Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7046/06.3TBVFX.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
REGISTO PROVISÓRIO DE AQUISIÇÃO
TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.Não tendo o contrato promessa eficácia real, o registo (provisório) de aquisição a favor do promitente-comprador vincula os contraentes, pondo o promitente-comprador a coberto de eventuais futuros atos de disposição ou oneração da coisa praticados pelo promitente-vendedor antes da outorga do contrato prometido.
2.No entanto, e não obstante a regra de prioridade enunciada no art. 6º do Cód. do Registo Predial, esse registo provisório de aquisição é inoponível a terceiro titular de direito incompatível incidindo sobre a mesma coisa, que o adquiriu e registou posteriormente àquele registo e antes da sua conversão em definitivo por força da celebração do contrato prometido.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

  
I.RELATÓRIO:


C.–A. DO CAMPO S.A intentou a presente ação, que segue a forma de processo comum, contra D. M. R. G. e F. SA pedindo:

a)Que se declare “que quando foi registada a penhora a favor da A. em 2004/12/10, o prédio referido no artigo 3.º desta petição pertencia ao R. D.”;
b)Se ordene “o cancelamento do averbamento Ap.11 de 2005/11/10 que rectificou a apresentação 15 de 2004/12/10 tornando-a provisória por natureza e ordenar-se a inscrição definitiva do registo da penhora a favor da A.;
c)Se declare “ineficaz em relação à A. a escritura de compra e venda e o contrato de locação financeira outorgados no dia 13/01/2005 e averbadas sob as apresentações 11 de 2005/02/02 e 12 de 2005/02/02, respectivamente”.

Subsidiariamente, “devem declarar-se ineficazes em relação ao crédito da A. a referida escritura de compra e venda e o contrato de locação financeira e o R. F. condenado a reconhecer o direito de a A. executar tal prédio no seu património”.

Para fundamentar a sua pretensão invoca, em síntese, que no âmbito da ação executiva que instaurou contra o réu D. foi penhorado um prédio pertencente ao réu, penhora registada definitivamente na Conservatória do Registo Predial em 10-12-2004.

Nesse processo o executado foi citado em 07-10-2004 e em 28-10-2004 requereu o registo de aquisição provisória do imóvel penhorado a favor da ré Finibanco, registo que a Conservatória efetuou na mesma data provisoriamente e que foi convertido em definitivo em 02-02-2005; o réu vendeu o prédio à ré em 13-01-2005 e nessa data celebraram um contrato de locação financeira tendo por objeto o imóvel, exclusivamente para impedir que a autora pudesse penhorar o prédio, que já se mostrava onerado com uma hipoteca a favor do banco.

A ré Finibanco SA contestou invocando, nomeadamente, que à data de celebração da escritura de compra e venda desconhecia a existência da penhora a favor do autor; a ré concedeu ao réu um crédito para obras de beneficiação do prédio urbano, tendo o réu deixado de pagar as prestações convencionadas, crédito este garantido por hipoteca.

No decurso das negociações e para regularizar a situação o réu propôs à ré vender-lhe o imóvel servindo o produto da venda para pagar a dívida e, em simultâneo, celebrar o aludido contrato de locação financeira com vista a que o réu pudesse ocupar o imóvel e recuperá-lo findo o contrato mediante o pagamento de uma prestação residual. O réu deixou de pagar as rendas e não entregou o imóvel, pelo que a ré instaurou providência cautelar contra o réu com vista ao cancelamento do registo de locação financeira e da entrega do imóvel, assim obtendo a posse do prédio, estando em curso ação definitiva. Apresentou ainda queixa contra o réu correndo termos o respetivo processo, porquanto este retirou do imóvel alguns equipamentos assim como revestimentos em madeira do gradeamento da escada.

A autora apresentou resposta.

O réu foi citado editalmente, estando representado pelo Ministério Público.

Realizou-se o julgamento e proferiu-se sentença, que concluiu nos seguintes termos:
“Face ao exposto, julga-se a presente acção totalmente improcedente e absolvem-se os réus do peticionado pela autora.
Custas pela autora (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Registe e notifique”.

Não se conformando a autora apelou formulando as seguintes conclusões:

1- A questão essencial a apreciar nestes autos é a de saber se a inscrição provisória de aquisição a favor da R. FINIBANCO S.A., limita ou não a eficácia substantiva da penhora registada posteriormente a favor da A. e se tal penhora deve ser registada definitiva ou provisoriamente.
2- Na d. sentença não foi considerado provado que quando foi registada a penhora referida em 6 (a favor do A), o prédio penhorado pertencia e estava na posse do R. D., (executado).
3- A prova daquele facto resulta manifestamente de documentos autênticos juntos aos autos e não carece de prova testemunhal, nem ela é admissível para prova do direito de propriedade.
4- A Mmª Juíza entendeu que a A. não poderia prevalecer-se do disposto no artigo 7.º do C. R. Predial porque, no momento do registo da penhora, o R. D. não era o titular inscrito no registo do imóvel.
5- Com o devido respeito, tal conclusão é inaceitável e está em contradição com os documentos autênticos e não foi elidida a presunção prevista no artigo 7.º do C. R. Predial.
Só o registo DEFINITIVO constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito e não o registo provisório.
6- Nos termos do artigo 7.º do C.R.P., “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito”.
O prédio objecto doa autos está inscrito a favor do Réu, com caracter definitivo pela inscrição “G” AP 5 de 20010321.
7- A aquisição a favor do FINIBANCO constante da inscrição C-AP3 de 05.02.2002 foi efectuada provisoriamente por natureza (artigo 92 n.º 1 alínea G).
8- Face a tal presunção do registo incumbia aos réus alegar e provar que a titularidade inscrita não corresponde à verdade, sendo que os RR. nem sequer questionaram que tal prédio pertencesse ao 1.º R. e, necessariamente nenhuma prova produziram nesse sentido; bem ao contrário, ambos os RR. reconheceram que o imóvel pertence ao 1.º R., como resulta implícito do registo de aquisição provisória de 28.10.2004 e da compra e venda de 02.02.2005 juntos aos autos.
9- O facto provado sob o n.º 10 da d. sentença demonstra efectivamente que, à data da penhora o imóvel pertencia ao R. D..
10- Deve, assim, ser alterada a resposta referida em a) dos factos não provados, declarando-se provado que quando foi registada a penhora a favor de A., o prédio penhorado pertencia e estava na posse do Réu D..

