Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23997/16.4T8LSB.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM
CATEGORIA PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECISÃO CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I– Não integra o disposto no art.º 74.º do Código de Processo do Trabalho, onde se consagra a condenação além do pedido ou em objecto diverso dele, a situação de um trabalhador que tendo peticionado a condenação da empresa a reconhecer-lhe categoria profissional superior à que detém, não logrou demonstrar o desempenho das respectivas funções, tendo-se antes provado o exercício de funções de categoria diversa.

II– O Acordo de Empresa aplicável à relação laboral em causa, e o Código do Trabalho, não tutelam a referida situação como integrante de um direito de  exercício necessário e absoluto – o que é pressuposto para a aplicação do referido preceito legal.

(Elaborado pela Relatora)
 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


1.–Relatório:


1.1.– AAA, contribuinte fiscal n.º (…), residente (…) Lisboa intentou a presente acção declarativa comum contra BBB,  com sede na (…)  Lisboa, pedindo seja a ré condenada a:

a.)- A reconhecer a categoria profissional TNG – Técnico de Negócio e Gestão ao autor desde Agosto de 2009; E consequentemente,
b)- Pagar ao autor as diferenças salariais entre o que efectivamente lhe pagou como Carteiro – CRT e aquilo que lhe devia ter pago como Técnico de negócio de gestão – TNG, desde Agosto de 2009 até à presente data, incluindo o subsídio bde férias, Natal e férias;
c)- Juros de mora, a calcular a final desde a data em que os pagamentos deveriam ter ocorrido, por exclusiva responsabilidade da entidade patronal até efectivo e integral pagamento;
d)- Ao pagamento de uma compensação, cujo valor deverá ser determinado pelo Tribunal nos termos gerais, mas nunca inferior a € 10.000,00 (dez mil euros) pelos prejuízos causados ao autor pela perda da possibilidade de concorrer aos concursos internos da ré e progressões de carreira durante sete (7) anos, caso tivesse sido atribuída a categoria profissional ao autor desde a referida data.
Fundamenta a sua pretensão alegando que em 01 de Julho de 1983 foi admitido para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré para exercer as funções da categoria profissional de carteiro. Desde 29 de Julho de 2009, o autor exerce essencialmente as funções de recepção de toda a documentação de correio interno, referente à área de recursos humanos, procedendo à leitura do documento, à digitalização por scanner e classificação/catalogação de acordo com as regras internas da ré que integram a categoria profissional de técnico de negócio de gestão. Mais alega que existem outros trabalhadores que executam as mesmas tarefas e detêm a categoria de técnico de negócio de gestão, auferindo vencimento superior tendo sido discriminado relativamente a estes.

Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação, a ré contestou, refutando que os trabalhadores identificados pelo autor executem as mesmas funções sendo que o vencimento que auferem resulta de regras de progressão contempladas nos sucessivos instrumentos de regulamentação colectiva que não decorre apenas da atribuição da categoria pretendida.

Foi proferido despacho saneador que concluiu pela verificação dos pressupostos processuais, tendo o tribunal dispensado a enunciação dos temas de prova face à simplicidade da causa.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento.

Proferida sentença foi a acção julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.

