Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9773/16.8T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
CONCURSO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Sumário: 1.–O teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, sendo de banir dizeres como provado apenas que “a testemunha... viu o réu a entrar na casa do autor” ou, no caso em se discuta a origem de um incêndio, provado apenas que “os bombeiros verificaram não existir no local sinais do foco de incêndio”.

2.–Tais referências aos meios de prova poderão, quando muito, constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.

3.–O julgador deve assumir uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas, pelo que, se por exemplo o que está em causa é a origem da destruição de plantas, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto para tal alegado está ou não provado, sendo que a verificação pela parte ou por testemunhas de que as plantas estavam destruídas é apenas um dos meios de prova nesse sentido.

4.–De igual modo, se o que está em discussão é indagar sobre a vontade real, expressa ou tácita, manifestada num contrato escrito, o que tem de ser decidido é se está ou não provada a alegada vontade real, pelo que, muitas vezes, o dar como provado apenas o que consta do documento se traduz numa forma evasiva de julgar aquela questão.

5.–É aparente o concurso entre a responsabilidade civil contratual e extracontratual, matéria no âmbito da qual, as diversas orientações se dividem em dois grupos:
- os denominados sistemas do cúmulo; e,
- o sistema do não cúmulo.

6.–Na primeira orientação cabem três perspectivas:
- a de o lesado se socorrer, numa única acção, das normas da responsabilidade contratual e extracontratual, amparando-se nas que entenda mais favorável;
- a de conceder-se-lhe opção entre os procedimentos fundados apenas numa ou noutra dessas responsabilidades; e,
- a de admitir, em acções autónomas, ao lado da responsabilidade contratual, a responsabilidade extracontratual.

7.–A segunda orientação, a do sistema que exclui o cúmulo, consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual, em decorrência de um princípio de consunção.

8.–A lei portuguesa omitiu preceito expresso decisor da controvérsia, pelo que a solução há-de procurar-se no seu quadro se apresente mais adequada, ponderando, sobretudo, os interesses e valores contrapostos.

9.–Sendo certo que o Código Civil vigente consagra regimes sem diferenças essenciais para a responsabilidade contratual e a extracontratual, as poucas diferenças entre ambas permitem concluir que a disciplina da primeira, globalmente encarada, confere maior protecção ao lesado.

10.–Se, de um vínculo negocial, resultarem danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual, a mesma solução se impondo quando o facto que produz a violação do negócio, ou melhor, da relação que dele deriva, simultaneamente preenche os requisitos da responsabilidade aquiliana.

11.–Trata-se da solução que se mostra mais correcta no plano sistemático e no da justiça material, razão pela qual se adere à ideia da exclusão do cúmulo entre ambos os tipos de responsabilidade, pois que acautela devidamente todos os interesses atendíveis do lesado, sem sacrifício injusto da posição do responsável, só não sendo de adotar em face de preceio legal que estipule o contrário.

12.–A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano no âmbito da aptidão geral ou abstrata desse facto para produzir o dano.

13.–A intervenção principal provocada passiva suscitada pelo réu abrange os casos em que a obrigação comporte uma pluralidade de devedores ou em que existam garantes da obrigação a que a causa principal se reporte, sob condição de o réu ter algum interesse atendível em os chamar a intervir, com vista à defesa conjunta ou a acautelar eventual o eventual direito de regresso ou de sub-rogação que lhe assista contra eles.
Decisão Texto Parcial: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


TD intentou a presente ação declarativa de condenação contra E. COMERCIAL, S.A., alegando, em suma, que no dia 30 de junho de 2015 celebrou com a ré um contrato de fornecimento de eletricidade, pelo qual esta se comprometeu a fornecer-lhe energia elétrica com a potência contratada de 20,7 kVA, em baixa tensão, com discriminação horária simples, em ciclo horário, num terreno agrícola sito em _____, com vista ao exercício da atividade de plantação e comercialização de uma planta chamada peónia.

Tal contrato foi defeituosamente cumprido pela ré, pois ocorreram frequentemente picos de energia e sobretensões para os quais a ré não advertiu a autora, e que foram causa da destruição de uma elevada percentagem de peóneas já plantadas, o que fez com que a autora sofresse diversos prejuízos pelos quais pretende ser ressarcida.

A autora conclui assim a petição inicial com que introduziu em juízo a presente ação:

«Nestes termos e nos demais de Direito julgados aplicáveis, deve a ação ser julgada procedente e, em consequência ser a R. condenada ao pagamento:
a)- Do montante de € 14.834,15 a título de danos emergentes suportados pela A. em virtude do incumprimento pela R. dos seus deveres de prestação e, em cúmulo, de verificação de responsabilidade civil extra-obrigacional;
b)- Do montante de € 90.086,42 a título de lucros cessantes, suportados pela A. em virtude do incumprimento pela R. dos seus deveres de prestação e, em cúmulo, de verificação de responsabilidade civil extra-obrigacional; e
c)- De juros de mora relativos às quantias referidas nas alíneas a) e b) supra que se vençam a contar da citação da R., nos termos do disposto no art. 805.º, n.º 3, do Código Civil (...).»
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A ré contestou, começando por arguir a exceção dilatória consistente na sua ilegitimidade para os termos da ação, alegando, em suma, que face ao objeto da lide, tal como a autora o configura na petição inicial, à luz do pedido formulado e da causa de pedir que lhe subjaz, não é responsável pelos prejuízos por esta alegados.

A E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., é a entidade para a qual poderão advir prejuízos em caso de procedência da ação.

Deduziu, na contestação, o incidente de intervenção principal provocada da E. DISTRIBUIÇÃO, S.A..

Além disso, e no essencial, impugna a factualidade alegada na petição inicial, suscetível de, uma vez provada, a fazer incorrer em responsabilidade perante a autora, considerando ainda excessivos os valores peticionados.