11- Está provado que:
- Foi inscrita a favor da Ré Finibanco, S.A., pela Ap. 1 de 2004/10/28, a título provisório por natureza (artigo 92.º, n.º 1, alínea g), do Código do Registo Predial), a aquisição por compra do prédio descrito em 3. (facto 5)
- Foi inscrita a favor da autora, pela Ap. 15 de 2004/12/10, penhora sobre o prédio descrito em 3 para garantia do pagamento da quantia referida em 1. (facto 6)
- Por escritura pública outorgada em 13.01.2005, junta a fls. 20-23 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, o Réu D. declarou vender e a Ré Finibanco, S.A declarou comprar o prédio descrito em 3. (facto 10)

12- A partir do ano de 2002 a jurisprudência vem entendendo que o registo provisório de aquisição não permite, quando não tenha por fundamento um contrato promessa com eficácia real, ao seu beneficiário opôr esse registo a actos legitimamente praticados por terceiros contra o titular do registo definitivo como é o caso da penhora.
13- A limitação decorrente da existência de um prévio registo provisório de aquisição apenas opera em face de posteriores direitos incompatíveis que assentem em título dispositivo proveniente do titular inscrito, não assegurando portanto o futuro adquirente face a actos legitimamente praticados por terceiros contra o titular do registo definitivo (v.g., arresto, penhora ou apreensão em processo de insolvência). (Ac. TR Porto – Proc. n.º 121/09.1 TBVNG.P1 de 01.02.2011 in www.dgsi.pt).
14- E mais recentemente, AC. T. R. Guimarães de 10.11.2014, Proc. n.º2820/14.0TBBRG.G1:- A simples inscrição provisória no registo, de uma aquisição – com base ou não em contrato-promessa – não pode limitar a eficácia substantiva de uma eventual e futura atuação legítima de terceiro, designadamente, através de arresto decretado por sentença contra o titular definitivamente inscrito.
- Se o sujeito passivo de um arresto é o titular inscrito (definitivamente) de um imóvel, deve aquele ser registado definitivamente e não provisoriamente, ainda que, previamente, haja inscrição provisória por natureza de aquisição a favor de pessoa diversa do arrestado. (Ac. Proc. n.º 2820/14.0TBBRG.G1, in http://www.gde.mj.pt/)
15- Não obstante o prévio registo provisório de aquisição, o R. Finibanco, S.A estava sujeito às limitações prescritas pelo artigo 819 do Código Civil que torna ineficaz em relação ao exequente quaisquer actos de disposição definitiva dos bens penhorados, posteriormente à penhora, ainda que tivesse por base um anterior registo provisório de aquisição.
16- Na d. sentença fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 7.º e 6.º do C. R. Predial e no artigo 350 do Código Civil, normas que foram violadas.
O Tribunal recorrido deveria ter feito aplicação do disposto nos artigos 5.º do C.R. Predial e 413 e 819, ambos do Código Civil.
Pelo exposto, e pelo d. suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve revogar-se a d. sentença recorrida e, declararem-se procedentes os 3 pedidos formulados a titulo principal na petição inicial
Assim decidindo se fará
JUSTIÇA.

Foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO.

A primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:

1.Em 19.09.2004, a autora instaurou contra o réu D. M.R.G. ação executiva, que correu termos no extinto ...º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, sob o n.º 3875/04.0TBFVX, para pagamento da quantia de € 48.337,10, com base numa letra, emitida em 01.06.2001 e com vencimento em 28.05.2004, junta a fls. 40 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2.Em 07.10.2004, o réu D. foi citado, na qualidade de executado na execução referida em 1.
3.Foi inscrita a favor do réu D., pela Ap. 5 de 2001/03/21, a aquisição por compra do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o n.º... e inscrito na matriz sob o artigo ....°.
4.Encontra-se inscrita a favor da ré Finibanco, S.A., pela Ap. 3 de 2002/02/05, hipoteca voluntária sobre o prédio descrito em 3.
5.Foi inscrita a favor da ré Finibanco, S.A., pela Ap. 1 de 2004/10/28, a título provisório por natureza (artigo 92.°, n.º 1, alínea g), do Código do Registo Predial), a aquisição por compra do prédio descrito em 3.
6.Foi inscrita a favor da autora, pela Ap. 15 de 2004/12/10, penhora sobre o prédio descrito em 3 para garantia do pagamento da quantia referida em 1.
7.A apresentação referida em 5 foi convertida em definitiva pela Ap. 11 de 2005/02/02.
8.Pela Ap. 12 de 2005/02/02 foi inscrita no registo a locação financeira tendo como objeto o prédio descrito em 3 e como sujeito ativo o réu.
9.Através da Ap. 11 de 2005/11/10 foi retificada a apresentação referida em 6 para "provisória por natureza - artigo 92.°, n.º 2 alínea a), do Código do Registo Predial" por existir sobre o prédio registo de aquisição do direito de propriedade a favor da ré Finibanco S.A.
10.Por escritura pública outorgada em 13.01.2005, junta a fls. 20-23 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, o réu D. declarou vender e a ré Finibanco, S.A declarou comprar o prédio descrito em 3.
11.Por contrato celebrado em 13.01.2005, junto a fls. 129-148 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, a ré Finibanco, S.A cedeu o gozo temporário do prédio descrito em 3 ao réu D. pelo prazo de 10 anos.
12.Por despacho proferido na execução mencionada em 1, foi ordenada a remessa das partes para os meios comuns, nos termos do artigo 119.°, n.º 4, do Código do Registo Predial, por haver registo provisório de penhora de bem inscrito a favor de pessoa diversa do executado - o réu D. - e de o titular inscrito - a ré Finibanco S.A - ter declarado que o bem lhe pertence.