1.2.– Inconformado com esta decisão dela recorreu o autor, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
1.º– Resultaram provados os seguintes factos (a fls. 2 da Sentença): a) O autor foi admitido nos quadros da ré, em 29 de Dezembro de 1986, para o grupo profissional CRT, mas anteriormente a esta data foram celebrados contratos a termo entre o autor e ré (01.07.1983 a 30.09.1983; 03.06.1985 a 02.12.1985; 31.03.1986 a 29.04.1986; 01.07.1986 a 30.09.1986); b) Após a admissão nos quadros da ré, o autor exerceu as suas funções nos locais e períodos infra: - 29-12-1986 a 18-08-1998: Centro de Distribuição Postal 2600 Vila Franca de Xira, - 19-08-1998 a 24-02-1999: Operações de Mercadorias do Sul - 25-02-1999 a 29-02-2000: Transportes e Distribuição de Encomendas - 01-03-2000 a 30-06-2005: Armazéns de Lisboa - 01-07-2005 a 31-12-2007: Pessoal a Recolocar - 01-01-2008 a 14-05-2009: Serviços Financeiros/Gestão de Operações Financeiras (a desempenhar funções de tratamento de correio interno) - 15-05-2009 a 31-12-2012: Gestão Documental e Arquivo c) O autor foi admitido com a categoria profissional de Carteiro d) Categoria profissional que o autor mantém desde aquela data e) Desde 29 de Julho de 2009, que o autor desempenha as seguintes funções: - carga e descarga, recepção e divisão do correio interno da ré, que divide de acordo com as várias secções existentes no edifício e que posteriormente é distribuído por outros seus colegas, - recepção de documentação interna referente aos trabalhadores da ré, procede à digitalização utilizando um scanner e indexação de acordo com códigos/itens previamente estabelecidos de acordo com o tipo de documento (justificação de faltas, óbito, outros), - expedição de correio interno e para o exterior  f) A carga e descarga, recepção e divisão do correio ocupará ao autor no máximo duas horas do seu dia de trabalho; h) O autor está colocado na área de Recepção Digitalização e Expedição no âmbito de um dos departamentos OBM da Direcção de Recursos Físicos e Segurança (RS).