Conclui assim a contestação:
«Nestes termos e nos melhores de Direito (...) sempre deverá:
I)- Ser declarada a exceção de ilegitimidade da Ré e, em consequência ser a mesma absolvida da instância;
II)- Ser admitida intervenção principal provocada da E. DISTRIBUIÇÃO, S.A. (...) para contestar querendo os presentes autos;
III)- Caso assim não se entenda, o que se alega sem conceder e por mero dever de patrocínio, deverá a presente ação ser julgada improcedente, por não provada, com as demais consequências legais».
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No articulado de fls. 67-70, a autora:
- respondeu à exceção dilatória consistente na ilegitimidade da ré para os termos da ação, pugnando pela sua improcedência;
- pronunciou-se quanto ao incidente de intervenção principal provocada, declarando nada ter a opor ao seu deferimento, requerendo, no entanto, que os pedidos formulados na petição inicial sejam «objecto de formulação nos termos seguintes:
Nestes termos e nos demais de Direito julgados aplicáveis, deve a ação ser julgada procedente e, em consequência serem as RR. solidariamente condenadas ao pagamento: (a) do montante de € 14.834,15 a título de danos emergentes suportados pela A. em virtude do incumprimento pelas RR. dos seus deveres de prestação e, em cúmulo, de verificação de responsabilidade civil extra-obrigacional; (b) Do montante de € 90.086,42 a título de lucros cessantes, suportados pela A. em virtude do incumprimento pelas RR. dos seus deveres de prestação e, em cúmulo, de verificação de responsabilidade civil extra-obrigacional; e (c) de juros de mora relativos às quantias referidas nas alíneas a) e b) supra que se vençam a contar da citação das RR., nos termos do disposto no art. 805.º, n.º 3, do Código Civil”.»
Pretende ainda a autora, no mesmo articulado, que seja considerada alterada a redação dos arts. 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 22.º, 23.º, 43.º, 45.º, 47.º e 56.º, da petição inicial, disponibilizando-se ainda, no caso de o tribunal a quo assim o achar pertinente, a reformular aquele articulado.
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A ré respondeu a tal articulado, opondo-se à “reformulação” da petição inicial.
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Por decisão de fls. 79, o tribunal a quo julgou procedente o incidente de intervenção principal provocada da sociedade E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., admitindo-a a intervir nos autos como associado da ré.
Não se pronunciou, no entanto, sobre qualquer uma das questões suscitadas pela autora no seu articulado de fls. 67-70.
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Citada a E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., apresentou contestação, na qual, além de deduzir a exceção dilatória consistente na incompetência territorial do tribunal onde a ação foi instaurada, impugnou a factualidade alegada pela autora, concluindo no sentido de que a ação seja julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
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Por despacho de fls. 102-103 foi julgada procedente a referida exceção, e determinada a remessa do processo ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte.
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Realizou-se a audiência prévia, na qual, além do mais, foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
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Na subsequente tramitação dos autos, onde abundam requerimentos cruzados sem qualquer relevo para a decisão da causa, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, julgando a ação parcialmente procedente, decido:
a)- Condenar a interveniente principal “E. DISTRIBUIÇÃO, S.A.” a pagar à autora a quantia de € 1.072,56 (mil e setenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora a contar da citação;
b)- Absolver a interveniente principal “E. DISTRIBUIÇÃO, S.A.” do demais peticionado;
c)-  Absolver a ré “E. COMERCIAL” de todos os pedidos».
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A autora não se conformou com tal decisão, pelo que dela interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
A.-(...)
B.-(...)
C.-A Decisão Judicial fundou-se em pressupostos factuais erróneos, tendo sido realizada uma ponderação incorrecta da prova documental e testemunhal realizada em sede de audiência de discussão e julgamento.
D.-A Apelante não se conforma com a Matéria de Facto dada como provada porquanto (i) factos que foram dados como provados não correspondem à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo sido feita (ii) a prova de outros factos com interesse para a boa decisão da causa que não foram considerados na mesma sede, motivo pelo qual se interpõem as presentes alegações de Recurso com alteração da matéria de facto.
E.-O Facto xxiv. da Matéria de Facto deve ser alterado no sentido de “em 17.08.2015, a A. constatou que pelo menos 80% (oitenta por cento) das plantas existentes no local se encontravam queimadas” atenta a (i) prova documental junta aos autos no documento com a Petição Inicial (cfr. fls. 31 e ss. dos autos); bem como ao depoimento das testemunhas (ii) NS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604) e (iii) MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604).
F.-O facto constante da alínea b) dos Factos não provados [“a sua irrigação [da planta] no inverno não é necessária, pois que se basta com a água das chuvas, encontrando-se em estado vegetativo ou de dormência”] deve ser aditado à Matéria de Facto por ter resultado provado através do depoimento da testemunha MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604).
G.-O facto constante da alínea d) dos Factos não Provados [“a plantação a que se refere o ponto v.) [plantação de rizomas de Peónias] ocorreu entre Dezembro de 2014 e Janeiro de 2015”] deve ser aditado à Matéria de Facto atenta a prova produzida no depoimento da testemunha MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604).
H.-O facto constante da alínea f) dos Factos não Provados [“a requisição referida no ponto iv.) [ligação de eletricidade] foi feita à ré “E. COMERCIAL” e consistiu na “instalação de eletricidade” no terreno”] resultou provado pelo documento n.º 6 junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls 23 v. dos autos), motivo pelo qual deve ser aditado à Matéria de Facto.
I.-O facto constante da alínea g) dos Factos não Provados [“o formulário da requisição referida no ponto vi) [ligação de eletricidade] dos Factos Provados foi preenchido pelo funcionário da R. J.C.”] resultou provado pelo documento n.º 6 junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls 23 v. dos autos), motivo pelo qual deve ser aditado à Matéria de Facto.
J.-O facto constante da alínea h) dos Factos não Provados [“a R. possui a direcção efectiva da instalação distribuidora de energia eléctrica que fornece à A., tendo consciência da perigosidade associada ao exercício dessa mesma actividade”] resultou provado através de confissão do legal representante da 2.ª Apelada (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604), sendo ainda idêntico ao teor do facto x. da Matéria de Facto, pelo que deve ser integrado nesta.
K.-O facto constante da alínea i) dos Factos não Provados [“verificaram-se picos /sobretensões de cerca de 206 V (Volt) a 257 V (Volt) ou mais, entre Julho e Setembro de 2015, no terreno agrícola sito na Rua J...C..., 9010 RG B..., A-...-C...”] deve ser aditado à Matéria de Facto, por ter sido provado (i) pelo documento n.º 9 junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls. 29 e ss. dos autos); bem como pelo (ii) depoimento da testemunha VB. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604).
L.-O facto constante da alínea k) dos Factos não Provados [“as plantas referidas no ponto xxiv) constituíam cerca de 80% das que foram plantadas, ficaram queimadas em consequência da inoperância do sistema de rega, decorrente do não funcionamento da energia elétrica contratada à R.”] resultou provado por depoimento das testemunhas: (i) VB. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); (ii) AA. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); (iii) NS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); e ainda (iv) MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604), devendo ser aditado à Matéria de Facto.
M.-O facto constante da alínea l) dos Factos não Provados [“o piquete quando efectuou a deslocação a que se refere o art. 43.º da PI, fê-lo “sem concretizar no entanto que tipo de anomalia estava a ocorrer””] resultou provado pelo documento n.º 1 junto aos autos pela 2.ª Apelada no seu Requerimento com a Ref.ª CITIUS n.º 28774739, apresentado em 09.04.2018 (cfr. fls. 155 v dos autos), motivo pelo qual deve ser aditado à Matéria de Facto.
N.-O facto constante da alínea m) dos Factos não Provados [“a existência no local de pico de corrente”] resultou provado por depoimento da testemunha NM. (cfr. fls. 192 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 11.06.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137734246), devendo ser aditado à Matéria de Facto.
O.-O facto constante da alínea o) dos Factos não Provados [“a inoperância do sistema de rega foi consequência dos picos de corrente eléctrica/sobretensões”] resultou provado pelo (i) documento n.º 12 junto aos autos com a Petição Inicial (fls. 33 e ss. dos autos) e pelo (ii) documento n.º 13 junto aos autos com a Petição Inicial (fls. 34 e ss. dos autos), bem como pelo depoimento das testemunhas (iii) VB. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); (iv) AA. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); e (v) JS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604), pelo que deve ser aditado à Matéria de Facto.
P.-O facto constante da alínea p) dos Factos não Provados [“verificados, não apenas consumiram transformadores e estabilizadores de corrente, mas também danificaram a produção existente no local”] resultou provado pelo (i) documento n.º 9 junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls. 29 e ss. dos autos); (ii) documento n.º 11 junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls. 32 e ss. dos autos); (iii) documento n.º 12 junto aos autos com a Petição Inicial (fls. 33 e ss. dos autos); e (iv) documento n.º 13 junto aos autos com a Petição Inicial (fls. 34 e ss. dos autos); bem como pelo depoimento das testemunhas (v) VB. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); (vi) AA. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); (vii) NS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); (viii) MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); e ainda (ix) NM. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604), motivo pelo qual deve ser aditado à Matéria de Facto.
Q.-Relativamente ao facto constante da alínea q) dos Factos não Provados [“o relatório de fls. 32 foi apresentado no dia 22.08.2015”] resultou provado pelos documentos n.ºs 9 e 11 junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls. 29 e ss. e 32 e ss. dos autos) que (i) o relatório de fls. 29 foi apresentado no dia 22.08.2015 e que (ii) o relatório de fls. 32 foi apresentado no dia 16.09.2015, factos que devem ser aditados à Matéria de Facto.
R.-O facto constante da alínea r) dos Factos não Provados [“a reclamação escrita a que se refere o art. 49.º da PI foi apresentada pela autora no dia 11.09.2015”] resultou provado pelo documento n.º 10 junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls. 30 dos autos), sendo o fundamento da prova do mesmo realizada em idênticos termos ao que deu por provado o ponto xxviii. da Matéria de Facto, motivo pelo qual deve ser aditado à Matéria de Facto.
S.-O facto constante da alínea s) dos Factos não Provados [reclamação escrita foi apresentada “na sequência de sucessivos contactos telefónicos junto da R., queixando-se sempre da verificação de picos de corrente”] resultou provado nos exactos termos do facto constante do ponto xxvi. da Matéria de Facto, bem como por (i) documento junto aos autos na Petição Inicial (cfr. fls. 31 e ss dos autos), e ainda por depoimento das testemunhas: (ii) MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604) e (iii) CR. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604), bem como pelo (iv) depoimento realizado aquando do Depoimento de Parte do Legal Representante de 1.ª Ré, LG. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604), devendo ser aditado à Matéria de Facto.
T.-O facto constante da alínea t) dos Factos não Provados [“devido à danificação por diversas vezes dos equipamentos electrónicos, com consequente queima da plantação de Peónias, a A. deixou de poder, exercer a sua actividade de plantação e colheita das plantas”] resultou provado por depoimento das testemunhas (i) AA. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); (ii) NS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); e ainda (iii) MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604), devendo ser aditado à Matéria de Facto.
U.-O facto constante da alínea u) dos Factos não Provados [“em consequência a A. perdeu 80% da sua produção do ano de 2015 e 2016, num total de 4.327 rizomas, ou seja, assumindo um custo de € 12.311,58”] resultou provado por depoimento das testemunhas (i) NS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); e ainda (ii) MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604), motivo pelo qual deve ser aditado à Matéria de Facto.
V.-O facto constante da alínea v) dos Factos não Provados [ao custo mencionado na alínea u) “acresce um custo de mão-de-obra desperdiçada na plantação de € 1.450,00”] resultou provado pelo documento n.º 15 junto aos autos com a Petição Inicial da Autora (cfr. fls. 36 e ss. dos autos), pelo que deve ser aditado à Matéria de Facto.
W.-O facto constante da alínea x) dos Factos não Provados [“um rizoma produz em média 3 flores no primeiro ano e 5 flores no segundo, possuindo a Peónia um valor de mercado aproximado de € 3,00”] resultou provado por (i) documento junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls. 31 e ss. dos autos), bem como por (ii) depoimento da testemunha MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604).
X.-A Apelada incumpriu o contrato de fornecimento de eletricidade, em termos da qualidade do serviço e do dever de informação a que se encontrava obrigada pelo que é responsável pelo incumprimento das referidas obrigações que não cumpriu pontualmente – cfr. os arts. 406.º, n.º 1 e 798.º do Código Civil.
Y.-Em sede de responsabilidade contratual, a culpa é presumida, consoante é sublinhado pelos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.09.2014 (Relator: António Martins), de 26 de Novembro de 2009 (Relator: Fátima Galante), e de 25 de junho de 2009 (Relator: Rosário Gonçalves) – cfr. o art. 799.º, n.º 1 do Código Civil.
Z.-Do contrato de fornecimento celebrado, bem como da aplicação do Regulamento da Qualidade de Serviço do Setor Elétrico, ex vi o art. 2.º n.º 1, al. a) e n.º 2, al. g), do Manual de Procedimento da Qualidade de Serviço Elétrico, ambos da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos e as Diretivas da ERSE n.º 20/2013 n.º 21/2013, resulta a obrigação da 1.ª Apelada de observar os parâmetros gerais e individuais de qualidade de serviço – arts 4.º, n.º 1, e 19.º do RQS – consagrando este último a obrigação da 1.ª Apelada obedecer a elevados padrões de qualidade – arts 7.º do RQS.
AA.-As instalações da Apelante encontram-se inseridas na zona de qualificação A – cfr. o disposto no Procedimento n.º 1 do MPQS – devendo as características da onda de tensão de alimentação nos pontos de entrega (PdE) de baixa tensão (BT) respeitar o disposto na norma NP EN 50160 – cfr. o art. 26.º, n.º 3, al. b), do RQS – o que não se verificou.
BB.-A 1.ª Apelada violou, ainda, os parâmetros de qualidade de serviço, o que corresponde a sucessivo incumprimento das obrigações emergentes do contrato de fornecimento de eletricidade, presumindo-se ainda a conduta da 1.ª Apelada culposa em sede extraobrigacional – cfr. o art. 493.º, n.º 2, do Código Civil.
CC.-A indemnização peticionada pela Apelante abrange os danos emergentes e lucros cessantes que se hajam verificado na sua esfera jurídica – cfr. os arts. 562.º e 564.º, n.º 1, do Código Civil.
DD.-A 2.ª Apelada, ao ser admitida como interveniente principal, interveio na causa enquanto associada da 1.ª Apelada, sendo-lhe aplicável o peticionado em sede de Petição Inicial contra esta, devendo ser responsabilizada pelos danos causados à Apelante.
EE.-A 2.ª Apelada é também responsável por aplicação do disposto no art. 493.º, n.º 2, do Código Civil, em sede de culpa presumida, conforme ensinamento de ANTUNES VARELA e entendimento jurisprudencial – cfr. ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.02.2008 (RELATOR: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO), e porquanto a presunção referida não foi por esta ilidida.
FF.-A 2.ª Apelada é responsável pelo risco, porquanto “a distribuição e entrega de energia eléctrica e gás envolvem riscos específicos, justificando assim o seu tratamento através da responsabilidade pelo risco” (cfr. tese advogada por MENEZES LEITÃO), sem que fosse demonstrado por esta R. que a instalação elétrica se encontrava em perfeito estado de conservação, muito menos que houvessem sido observadas as regras técnicas em vigor.
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A ré E. COMERCIAL apresentou extensas contra-alegações, compostas por 337 artigos, as quais culminou com prolixas (para dizer o mínimo) conclusões, as quais, na verdade, de conclusões nada têm, compostas nada mais, nada menos, do que por 220 (duzentos e vinte) artigos, pugnando pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
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A interveniente E. DISTRIBUIÇÃO apresentou também contra-alegações, pugnando igualmente para que a apelação seja julgada improcedente, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
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Foi proferido ao acórdão de fls. 327-365, datado de 22 de janeiro de 2019 que, não conhecendo imediatamente do objeto do recurso, determinou a devolução dos autos à 1.ª instância para devida motivação da decisão sobre a matéria de facto.
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Devolvidos os autos à 1.ª instância, o juiz a quo proferiu a decisão de fls. 374378, datada de 23 de abril de 2019.
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II–ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação, aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Isto, sem embargo das questões de que o tribunal ad quempossa ou deva conhecer ex officio.
No caso concreto, uma vez que a decisão sobre a matéria de facto não se encontra devidamente fundamentada, esta Relação vai, mesmo oficiosamente, pelas razões que adiante se explanarão, determinar o reenvio do processo ao tribunal de 1.ª instância, para devida fundamentação, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. d), do C.P.C.
***

