Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25/07.5TYLSB.L1-1
Relator: JOÃO AVEIRO PEREIRA
Descritores: REGISTO DE MARCA
RECUSA DE ACTO DE REGISTO
IMITAÇÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, ou por frases publicitárias para distinguir os produtos ou serviços a que respeitem.
II – Dentro destes parâmetros, qualquer pessoa tem liberdade de escolher um sinal capaz de distinguir o seu produto ou serviço e, se a marca for registada, o titular passa a deter o exclusivo do seu uso, podendo por isso impedir terceiros de utilizarem, sem o seu consentimento, sinal igual ou semelhante, em produtos ou serviços afins.
III – O registo de uma marca pode ser recusado, em geral, quando se reconheça que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que é possível esta ocorrer independentemente da intenção.
IV – O registo também pode ser recusado quando a marca contenha reprodução ou imitação de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços afins, susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda o risco de associação com a marca registada.
V – A apreciação da imitação ou da usurpação de marca deve aferir-se pelas semelhanças e não pelas dissemelhanças entre as marcas em confronto, sendo certo também que a imitação não implica necessariamente que se trate de uma cópia ou de uma igualdade total.
VI – O consumidor induzido em erro ou confusão não é o consumidor ideal, atento e entendido ou conhecedor, pois, a protecção que a lei concede é ao consumidor médio, algo apressado e distraído, mormente no caso de produtos de preço baixo e vasto consumo.
VII – Para haver concorrência desleal o importante é que exista uma oferta de bens e serviços idênticos no mesmo mercado e que tal seja susceptível de captar ou desviar clientela alheia, não sendo essencial que daí tenha resultado um efectivo desvio ou captação de clientela alheia, e nem mesmo que essa tenha sido ao intenção do agente.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
“A”– , S.A., com sede no Centro Empresarial de S... – …, fracção …, Estrada de , ..., L..., veio, ao abrigo do disposto no art. 39º e segs. do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Director de Marcas e Patentes do I.N.P.I. que deferiu o pedido de registo da marca nacional nº ... "FONTE DE VIDA Água com Qualidade Natural" (mista).
Alega ter pedido em data anterior o registo das marcas nacionais "FONTE VIVA" e "ÁGUA FONTE VIDA", destinadas a assinalar os mesmos produtos, havendo entre os sinais tal semelhança que induz o consumidor em confusão e potencia a prática de actos de concorrência desleal.
Deve, pois, o despacho recorrido ser revogado.
Cumprido o disposto no art. 43º do Código Propriedade Industrial o referido Director remeteu o processo administrativo para apensação.
Citada, a “B”, LDA., respondeu pugnando pela manutenção do despacho recorrido. Invoca, para o efeito, que: a recorrente provou ser a titular do pedido de registo das marcas que invoca; as marcas da recorrente não foram ainda concedidas e, por isso, não pode ainda o Tribunal decidir o pedido da recorrente; a marca da recorrida é mista e o elemento figurativo surge em grande destaque; as marcas não são semelhantes pelo que não é possível a confusão no consumidor nem a prática de concorrência desleal.
Foi proferida sentença a conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido que deferira o pedido de registo da marca nacional nº ... - "FONTE DE VIDA Água com Qualidade Natural" (mista), negando-se assim protecção jurídica nacional à referida marca para assinalar os serviços para os quais foi pedida.
Inconformada, a então recorrida apelou agora e concluiu o seguinte:
A) A marca da apelante é mista, sendo que o respectivo elemento figurativo surge em grande destaque, apresenta-se de forma impressiva e reveste um significado concreto, além de constituir, pela sua relevância, elemento caracterizador essencial na constituição da marca e na sua distinção face às demais (vide, Luís M. Couto Gonçalves, Direito de Marcas, pág. 141);
B) Razão pela qual não pode ser desatendido como fez a douta sentença recorrida.