2.º– No que concerne às alíneas a) a d) supra, a convicção do Tribunal adveio da documentação junta aos autos e pelo acordo das partes em sede de audiência de discussão e julgamento.
3.º– Relativamente aos factos dados como provados nas alíneas f) a g) supra, referente às funções efectivamente exercidas pelo Recorrente, o Tribunal a quo teve por base o depoimento das testemunhas (…), (…),(…)  e (…).
4.º– Como bem afirma o Tribunal a quo “(…) Com efeito, das declarações das testemunhas resultou claramente que o autor, tal como o próprio alega faz a receção e divisão do correio assim como a digitalização e indexação do correio interno aos códigos previamente atribuídos (…)”.
5.º– Acrescentando o Tribunal a quo que “(…) possamos concluir que o núcleo essencial das funções actualmente levadas a cabo pelo autor não esteja contido no conteúdo funcional da categoria que detém de Carteiro/CRT (…)”.
6.º– Da prova feita, documental e testemunhal, e dos factos dados como assentes dúvidas não restaram ao Tribunal a quo que o núcleo essencial das funções exercidas pelo Recorrente não são as que estão previstas para a categoria profissional de Carteiro – CRT, categoria que lhe está atribuída.
7.º– Dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo deveriam ter levado à atribuição de uma outra categoria profissional ao Recorrente, porquanto ficou mais do que claro que as funções exercidas pelo Recorrente, pelo menos desde 2009, não são de todo semelhantes às funções previstas para um Carteiro – CRT, categoria que lhe está atribuída desde sempre.
8.º– A categoria profissional de Carteiro – CRT tem sido definida ao longo dos anos nos Acordos de Empresa (AE) da seguinte forma: No AE de 1996 e de 2000, “Executam tarefas inerentes às actividades postais de recolha, carga e descarga, acondicionamento, transporte, tratamento manual ou mecanizado, distribuição, entrega e cobrança de correspondências, encomendas e outros objectos postais. Desempenham, em situações específicas, tarefas de atendimento ou assistência comercial a clientes. Podem colaborar em acções que visem o desenvolvimento da organização e metodização do trabalho, nomeadamente participando em estudos de redimensionamento de giros, bem como em acções de formação de outros profissionais e assumir a responsabilidade de coordenação de equipas de trabalho. Podem executar as tarefas decorrentes da condução de veículos de diversos tipos”.
9.º– Pelo percurso profissional do Recorrente, dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo (ponto 8 da Sentença) e dos depoimentos das testemunhas (…),(…),(…) e (…), em comparação com a descrição das funções de um Carteiro – CRT, ao longo dos vários anos, nos vários acordos de empresa, fácil será de verificar e concluir que o Recorrente nunca exerceu qualquer função de carteiro, nem funções similares ou tão pouco funções stricto sensu de carteiro.
10.º– Desde que foi colocado no departamento RS/OBM/RDE – área de Recursos Humanos, em 29 de Julho de 2009, seja primeiramente em Palmela ou posteriormente no edifício onde hoje se encontra, Edifício (…), o Recorrente faz um horário diário de 7 horas e 48 minutos, num período a iniciar após as 8 horas e 30 minutos, exercendo única e exclusivamente as seguintes funções, tal como ficou provado pelo Tribunal a quo: - Recepção e divisão de correio interno da R., que terá de dividir de acordo com as várias secções existentes no edifício e que posteriormente uma terceira pessoa irá distribuir pelas várias secções; - Recepção de documentação interna referente aos vários trabalhadores da R., que terá de digitalizar para um scanner, classificar/catalogar de acordo com o tipo de documento em causa (justificação de faltas por doença, por falecimento, por assistência família, por  ausência a comparência em Tribunal, entre outros), anexando o mesmo ao processo individual de cada trabalhador, e - Expedição de correio interno para o exterior (para Tribunais e outras entidades públicas ou privadas).
11.º– Sendo que, a recepção e divisão de correio interno, e apenas este, ocupará no máximo 2 horas do seu dia de trabalho, conforme ponto 9. da Sentença.
12.º– Mais concretamente, aquela divisão do correio ocupa cerca das duas horas iniciais da sua jornada laboral, estando cerca de 90% a 95% do seu dia a exercer funções de tratamento de todo o tipo de documentação, na área de recursos humanos, que nada têm de relação directa ou indirectamente com as funções de carteiro stricto ou lacto sensu, ou mesmo similares àquelas, tal como tem vindo a ser definido nos vários Acordos de Empresa.
13.º– Assim, desde 29 de Julho de 2009 que o Recorrente não exerce qualquer tipo de funções de carteiro, nem tão pouco semelhantes a essa categoria profissional.
14.º– O Tribunal a quo concluiu “que as funções exercidas pelo autor no essencial não se subsumem à categoria profissional que actualmente possui – Carteiro/CRT”mas, daí não retirou qualquer consequência.