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO.

1.Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [1] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.

No caso, impõe-se apreciar se o registo de penhora deve prevalecer sobre anterior registo provisório de aquisição, quando este é efetuado com base em contrato promessa de compra e venda (não dotado de eficácia real).
*

Vejamos, antes de mais, a dinâmica estabelecida entre as partes, salientando que a presente ação é instaurada na sequência de, na execução intentada pela autora/apelante contra o réu D., o Finibanco ter tido intervenção, arrogando-se a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio penhorado, sendo as partes remetidas para os meios comuns, nos termos do art. 119º do Código do Registo Predial (C.R.P.):

O réu D. é citado para a execução instaurada pela ora apelante Campoaves em 07-10-2004;
O réu D., titular registal inscrito, solicita o registo provisório de aquisição do imóvel a favor da ré Finibanco, inscrição que é feita em 28-10-2004;
Em 10-12-2004 é registada a penhora do imóvel a favor da autora (a título definitivo);
Em 31-01-2005 é outorgada a escritura pela qual o réu D. vende à ré Finibanco o imóvel;
Em 02-02-2005 é convertida em definitiva a inscrição de 28-10-2004;
Em 10-11-2005 é retificada a inscrição alusiva ao registo da penhora, que passa a provisória por natureza (nos termos do art. 92º, nº2, al)a do CRP e atenta a conversão a definitivo da inscrição de 28-10-2004.

A primeira instância concluiu pela improcedência da pretensão formulada pela autora com base, essencialmente, num juízo de avaliação sobre a titularidade do direito de propriedade do imóvel em causa, mas afigura-se-nos que não é esse o ponto central da discussão.

Aceita-se que o contrato de compra e venda, porque dotado de mera eficácia translativa (art.879º, alínea a) do Cód. Civil), não suporta afirmação desse direito sem que, em simultâneo, pelo trato sucessivo, se remonte a uma forma de aquisição originária (usucapião, ocupação ou acessão), sendo que a dificuldade de concretização da prova (probatio diabolica) é colmatada com recurso a presunções derivadas do registo, mormente, no quer ao caso interessa, a que decorre do art. 7º do Cód. do Registo Predial (CRP); nos termos deste preceito, só o “registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

Neste contexto, dúvidas não há que a autora não invocou na petição inicial factos concretos dos quais possa extrair-se que “o imóvel penhorado pertencia e estava na posse do Réu D. (que o adquirira por compra)”, conforme referido pela Meritíssima Juiz, embora se mostre incorreta a referência de que tal aconteceu pese embora o convite ao aperfeiçoamento [ [2]  ] porquanto uma leitura singela deste despacho permite concluir que o convite teve outro alcance, nunca tendo a autora sido convocada para aperfeiçoar a petição também quanto a essa matéria [ [3]  ].

No entanto, como se disse, a questão que importa dirimir no processo prende-se, nomeadamente, com a delimitação da regra de prevalência enunciada no art. 6º do CRP, a que a primeira instância também se ateve, é certo, mas em moldes a que não podemos aderir.

Nos termos do referido preceito, que dispõe em sede de “[p]rioridade do registo”, o “direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes” – nº1 –, sendo que o “registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório” – nº3.

Como refere Oliveira Ascensão, a propósito do princípio da prioridade e com referência às inscrições alusivas a registo feito provisoriamente por natureza, tratam-se de inscrições que serão depois converidas em definitivas, ou caducarão; “mas em todos os casos a sua função é comum. Elas representam como que uma reserva de lugar, permitindo ao beneficiário estar ao abrigo de quaisquer registos posteriores, uma vez que a sua inscrição, a ser convertida em definitivo, terá uma prioridade que se conta desde a data do registo provisório”[ [4] ].   

Aplicando esta regra, a Meritíssima Juiz fez retroagir os efeitos da aquisição do imóvel pela ré, na sequência de compra ao réu D. (por escritura outorgada em 13-01-2005) a 28-10-2004, data em que foi inscrita a favor da ré Finibanco, S.A. a aquisição por compra do prédio, a título provisório por natureza, nos termos do artigo 92.°, n.º 1, alínea g), do CRP. Assim sendo, seguindo este raciocínio, porque a penhora foi registada apenas em 10.12.2004, “retira-se que o titular inscrito aquando da penhora era a ré Finibanco, S.A., na medida em que os efeitos do registo definitivo retroagem à data da inscrição da aquisição provisória, ou seja, a 28.10.2004, prevalecendo sobre o registo - posterior - da penhora” – daí que, igualmente, o registo da penhora foi retificado para "provisório por natureza" nos termos do artigo 92.°, n.º 2, alínea a), do CRP.