C) Não existe entre os sinais em confronto qualquer semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que possa induzir o consumidor em erro ou confusão ou associação;
D) Da mesma forma não existe qualquer hipótese de existência de concorrência desleal, quer na vertente subjectiva, quer objectiva, pelo que não assiste razão à douta sentença recorrida;
E) Acresce que os vocábulos que integram as marcas da apelada constituem palavras de uso comum ou corrente, logo constituindo elementos genéricos, pelo que não podem ser apropriados, em exclusivo, seja por quem for, desde logo pela recorrente;
F) Facto que a douta sentença recorrida ignorou por completo;
G) Face a todo o exposto resulta que a douta sentença recorrida, além de se basear em manifesto erro de facto, fez errada aplicação dos art.ºs. 239°, n.º 1, m), 245.°, n.º 1, c), 223.°, n.º 2, 24.°, n.º 1, d) – correspondente ao actual art.º 239.°, n.º 1, e) – pelo que deve ser revogada, mantendo-se o douto despacho que concedeu o registo nacional de marca da apelante.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
As conclusões da Recorrente, delimitadoras do objecto deste recurso (art.ºs 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC), impõem que aqui se aprecie e decida se há semelhança entre as marcas susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão ou associação e se poderá vir a existir concorrência desleal.
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II – Fundamentação
A – Factos provados.
1 – Por despacho datado de 8 de Março de 2006 o Sr. Director de Marcas e Patentes do INPI, por subdelegação de competências, deferiu o pedido de registo da marca nacional nº ... "FONTE DE VIDA Água com Qualidade Natural" (mista) pedida a 23 de Dezembro de 2004.
2 - A referida marca destina-se a assinalar, na classe 32ª "água mineral natural".
3 – E tem a seguinte configuração, não tendo sido reivindicadas cores:
4 – Na sequência de requerimento apresentado pela ora recorrente o pedido de registo foi reapreciado pelo INPI tendo sido mantido o despacho de deferimento por despacho de 17 de Agosto de 2006.
5 - A recorrente (ora apelada) é titular da marca nacional nº ... "FONTE VIVA", pedida em 12 de Maio de 1999 e concedida por despacho de 19 de Setembro de 2006, destinada a assinalar na classe 32ª: "água destinada ao consumo humano".
6 – Por despacho datado de 26 de Março de 2008 foi deferida à recorrente a marca nacional nº 369.598 "ÁGUA FONTE VIDA", pedida em 27 de Janeiro de 2003, destinada a assinalar na classe 32ª: "água destinada ao consumo humano".
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B – Apreciação jurídica
A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. A marca pode ser formada também por frases publicitárias para produtos ou serviços a que respeitem, desde que possuam carácter distintivo, independentemente da protecção que lhe seja reconhecida pelos direitos de autor – art.º 222.º do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, aqui aplicável. Fundamentalmente no mesmo sentido já dispunha o art.º 165.º do C.P.I. aprovado pelo Decreto-lei n.º 16/95, de 24 de Junho.
Dentro destes parâmetros, qualquer pessoa tem a liberdade de escolher um sinal capaz de distinguir o seu produto ou serviço. Por outro lado, se a marca for registada, o titular passa a deter o exclusivo do seu uso e pode, por isso, impedir terceiros de utilizarem, sem o seu consentimento, sinal igual ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins. Todavia para que o registo se efective é necessário que o requerente satisfaça ou não contrarie determinadas regras disciplinadoras dos comportamentos e dos propósitos.
Deste modo, o registo de uma marca pode ser recusado, em geral, quando, nomeadamente, se reconheça que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção – art.º 24.º, n.º 1, al. d), do CPI de 2003.
Esse registo pode também ser recusado quando a marca contrarie o disposto no artigo 222.º, sobre a constituição da marca, no art.º 225.º, sobre o direito ao registo, e no art.º 235.º, relativo à unicidade registal, todos do CPI de 2003. Tal recusa ocorrerá ainda quando a marca contenha, em todos ou alguns dos seus elementos, designadamente, reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda o risco de associação com a marca registada – tudo nos termos do art.º 239.º, al. m), do CPI de 2003. Cf. art.º 189.º, n.º 1, al. m), do CPI de 1995.