15.º– De acordo com o n.º 1 da cláusula 23.ª do Acordo de Empresa (AE/2010) considera-se o exercício de funções diferentes “a atribuição transitória de um posto de trabalho correspondente a categoria profissional diferente da detida pelo trabalhador”.
16.º– Acrescentando o seu n.º 2 que aquela situação “(…) não poderá exceder oito meses (…)”.
17º– Significa isto que, e de acordo com o AE, que a atribuição de funções diferentes das que resultam da categoria profissional atribuída a um trabalhador podem ser diferentes desde que tal não exceda os oito (8) meses seguidos. É por isso uma situação transitória. Não pode tornar-se uma prática habitual. Bem se vê, por isso, que há muito que a R. está a incorrer numa ilegalidade uma vez que, pelo menos desde Agosto de 2009, atribuiu ao Recorrente funções completamente diferentes das que resultam da categoria profissional de Carteiro – CRT que lhe está atribuída.
18.º– Também o Código de Trabalho, no seu artigo 118.º n.º 1, prevê que o trabalhador deve “exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado”. Acrescentando o legislador no n.º 2 e n.º 3 daquela disposição que “a actividade contratada (…) compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas” e “consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional”. O que significa que também o Código de Trabalho, preveja que a actividade profissional de um trabalhador se cinja a funções compreendidas no grupo ou carreira profissional para que foi contratado. Porquanto (repita-se) dúvidas não restaram ao Tribunal a quo que o núcleo essencial das funções exercidas pelo Recorrente não são as contidas para a categoria profissional de Carteiro – CRT, categoria que lhe está atribuída desde sempre.
19.º– Mais, o Tribunal a quo não teve dúvidas ao afirmar que o Recorrente as funções exercidas pelo Recorrente não são as que se encontram previstas para a categoria profissional que lhe está atribuída, ao proferir frases como “(…)possamos concluir que o núcleo essencial das funções actualmente levadas a cabo pelo autor não esteja contido no conteúdo funcional da categoria que detém de Carteiro/CRT”, como é o próprio a levantar o véu para o que seria a solução e correcção de uma situação ilegal que verificou existir, quando afirma que o núcleo essencial das funções exercidas pelo Recorrente “integram o conteúdo funcional de OAN (…)”. Significa isto que, o Tribunal a quo não teve dúvidas a concluir pela existência da ilegalidade, determinou o caminho para a correcção da ilegalidade, sabia como corrigir a ilegalidade, apontando a solução, mas meteu a solução na gaveta.
20.º– o Tribunal a quo verificou que a categoria profissional de CRT não está correctamente atribuída ao Recorrente, de acordo com as funções que aquele efectivamente exerce, mas decide que a categoria profissional a atribuir não seria a  peticionada por aquele, de TNG, mas sim de OAN. Mas não lhe atribui a categoria de OAN porque não foi a que peticionou.
22.º– E é aqui que incide o recurso ora apresentado porquanto dúvidas não restam que o Recorrente deve ter atribuída uma categoria profissional diferente de Carteiro – CRT. O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.”, de acordo com o artigo 74.º do CPT – Condenação exta vel ultra petitum. Transpondo para o caso concreto, e apesar do Recorrente ter peticionado a atribuição da categoria de TNG, tendo o Tribunal a quo verificado, concluído e decidido (factos dados como assentes na Sentença) que o núcleo essencial das funções exercidas pelo Recorrente não são as que se encontram previstas no Acordo de Empresa (instrumento de regulamento colectivo de trabalho) para a categoria de CRT, categoria que lhe está atribuída, mas também não serão as funções previstas para um TNG, função peticionada na acção pelo Recorrente, mas sim as função de OAN, o Tribunal a quo deveria ter condenado a Recorrida a requalificar o Recorrente como OAN, de acordo com o principio previsto no artigo 74.º do CPT. Significa isto que, de acordo com a matéria dada como provada e assente, o Tribunal a quo concluiu que o núcleo essencial das funções exercidas pelo Recorrente, desde 2009, não são as previstas para a categoria de CRT, que aquele detém, não são as de TNG, categoria que peticionou com a presente acção, mas são de OAN. E nesse sentido deveria ter condenado a Recorrida na requalificação daquele como OAN, condenando-se assim a Recorrida em objecto diverso do peticionado pelo Recorrente, porque tal resultou “da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho”
Nestes termos e nos demais de direito e sempre com o mui suprimento dos VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, deverá ser concedido provimento ao presente recurso de apelação, condenando-se a Ré, ora Recorrida, na atribuição ao Recorrente, Autor, da categoria profissional de acordo com o núcleo essencial das funções efectivamente exercidas por aquele, de acordo com a matéria dada como provada pelo Tribunal a quo, por assim ser de inteira JUSTIÇA!