Conclui, então, a primeira instância que “detendo a ré Finibanco, S.A. inscrição a seu favor da aquisição do prédio objecto da acção (quer no momento da penhora, quer actualmente), goza da presunção de titularidade do direito prevista no artigo 7.° do Código do Registo Predial a que atrás se aludiu, cabendo à autora, para poder invocar eficazmente a penhora, ilidir essa presunção (artigo 350.°, n." 2, do Código Civil) resultante do registo, o que, como se viu, não logrou”.

Não se adere a tal entendimento que, como salienta a apelante, vem sendo afastado pelos tribunais superiores, tendo-se como ponto de partida o acórdão do STJ de 25-06-2002 que decidiu em situação perfeitamente similar à dos autos: tratava-se, aí, de um arresto e não penhora, o que para o efeito é irrelevante. Lê-se neste aresto:

“O artigo 413, n.º 1, do Código Civil, dispõe que à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo.
O número 2 daquele mesmo preceito, por seu lado, determina que deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral.
Daqui resulta que o contrato-promessa de compra e venda que determinou o registo de aquisição provisória da propriedade de metade indivisa do imóvel em causa não tem eficácia real, quer porque tal efeito não lhe foi atribuído, pelas partes, quer porque só o poderia ter sido através de escritura pública.
Esta consequência não pode ser afastada pelo facto de o artigo 6.º, n.º 3, do Código do Registo Predial atribuir ao registo definitivo a prioridade que tinha como provisório.
 Sem eficácia real do contrato-promessa de compra e venda de imóveis apenas resultam direitos obrigacionais, já que a propriedade apenas se transfere com a celebração da escritura, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 408, n.º 1, 1316 e 1317, alínea a), do Código Civil.
Daí que o simples registo provisório de aquisição com base em contrato-promessa não possa ter o efeito de fazer retroagir a aquisição da propriedade à do registo provisório.
Fá-lo se o direito substantivo o permitir, isto é se do contrato resultar uma garantia ou direito real, não se dele apenas resultarem direitos de natureza obrigacional.
Acresce que nos termos do disposto no art.º 622, n.º 1, do Código Civil, os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora, cujos efeitos são extensivos ao arresto.
Isto é, o arresto ainda que registado provisoriamente, e não o devia ter sido com base na alínea a), do número dois do artigo 92, do Código do Registo Predial, porquanto a propriedade não estava registada a favor de pessoa diversa do arrestado, produz logo os seus efeitos de ineficácia de actos de disposição em relação ao requerente, mesmo antes da sua conversão em penhora” [ [5]  ].
Refira-se que este aresto afastou a posição anteriormente expressa no acórdão do STJ de 15-05-2001 [ [6] ], como afastou posição que, ainda hoje, reiteradamente, vem sendo seguida pelo Conselho Técnico da Direção Geral de Registos e Notariado [ [7]  [ [8]  ].  
 
Mónica Jardim propõe-nos uma terceira via, que temos por acertada [ [9] ] [ [10] ]. Tecendo uma crítica à orientação propugnada no acórdão do STJ de 25-06-2002 mas, igualmente, à seguida pela Direção Geral de Registos e Notariado [ [11]  ] e considerando que apenas deve ser reconhecida legitimidade para requerer o registo provisório de aquisição ao titular registal que pretende transmitir ou onerar, no futuro, o seu direito – leia-se, o promitente-vendedor e não o promitente-comprador –, refere a autora:

“Pois bem, da diversidade de exigências formuladas pelo legislador, ao longo dos tempos, consoante em causa esteja um registo provisório de aquisição ou um registo de um contrato-promessa dotado de eficácia real, têm de ser retiradas consequências. Pois, se é verdade que negar eficácia substantiva ao registo provisório de aquisição implica retirar qualquer utilidade a este registo, deixando, assim, sair pela janela aquilo que o legislador fez entrar pela porta em nome e no interesse da segurança do comércio jurídico, (…) também é verdade que, reconhecer ao registo provisório de aquisição os mesmos efeitos que ao registo do contrato-promessa dotado de “eficácia real” é deixar entrar pela janela aquilo que o legislador, no C.C., impediu que entrasse pela porta. Sobretudo quando se sabe que o legislador só foi tão exigente, no domínio do contrato-promessa dotado de eficácia em face de terceiros, porque pretendeu assegurar-se de que as partes ao celebrarem o dito contrato estariam perfeitamente esclarecidas do que é a «eficácia real», ideia que ainda hoje não faz parte do património cultural comum.

E nem se diga que as exigências formuladas pelo legislador são diversas, consoante os casos, porque num caso estamos perante um registo provisório enquanto que no outro está em causa um registo definitivo.

Entendemos, ao invés, que a dita disparidade resulta do facto de o legislador nacional não ter reconhecido ao contrato-promessa dotado de eficácia real a mesma função e efeitos que reconhecia ao registo provisório de aquisição. E que o facto de um dos registos ser definitivo e o outro provisório é também consequência da sua diversa função.

Esclarecendo e concretizando.

Na nossa perspectiva, na esteira do Prof. Doutor Henrique Mesquita, o registo do contrato-promessa dotado de eficácia em face de terceiros, ou de “eficácia real”, cumpre uma função idêntica à da pré-incrição do direito alemão, ou seja, dota o direito de crédito decorrente do contrato-promessa de eficácia equiparada à dos direitos reais, afastando, assim, o perigo de ele vir a ser inviabilizado, no todo ou em parte, por actos de alienação ou de oneração do objecto do contrato prometido registados posteriormente, pois estes são, face a si, ineficazes.

