Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
488/13.0TCFUN-A.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: ÓNUS DA PROVA
MANDATÁRIO JUDICIAL
PROVA DOCUMENTAL
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – Os procedimentos processuais devem ser conhecidos e escrupulosamente cumpridos pelas partes – que para tal constituem nos autos, obrigatoriamente, mandatários judiciais devidamente credenciados – não competindo ao tribunal a obrigação suprir, a pari passu, as insuficiências técnicas, distracções e lapsos afins contidos nas peças que apresentam.
II – Se é sobre a Ré que impende o dever processual de provar a factualidade que alegou – e que é suportada pelo documento em falta – não deve o tribunal, a solicitação do A., em momento prévio à designação do julgamento, impeli-la a produzir essa mesma prova, interferindo (abusivamente) na respectiva estratégia.
III - O artigo 429º do Código de Processo Civil não se destina, em termos técnico-processuais, à obtenção de declarações da parte contrária.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:



I – RELATÓRIO:


Intentou DG acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Banco C.

Essencialmente alegou:

Foi aconselhado pelo Réu a adquirir obrigações da CP, o que o A. fez, em vez de ter constituído um depósito a prazo, por lhe haver sido transmitido a segurança e a ausência de risco do capital investido – elemento essencial para a aplicação do seu dinheiro e para a sua transferência para o Réu Banco C.

A aplicação sem risco recomendada pelo Banco C perdeu, pelo menos, 99% do seu valor.

Conclui pela responsabilização do Banco C formulando diversos pedidos dirigidos basicamente à restituição do dinheiro investido e à sua indemnização pelos danos sofridos.

Contestou o Réu concluindo pela improcedência dos pedidos.

Aquando da apresentação dos requerimentos probatórios,
Requereu o A. DG, designadamente :
“ De harmonia com o previsto no artigo 429º do Código de Processo Civil por serem necessários para o esclarecimento da verdade e para a boa decisão da causa, o A. vem requerer igualmente a V. Excia se digne notificar o Banco C – que incorporou o Banco C de ..., S.A.– para vir aos autos juntar os seguintes documentos :
Cópia do registo de cliente com todas as menções previstas no artigo 36º - B do Regulamento da CMVM nº 12/2000 ( aplicável à data ), bem como os seus anexos ( alínea ii) ;
Cópia dos documentos entregues ao Autor em conformidade com o previsto no artigo 39º do Regulamento da CMVM nº 12/2000 ( aplicável à data ),  para resposta ao teor dos artigos 34º e 35º da petição inicial ( alínea iii ) ;
Cópia da ordem de compra dos títulos emitidos pela sociedade CP e C II, S.A., com o ISIN ..., para contraprova do teor dos artigos 46º, 88º e 89º da contestação ( alínea iv );
Cópia do registo da ordem de compra dos títulos emitidos pela sociedade CP C II, S.A., com o ISIN ..., com a identificação de todos os elementos constantes no artigo 54º do Regulamento da CMVM nº 12/2000 ( aplicável à data ), para contraprova do teor dos artigos 88º e 89º da contestação ( alínea v )  ;
( … )
3 – Ainda de harmonia com o citado artigo 429º do Código de Processo Civil e por serem igualmente necessários para o esclarecimento da verdade e para a boa decisão da causa, o A. vem também requerer a V.Excia se digne notificar o Banco C – que incorporou o Banco C de ..., S.A.– para esclarecer :
Se participou, enquanto intermediário financeiro, na aquisição de títulos em questão para outros clientes, para prova do teor do artigo 60º da petição inicial ;
Quais as comissões e outras quantias recebidas por conta dos títulos emitidos pela sociedade CP C II, S.A., com o ISIN ... que foram registados na conta do Autor, para prova do teor do artigo 61º da petição inicial ;
Qual o valor das comissões e outras quantias recebidas por conta dos títulos emitidos pela sociedade CP C II, S.A., com o ISIN ... que foram registadas na conta do Autor, para prova do teor do artigo 61º da petição inicial “.