A ré contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

2.– Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado - artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Assim, a questão que o recorrente coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se deve reconhecer- se  ao autor a categoria de OAN, que agora reclama.

3.– Fundamentação de facto.

3.1.– Matéria de facto provada
1.– O autor foi admitido nos quadros da ré, em 29 de Dezembro de 1986, para o grupo profissional CRT, mas anteriormente a esta data foram celebrados contratos a termo entre o autor e ré (01.07.1983 a 30.09.1983; 03.06.1985 a 02.12.1985; 31.03.1986 a 29.04.1986; 01.07.1986 a 30.09.1986).
2.– A evolução profissional do autor na categoria foi a seguinte: 01.02.1993 – F; 01.02.1996 – G; 01.02.2000 – I; 01.02.2004 - J.
3.– À data da petição inicial e desde 1 de Janeiro de 2016 (ultima actualização salarial), o autor tem uma retribuição base de € 993,40.
4.– Após a admissão nos quadros da ré, o autor exerceu as suas funções nos locais e períodos infra: - 29-12-1986 a 18-08-1998: Centro de Distribuição Postal 2600 Vila Franca de Xira; - 19-08-1998 a 24-02-1999: Operações de Mercadorias Sul; - 25-02-1999 a 29-02-2000: Transportes e Distribuição de Encomendas; - 01-03-2000 a 30-06-2005 – Armazéns de Lisboa; - 01-07-2005 a 31-12-2007 – Pessoal a Recolocar; - 01-01-2008 a 14-05-2009: Serviços Financeiros/Gestão de Operações Financeiras (a desempenhar funções de tratamento de correio interno); - 15-05-2009 a 31-12-2012: Gestão Documental e Arquivo.
5.– O autor é sócio do SINCOR desde 17 de Novembro de 2000.
6.– O autor foi admitido com a categoria profissional de Carteiro.
7.– Categoria profissional que o autor mantém desde aquela data.
8.– Desde 29 de Julho de 2009, que o autor desempenha as seguintes funções: a) Carga e descarga, recepção e divisão do correio interno da ré, que divide de acordo com as várias secções existentes no edifício e que posteriormente é distribuído por outros seus colegas; b) Recepção de documentação interna referente aos trabalhadores da ré, procede à digitalização utilizando um scanner e indexação de acordo com códigos/itens previamente estabelecidos de acordo com o tipo de documento (justificação faltas, óbito, outros); c) Expedição de correio interno e para o exterior;
9.– A carga e descarga, recepção e divisão do correio ocupará ao autor no máximo duas horas do seu dia de trabalho.
10.– O autor está colocado na área da Recepção, Digitalização e Expedição RDE) no âmbito de um dos departamentos OBM da Direcção de Recursos Físicos e Segurança (RS).
11.– O local onde o autor trabalha é conhecido no edifício por “sala do correio”.
12.– Entre Agosto de 2009 e Agosto de 2016 o autor auferiu a título de retribuição base as quantias discriminadas nos recibos de vencimento juntos a fls. 52-108 e 112-147 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
13.– O trabalhador Luís M...D... teve evolução salarial de acordo com progressão por letras não concretamente apurada.
14.– Em data não concretamente apurada, o trabalhador Rui C... P...S... teve uma atribuição salarial especial.

3.2.– Matéria de facto não provada.
- Que Luís M...D... e Isabel M...S...P...R...F... exerçam as mesmas funções que o autor, designadamente as descritas em 8.;
- Que a trabalhadora Isabel M...S...P...R...F... teve a evolução salarial por letras descrita no artigo 24º da contestação;
- Que o trabalhador José D...A...M... teve uma atribuição salarial especial em 01.03.2000, a letra H em 30.06.2007 e a letra I em 03.06.2014;
- Que a trabalhadora Paula C...C...N...R... teve a letra I em 25.03.2008 e a letra J em 27.02.2015

4.– Fundamentação de Direito.
Da reclassificação do autor na categoria profissional de Operador Administrativo de Negócio (OAN)
Não tendo obtido ganho de causa quanto à reclassificação em categoria superior que peticionou na acção, o autor pretende agora (ao abrigo do art.º 74.º do Código de Processo do Trabalho – CPT), se lhe atribua categoria diversa (OAN), por desempenhar o essencial das suas funções.
Como é sabido, ao contrário do previsto no Código Processo Civil (CPC), onde se consagra o princípio do dispositivo, por via do qual o julgador apenas pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes (artigos 3.º, n.º 1 e 5.º), não lhe sendo lícito condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que se pedir (art.º 609.º, n.º 1), no processo do trabalho, encontra-se há muito consagrado o princípio da condenação “extra vel ultra petitum”.