Consideramos, portanto, que o legislador através do contrato promessa dotado de eficácia real visou proteger um direito de crédito já existente ou, por outras palavras, visou proteger aquele que tem um direito à alienação ou constituição de um direito real contra o titular registal inscrito.

Por seu turno, consideramos que o registo provisório de aquisição se traduz numa reserva de prioridade própria e que o legislador, através dele, permite que o titular registal inscrito, que pretenda alienar o seu direito apenas no futuro, limite a eficácia substantiva de actos posteriores que se revelem incompatíveis com o direito que virá a nascer na esfera jurídica daquele a favor de quem é feita a inscrição provisória, ficando, por isso, desde logo, privado dos benefícios inerentes à sua posição registal, em proveito do futuro adquirente. Não obstante, deve entender-se que tal limitação apenas opera em face de posteriores direitos incompatíveis que assentem em título dispositivo proveniente do titular inscrito, não assegurando, portanto, o futuro adquirente em face de actos praticados por terceiros contra o titular do registo definitivo (v. g., arresto, penhora ou apreensão em processo de falência), já que não é razoável supor que o legislador tenha pretendido atribuir ao titular registal inscrito a possibilidade de limitar a eficácia substantiva de uma eventual e futura actuação legítima de um terceiro.

Entendemos que esta é a interpretação mais conforme ao preceituado no art. 9º do C.C. segundo o qual: “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” [ [12]  ].

Em suma, nas hipóteses em que o contrato-promessa de compra e venda não tem eficácia real o registo (provisório) de aquisição a favor do promitente-comprador vincula os contraentes, pondo o promitente-comprador a coberto de eventuais futuros atos de disposição ou oneração da coisa praticados pelo promitente-vendedor antes da outorga do contrato prometido; no entanto, e não obstante a regra de prioridade enunciada no art. 6º do Cód. do Registo Predial, esse registo provisório de aquisição é inoponível a terceiro titular de direito incompatível incidindo sobre a mesma coisa, que o adquiriu e registou posteriormente àquele registo e antes da sua conversão em definitivo por força da celebração do contrato prometido.

Ora, no caso, cremos que a Meritíssima Juiz não atendeu à peculiaridade atinente ao negócio que esteve na base do registo provisório de aquisição a favor da ré.

Efetivamente, resulta dos autos que esse registo foi promovido pelo réu D. – titular registal inscrito –, na qualidade de proprietário do imóvel penhorado e promitente vendedor – saliente-se que, nessa data, já o réu tinha sido citado para a ação executiva tendo, pois, conhecimento da pendência da execução instaurada pela autora –, nos moldes que resultam da certidão junta a fls. 49 a 51 [ [13]  ], ou seja, o registo foi promovido pelo réu D., a favor da ré Finibanco SA, na sequência de declaração nesse sentido, mais tendo o réu indicado que prometeu vender o imóvel à ré pelo “preço de 217.850,00€” [  [14] ].

O registo em causa impunha-se ser feito, por força da sua natureza, provisoriamente, uma vez que se trata de aquisição antes da celebração do contrato respetivo (art. 92º, nº1, alínea g) do CRP) [ [15] ] e estamos perante contrato promessa com efeitos meramente obrigacionais, nunca tendo os réus invocado que celebraram um contrato promessa dotado de eficácia real, na forma e com o regime que decorre do art. 413º do Cód. Civil [ [16] ]. Refira-se que esse registo (provisório) podia ter por base uma declaração do proprietário (art. 47º, nºs 1 e 2 do C.R.P.) ou mediante a apresentação do documento que titula o contrato promessa de alienação (art. 47º, nº3 do C.R.P).

Diversamente, nos casos de contrato-promessa com eficácia real, o registo da promessa de alienação é de espécie diferente, tendo natureza definitiva, nos termos do arts 2º, nº1, alínea f) [ [17] ], sem prejuízo de poder ser registado provisoriamente por dúvidas, se fôr esse o caso (art. 70º do C.R.P).

Ou seja, a Meritíssima Juiz entendeu solucionar o litígio exclusivamente à luz do regime tabular, em estrita interpretação literal da aludida regra de prevalência, seguindo posição que esta Relação afasta, nos moldes supra indicados e ponderando diversos elementos de interpretação (art. 9º do Cód. Civil)[ [18] ]. 
  
Do exposto decorre que, sendo o réu D. o titular registal inscrito à data em que se procedeu à penhora, o conflito entre o beneficiado com o registo provisório de aquisição (a ré Finibanco) e o credor do titular registal inscrito, a favor de quem foi feita a penhora (a autora/apelante), resolve-se a favor desta credora apelante e contra aquele beneficiado.

A não se entender assim, desvirtuar-se-ia a regra vertida no art. 819º do Cód. Civil – cfr., ainda, o art. 818º do mesmo código. Efetivamente, tinha, então, o titular registal inscrito, por via do mecanismo do registo provisório de aquisição e utilizando esse expediente de direito (tabular), a possibilidade de tornar inoperante eventuais providências destinadas a salvaguardar o direito do credor se fazer pagar por determinada coisa (penhora, arresto, …), beneficiando o titular daquele registo provisório. Trata-se de solução que, manifestamente, o legislador não quis e que, por isso, o intérprete e aplicador não deve aceitar.