III–FUNDAMENTOS:
3.1–Fundamentos de facto:
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1.- A A. decidiu desenvolver a atividade de plantação e colheita de plantas, em particular de Peónias, solicitando para o efeito o apoio do IFAP em 18-06-2014, o que resultou na obtenção de um subsídio para esse efeito.
2.- A atividade da A. é exercida na Rua _____, num terreno agrícola afeto a reserva especial agrícola, apenas apto ao cultivo, e no qual não existe qualquer construção edificada
3.- No âmbito da sua atividade a A. comprou à _____, empresa holandesa, em 13.10.2014, 5.165 rizomas de Peónias (500 peónias “Duchesse de Nemours”, 1110 peónias “Gardénia”, 885 peónias “Henry Bockstoce”, 1000 peónias “Kansas”, 70 peónias “Laura Dessert”, 1200 peónias “Sarah Bernhardt” e 400 peónias “Sorbet”), rizomas de uma evolução de 3/5 olhos;
4.-Num valor total de € 14.691,50, os quais foram pagos pela A. ao seu fornecedor.
5.-A autora plantou rizomas de Peónia no terreno agrícola referido no ponto 2.
6.-Para que as plantas pudessem ser devidamente irrigadas no terreno agrícola referido no ponto 2., durante o tempo seco (época do Verão) a A. requisitou à “E. DISTRIBUIÇÃO”, em 20-05-2015, uma ligação de eletricidade (Baixa Tensão) para o mesmo terreno, sob o pedido “outras alimentações”, realizado em formulário da “E. DISTRIBUIÇÃO”, com tensão de fornecimento 230/400 e potência requisitada de 20,7 kVA.
7.-A 30-06-2015, a A. e R. celebraram entre si contrato pré-elaborado pela R., denominado de “Contrato de Fornecimento de Eletricidade”.
8.-Por essa via, a R. obrigou-se a fornecer à A. energia elétrica, CPE PT 0002000120481871BP, com potência contratada de 20,7 kVA, em baixa tensão, com discriminação horária simples, sem ciclo horário no terreno agrícola sito na Rua _____, mediante o pagamento de um preço.
9.-Em conformidade com os parâmetros gerais e individuais de qualidade de serviço, nomeadamente os relativos às características ou à qualidade da onda de tensão de alimentação.
10.-A “E. DISTRIBUIÇÃO” possui a direção efetiva da instalação distribuidora de energia elétrica que fornece à A., tendo consciência da perigosidade associada ao exercício dessa mesma atividade.
11.-Não foi prestada qualquer informação ou esclarecimento pela R. à A. a respeito de qualquer outro enunciado contratual, nomeadamente a respeito de responsabilidade contratual da R..
12.-A R. não avisou igualmente a A. de que na zona das suas instalações ocorreriam com frequência sobretensões e picos de corrente.
13.-Em particular, a R. não informou A. a respeito da existência, passada, presente ou futura de quaisquer picos ou sobretensões de energia elétrica, nem, sequer da sua possível continuação.
14.-Em 16-07-2015, a A. implementou em cerca de um hectare do local de fornecimento, bombas de rega e um sistema de rega das plantas gota a gota (electrobomba de pressurização, com programação através de controlador “Hunter” 24v/501Hz, intercalado com um transformador de 230/24v, de 15VA).
15.-O sistema de rega implementado ficou em funcionamento com a energia fornecida pela R., com relógio orientado para duas regas diárias, uma diurna (no início da manhã) e outra noturna.
16.-No dia 17-07-2015, o sistema de rega não arrancou de manhã.
17.-O mesmo transformador foi substituído no dia seguinte, 18-07-2015, sendo o respetivo custo suportado pela A..
18.-Em 22-07-2015 o técnico de rega contratado pela A. verificou que o transformador estava novamente queimado.
19.-O transformador foi substituído, pela segunda vez, no mesmo dia, 22-07-2015, sendo o custo igualmente suportado pela A..
20.-Em 25-07-2015, a A. detetou que o sistema elétrico se encontrava novamente queimado.
21.-O transformador foi substituído no mesmo dia 25-07-2015, sendo o custo suportado pela A..
22.-Em 01-08-2015, a A. mandou instalar um estabilizador de corrente e um novo transformador, sendo o custo suportado por si;
23.-Em 14-08-2015 o transformador e o estabilizador de correntes instalados no dia 01-08-2015 encontravam-se avariados.
24.-Em 17-08-2015, a A. constatou que uma parte não apurada das plantas existentes no local se encontrava queimada
25.-Nesse mesmo dia, a A. ligou para a R. e exigiu a presença de piquete, o qual, já no local, confirmou a existência de anomalia nas ligações elétricas.
26.-A A. apresentou junto da R. as reclamações telefónicas n.º 8005762794 e n.º 501409105080, relativas aos danos sofridos em consequência do não fornecimento adequado de energia elétrica pela R., sendo estas gravadas e registadas pela R..
27.-A sociedade “ASR” elaborou relatório a respeito dos factos ocorridos, no qual se refere: «É urgente pedir responsabilidades à E., S.A., a rega pouco se efetuou, o que se pode ver pelo estado das plantas. Não se pode apurar com exatidão os dias das avarias, porque os citados correspondem às deslocações à herdade.] e é apresentando como custo a quantia de € 552,00 + I.V.A.
28.-A mãe da A. apresentou Reclamação Escrita perante a R., na qual foram comunicados danos de € 18.875,00, relativos a 80% dos rizomas, no valor de € 11.753,00, prejuízo de flores não nascidas, no valor de € 5.000,00, peças e deslocações, no valor de € 652,00, e mão-de-obra na plantação, no valor de € 1.470,00;
29.-No dia 09.09.2015 foi efetuada nova revisão do sistema de rega automático, encontrando-se queimado o transformador monofásico “Hunter” XC8 e o transformador monofásico 260/24v, importando um custo adicional de € 320,00 + I.V.A., suportado pela A., sendo tal relatório comunicado à A. em 16-09-2015;
30.-A A. apresentou nova reclamação telefónica junto da R., registada pelos seus serviços.
31.-O piquete da R. deslocou-se ao local no dia 17-09-2015, detetando que um dos cabos elétricos exteriores à plantação e pertencentes à rede de abastecimento de energia elétrica da responsabilidade da R. se encontrava descarnado (cabo de alimentação elétrica exterior, colocado entre postes de madeira/betão existente na via pública).
32.-À comunicação da A. de 11-09-2015 respondeu a interveniente principal através de missiva datada de 22-10-2015, comunicando o encaminhamento do processo para a UONC, e que iria proceder à regularização dos danos em equipamentos elétricos.
33.-Sendo assumido pela interveniente principal, através da UONC por missiva datada de 25-11-2015, o pagamento de € 527,00 a respeito de programadores de rega (€ 190,00), transformadores (€ 129,00) e estabilizador de corrente (€ 208,00), e, por missiva datada de 09.12.2015, o pagamento de € 545,56 a respeito de deslocações (€ 424,35), programadores de rega (€ 43,70), transformadores (29,67) e estabilizador de corrente (47,84).
34.-Os custos suportados pela A. com reparações e transformadores queimados e estabilizador de corrente totalizaram a quantia de € 1.072,56, sendo suportados por aquela.
A sentença recorrida considerou não provados os seguintes factos:
a)-Em tempo seco, a planta deve ser irrigada, no mínimo, duas vezes por dia, em condições de muito calor, de forma a evitar que a terra fique seca.
b)-A sua irrigação no inverno não é necessária, pois que se basta com a água das chuvas, encontrando-se em estado vegetativo ou de dormência.
c)-A Peónia é de crescimento lento, sendo necessário observar um período de dois anos para lograr o seu desenvolvimento completo.
d)-A plantação a que se refere o ponto 5. ocorreu entre Dezembro de 2014 e Janeiro de 2015.
e)-As plantas foram irrigadas pelas águas pluviais no inverno e primavera de 2014/2015, já apresentando flor em Maio/ Junho de 2015.
f)-A requisição referida no ponto 6. foi feita à ré “E. COMERCIAL” e consistiu na “instalação de eletricidade” no terreno.
g)-O formulário da requisição referida no ponto 6. dos Factos Provados foi preenchido pelo funcionário da R. J.C..
h)-A R. possui a direção efetiva da instalação distribuidora de energia elétrica que fornece à A., tendo consciência da perigosidade associada ao exercício dessa mesma atividade.
i)-Verificaram-se picos de energia/sobretensões de cerca de 206 V (Volt) a 257 V (Volt) ou mais, entre Julho e Setembro de 2015, no terreno agrícola sito na Rua _____;
j)-Ou seja, picos de energia/sobretensões correspondentes a mais de dez vezes a potência contratada pela A. à R.
k)-As plantas referidas no ponto 24. constituíram cerca de 80% das que foram plantadas, ficaram queimadas em consequência da inoperância do sistema de rega, decorrente do não funcionamento da energia elétrica contratada à R.
l)-O piquete quando efetuou a deslocação a que se refere o art.º 43.º da pi, fê-lo “sem concretizar no entanto que tipo de anomalia estava a ocorrer”;
m)-Registando a existência no local de pico de corrente.
n)-Sem que qualquer ação fosse tomada pela R. no mesmo âmbito.
o)-A inoperância do sistema de rega foi consequência dos picos de corrente elétrica/sobretensões verificados:
p)-(...) que não apenas consumiram transformadores e estabilizadores de corrente, mas também danificaram a produção existente no local.
q)-O relatório de fls. 32 foi apresentado no dia 22-08-2015.
r)-A Reclamação Escrita a que se refere o art.º 49º da PI foi apresentada pela autora [provou-se que foi apresentada pela mãe] no dia 11-09-2015.
s)-Na sequência de sucessivos contactos telefónicos junto da R., queixando-se sempre da verificação de picos de corrente.
t)-Devido à danificação por diversas vezes dos equipamentos eletrónicos, com consequente queima da plantação de Peónias, a A. deixou de poder, exercer a sua atividade de plantação e colheita das plantas.
u)-Em consequência a A. perdeu 80% da sua produção do ano de 2015 e 2016, num total de 4.327 rizomas, ou seja, assumindo um custo de € 12.311,58.
v)-(...) a que acresce um custo de mão-de-obra desperdiçada na plantação de € 1.450,00
w)-A Peónia é uma planta originária da Ásia, Sul da Europa e Oeste da América do Norte, resistente e perene, com floração na primavera.
x)-Um rizoma produz em média 3 flores no primeiro ano e 5 flores no segundo ano, possuindo a Peónia um valor de mercado aproximado de € 3,00.
y)-Pois que sobreviveram na plantação apenas 838 rizomas suscetíveis de ser comercializados.
z)-Suportando a A. um prejuízo total de € 104.920,57.
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3.2–Do mérito do recurso:
3.2.1–Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
3.2.1.1–Quanto ao ponto de facto 24:
O tribunal a quo considerou provado que «em 17-08-2015, a A. constatou que uma parte não apurada das plantas existentes no local se encontrava queimada.»