A condenação para além do pedido ou em objecto diverso dele, é uma solução proveniente da América Latina, onde se constatou que os juízes do trabalho atribuíam indemnizações superiores às pedidas pelos trabalhadores (sinistrados do trabalho), quando verificavam que os cálculos por eles efectuados davam origem a pedidos indemnizatórios em valores inferiores aos que decorreriam da aplicação da lei (Cfr. Paulo Sousa Pinheiro, “Curso Breve de Direito Processual do Trabalho”, Almedina, pág. 52).

Esta peculiar solução, que atende à especial vulnerabilidade do trabalhador, dependente em termos jurídicos e económicos do empregador, tem sido, contudo, interpretada e aplicada em termos muitos restritos entre nós.

Prescreve o dito art.º 74.º o seguinte:
“ O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho”.

Dúvidas não existem que quando o legislador se refere “ à matéria prova e os factos de que pode servir-se (…)”, está a referir-se aos factos declarados provados na acção e aos factos que não carecem de alegação ou de prova (art.º 413.º do CPC).

Mais controverso é o que se deve entender por “preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho”. Sendo que é sobre este aspecto que mais se tem pronunciado a doutrina e a jurisprudência. Refere, a propósito, Leite Ferreira, ‘Código de Processo do Trabalho Anotado”, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 352, que o dever de condenação para além do pedido, imposto ao juiz pelo art.º 69.º (actual art.º 74.º), pressupõe a verificação de duas condições:
1.ªa causa de pedir continue a mesma;
2.ªa condenação há-de resultar da aplicação de normas inderrogáveis de leis ou convenções colectivas aos factos especificados ou quesitados ou aos factos a que se refere o art.º 514.º, isto é, aos factos notórios de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Mas, como também alude aquele autor, “Ob. Cit.”, pág. 132, “preceitos inderrogáveis são apenas aqueles que o são absolutamente, isto é, que reconhecem um direito a cujo exercício o seu titular não pode renunciar, como será o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho ou de doença profissional ou de direito ao salário na vigência do contrato. Se, em vez disso, os preceitos são inderrogáveis apenas no plano jurídico porque o exercício do direito que reconhecem está confiado à livre determinação da vontade das partes, a possibilidade de condenação ultra vel extra petita tem de se considerar excluída”.

A inderrogabilidade “de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho” a que se refere o citado normativo, está ligada ao princípio da irrenunciabilidade de certos direitos subjectivos do trabalhador, existindo tal irrenunciabilidade quando se trate de casos em que, para além da sua existência, se conclui que o respectivo exercício se torna absolutamente necessário por razões inerentes a interesses de ordem pública. Cfr. Albino Baptista, “Código de Processo de Trabalho Anotado”, 2.ª Edição, Quid Juris, pág. 180.
Serão preceitos que, na esteira de Castro Mendes, “ Curso de Direito Processual do Trabalho”, FDUL, Suplemento, pág. 132, consagram direitos de existência e exercício necessário.

Sendo que é o exercício necessário e absoluto que confere a característica de irrenunciabilidade  (V.g, Acórdão do STJ, de 17 de Junho de 2007, Revista nº 46/2007).

Nessa linha, refere Carlos Alegre “Código do Processo de Trabalho”, Almedina, 2.ª Edição, pág. 129, o direito abstracto de um trabalhador a determinada prestação vencida ou vincenda, imposta por/e/ou instrumento de regulamentação colectiva é indisponível, mas os créditos vencidos dessa mesma prestação estão na plena disponibilidade do trabalhador, como resulta inequivocamente da possibilidade que ele tem de os deixar prescrever ou de os ceder (...) ou, ainda, de a eles renunciar, por exemplo, em acordo judicial. (…)”

Em sintonia com o exposto, é costume dar como exemplos de direitos de existência e exercício necessário, os referentes às indemnizações por acidentes de trabalho e os relativos à retribuição na vigência do contrato de trabalho.

