no que respeita ao momento de apresentação da prova documental, o então artigo 523.º preceituava que:1 – Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.2 – Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pode oferecer com o articulado. Por sua vez, o artigo 524.º, sob a epígrafe Apresentação em momento posterior, no que aqui releva, dispunha que:2 – Os factos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Ora, com a Lei n.º 41/2013, de 26-06, alterou-se, em parte, aqueles normativos que passaram a constar dos artigos 423.º e 425.º da atual versão do CPC.
Assim, o artigo 423.º, sob a epígrafe “Momento da apresentação”, dispõe que: 1 – Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 – Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 – Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido tornada necessária em virtude de ocorrência posterior.
Quer na versão do CPC anterior, quer na atual versão do CPC extrai-se que se manteve a regra de base do ónus de apresentação da prova documental com os articulados em que as partes aleguem os factos que com aquele meio de prova se visa demonstrar.
Já quanto a apresentação em momento posterior com a penalização de multa ou justificação bastante do retardamento, a nova lei veio antecipar o limite temporal dessa apresentação, mantendo, no entanto, a faculdade de oferecimento, depois desse limite, dos documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Em suma, significa isto que, sem considerar estas últimas situações, a apresentação de prova documental posterior aos articulados com penalização ou justificação bastante, que dantes podia ser feita até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, ou seja, até ao termo das então alegações de facto, passou a agora a ter como termo final o vigésimo dia anterior à data em que se realize a audiência final.
Tal antecipação encontra-se justificada na “exposição de motivos” da Lei n.º 41/2013, nos seguintes termos: «Em consonância com o princípio da inadiabilidade da audiência final, visando disciplinar a produção de prova documental, é estabelecido que os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realiza a audiência final, assim se assegurando o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios.».
Como referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in CPC Anotado vol I pág. 498 e ss.): «O CPC de 2013 introduziu alterações relevantes em sede de apresentação do prova documental, visando contrair certa tendência, que constituíra em verdadeira estratégia processual, traduzida em protelar a junção de documentos para a audiência final. Os efeitos negativos que isso determinava, com o arrastamento das audiências e perturbação do decurso dos depoimentos, levaram o legislador a adoptar uma solução mais rígida.»
Importa ainda referir que tal como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 18/02/2016:«A junção de documentos em audiência de julgamento, no âmbito do regime do CPC antes da reforma de 2013, servia primariamente dois objectivos: apanhar de surpresa a parte contrária, prejudicando os direitos da mesma; obrigar, por regra, ao adiamento do julgamento, já que antes da pronúncia da parte contrária quanto à admissibilidade da junção dos documentos – tendo 10 dias para o efeito -, o juiz não se devia pronunciar sobre essa admissibilidade. Talvez com o fim de evitar estas consequências, a reforma de 2013 alterou o regime da apresentação dos documentos; por força do art. 423 do CPC, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. Após este limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.» ( in endereço da net referido ).
Quer isto dizer que na audiência de julgamento só podem ser admitidos os documentos relativamente aos quais a parte que os apresente alegue, e prove se necessário (art. 342/1 do CC e ac. do TRL de 22/10/2014, 681/13.5TTLSB.L1-4, invocado pelo réu nas alegações de recurso, bem como os acs. do TRC de 24/03/2015, 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1, de 16/12/2015, 1395/08.3TBLRA-B.C1), que não os pôde apresentar antes ou que a sua apresentação só se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
O conceito de “ocorrência posterior” que legitima a entrada de documentos no processo não respeitará, por certo, a factos que constituem fundamentos da acção ou da defesa (factos essenciais, na letra do artº 5º) pois tais factos já hão de ter sido alegados nos articulados oportunamente apresentados, ou pelo menos, por ocasião da dedução de articulado de aperfeiçoamento ( artº 590º nº 4 ) ( neste sentido António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in ob. Cit. Pág. 499).
Dizendo a este propósito Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (CPC Anotado, pág. 241 ) «(…) no plano dos factos, a ocorrência posterior dirá somente respeito a factos instrumentais ou a factos relativos  a pressupostos processuais», e António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa concluem que «não podem criar-se artificialmente eventos ou incidentes cujo objectivo substancial seja tão só o de inserir nos auto documentos que poderiam e deveriam ser apresentados em momento anterior, sob pena de frustração do objetivo disciplinador fixado pelo legislador e, assim, de prática que se quis assumidamente abolir» ( in ob. Cit. pág. 500).