Foi proferida a seguinte decisão:

“Atento o expressamente previsto pelo artigo 593º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar os requerimentos probatórios apresentados e proceder à programação dos actos a realizar na audiência final, estabelecendo o número de sessões e a sua provável duração.

No que respeita à prova documental requerida pelo Autor, ponderado o expressamente previsto pelo artigo 423º e ss., do Código de Processo Civil, decide-se:
- Relativamente ao peticionado no ponto 1., por se considerar que tal matéria poderá revelar-se de interesse para a decisão da causa, defere-se o aí requerido, determinando-se se oficie à CMVM, nos termos expressamente solicitados.

- Relativamente ao ponto 2., decide-se:
- Indeferir o ponto iii., em virtude de o Autor expressamente referir que tais documentos lhe foram entregues pelo Réu, pelo que certamente estarão na sua posse, não se vislumbrando que tal requerimento possa ser situado no escopo de abrangência do artigo 429º, do Código de Processo Civil;
- Indeferir os pontos iv. e v., tendo por referência os factos ali mencionados e aquela que é a causa de pedir dos presentes autos e os factos essenciais que ao Autor cabe provar, entendendo-se que tais documentos não se revelam de interesse para aquele que revela ser o ónus de alegação e prova do Autor, antes incumbindo ao Réu – caso assim o entenda- comprovar o ali alegado (assim afastando a alegação efectuada pelo Autor de que nenhuma ordem de compra assinou ou endereçou aos serviços do Banco Réu e que este actuou de forma não consonante com o que havia entre ambos sido acordado). Assim sendo, atendendo àquelas que são as regras do ónus da prova, indefere-se a requerida notificação para juntar tais documentos;
- Relativamente ao ponto ii., indefere-se o peticionado, uma vez que o Autor não indica quais os factos que pretende comprovar com tal junção, sendo certo que, uma vez mais, o ónus de alegação quanto ao perfil do Autor enquanto cliente, será algo que, em face da alegação apresentado pelo Réu, a este incumbirá provar.

- No mais, defere-se o requerido, determinando-se a notificação do Réu para que junte aos autos o Prospecto referido no ponto i. e o registo no ponto vi. uma vez que sem a sua análise não se mostra possível aferir, como alega o Réu, que os documentos não possuem a virtualidade de provar os factos que, com a sua junção se pretendem comprovar;
- Relativamente ao ponto 3., considerando o aí referido e aquele que é o escopo de aplicação do artigo 429º, do Código de Processo Civil, indefere-se o requerido pois que o que o Autor pretende não é, como expressamente refere o artigo em causa, a junção de documentos em seu poder, mas antes que o Réu preste declarações o que não é, manifestamente, permitido por este preceito legal “.

Apresentou o A. recurso desta decisão, que foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 2 ).

Juntas as competentes alegações, a fls. 3 a 10, formulou o apelante as seguintes conclusões:
1ª – Findos os articulados e ao abrigo do nº 4 do artigo 5º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, o A. apresentou o seu requerimento probatório no qual pediu que fosse notificada a parte contrária para juntar aos autos documentos e prestar esclarecimentos.
2ª – Sobre este requerimento pronunciou-se o despacho agora recorrido que indeferiu parcialmente o requerimento probatório apresentado pelo Autor.
3ª – O Tribunal a quo rejeitou os meios de prova requeridos pelo Autor nas alíneas ii. a v. do ponto 2 e o ponto 3 fundamentando a sua decisão ( i) numa apreciação da repartição do ónus de prova, ( ii ) na ausência de indicação de factos que o Autor pretende provar e ( iii ) na inaplicabilidade do artigo 429º do Código de Processo Civil para o Autor requerer esclarecimentos.
4ª – O Tribunal a quo não andou bem quando recorreu à análise da repartição do ónus da prova para indeferir as alíneas ii., iv. e v. do ponto 2 do requerimento probatório apresentado pelo Autor, uma vez que este não é um critério atendível para a admissão de prova documental.
5ª – Com efeito, o nº 2 do artigo 429º do Código de Processo Civil apenas prevê que o Tribunal faça a análise do interesse dos factos para a decisão da causa e não – como aconteceu – uma análise da repartição do ónus da prova.
6ª – Sobre a alínea iii do ponto 2 do requerimento probatório do Autor o Tribunal a quo rejeitou a admissão deste meio de prova com base numa alegada posse dos mesmos por parte do Autor.
7ª – A interpretação feita pelo tribunal a quo deste ponto do requerimento probatório não teve em consideração os factos indicados no mesmo, em particular, o teor do artigo 35º da petição inicial o qual foi expressamente impugnado pelo Réu no artigo 82º do seu articulado de defesa.
8ª – Assim, os documentos requeridos pelo Autor revelam-se importantes para o caso sub judice nomeadamente para pôr em causa a impugnação feita pelo próprio Réu de que efectivamente entregou documentação ao Autor evitando-se, deste modo, que seja matéria simplesmente relegada para a prova testemunhal quando a mesma pode ser demonstrada com a junção aos autos de documento comprovativo da alegada entrega ao Autor.
9ª – Acerca da alínea ii. do ponto 2. o Tribunal a quo entendeu igualmente indeferir o meio de prova requerido – no caso o registo de cliente – por o Autor não ter indicado “ quais os factos que o Autor pretende provar com tal junção “.
10ª – Quanto à ausência da indicação dos factos é verdade que por manifesto lapso não consta do requerimento probatório, mas tal não pode ser fundamento para o indeferimento da pretensão do Autor antes o Tribunal a quo devia ter convidado o Autor a aperfeiçoar o seu requerimento probatório.
11ª – Acresce ainda que ao abrigo do princípio do inquisitório consagrado nos artigos 411º e 436º do Código de Processo Civil o Tribunal a quo tinha o poder-dever de notificar o Réu para que este juntasse aos autos o documento que foi requerido pelo Autor tanto que o próprio Tribunal a quo seleccionou como tema de prova a experiência e conhecimentos do Autor em matéria de instrumentos financeiros.
12ª – Nessa medida, o documento requerido poderá permitir a provar essa experiência e conhecimento do Autor – ou a sua falta – na área dos instrumentos financeiros em causa nos presentes autos.
13ª – O Tribunal a quo andou também mal ao rejeitar integralmente o ponto 3. do requerimento probatório apresentado pelo Autor por considerar que o artigo 429º do Código de Processo Civil não é aplicável para a obtenção de esclarecimentos da parte contrária.
14ª – Isto porque o Tribunal a quo não está vinculado à indicação de um determinado preceito legal por qualquer parte, razão pela qual devia aplicar a disposição que entendia ser a mais correcta.
15ª – Por outro lado, não pode restar dúvida que é lícito que uma parte requeira ao Tribunal que notifique a parte contrária para que esta preste informações, para mais quando essas informações são relevantes atendendo que, no caso concreto, o Autor peticiona que o Réu seja condenado a restituir-lhe todas as despesas e comissões cobradas por conta dos valores mobiliários em causa.
16ª – Assim, não tendo o Réu negado que tivesse em sua posse os documentos requeridos pelo Autor e não tendo o Tribunal a quo fundamentado a rejeição dos meios de prova na impertinência dos mesmos para a boa decisão da causa, deverá ser revogada a decisão recorrida e ordenada a junção dos documentos aos autos.
17ª – Face ao exposto, o despacho recorrido viola, entre outros, os artigos 5º, 411º, 413º, 417º, 429º e 436º do Código de Processo Civil, e os artigos 342º e 346º do Código Civil.

Contra-alegou o apelado pugnando pela improcedência deste recurso.

II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra. 
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar :
Indeferimento das diligências probatórias requeridas pelo Autor. Fundamento legal.

Passemos à sua análise :
A decisão recorrida não merece a menor censura.

Com efeito,
Relativamente ao indeferimento do requerido nas alíneas ii) a v) do ponto 2 do requerimento de fls. 115 :
Quanto à alínea ii), não indicando o requerente os pontos de facto a cuja prova se destinavam, impunha-se por força da lei o respectivo desatendimento.

É o que resulta expressamente do artigo 429º, nº 1, in finedo Código de Processo.

Tal omissão é exclusivamente imputável à parte que suporta esse ónus e que, nesse medida, terá que conformar-se com as consequências resultantes da sua falta.

Não se vislumbra o motivo substantivo ou processual que justifique, nesta fase, a intervenção oficiosa do tribunal.

Cumpre tomar em consideração que:
Os procedimentos processuais devem ser conhecidos e escrupulosamente cumpridos pelas partes – que para tal constituem nos autos, obrigatoriamente, mandatários judiciais devidamente credenciados – não competindo ao tribunal a obrigação suprir, a pari passu, as insuficiências técnicas, distracções e lapsos afins contidos nas peças que apresentam.
É, antes de mais, uma questão essencial de auto-responsabilidade.
Quanto à alínea iii), assiste inteira razão ao juiz a quo.

Se o A. requerente afirma expressamente que os documentos lhe foram entregues, não faz sentido algum requerer a sua junção ao processo pela parte contrária - que precisamente lhos entregou em momento prévio.

Nada adianta, neste sentido, o alegado no artigo 35º da petição inicial, onde pode ler-se: “ O Banco C não mostrou ou entregou ao Autor qualquer documento referente às alegadas obrigações da CP que lhe estava a propor e a recomendar “ – matéria que foi expressamente impugnada no artigo 82º da contestação.

Com efeito,
Se o que o requerente pretende é a junção de documentos que já lhe tinham sido entregues pela Ré, tal pedido constituirá, em qualquer circunstância, um puro contra-senso.

Cabe-lhe juntar ao processo – se assim o entender - tais documentos que, no seu próprio dizer, se encontram na sua posse.
Improcede a apelação neste ponto.

Quanto às alíneas iv) a v), é despropositada a notificação da Ré para juntar tal documentação uma vez que a mesma incide sobre matéria da alegação da própria requerida – que arcará com o ónus da sua não demonstração em juízo como consequência directa da falta desses documentos.

A importância da sua presença nos autos – por revestirem relevo para a boa decisão da causa – terá que conjugar-se necessariamente com a repartição do ónus da prova, sem o que não se conseguirá uma discussão disciplinada e escorreita sobre a factualidade controvertida.

 Se é sobre a Ré que impende o dever processual de provar a factualidade que alegou – e que é suportada pelo documento em falta – não deve o tribunal, a solicitação do A., em momento prévio à designação do julgamento, impeli-la a produzir essa mesma prova, interferindo ( abusivamente ) na respectiva estratégia.
Improcede a apelação neste ponto.

Quanto ao ponto 3. – O artigo 429º do Código de Processo Civil não se destina, em termos técnico-processuais, à obtenção de declarações da parte contrária.

Pelo que se justifica o indeferimento do requerido.

Não constitui função do tribunal interferir com os expedientes técnico-processuais a que as partes recorrem – suportando as respectivas consequências -, sendo certo que a cada uma delas compete o conhecimento jurídico dos institutos que concretamente utilizam, devendo fazê-lo com o zelo e a diligência que é suposto empregarem, uma vez que se encontram assistidas por técnicos do direito devidamente credenciados.

A apelação improcede.

O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.

IV - DECISÃO : 

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.


Lisboa, 16 de Junho de 2015

(Luís Espírito Santo)
(Gouveia Barros)
(Conceição Saavedra)