Nos presentes autos, está em causa a atribuição de uma categoria diversa da detida pelo autor (CRT), o qual desempenhando funções não integralmente compagináveis com o acervo funcional daquela, peticionou uma categoria profissional superior, cujas funções não logrou provar que realizasse.

Começa por se dizer, que se não configura existir na lei, nem na convenção colectiva aplicável, adiante referida, norma que assuma aquelas características relativamente à categoria profissional do trabalhador. Sabido ter essa expressão carácter polissémico, traduzindo realidades diversas. Também se não descortina, para além do previsto quanto à mobilidade funcional, previsão normativa (pelo menos em termos expressos), para a situação da categoria profissional inicialmente definida no contrato de trabalho sofrer ao longo do tempo alteração, passando o trabalhador a desenvolver funções e a ocupar uma posição de maior importância na organização empresarial.

As normas que vigoravam no âmbito do DL 49408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), a propósito da categoria profissional (artigos 21.º n.º 1 alínea d), 22.º, 23.º e 43.º, onde se previa a proibição de a entidade patronal baixar a categoria do trabalhador, salvo o disposto no art.º 23.º; a possibilidade de o trabalhador prestar serviços não compreendidos no objecto do contrato; os casos de mudança (abaixamento) de categoria e a atribuição ao trabalhador da função mais adequada às suas aptidões ou formação profissional), à semelhança do contido Código do Trabalho aprovado pela Lei 29/2003, de 27 de Agosto (artigos 111.º, 122.º alínea e) e 151.º, referentes ao objecto do contrato; à proibição de baixar a categoria do trabalhador e ao alargamento da noção de objecto do contrato, integrada, agora, pelas “funções afins ou funcionalmente ligadas”), e do previsto no actual Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro (artigos 115.º, 118.º a 120.º, onde se enuncia caber às partes, por acordo, a determinação da actividade contratada, que pode ser feita por remissão, designadamente para instrumento de regulamentação colectiva de trabalho; que a actividade contratada compreende as funções afins ou funcionalmente ligadas; que pode ocorrer mudança para categoria inferior mediante acordo entre as partes e que o empregador pode encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade não contratada), embora tutelando e salvaguardando o conteúdo funcional correspondente ao objecto do contrato de trabalho, a actividade contratada, com a referida “nuance” introduzida pelo Código do Trabalho de 2003 e diploma posterior, a posição e o estatuto sócio, económico e profissional do trabalhador, prevêem, como não poderia deixar de ser, as situações de mobilidade funcional, quando tal se justifique e com base nos pressupostos legais, bem como a mudança para categoria inferior.

Como é sabido, mesmo o chamado “direito à categoria”, que alguns autores referem, não é acolhido unanimemente (Vg. Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, “Comentário às Leis do Trabalho”, Lex, Vol. I, pág. 113).

No presente caso, a matéria referente às funções desempenhadas pelo autor é a que decorre da factualidade provada (n.ºs 8 e 9), sendo que a relação laboral em causa é regulada pelo AE (…), subscrito, entre outros, pelo SINCOR, sindicato de que é socio o autor e que se mostra publicado, respectivamente, nos BTE I Série n.º 5 de 8-02-95, n.º27; n.º 27, de 22-07-2006, n.º 14 de 15-04-2008, n.º 1, de 08-01-2010, n.º 7, de 22-03-2013 e n.º de 09-02-2015.