Não é, salvo o devido respeito, adequada a técnica processual utilizada pelo juiz a quo na enunciação deste ponto de facto.
Conforme bem salienta Tomé Gomes, «o teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, sendo de banir dizeres como provado apenas que “a testemunha... viu o réu a entrar na casa do autor” ou, no caso em se discuta a origem de um incêndio, provado apenas que “os bombeiros verificaram não existir no local sinais do foco de incêndio”.
Estas referências aos meios de prova, quando muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
Nessa linha, o que se requer é que o julgador assuma uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas. Por exemplo, se o que está em causa é apurar a origem de um incêndio, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto para tal alegado está ou não provado, sendo que a verificação pelos bombeiros de não existir sinais do foco de incêndio é apenas um dos meios de prova nesse sentido. Igualmente, se o que está em discussão é indagar sobre a vontade real, expressa ou tácita, manifestada num contrato escrito, o que tem de ser decidido é se está ou não provada a alegada vontade real, pelo que, muitas vezes, o dar como provado apenas o que consta do documento se traduz numa forma evasiva de julgar aquela questão.»[1].
Assim, o juiz a quo, em vez de dar como provado que «(...) a A. constatou (...)», deveria, antes, ter assumido uma posição clara sobre o julgamento de facto, fazendo refletir na decisão sobre a matéria de facto a real situação que se lhe deparou uma vez produzida a prova, em vez de decidir daquela forma evasiva.
Na mesma senda, lavrando no mesmo equívoco, a apelante considera que deveria ter sido considerado provado que «em 17-08-2015, a A. constatou que pelo menos 80% (oitenta por cento) das plantas existentes no local se encontrava queimada.»
Ora, nem os concretos meios probatórios especificados pela apelante, nem quaisquer outros, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, permitem quantificar percentualmente a quantidade de plantas existentes no local que em 17-08-2015 se encontrava queimada.
O documento de fls. 31 trata-se de uma reclamação dirigida à «E., S.A., S.A.», cuja data se desconhece, subscrita por MN, mãe da autora/apelante, sem qualquer substrato técnico ou cientificado, e onde, além do mais, a respetiva subscritora se limita a afirmar que «o valor que queremos ser ressarcidos são prejuízos diretos causados pelo péssimo funcionamento do vosso serviço.
80% das rizomas                        11.753 €».