No caso dos autos a pretensão de junção de documentos ocorreu no decorrer da fase de julgamento.
Justificava o Autor tal junção nos seguintes termos: «(…) requerer a junção aos autos dos documentos que ora se apresentam, em face dos depoimentos das últimas testemunhas, que levantaram determinados pontos que podem suscitar dúvidas e que são indispensáveis esclarecer, para descoberta da verdade material(…). Todos eles são essenciais para a descoberta da verdade material e, assim, para alcançar a justiça da causa.». Acresce que justifica a junção com pontosa específicos dos depoimentos prestados pelas testemunhas, concluindo: «(…) todos os documentos que se requerem juntar contém matéria muito relevante para a verdade material e, como tal, para a boa decisão da causa.» e ainda que a «(..) sua junção tornou-se indispensável em face dos depoimentos das últimas testemunhas, nomeadamente do depoimento das testemunhas dos médicos Dr. LC..., Dr. AC...e Dr. JC..., cujos depoimentos foram um pouco contraditórios sobre estes pontos, que podem suscitar dúvidas e que são indispensáveis esclarecer para descoberta da verdade material e justiça da causa.».
No despacho proferido de admissibilidade da junção pretendida e ora recorrido, alude-se em primeiro lugar, ao estabelecido no artº 423º nº 3 do CPC, concluindo pela extemporaneidade da junção dos documentos juntos sob os nº 3 a 6, em segundo lugar, aludindo que tais documentos “constituem artigos de revista e ou teses de doutoramento que não se enquadram no referido normativo”.       Manifestamente no caso dos autos a recorrente nada alegou que justificasse a junção dos documentos em sede de fase de audiência final.
Com efeito, face à natureza dos documentos cuja junção se pretende e as suas datas, os mesmos já existiam aquando dos articulados. Acresce que as testemunhas indicadas foram inquiridas sobre os factos que foram alegados em sede de articulados, inexistindo, ou não tendo o Autor alegado como justificativo de tal junção, factos instrumentais novos que possam determinar a justificação da junção extemporânea.
Acresce que não pode justificar a junção tardia de documentos a circunstância de se pretender fazer contra prova da “narrativa das testemunhas”, pois caso pretendesse contraditar tais depoimentos, ou abalar a credibilidade dos mesmos, teria de justificar a junção com a eventual contradita nos termos do artº 521º do CPC, mas esta com a indicação em concreto do pressuposto de tal figura. Por outro lado, tal como se decidiu no Acórdão desta Relação, datado de 6/12/2017 ( in www.dgsi.pt/jtrl) a « contradita não se destina de todo à contraprova de um depoimento testemunhal, destina-se a abalar a credibilidade e a fé que a testemunha possa merecer ao tribunal, podendo por esse meio por em causa o teor do seu depoimento, por se demonstrar não ser esta isenta ou credível.». Também no Acórdão desta Relação de 8/2/2018 se conclui: não tem a contradita por desiderato por em cheque/causa o depoimento da testemunha propriamente dito, mas antes a pessoa do depoente, isto é, não se alega que o depoimento é falso, ou a testemunha mentiu, antes alega-se que por tais e tais circunstâncias exteriores ao depoimento, a testemunha não merece crédito. É que, como bem salienta J. Alberto dos Reis, “ Só quando a contradita se dirige contra a razão de ciência invocada pela testemunha é que as declarações desta são postas em causa; mas, ainda aqui não se atacam directamente os factos narrados pelo depoente, só se ataca a fonte de conhecimento que ele aponta ”( in Código de Processo Civil, Vol. IV, pág. 459.)
Ora, na pretensa junção de tais documentos nem sequer o recorrente faz menção a que factos se reporta tal junção, ou seja a que factos em concreto pretende a prova ou a contraprova com os mesmos documentos. Pois a parte que pretende a junção de documentos fora dos casos previstos nos nºs 1 e 2 do artº 423º do C.P.C. deve alegar e demonstrar a impossibilidade da sua junção ou que a mesma só naquele momento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, bem como  pertinência dos documentos quanto aos factos que pretende provar com os mesmos (neste sentido vide Acs. do T.R.C. de 24/03/2015, proc. nº 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1; Ac. R. Porto de 15/02/2016, Proc. nº 96/14.8TTVFR-A.P1 e Ac. do STJ de 23/06/2016, proferido no Proc. nº 359/07.9TBOPR.P1.S1).