Da leitura do referido instrumento de regulamentação colectiva de trabalho resulta (na versão de 2006), ser dever da empresa não atribuir ao trabalhador tarefas que não estejam de acordo com as funções da categoria profissional deste, salvo nos casos expressamente previstos naquele acordo (Clª 13.ª alínea h)). Ser proibido àquela “baixar a categoria do trabalhador, salvo a pedido do próprio e parecer prévio do sindicato ou nos casos previstos neste acordo”; (Clª 14.ª alínea c)). O trabalhador pode prestar funções diferentes, o que ocorre, de acordo com a Cláusula 25.ª na “situação em que a um trabalhador é atribuído, transitoriamente, um posto de trabalho correspondente a grupo profissional diferente do seu” (n.º 1) o que o trabalhador pode recusar, como resulta do seu n.º 4, sendo que o exercício de funções superiores resulta para o trabalhador um acréscimo de remuneração, por todos os dias em que tal se verifique, igual à diferença entre as remunerações mínimas mensais correspondentes ao seu nível salarial e ao nível salarial imediatamente superior (n.º 6), e que se se consideram “funções superiores as que correspondem a grupo profissional mais qualificado nos termos do anexo V.” 

No Anexo I, do referido AE, por seu turno, prevê-se a definição de funções que cabem a cada categoria (nominativa). No Anexo II, consta o mapa dos grupos profissionais, com as respectivas designações das categorias, por abreviatura e por nome, bem como os requisitos para admissão e promoção. No Anexo III constam as condições para mudança de grupo profissional (provas técnico-profissionais e psicológicas). No Anexo IV, está contido o organigrama com as carreiras profissionais. No Anexo V, prevê-se a Classificação Profissional por níveis de qualificação (situando-se a categoria do autor no nível 5). E no Anexo VI está prevista a tabela de remunerações mínimas mensais.

O essencial do conteúdo normativo acima referido manteve-se nas versões subsequentes. Tendo passado a referir-se para efeitos do AE (versão de 2010), na Cláusula 21.ª que “ a) Grau de qualificação - nível de competências do exercício de categorias profissionais, com um objectivo funcional comum; b) Categoria profissional - designação profissional a que corresponde um determinado conteúdo funcional”. E na Cláusula 22., que “1 - Os trabalhadores são enquadrados nas categorias profissionais constantes do anexo I. 2 - O grau de qualificação correspondente a cada categoria profissional consta do anexo I. 3 - O objectivo e o conteúdo funcional de cada grau de qualificação e categoria profissional constam do anexo II”. Neste Anexo II, o CRT - carteiro/a, e o II OAD-operador/a administrativo/a e de apoio ao negócio, constam do grau de qualificação II.

O essencial do referido regime, manteve-se, igualmente, nas versões posteriores do mencionado AE.

Feito este breve enquadramento, do conteúdo do clausulado do AE em questão, o que resulta, com as ditas particularidades, em suma, é a protecção do trabalhador em termos do conteúdo funcional da prestação a que se obrigou perante o empregador; a possibilidade daquele (apenas) temporariamente desenvolver funções diferentes, o que pode recusar; bem como a proibição do empregador baixar categoria do trabalhador, o que pode, contudo, ocorrer, designadamente a pedido deste.

Este regime mostra-se, pois, em sintonia com o previsto no Código do Trabalho de 2009, com o Código do Trabalho de 2003 e legislação antecedente acima referida - não estando em causa, por conseguinte, a aplicação de quaisquer preceitos ou direitos absolutamente inderrogáveis, assentes em razões de ordem pública (ao trabalhador, como se viu, até é legítimo solicitar a baixa da categoria), que imponham a condenação da ré nos termos agora propostos pelo autor. Este deveria ter acautelado a sua posição aquando da formulação do seu pedido e não cingir o mesmo à categoria (superior) peticionada de TNG.

Nestes termos, apenas nos resta concluir pela improcedência da presente questão.


5.–Decisão.
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.


Lisboa, 2017-12-06



Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Eduardo Sapateiro