Por outro lado, dos depoimentos das testemunhas NF (conhece a apelante de alguns trabalhos de limpeza que realizou em terrenos desta) e MN (é mãe da apelante), não resultou demonstrada a quantificação percentual da quantidade de plantas existentes no local que em 17-08-2015 se encontrava queimada.
A testemunha MN limitou-se a tentar justificar a razão pela qual, no mencionado documento, fez constar aquela percentagem de rizomas, que afirmou encontrarem-se queimadas.
Pelas razões referidas pelo juiz a quo na decisão proferida a fls. 374-378, comprovadas pela audição do seu depoimento, assim como pelo teor do documento de fls. 31, é evidente o interesse da testemunha MN, mãe da autora/apelante no desfecho da causa, ao ponto de, por vezes, se expressar na terceira pessoa do plural. O seu depoimento não foi, pelas razões apontadas naquela decisão, isento, antes se afigurando parcial e carecido de idoneidade e credibilidade, face, não apenas ao seu relacionamento parental com a autora/apelante, o que, obviamente, não lhe permitiu ser equidistante em relação às partes, mas também ao interesse de que pareceu dar mostras quanto ao objeto do processo e aos interesses em jogo.
Alem disso, sendo a testemunha MN promotora imobiliária, o seu depoimento não assentou em qualquer base de cariz técnico, revelando-se amiúde destituído de rigor e carecido de precisão.
Por isso, o ponto de facto XXIV passará a ter a seguinte redação:
«Em 17-08-2015 uma parte não apurada das plantas existentes no local encontrava-se queimada.»
(...)
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3.2.1–Do enquadramento jurídico:

A presente ação é intentada contra E. COMERCIAL, S.A., e nela a autora pede a condenação daquela a pagar-lhe a uma indemnização no montante global de € 104.920,57, acrescida de juros de mora contados desde a citação, sendo:
- «€ 14.834,15 a título de danos emergentes suportados pela A. em virtude do incumprimento pela R. dos seus deveres de prestação e, em cúmulo, de verificação de responsabilidade civil-obrigacional»:
- «€ 90.086,42 a título de lucros cessantes, suportados pela A. em virtude do incumprimento pela R. dos seus deveres de prestação e, em cúmulo, de verificação de responsabilidade civil-extraobrigacional».
Começa por fundamentar a sua pretensão no instituto da responsabilidade contratual, alegando que a ré cumpriu defeituosamente o contrato que consigo celebrou no dia 30 de junho de 2015, denominado «Contrato de Fornecimento de Electricidade», pelo qual se obrigou a fornecer-lhe «energia eléctrica (...) com a potência contratada de 20,7 kVA, em baixa tensão, com discriminação horária simples, sem ciclo horário no terreno agrícola sito na Rua _____, mediante o pagamento de um preço.»
No entanto, afirma ainda a autora que, «para mais, a responsabilidade civil da R. perante a A. resulta ainda do disposto no art. 493.º, n.º 2, do Código Civil, presumindo-se a conduta da R. culposa, sendo a indemnização peticionada, atendo o disposto nos arts. 562.º e 564.º, n.º 1, do Código Civil, com abrangência de danos emergentes e lucros cessantes que se hajam verificado na esfera jurídica da A.»
Importa começar por esclarecer esta questão, que respeita ao concurso ou concorrência da responsabilidade civil contratual e da extracontratual, até para que melhor se compreenda o que a seguir se irá discorrer.
Conforme refere Vaz Serra, «o contrato não priva as partes da protecção geral, pois pela celebração de um negócio jurídico não se renuncia à defesa que se teria independentemente dele», antes «não sendo de presumir que, com o contrato, se tenha querido afastar a responsabilidade delitual, principalmente quando os contraentes teriam dificuldade em prever a possibilidade do dano.»
«(…).»
«Com a celebração do contrato, os direitos do credor são reforçados e não limitados» (…) «Se a existência de um contrato estabelece entre as partes mútuos deveres de protecção, mais intensos do que em relação a terceiros, não se justifica que a tutela do credor seja inferior à destes.»[2].
Trata-se, como esclarece Almeida Costa, «de um concurso aparente das duas modalidades da responsabilidade civil», estando em causa um concurso aparente das duas modalidades de responsabilidade civil.»[3].
Conforme nos revela o mesmo Autor, tem sido muito discutido o problema da equação «do concurso de ambas as espécies de ilícito civil. As diversas orientações dividem-se em dois grupos: os denominados sistemas do cúmulo e sistema do não cúmulo.
Dentro do primeiro cabem três perspectivas: a de o lesado se socorrer, numa única acção, das normas da responsabilidade contratual e extracontratual, amparando-se nas que entenda mais favorável; a de conceder-se-lhe opção entre os procedimentos fundados apenas numa ou noutra dessas responsabilidades; e a de admitir, em acções autónomas, ao lado da responsabilidade contratual, a responsabilidade extracontratual. Pelo contrário, o sistema que exclui o cúmulo, consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual, em decorrência de um princípio de consunção.
A lei omitiu preceito expresso que decidisse a controvérsia. Portanto, terá de procurar-se a solução que, no seu quadro, se apresente mais adequada ponderando, sobretudo, os interesses e valores contrapostos.
Recordemos que o Código Civil vigente consagra regimes sem diferenças essenciais para a responsabilidade contratual e a extracontratual. Também advertiu que as poucas especificidades de cada um deles permitem concluir que a disciplina da primeira, globalmente encarada, confere maior protecção ao lesado. (...).»
Afasta-se, naturalmente, a possibilidade de uma dupla indemnização, em correspondência a essas duas espécies de ilícito civil. Por outras palavras: havendo um só dano, resultante de um único facto, nada justifica a duplicação de acções ou concorrência de pretensões.
Também parece inaceitável o sistema da acção híbrida. Afigura-se substancialmente injusto que o lesado beneficie das normas que considere mais favoráveis da responsabilidade contratual e da extracontratual, afastando as que nos respectivos sistemas - estabelecidas em paralelo e que com elas formam conjuntos orgânicos - repute desvantajosas. Por exemplo, prevalecer-se do ónus da prova que impende sobre o devedor na responsabilidade contratual (art. 799.º, n.º 1) e, ao mesmo tempo, do regime da solidariedade passiva, caso haja vários responsáveis, que vigora para a responsabilidade extracontratual (arts. 497.º e 507.º). Existiria ainda certo melindre quanto à determinação do foro competente: se o próprio da responsabilidade contratual ou o da extracontratual.
Não menos insatisfatória se revela a teoria da opção. Ela equivale a deixar-se ao lesado a escolha de uma acção baseada no ilícito contratual ou no ilícito extracontratual. É que, além do resto, a questão se analisa no que pode considerar-se um concurso legal ou aparente, em que dois regimes têm campos de aplicação próprios.
Infere-se do exposto que se adere à ideia da exclusão do cúmulo. Se, de um vínculo negocial, resultam danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual. A mesma directriz se impõe quando o facto que produz a violação do negócio – ou melhor, da relação que dele deriva – simultaneamente preenche os requisitos da responsabilidade aquiliana. Esta solução mostra-se correcta no plano sistemático e no da justiça material.
Como se referiu, as hipóteses de concurso da responsabilidade contratual e da extracontratual, aqui abordadas, reconduzem-se à figura do aparente, legal ou de normas, Quer dizer, trata-se de situações em que só “aparentemente” se pode falar de um concurso, já que nos deparamos com uma única conduta ilícita, a merecer, portanto, uma só indemnização. A essência do problema reside, assim, na solução do conflito positivo regimes, que decorre da circunstância de uma mesma factualidade ser simultaneamente subsumível à responsabilidade contratual e à extracontratual. O critério terá, pois, de assentar num ponto de vista teleológico, que atenda ao juízo de valor e à função que subjazem àquelas duas figuras.
A responsabilidade aquiliana intervém se o dano resulta da violação de um dever geral de conduta, ao passo que a responsabilidade contratual apenas actua quando se verifica a violação de um crédito. Cada uma possui esfera particular ou autónoma de actuação, pelo que se encontram numa relação de especialidade. Outras razões levam, contudo, à da subordinação exclusiva dos casos considerados às regras da responsabilidade contratual.
Nas hipóteses de concurso das duas variantes da responsabilidade civil há-de convir-se que qualquer delas, a funcionar isoladamente, esgotaria a protecção que a ordem jurídica pretende dispensar a casos desse tipo. A integração de tais hipóteses num esquema ou no outro - e que equivale à correspondente qualificação como ilícito contratual ou extracontratual - depende, portanto, da perspectiva geral que preside à regulamentação do direito das obrigações.
Ora, neste âmbito, impera, como não se ignora, o princípio da autonomia privada, segundo o qual compete às partes lixar a disciplina que deve reger as suas relações, com ressalva dos preceitos imperativos. Assim, parece que, perante uma situação concreta, sendo aplicáveis paralelamente as duas espécies de responsabilidade civil, de harmonia com o assinalado princípio da autonomia privada, o facto tenha, em primeira de considerar-se ilícito contratual. Se a responsabilidade foi disciplinada por negócio jurídico apresenta-se como contratual, posto que, na falta dele, existisse responsabilidade extracontratual. (...).
Sintetizando: de um prisma dogmático, o regime da responsabilidade contratual «consome» o da extracontratual. Nisto se traduz o princípio da consunção.
Saliente-se, por outro lado, o aspecto decisivo de que o caminho preconizado, além de uma adequação conceitual, dá plena satisfação aos interesses do lesado. Não se esqueça, na verdade, a ideia de relação obrigacional complexa, concebida como um todo e um processo dirigidos à tutela dos interesses globais das partes nela envolvidos. Aí se encontram, não só deveres de prestação, mas também deveres acessórios e laterais, que incluem deveres de protecção e cuidado para com a pessoa e o património dos intervenientes. Observe-se, ainda, que o devedor se encontra obrigado ao que expressamente convencionou e ao que resulta dos ditames da boa fé.
Em idêntico sentido, postula o instituto do cumprimento defeituoso ou imperfeito, designadamente quanto à cobertura dos danos relativos à vida, à integridade física e ao património do credor. O cálculo da indemnização é feito nos mesmos termos básicos para as duas espécies de responsabilidade civil. E, inclusive, podem apurar-se e compensar-se danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual.
A posição adoptada acautela devidamente todos os interesses atendíveis do lesado, sem sacrifício injusto da posição do responsável: mostra-se correcta no plano da justiça material e também encarada de um ângulo sistemático. Só não se aplicará em face de preceito contrário da lei.
Esta terá de ser a regra. O que não invalida que, diante de situações concretas, se lhe introduzam possíveis desvios, em homenagem à solução substancialmente mais justa. Estar-se-á, então, perante casos de consunção impura[4].
Concordamos com este entendimento, que é também o sufragado no Ac. da R.L. de 07.02.2012, Proc. n.º 512/10.8TCFUN.L1-2, e do S.T.J. de 05.08.2003, Proc. n.º 03B1021[5], ambos in www.dgsi.pt..
Assim, pois, tal como a autora estrutura a petição inicial com que introduziu em juízo a presente ação, nestes autos discute-se “apenas” uma situação de responsabilidade contratual da ré em consequência do alegado incumprimento defeituoso, por esta, do contrato com aquela celebrado e acima melhor identificado.
Tudo isto para nos transportarmos a um outro campo que importa tratar com vista à delimitação das responsabilidades da ré e da interveniente.
Como já se viu, a ré contestou, alegado, além do mais, que face ao objeto da lide, tal como a autora o configura na petição inicial, à luz do pedido formulado e da causa de pedir que lhe subjaz, não é responsável pelos prejuízos alegados pela autora.
A E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., é a entidade para a qual poderão advir prejuízos em caso de prejuízos em caso de procedência da ação.
Por isso, na contestação, deduziu o incidente de intervenção principal provocada da E. DISTRIBUIÇÃO, S.A..
Por decisão de fls. 79, datada de 22 de setembro de 2016, o tribunal a quo[6] julgou procedente o incidente de intervenção principal provocada da sociedade E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., admitindo-a a intervir nos autos como associado da ré.
Não estavam, no entanto, reunidos os pressupostos de que a lei faz depender o deferimento de tal incidente.