In casu, o A. não cumpriu este ónus que lhe era imposto, uma vez ultrapassados os prazos previstos nos nºs 1 e 2 do referido preceito legal. Mas mesmo que tal junção tivesse sido motivada no sentido ora pretendido - que pretende fazer contraprova da narrativa dos depoimentos das testemunhas apresentadas, não requereu a contradita, nem sequer indicou a que factos pretende que seja considerada a contraprova.
Como referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa ( in ob. Cit. pág. 498 e ss.) «Os documentos não são factos, antes meios de prova de factos. Por isso se justifica que a sua apresentação coincida com a alegação dos factos que a parte se propõe demonstrar, solução que, em certa medida, foi agora estendida aos demais meios de prova, os quais devem ser apresentados ou requeridos com os articulados ( artº 552º nº 2, 572º alínea d), 588º n1 e nº 5) ainda que seja admitida alteração posterior do requerimento probatório ( artº 598º)».
Assim, não invocou o Autor a que factos se destinavam tais documentos a fazer prova, nem sequer a eventual contradita.
Em situação similar à dos autos decidiu-se no Ac. da RL de 6/12/2017:«(…) ao contrário do que invoca o recorrente em sede de alegações de recurso, o depoimento de uma testemunha não constitui a ocorrência posterior que torna necessária a junção de documentos, nem tal foi invocado ou sequer foi objecto de despacho judicial. Os meios de prova destinam-se à instrução da causa, a qual “tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.” A necessidade de junção ou não de documentos reporta-se sempre aos factos integrados nos temas de prova e visa a sua prova ou contraprova. O depoimento de uma testemunha, arrolada nos autos, não constitui nunca ocorrência posterior que possibilite a junção de documentos. Considerar o contrário, seria permitir que a cada testemunha, fosse possível à parte a junção de mais documentos, fora dos momentos temporais consignados na lei e ao arrepio da restrição que o legislador procurou estabelecer com esta norma.» ( in www.dgsi.pt/jtrl).
Quanto ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio eventualmente justificativa da junção, que nesse sentido poderia ter sido “oficiosa”, entendemos que o dever de gestão processual e inquisitório que subjaz a tais preceitos não pode servir para “remediar” a inércia da parte, a quem incumbe a alegação e prova dos factos (a que está inerente a junção/indicação dos respectivos meios probatórios) em que assenta a sua pretensão, só se justificando, em nosso entender, o recurso a estes preceitos quando a parte não tem facilidade em os obter ou os não pode obter, devendo esta justificar a dificuldade de ela própria obter o documento, como refere Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, 2004, Almedina, a pág. 474, em anotação ao disposto no artigo 535.º do CPC (a que corresponde o actual 436.º).
Quanto à justificação assente na justa composição do litígio ou a relevância para a boa decisão da causa como princípios que integram a verdade material dos factos, importa ter presente que o princípio da “verdade material” não pode ser invocado tout court e como forma de ultrapassar as regras legais. A verdade é só uma e só pode ser obtida validamente com observância das regras legais.
Como diz Lebre de Freitas, “[d]urante muito tempo, a doutrina, ao contrapor as novas concepções à velha concepção liberal do processo, utilizou os conceitos de verdade material (extraprocessual) e de verdade formal (intraprocessual), como se pode ver em Manuel de Andrade, Noções cit., p. 360. A verdade, como relação de adequação do intelecto à realidade, é, porém, embora inatingível, uma só, diversos sendo apenas os meios que a visam alcançar. […]” (Introdução ao processo civil, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 156, nota 5). No mesmo sentido refere Germano Marques da Silva, “não é correcto falar-se de verdade formal e de verdade material, a não ser como conceitos meramente instrumentais; não há duas espécies de verdade, mas somente a verdade. […] A verdade processual não é senão o resultado probatório processualmente válido, isto é, a convicção de que certa alegação singular de facto é justificavelmente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtida por meios processualmente válidos. […] a lei processual não impõe a busca da verdade absoluta, e, por isso também, as autoridades judiciárias, mormente o juiz, não dispõem de um poder ilimitado na produção da prova.” (Curso de processo penal, II, Verbo, 4ª edição, 2008, pág. 130).  Ou como diz Figueiredo Dias: “E é bom que isto se acentue, para que não se ceda à tentação de santificar a violação de proibições de prova em atenção ao fim da descoberta de uma (pretensa) verdade ‘material’. Hoc sensu, a chamada ‘verdade material’ continua a ser, ainda aqui, uma verdade intraprocessual.” E mais acima: “[a ‘verdade material’] há-de ser antes de tudo uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida.” (Direito processual penal, primeiro volume, Coimbra Editora, 1984, págs. 193 a 195)   
Assim, além de inexistir justificação pelo A. da junção de documentos em sede de audiência, ao arrepio das regras processuais, tal como se encontram previstas no artº 423º do CPC, também nada nos autos nos permite concluir que o tribunal se deve substituir às partes e determinar tal junção oficiosamente, pois nem sequer se alega a que factos em concreto (dos alegados ou adquiridos na instrução) se destinam a fazer prova ou contra prova.
Resta, por fim, analisar a questão pelo prisma da qualidade dos “documentos”, ou seja, pretende o recorrente que se considerem tais documentos como pareceres nos termos e para os efeitos do artº 426º do CPC, pelo que passíveis de junção a todo o tempo.
Insurge-se o recorrido com tal interpretação, concluindo que qualificar como pareceres técnicos os documentos que o recorrente pretende que sejam juntos aos autos é manifestamente improcedente pela razão de que tais documentos, por se traduzirem em documentos publicitários e em estudos científicos de natureza geral, não se podem qualificar como pareceres técnicos para os efeitos do artigo 426º do CPC, porque só podem ser qualificados como tal os pareceres que incidam sobre as questões concretas que são objeto do processo.
Os pareceres são peças que as partes têm o direito de juntar ao processo, e que contribuem ou podem contribuir para esclarecer o espírito do julgador.
No tocante aos pareceres técnicos é certo que os mesmos dizem respeito, normalmente a questões de facto, e têm por escopo elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica cuja interpretação demanda conhecimentos especiais.
Parafraseando o Supremo Tribunal de Justiça “os pareceres de técnicos dizem respeito, normalmente a questões de facto. Destinam-se a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica cuja interpretação demanda conhecimentos especiais”(in BMJ, n.º459, ano 1996, p.153).
Ainda a este respeito, ensina Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil anotado, Vol. IV, pág. 26) que “ os pareceres de jurisconsultos, professores e técnicos podem fornecer elementos preciosos de informação. Um parecer bem deduzido e escrupulosamente fundamentado, que aprecie conscienciosamente a questão sobre todos os seus aspectos pode contribuir em larga medida para a justa solução do pleito, porque pode chamar a atenção do julgador para considerações, fundamentos e razões de decidir que lhe passariam despercebidos”. Todavia, afastando a situação dos pareceres de advogados ou professores normalmente de feição jurídica, diz o mesmo autor «os pareceres de técnicos, dizem respeito, em regra, a questões de facto; destinam-se a elucidar o tribunal sobre a significação e alcance de factos de natureza técnica, cuja interpretação demanda conhecimentos especiais” ( in ob. Cit. Pág. 27).
Como bem se decidiu no Acórdão desta Relação de 18/09/2008:«I. Os pareceres técnicos dizem respeito, por regra, a questões de facto, e destinam-se a esclarecer o tribunal sobre o alcance e significado de determinada facticidade de natureza técnica, cuja interpretação exija conhecimentos específicos, ainda que também possam ter por objecto dilucidar questões de direito, inerentes à interpretação e aplicação da lei.
II. Em qualquer das situações, o parecer dos técnicos terá que versar e analisar questões em apreço no âmbito da acção, fornecendo ao julgador elementos de informação, coadjuvantes da decisão a proferir, no desiderato de que esta seja acertada.
III. Como resultado da investigação e do trabalho de pessoa com competência especializada na matéria, os pareceres técnicos pronunciados por via extrajudicial representam apenas e em todo o caso uma simples opinião sobre a solução a dar a determinado problema, a qual, consequentemente, não vincula o tribunal, ainda que não deva ser negligenciada nas situações em que seja persuasória e com utilidade para a boa decisão da causa.
IV. Porém, de muita ou parca valia, apresentado pela parte determinado parecer técnico, deve, por regra, a sua admissão ser aceite, por se tratar de faculdade de que a parte usufrui no âmbito da instrução do processo.
V. Um parecer técnico sobre determinada questão, de facto ou de direito, pressupõe um discurso sobre essa concreta questão, analisando-a nas suas variadas vertentes ou pontos de vista, para ela propondo opinada solução. Mas, em todo o caso, terá de ser questão que esteja em apreciação nos autos, ainda que eventualmente já discutida em outra sede judicial. As mesmas questões repetem-se frequentemente nos processos.
VI. Todavia, o tribunal não terá de aceitar como parecer o que o não seja. A parte não pode sob a capa de parecer juntar ao processo todo e qualquer documento no qual veja algum interesse no intuito de impressionar o tribunal na sua decisão.» ( in www.dgsi.pt/jtrl).
Frise-se que as opiniões dos técnicos valem como meios de prova ou como pareceres, conforme sejam emitidos em diligência judicial, em resposta a quesitos formulados em arbitramento, ou sejam emitidos por via extrajudicial. Como resultado da investigação e do trabalho de pessoa com competência especializada na matéria, os pareceres técnicos pronunciados por via extrajudicial representam apenas e em todo o caso uma simples opinião sobre a solução a dar a determinado problema, a qual, consequentemente, não vincula o tribunal a segui-la, ainda que não deva ser negligenciada nas situações em que seja persuasória e com utilidade para a boa decisão da causa.
Todavia, o tribunal não terá de aceitar como parecer o que o não seja. A parte não pode sob a capa de “Parecer” juntar ao processo todo e qualquer documento no qual veja algum interesse no intuito de impressionar o tribunal na sua decisão. Um parecer técnico sobre determinada questão, de facto ou de direito, pressupõe um discurso sobre essa concreta questão, analisando-a nas suas variadas vertentes ou pontos de vista, para ela propondo opinada solução. Mas, em todo o caso, terá de ser questão que esteja em apreciação nos autos.
No caso em apreço os alegados “pareceres”, ou a sua qualificação como tal pela recorrente em sede de recurso, face ao indeferimento da sua junção, mais não são que estudos genéricos, sem que o Autor os correlacione em concreto com alguma das questões a decidir.
Senão vejamos.
Pretende o recorrente que se admitem como pareceres os seguintes documentos:
- Documento do Instituto de Microcirurgia Ocular, de 2005, sobre o implante de Lentes Fáquicas;
- Artigo Oftalmológico do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa, de 2011;
- Tese de Doutoramento de Wilson Takashi Hida, de 2013 intitulada “Desempenho visual dos pacientes pseudofácios com diferentes lentes intraoculares;
- Artigo do Professor Dr. JM..., de 2016, intitulado “Lentes intraoculares multifocais pré-carregadas permitem corrigir doenças refrativas”.
Ora, todos os documentos são estudos ou opiniões científicas de carácter genérico, elaboradas
sem o objetivo de responder ao caso dos autos, sendo os três últimos proferidos em momento muito posterior aos factos em causa nos autos, o que não é despiciendo face ao avanço da medicina.
Acresce que tal como evidencia o recorrido, o primeiro documento é uma informação genérica que consta da página eletrónica do Instituto de Microcirurgia Ocular, sem que se correlacione directamente com a intervenção cirúrgica que foi realizada ao Autor. O segundo documento reporta-se a um artigo da autoria de diversos oftalmologistas, publicado em 2011, na Revista Oftalmologia,  e é um artigo científico de caráter geral e abstrato, que tem por título “Avaliação da Função Visual após Implante de Lentes Intraoculares Multifocais – 15 a 30 meses de Follow-up”. O terceiro documento consiste na capa, no índice e algumas páginas da tese de Doutoramento apresentada por Wilson Takashi Hida, em 2013, na Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, com o título: “Desempenho visual dos pacientes pseudofácicos com diferentes lentes intraoculares”, pelo que também o mesmo expressa uma posição científica de carácter geral e abstracto. O mesmo ocorre com o quarto documento cuja junção se pretende, o qual corresponde a um artigo de uma revista ( News Farma) no qual se publicitam lente multifocais da multinacional Alcon e no qual se cita o Prof JM..., mais uma vez sem se circunscrever ao caso, ou reportar a factos concretos discutidos nos autos.
Logo, nenhum dos documentos juntos pode ser qualificado como parecer técnico, enquadrável na previsão do artigo 426º do CPC e como meros documentos, os mesmos estão sujeitos ao regime do artº 423º do CPC, pelo que haverá que confirmar o juízo de inadmissibilidade dos mesmos, tal como foi bem fundamentado na decisão recorrida.
Deste modo, é de manter a decisão recorrida, improcedendo o recurso.
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IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.
                                                                                  Lisboa, 20 de Fevereiro de 2020
Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
Teresa Soares