Para evitar dúvidas hermenêuticas, a lei estabelece que a marca se considera imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente, al. c): tenha tal semelhança gráfica, figurativa, fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma a que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto – art.º 245.º, n.º 1, al. c), do CPI de 2003. No mesmo sentido, já preceituava o art.º 193.º, n.º 1, al. c), do C.P.I. de 1995.
Nesta conformidade, além de a marca dever ter capacidade distintiva, é necessário que ela não afronte direitos de terceiros que anteriormente tenham registado a sua marca, ou apresentado o respectivo pedido. No primeiro caso, se o sinal escolhido não tiver capacidade distintiva, existe um motivo absoluto de recusa do registo e, no segundo, o que ocorre é um motivo relativo dessa recusa.
As marcas em confronto nestes autos referem-se a produtos da mesma natureza e com o mesmo fim, aliás figuram na mesma classe 32.ª. E em relação ao aspecto gráfico e fonético, as semelhanças são evidentes, entre, de um lado, Fonte de Vida, Água com Qualidade Natural, e do outro lado, ÁGUA FONTE VIDA e FONTE VIVA. Estes vocábulos induzem facilmente o consumidor a tomar a primeira por qualquer das outras, não as conseguindo distinguir. Com efeito, os elementos predominantes são: “FONTE”, “VIDA” e “VIVA”, sendo a preposição de inoperante para efeitos distintivos, assim como o termo Água, designação genérica do produto (art.º 223.º, n.º 1, al. b), do C.P.I. de 2003), e a expressão Qualidade Natural, frase mais de cunho publicitário, mas sem carácter distintivo. Perante isto, e apreciada cada uma das marcas no seu conjunto, verifica-se que a dissemelhança figurativa da marca da ora recorrente se revela insuficiente para atenuar sequer a semelhança entre aqueles elementos dominantes, ou seja, para a distinguir das marcas da ora recorrida (cf. ac. do STJ de 12-7-2005, 05B2005, 7.ª sec., www.dgsi.pt/jstj). Acresce que a apreciação da imitação ou da usurpação de marca se deve aferir pelas semelhanças e não pelas dissemelhanças entre marcas em confronto, sendo certo também que a imitação não implica necessariamente que se trate de uma cópia ou de uma igualdade total (cf. ac. do STJ de 17-4-2008, 08A375, 6.ª sec., www.dgsi.pt/jstj).
Além disso, o consumidor induzido em erro ou confusão não é o consumidor ideal, atento e entendido ou conhecedor, pois, a protecção que a lei concede é ao consumidor médio, algo apressado e distraído, mormente no caso de produtos de preço baixo e de vasto consumo, como é a água mineral (cf. ac. do STJ de 12-7-2005, citado). Aquele consumidor que raramente tem na sua presença as duas marcas a fim de poder efectuar um exame atento para as distinguir, pelo que, em geral, leva consigo o produto água com a marca da ora recorrente ou com as marcas da ora recorrida, por não as distinguir ou por associar a primeira às segundas.
Deste modo, ainda que não fosse essa a intenção da apelante, ao pedir o registo da sua marca, esta tinha toda a possibilidade de entrar em concorrência desleal (art.ºs 317. °, 318. ° e 331. ° do C.P.I. 2003), com as marcas da apelada, se este recurso viesse a obter provimento. Na verdade, para haver concorrência desleal o importante é que exista uma oferta de bens ou serviços idênticos no mesmo mercado e que tal seja susceptível de captar ou desviar clientela alheia, não sendo essencial que daí tenha resultado um efectivo desvio ou captação de clientela alheia, e nem mesmo que essa tenha sido a real intenção do agente (cf. ac. do STJ de 18-3-2003, 03A545, 1.ª sec., www.dgsi.pt/jstj).
Em suma, improcedem todas as conclusões da Recorrente e, por conseguinte, mantém-se a decisão recorrida.
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III – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente – art.º 446.º do CPC.
Notifique.
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Lisboa, 19 de Janeiro de 2010

João Aveiro Pereira
Manuel Marques
Pedro Brighton