Dispõe o art. 316.º do C.P.C.:
1- Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2- Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3- O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a)- Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b)- Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.

O contrato cujo cumprimento defeituoso foi alegado pela autora foi celebrado entre esta e a ré E. COMERCIAL, S.A..
A E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., pessoa jurídica diferente da E. COMERCIAL, S.A., não é parte naquele contrato, não estabeleceu qualquer relação contratual com a autora, logo, não pode ser responsabilizada pela esta em consequência do cumprimento defeituoso de um contrato que não celebrou, no qual não é parte.
Logo, não era lícito à ré E. COMERCIAL, S.A., deduzir o incidente de intervenção principal provocada nos termos em que o fez.
Como se sabe, a intervenção dos vários interessados na relação controvertida pode resultar necessária (litisconsórcio necessário) por três vias a que correspondem as suas modalidades de:
- Litisconsórcio necessário convencional.
- Litisconsórcio necessário legal;
- Litisconsórcio necessário natural.
Não ocorre qualquer situação de litisconsórcio necessário convencional.
O litisconsórcio necessário legal é o que tem lugar por imposição de norma legal. Não há, no caso concreto, qualquer norma legal que o imponha.
É natural o litisconsórcio que resulta de, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos os interessados ser necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. E a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado. Não estamos, outrossim, perante uma situação de litisconsórcio necessário.
No que ao n.º 3 do transcrito artigo diz respeito, esclarece Salvador da Costa que o preceito prevê «(...) os casos em que o réu pode requerer o chamamento, e estatui que tal lhe é facultado quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida - alínea a) - ou pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor - alínea b).
Este normativo veicula uma mera especialidade de procedimento em relação ao regime geral do incidente de intervenção principal, cuja motivação deriva do facto de se tratar de intervenção passiva suscitada pelo réu, substitutiva do antigo incidente de chamamento à demanda.
Entra no processo, como réu, ao lado do réu primitivo, um dos sujeitos passivos da relação jurídica material controvertida que à ação serve de causa de pedir. O referido interesse do chamante é suscetível de se consubstanciar, por exemplo, na defesa conjunta, no acautelamento do direito de regresso ou de subrogação legal ou na formação de caso julgado contra o chamado.
Não é titular do referido interesse, por exemplo, o devedor principal demandado pelo respetivo credor que pretenda chamar a intervir a seu lado um simples garante do cumprimento da obrigação, por exemplo, o fiador.
A alínea a) deste artigo está em conexão com o disposto no n.º 1 do artigo 641º do CC, segundo o qual o credor, ainda que o fiador goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só a ele, e este, ainda que não goze desse benefício, pode chamar o devedor principal a intervir a seu lado, para com ele se defender ou ser conjuntamente condenado, sendo que, não havendo declaração expressa em contrário no processo, a falta de chamamento do devedor principal para intervenção implica a renúncia ao benefício de excussão.
(...)
A alínea b) deste artigo estabelece que o réu pode provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor. Trata-se de situações em que o autor demanda o réu a fim de realizar determinado direito, por exemplo de crédito, mas apenas é dele contitular.
O réu deve articular no instrumento de contestação, ou na petição autónoma a que se fez referência, os factos em que funda a solidariedade ou a comunicabilidade, a fim de o chamado poder tomar posição definida sobre eles.
Com efeito, como já dito, o requerente deve indicar os factos reveladores da legitimidade da intervenção, a apreciar em função da relação jurídica controvertida, tal como o autor a expressou na petição inicial.»[7].
Ainda segundo o mesmo Autor, a «intervenção provocada passiva suscitada pelo réu abrange os casos em que a obrigação comporte uma pluralidade de devedores ou em que existam garantes da obrigação a que a causa principal se reporte, sob condição de o réu ter algum interesse atendível em os chamar a intervir, com vista à defesa conjunta ou a acautelar eventual o eventual direito de regresso ou de sub-rogação que lhe assista contra eles.
(...)
Como o subempreiteiro não é parte na relação obrigacional estabelecida entre o dono da obra e o empreiteiro, este não o pode chamar a intervir a ir a título principal na ação intentada contra ele pelo dono da obra a exigir os defeitos da construção do prédio»[8].
Como nesta ação a E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., não é parte na relação obrigacional estabelecida entre a autora e a E. COMERCIAL, S.A., esta não poderia chamar a intervir a título na nestes autos.
A E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., foi um terceiro auxiliar da E. COMERCIAL, S.A., no cumprimento, ou seja, na execução da obrigação a que esta se vinculou perante a autora (art. 800.º, n.º 1, do C.C.).
A situação sub judice teria evidente enquadramento, isso sim, no âmbito do incidente de intervenção acessória provocada previsto no art. 321.º, do C.P.C..
Vem tudo isto para dizer que, no caso concreto, não obstante o deferimento do incidente de intervenção principal provocada da E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., esta é insuscetível de ser responsabilizada perante a autora/apelante pelo cumprimento defeituoso de um contrato que não celebrou, de um contrato em que foi parte, de um contrato que tem como únicos sujeitos a autora/apelante e a E. COMERCIAL, S.A..
Isto, evidentemente, sem prejuízo de não poder ser alterada a decisão de condenação da apelada E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., no pagamento à autora da quantia de € 1.072,56, acrescida de juros de mora contados desde a citação, por via da proibição da reformatio in pejus consagrada no era. 635.º, n.º 5, do C.P.C., pois que aquela sociedade não recorreu subordinadamente daquela decisão, tal como lhe era permitido nos termos do art. 633.º, n.ºs 1, 2 e 5, do mesmo código.
Posto isto, vejamos se a ré/apelada E. COMERCIAL, S.A., deve ser condenada a indemnizar a autora/apelante, em consequência do alegado cumprimento defeituoso, por aquela, do contrato entre ambas celebrado no dia 30 de junho de 2015, denominado «Contrato de Fornecimento de Electricidade», tendo por objeto o fornecimento de energia eléctrica (...) com a potência contratada de 20,7 kVA, em baixa tensão, com discriminação horária simples, sem ciclo horário no terreno agrícola sito na Rua _____.
Tal como resulta do art. 798.º do Código Civil, a responsabilidade obrigacional tem pressupostos semelhantes aos da responsabilidade delitual, sendo que o facto ilícito corresponde neste caso, não à violação de um dever genérico de respeito, mas antes à violação de uma obrigação, através da não execução pelo devedor da prestação a que estava obrigado.
No entanto, essa não execução da prestação debitória tem ainda que ser imputada ao devedor, acrescendo assim à ilicitude o requisito da culpa, como pressuposto da responsabilidade obrigacional.
Como sucede em toda a responsabilidade civil, não há constituição da obrigação de indemnização se não se verificar um dano.
Exige-se assim que o credor tenha sofrido prejuízos em virtude da não realização da prestação a que o devedor se tenha vinculado.
É necessário, finalmente, que os danos sofridos pelo credor tenham sido consequência da falta de cumprimento por parte do devedor, exigindo-se desta forma, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Daí que se deva considerar que são reduzidas as diferenças entre a responsabilidade obrigacional e a responsabilidade delitual, uma vez que entre ambas existe uma única fonte: a responsabilidade civil.
Sendo assim comuns os pressupostos da responsabilidade delitual e obrigacional, sucede, porém, que vigoram regras diferentes para a prova desses pressupostos. Efectivamente, o art. 799.º do C.C. vem referir que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, o que implica o estabelecimento de uma presunção de culpa em relação ao devedor de que o incumprimento lhe é imputável, dispensando assim o credor de efectuar a prova correspondente (art. 351.º, nº 1, do C.C.).
Relativamente aos outros pressupostos da responsabilidade obrigacional, como o facto ilícito, o dano e o nexo de causalidade, eles não se encontram referidos na presunção do art. 799.º, do C.C., que levaria, em princípio, à aplicação do regime geral do art. 342.º, nº 1, do C.C., já que sendo os restantes pressupostos da responsabilidade obrigacional factos constitutivos do direito à indemnização, teriam que ser provados pelo credor para que o tribunal julgue a acção procedente.
No entanto, tendo a responsabilidade obrigacional como pressuposto a violação de uma obrigação, esta não se pode constituir sem a existência prévia de um direito de crédito, cuja existência tem assim que ser provada pelo credor, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do C.C..
Ora, o cumprimento da obrigação aparece como facto extintivo desse direito de crédito, o que nos termos do art. 342.º, n.º 2, do C.C., leva que se tenha de ser provado pelo devedor.
Mas, nestes termos, se o credor provar a existência do direito de crédito, parece que ficará dispensado de provar a inexecução da obrigação, uma vez que é o devedor que tem que provar o seu cumprimento. Se, no entanto, o facto ilícito não for a mera inexecução da obrigação, resultante da abstenção do devedor, mas antes uma conduta positiva, como o cumprimento defeituoso da obrigação (…), já será o credor a ter que provar essa conduta, uma vez que nesses casos a prova da inexecução da obrigação não pode ser dispensada através da regra do art. 342.º, n.º 2, do C.C..
Relativamente ao dano, parece claro que ele tem que ser demonstrada pelo credor, sem o que não poderá judicialmente qualquer indemnização[9].
Segundo Nuno Manuel Pinto Oliveira, «os requisitos gerais da responsabilidade contratual constam dos arts. 798.º-799.º do Código Civil, devendo reconduzir-se a três: tipicidade, ilicitude e culpa.
O primeiro requisito – tipicidade – concretiza-se na conformidade da conduta do agente ou lesante com um tipo de responsabilidade civil.
Tipo é uma tradução do italiano “fattispecie” ou do alemão “Tatbestand”. O conceito de tipo designa a descrição de uma situação de facto em termos abstractos por um princípio ou por uma regra de direito da responsabilidade civil – e o conceito de tipicidade, a conformidade de uma situação de facto concreta causada pela conduta do agente ou do lesante com a intenção de facto descrita em termos abstractos por um princípio ou por uma regra de responsabilidade civil. O segundo requisito – o requisito da ilicitude – concretiza-se num juízo de censura (de desvalor) dirigido à ação ou à omissão e o terceiro requisito – o requisito da culpa – concretiza-se num juízo de censura (de desvalor) dirigido ao agente, por ter adoptado um comportamento contrário ao direito (ilícito) quando podia e devia ter adoptado um comportamento conforme ao direito (logo, lícito).
O requisito da ilicitude resulta do art. 798º e o requisito da culpa resulta explicitamente, dos arts. 798.º e 799.º – confirmados, para os casos de não cumprimento definitivo, pelos arts. 801º e 802.º e, para os casos de não cumprimento temporário ou transitórios, pelo art. 804.º, nº 2, do Código Civil.