Impõe-se, pois, a revogação da decisão, porquanto tem de considerar-se que, ponderando a penhora em causa, a favor da autora/apelante – com registo a título definitivo, não se justificando a retificação posteriormente efetuada –, a posterior venda do prédio à ré Finibanco é ineficaz relativamente à autora.
*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a sentença recorrida, decide-se julgar ineficaz em relação à autora o negócio de compra e venda celebrado entre os réus, por escritura pública de 13-01-2005 e que incidiu sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o n.º 2059 e inscrito na matriz sob o artigo 2392.°, melhor identificado no art. 3º da petição inicial, bem como o contrato de locação financeira celebrado na mesma data, averbados na C.R.P. sob as apresentações 11 de 2005/02/02 e 12 de 2005/02/02, respetivamente, condenando-se a ré Finibanco SA a reconhecer o direito da autora executar tal prédio no seu património.

Custas, quer na primeira instância quer nesta Relação, pela ré Finibanco SA.
Notifique.


Lisboa, 08-03-2016

                                        
(Isabel Fonseca)                                       
(Maria Adelaide Domingos)                                       
(Eurico José Marques dos Reis)


[1]Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.
[2]Lê-se na sentença:”[a] este respeito, a autora limita-se a afirmar, de forma conclusiva, que aquando da penhora (cfr. o ponto 6 dos factos provados), o imóvel penhorado pertencia e estava na posse do réu D. (que o adquirira por compra) sem alegar, inclusive após convite, factos concretos que permitam provar a aquisição originária por parte do mesmo ou dos seus antecessores, o que se lhe impunha, dada a insuficiência da prova resultante do título constitutivo da aquisição derivada (de que é exemplo, precisamente, a escritura pública de compra e venda), nem tais factos resultam da prova produzida”.
[3]Cfr. o despacho de fls. 467 e 468.
[4]Direitos Reais, Almedina, 1978, pp.387-388.
[5]Proferido no processo: 01A4305 (Relator: Alípio Calheiros), acessível in www.dgsi.pt
[6]Proferido no processo JSTJ00000370 (Relator: Ribeiro Coelho), acessível in www.dgsi.pt, que havia concluído como segue:
1-Celebrado um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel e obtida a inscrição provisória da aquisição, ao abrigo do artº. 92º nº. 1, g), do CRP de 84, a posterior aquisição por escritura pública, antes da caducidade desse registo, mantém a prioridade que já tinha como provisória, nos termos do artº. 6º nº. 3 do mesmo Diploma.
2-Assim, mesmo que tenha sido efectuada e registada a penhora desse imóvel, antes da outorga da escritura de compra e venda mas depois de feita aquela inscrição provisória, nem por isso a venda é ineficaz relativamente ao exequente.
3-Tendo-se clausulado no contrato-promessa que a escritura seria celebrada no prazo máximo de 6 meses, essa cláusula não pode ser entendida como manifestação de que o seu não cumprimento acarretava o efeito bilateral e desvinculativo.
4-Não pode dizer-se, por isso, que essa cláusula fixou um prazo de duração do negócio relevante para a aplicação do artº. 11º nº. 1 do CRP de 84, geradora da caducidade do registo.
[7]No parecer proferido no processo 59/2008 SJC-CT acessível in www.irn.mj.pt dá-se conta dessa posição, na nota 3, nos seguintes termos:
“Pese embora a discussão que na doutrina e na jurisprudência se tem gerado em torno do valor do registo provisório de aquisição, nomeadamente dos seus efeitos substantivos, a perspectiva defendida em diversos pareceres do Conselho Técnico, de que são exemplo os proferidos no Pº nº 101/96 R.P. 4, publicado no BRN 7/97, e no Pº R.P. 148/98 DSJCT, publicado no BRN 5/99, tem apontado no sentido de que o registo provisório corresponde a
uma «reserva de lugar» ou de prior idade que, relativamente ao futuro adquirente, funciona como um «escudo» de pré-protecção contra a inscrição de factos jurídicos incompatíveis com o direito cuja transferência a seu favor se vai operar com o contrato futuro, o que, sem negar o princípio da consensualidade a que se refere o artigo 408º do Código Civil, equivale a dizer que, dentro do registo, a declaração de intenção de alienar inserta no contrato-promessa permite ganhar uma oponibilidade em
relação a terceiros que se poderá manter enquanto os efeitos da inscrição provisória não vierem a extinguir-se por caducidade ou cancelamento e se logrará consolidar com a conversão em definitivo do registo, agora sustentada no contrato definitivo.
Ora, tendo em conta os efeitos substantivos do registo provisório de aquisição e dando-se por assente que do extracto da inscrição devem constar os pressupostos temporais de renovação do registo, de forma a tornar cognoscível o período durante o qual é admitida às partes a exteriorização de vontade no sentido daquela renovação e, desse modo, o alcance temporal daqueles efeitos, as mesmas razões de transparência e de confiança na informação registral impõem que ao registo possam aceder também quaisquer modificações daqueles pressupostos, nomeadamente, a prorrogação do prazo para cumprimento da obrigação de contratar.
[8]Isabel Pereira Mendes (Estudos sobre Registo Predial, Almedina, 2003, pp.171-177) pronunciando-se sobre o referido acórdão de 25-06-2002, chega ao ponto de indicar que “o S.T.J. decidiu contra lei expressa”, numa crítica desnecessariamente contundente, afigurando-se-nos que nessa reflecção está ausente uma ponderação conjugada do sistema (de direito estritamente tabular e do direito substantivo que emerge do Código Civil); a própria autora dá conta das fragilidades do regime atual, a ser entendido nos moldes que propugna e a que o referido aresto quis obviar. Assim:
“No entanto, em teoria e de jure constituendo, pode ser controversa alguma parte da regulamentação desta matéria, porque, actualmente, a inscrição provisória referida na citada alínea g) do nº1 do artigo 92º, quando feita com base em contrato-promessa de alienação, é renovável por períodos de seis meses e até um ano após o termo do prazo fixado para a celebração do contrato prometido, com base em documento que comprove o consentimento das partes (nº4 do artigo 92º).
Ora, com esta disposição, procurou-se auferir algumas das vantagens do regime do registo do contrato-promessa com eficácia real, pelo menos relativamente à impossibilidade de prosseguir com uma execução sobre o prédio objecto da promessa. O próprio registo de aquisição baseado num contrato-promessa pode constituir uma manobra astuciosa para travar as consequências de uma eventual penhora ou arresto, até à definição da situação jurídica do prédio, o que só se concretiza com o acto da venda ao promitente-comprador ou com a verificação da caducidade do registo.
Num país onde proliferam as fraudes dos devedores remissos, onde é muito fértil a sua imaginação, por vezes os mesmos lançam mão de todos os meios para não pagarem aos seus credores, ou protelarem o pagamento por longos períodos de tempo. Que melhor forma de o fazer do que registar a favor de outrem uma aquisição provisória baseada num contrato-promessa com um prazo dilatado de tempo?”(p. 176).      
[9]In O Registo Provisório de Aquisição, comunicação feita na F.D.U.C., no Congresso de Direitos Reais, em 29-11-2003, acessível in www.fd.uc.pt/cenor/textos/registoprovisoriodeaquisicao.pdf.
[10]Convocando este entendimento e em hipóteses em que se colocavam questões como a que ora se aprecia, cfr. os acs. STJ de 11-02-2015, Processo: 1392/05.0TBMCN.P1.S1 (Relator: Gabriel Catarino), da RL de 11-02-2010, processo: 788/08.0TCSNT.L1-2 (Relator: Esagüy Martins), da RP de 01-02-2011, processo: 121/09.4TBVNG.P1 (Relator: Vieira e Cunha), da R.P. de 06-10-2014, processo 1392/05.0TBMCN.P1 (Relator: Manuel D. Fernandes) e da RG de 10-11-2014, processo: 2820/14.0TBBRG.G1 (Relatora: Ana Cristina Duarte), todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[11]Refere a autora: “Na nossa perspectiva, o registo provisório de aquisição, do ponto de vista registal, traduz-se, como já afirmámos, numa reserva de prioridade própria e causal. Reserva essa a que se tem de reconhecer, necessariamente, efeitos substantivos, pois admitir que o registo provisório de aquisição se limita a aspectos meramente registais, sem prejudicar a prioridade substantiva, implica torná-lo absolutamente ineficaz, para além de altamente enganador para quem o solicita e por ele paga. A afirmação é evidente quando se tem em conta que a reserva de prioridade só conduziria a um aparente regime de segurança provisória, já que, em caso de colisão de interesses, a questão da prioridade substantiva teria de ser, sempre, resolvida pelos tribunais, e estes, em caso de incompatibilidade entre um direito nascido e consumado perante as regras de direito civil e outro simplesmente projectado e anunciado, dariam preferência, indubitavelmente, ao primeiro, com desprestígio para a norma de direito registal.
E contra o acabado de afirmar, não colhe o argumento segundo o qual o registo provisório não pode ter consequências substantivas na medida em que nenhuma norma do Código Civil lhe reconhece tal eficácia. E isto porque, se é verdade que o direito registal é direito adjectivo ao serviço do direito substantivo, também é verdade que no nosso Código de Registo Predial existem normas com eficácia substantiva, para o comprovar, basta lembrar o n.º 1 do art. 5º (…)
Afastamo-nos, assim, da argumentação avançada, recentemente, pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Não obstante, também não perfilhamos a posição do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e do Notariado, segundo a qual o registo provisório de aquisição, do ponto de vista da eficácia substantiva em face de terceiros que tenham adquirido direitos do, ou contra o, ainda proprietário do bem, não diverge do registo definitivo do contrato-promessa dotado de eficácia real, existindo, apenas, por força da lei, diversidade quanto à técnica ou procedimento registal subsequente a cada um desses registos; e ainda, segundo a qual deve ser reconhecida legitimidade para requerer o registo provisório de aquisição baseado em contrato-promessa, com eficácia meramente obrigacional, quer ao promitente alienante, quer ao promitente adquirente, tal como quando está em causa um registo de um contrato-promessa dotado de eficácia real.
Quanto a nós, também não é esta a melhor interpretação da lei.  (…)
Entendemos, por um lado, que o legislador português não teve a intenção de atribuir legitimidade ao promitente adquirente para requerer o registo provisório de aquisição.
E entendemos, por outro, que o legislador não pretendeu equiparar os efeitos do registo provisório de aquisição aos efeitos do contrato promessa dotado de eficácia real”.
[12]Sublinhado nosso.
[13]Documento que os réus não impugnaram.
[14]O réu emitiu a declaração certificada a fls. 51, que assinou – assinatura reconhecida presencialmente –, indicando que “pretende que se registe provisoriamente a favor do Finibanco (…) a aquisição do prédio retro mencionado por lho terem prometido vender pelo preço de 217.850,00€, o prédio retro indicado está inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2392 (…)”. 
[15]Artigo 92.º
Provisoriedade por natureza
1-São pedidas como provisórias por natureza as seguintes inscrições:
a)Das ações e procedimentos referidos no artigo 3.º;
b)De constituição da propriedade horizontal, antes de concluída a construção do prédio;
c)De factos jurídicos respeitantes a frações autónomas, antes do registo definitivo da constituição da propriedade horizontal;
d)De ónus de casas de renda económica ou de renda limitada, antes da concessão da licença de habitação, e de quaisquer factos jurídicos a elas respeitantes, antes do registo definitivo do ónus;
e)De negócio jurídico anulável por falta de consentimento de terceiro ou de autorização judicial, antes de sanada a anulabilidade ou de caducado o direito de a arguir;
f)De negócio jurídico, celebrado por gestor ou por procurador sem poderes suficientes, antes da ratificação;
g)De aquisição, antes de titulado o contrato;
 h) De aquisição por venda em processo judicial, antes de passado o título de transmissão;
i)De hipoteca voluntária, antes de lavrado o título constitutivo;
j)De aquisição por partilha em inventário, antes de a respetiva decisão homologatória se tornar definitiva;
l)De hipoteca judicial, antes de passada em julgado a sentença;
m)Da hipoteca a que se refere o artigo 701.º do Código Civil, antes de passada em julgado a sentença que julgue procedente o pedido;
n)Da declaração de insolvência antes do trânsito em julgado da sentença;
o)[Revogada];
p)De aquisição efetuada ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, alterado pelas Leis nºs 55-A/2010, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 66-B/2012, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 36/2013, de 11 de março, antes de titulado o contrato.
2-Além das previstas no número anterior, são ainda provisórias por natureza:
a)As inscrições de penhora, de declaração de insolvência e de arresto, se existir sobre os bens registo de aquisição ou reconhecimento do direito de propriedade ou de mera posse a favor de pessoa diversa do executado, do insolvente ou do requerido;
b) As inscrições dependentes de qualquer registo provisório ou que com ele sejam incompatíveis;
c) As inscrições que, em reclamação contra a reforma de suportes documentais, se alega terem sido omitidas;
d) As inscrições efetuadas na pendência de recurso hierárquico ou impugnação judicial contra a recusa do registo ou enquanto não decorrer o prazo para a sua interposição.
3-As inscrições referidas nas alíneas b) a e) do n.º 1, bem como na alínea c) do n.º 2, se não forem também provisórias com outro fundamento, mantêm-se em vigor pelo prazo de cinco anos, renovável por períodos de igual duração, a pedido dos interessados, mediante a apresentação de documento que comprove a subsistência da razão da provisoriedade emitido com antecedência não superior a seis meses em relação ao termo daquele prazo.
4-A inscrição referida na alínea g) do n.º 1, quando baseada em contrato-promessa de alienação, é renovável por períodos de seis meses e até um ano após o termo do prazo fixado para a celebração do contrato prometido, com base em documento que comprove o consentimento das partes.
5-As inscrições referidas na alínea a) do n.º 2 mantêm-se em vigor pelo prazo de um ano, salvo o disposto no n.º 5 do artigo 119.º, e caducam se a ação declarativa não for proposta e registada dentro de 30 dias a contar da notificação da declaração prevista no n.º 4 do mesmo artigo.
6-As inscrições referidas na alínea b) do n.º 2 mantêm-se em vigor pelo prazo do registo de que dependem ou com o qual colidem, salvo se antes caducarem por outra razão.
7-Nos casos previstos no número anterior, a conversão do registo em definitivo determina a conversão oficiosa das inscrições dependentes e a caducidade das inscrições incompatíveis, salvo se outra for a consequência da requalificação do registo dependente ou incompatível.
8-Nos casos previstos no n.º 6, o cancelamento ou a caducidade do registo provisório determina a conversão oficiosa da inscrição incompatível, salvo se outra for a consequência da requalificação desta.
9-Sem prejuízo do disposto no artigo 149.º, as inscrições referidas na alínea d) do n.º 2 mantêm-se em vigor na pendência de recurso hierárquico ou de impugnação judicial ou enquanto estiver a decorrer o prazo para a sua interposição.
10-As inscrições referidas na alínea c) do n.º 1 são convertidas oficiosamente na dependência do registo definitivo da constituição da propriedade horizontal.
11-As inscrições referidas nas alíneas a) e j) a n) do n.º 1 não estão sujeitas a qualquer prazo de caducidade.
12-A inscrição referida na alínea p) do n.º 1, se não for também provisória com outro fundamento, mantém-se em vigor pelo prazo de seis anos, renovável por períodos de três anos, a pedido dos interessados, mediante apresentação de documento que comprove a subsistência da razão da provisoriedade emitido com antecedência não superior a 180 dias em relação ao termo daquele prazo. 
[16]Nos termos do art. 413º do Cód. Civil, “à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo”-nº1. O nº 2 preceitua que “deve constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral”.
[17]Artigo 2.º
Factos sujeitos a registo
1 - Estão sujeitos a registo:
(…)f) A promessa de alienação ou oneração, os pactos de preferência e a disposição testamentária de preferência, se lhes tiver sido atribuída eficácia real, bem como a cessão da posição contratual emergente desses factos;  
[18] Muitas vezes a questão é introduzida em juízo por via de impugnação judicial de despachos do Sr. Conservador do Registo Predial, estando em causa resolver em que termos deve ser efetuado o registo de determinados atos, como aconteceu na hipótese em análise no ac. RG. de 10-11-2014, supra aludido, em que se apreciou o recurso interposto pelo Instituto dos Registos e Notariado, em que o recorrente invoca nas alegações que  a questão “de saber em que termos deve ser efetuado o registo de arresto decretado contra o titular definitivamente inscrito quando com antecedência se tenha efetuado registo provisório de aquisição a favor de sujeito diverso” “é uma questão eminentemente tabular” e que “é de acordo com as regras e princípios tabulares que deve ser decidida”, mais precisamente os princípios da prioridade e do trato sucessivo.