O primeiro requisito da responsabilidade contratual concretiza-se então da tipicidade – e o requisito da tipicidade divide-se em cinco elementos:
1º- a ação ou omissão do devedor; 2º- a violação do direito do credor; 3º a relação de causalidade entre a acção ou omissão do devedor e a violação do direito do credor (causalidade fundante ou causalidade fundamentadora da responsabilidade (…); 4º o dano ou prejuízo e – 5º a relação de causalidade entre a violação do direito do credor e o dano ou prejuízo (causalidade preenchedora da responsabilidade (…).
Os elementos acção ou omissão do devedor, violação dos direitos do credor e relação de causalidade entre a acção do devedor e a violação do direito do credor encontram-se implícitos no segmento em que o art. 798º diz: «[o] devedor que falta [… ao cumprimento da obrigação»; os elementos dano ou prejuízo e relação de causalidade entre a violação dos direitos do credor e o dano ou prejuízo encontram-se explícitos no segmento em que o art. 798º diz: [o] devedor que falta […] ao cumprimento torna-se responsável pelos prejuízos que cause ao credor.
(…)
Os conceitos de tipicidade e de ilicitude podem – e devem – distinguir-se.
O tipo objectivo da responsabilidade constrói-se através do conceito de falta de cumprimento - e o conceito de falta de cumprimento através do conceito de desconformidade objectiva (de “desencontro objectivo”) entre a conduta adoptada e a conduta devida. Entre aquilo que o devedor fez e aquilo que o devedor devia fazer.
A conduta do devedor estará em conformidade com o art. 798.º (…) quando estiver em desconformidade com os deveres de prestação compreendidos na relação negocial.

Os arts. 798.º e 799.º do Código Civil aludem genericamente à violação do direito do credor; os arts. 801.º e 804.º aludem especificamente:
- à violação do direito do credor, através de um facto voluntário do devedor que causa um não cumprimento definitivo – art. 801.º do Código Civil;
- à violação do direito do credor através de um facto voluntário do devedor que causa um não cumprimento temporário – art. 804.º do Código Civil.

Em regra, a tipicidade encontra-se associada á ilicitude.

O juízo de tipicidade dirige-se à conformidade entre a conduta adoptada e a conduta descrita no art. 798º do Código Civil – ou seja, dirige-se à desconformidade entre a conduta adoptada e a conduta devida –; o juízo de desconformidade entre a conduta adoptada e a conduta devida indicia um juízo de desvalor da conduta adoptada – logo, o juízo de tipicidade indicia um juízo sobre a ilicitude.»[10].

Está provado que «em 17-08-2015 uma parte não apurada das plantas existentes no local encontrava-se queimada.»

No entanto, não resultou provado que esse facto foi resultado ou consequência de um deficiente cumprimento, por parte da E. COMERCIAL, S.A., do contrato celebrado com a autora, nomeadamente da ocorrência de qualquer pico de energia ou sobretensão, pois resultou não provado que «verificaram-se picos de energia/sobretensões de cerca de 206 V (Volt) a 257 V (Volt) ou mais, entre Julho e Setembro de 2015, no terreno agrícola sito na Rua ____.»

No tocante à problemática do nexo de causalidade, importa ter presente que está sedimentado o entendimento por parte do S.T.J. de que no art. 563.º, do C.C., para os casos em que a obrigação de indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de responsabilidade extracontratual, quer contratual, a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus-Lehman.

Segundo esta, o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar, de todo, indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto.

O facto que atuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação.

A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano no âmbito da aptidão geral ou abstrata desse facto para produzir o dano[11].

É esse processo factual ou causal que, no caso concreto, não resultou provado.

Não demonstrado o nexo de causalidade, ou seja, um dos pressupostos de que dependia a responsabilidade contratual da ré/apelada da E. COMERCIAL, S.A., para com a autora/apelante, terá o presente recurso de ser julgado improcedente e confirmada a sentença recorrida.
*

IV–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente, confirmando, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pela apelante – art. 527.º, n.º 1 e 2, do C.P.C.

Lisboa, 24 de setembro de 2019


(Acórdão assinado eletronicamente)

Relator
José Capacete
Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara

[1]Da Sentença Cível, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2014, p. 23.
[2]Responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual, in B.M.J. n.º 85, abril de 1959, pp. 115-238.
[3]O Concurso da Responsabilidade Civil Contratual e da Extracontratual, in AB VNO AD OMNES, 75 Anos da Coimbra Editora, Coimbra Editora, 1998, pp. 559-560.
[4]Idem, pp. 560-562. Sobre esta problemática do concurso de responsabilidades, cfr. Vaz Serra, Loc. cit. na nota 3; Miguel Teixeira de Sousa, O Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação. Estudos Sobre a Dogmática da Prestação e do Concurso de Pretensões, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1998, e Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 274 ss.
[5]Veja-se ainda, no mesmo sentido, a demais jurisprudência citada neste aresto do S.T.J.
[6]Então a 1.ª Secção Cível da Instância Central do Tribunal da Comarca de Lisboa, J16.
[7]Os Incidentes da Instância, 9.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 85-91.
[8]Idem, pp. 84-85.
[9]Cfr. Seguimos a orientação de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 8.ª Edição, Almedina, 2009, pp. 283-352.
[10]Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, pp. 616-620.
[11]Ac. do STJ de 13.01.2009, Proc. n.º 08A3747, in www.dgsi.pt.

Decisão Texto Integral: