Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
517/19.3T8PDL-C.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: RECLAMAÇÃO DA CONTA
RECURSO
PRAZO
INCIDENTE AUTÓNOMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A decisão final  no processo declarativo equivale a sentença na definição do artigo 152º nº 2 do CPC.
- No processo executivo a decisão final corresponde  à extinção da execução, pelo pagamento, quitação, perdão  ou qualquer outro facto extintivo (cfr.  artigo 846º e 849º).
- Dada a especial natureza  e fins do processo executivo o  momento em que é elaborada a conta precede a decisão final e ocorre com o despacho que susta a execução (artº 846º nº 4 do CPC).
- Tendo as custas e mais encargos do processo executivo pagamento precípuo sobre o produto dos bens penhorados (conforme o artigo 541º do CPC), antes de ser extinta a execução há que apurar o montante em divida neste segmento.
- Uma vez elaborada a conta, a reclamação apresentada  à mesma, é processada  nos termos  do artº 31º do RCP,  nos próprios autos, pelo que, não se trata de incidente autónomo.
- Por essa razão, o regime do prazo do recurso não é o da  alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.
- O recurso da reclamação da conta de processo executivo, uma vez,  que está previsto no artº 31º nº 6 do RCP, cabe,  isso sim, na alínea i) do artº 644 nº 2 sobre “os demais casos especialmente previstos na lei”, sendo o prazo do recurso de 15 dias  conforme art 638º (2ª parte) do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão Sumária nos termos do disposto no artº 652º alínea c) do CPC:

A , Agente de execução, nos autos  de execução à margem referenciados, deduziu reclamação nos termos do artigo 643º do CPC (diploma a que, doravante,  pertencem as normas abaixo referidas, sem outra menção)  do despacho judicial que não admitiu o recurso interposto da decisão proferida sobre o  incidente de reclamação da conta, efectuada nos autos para efeitos de liquidação da responsabilidade do executado.
Alegou e em síntese que:
 Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 638º do CPC “O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º.”
A previsão do artigo 644/2 aplica-se aos recursos :
“(…)
g) De decisão proferida depois da decisão final;
Entende o Mmº Dr. Juiz ad quo que o caso sub judice se enquadra na previsão da alínea g), isto é, “De decisão proferida depois da decisão final;”.
A decisão final de uma execução para pagamento de quantia certa é a decisão de extinção, prevista no artigo 849º do CPC, notificada nos termos do n.º 2.
Nos presentes autos tal decisão não foi, nem devia ter sido, proferida.
Com efeito, as partes juntaram acordo e por via dele foi proferida a 21 de Maio de 2019 decisão de sustação da instância nestes termos “Tendo em consideração a informação prestada pela exequente a fls. susta-se a presente execução nos termos do nº 4 do artigo 846º do CPC, promovendo-se a liquidação de responsabilidade do(a) Executado(a)”
Liquidada a responsabilidade do executado nos termos do disposto no artigo 847, o mesmo reclamou da conta de custas pelo que não estão reunidas as condições para proceder à extinção nos termos do 849.º
Pelo que o processo não teve a sua decisão final.
Logo é inaplicável a previsão do 644/2/g) pelo que o prazo de recurso sempre será de 30 dias.
Ainda que assim não fosse e existisse efectivamente uma decisão final, não seria aplicável ao caso concreto aquela redução de prazo de recurso (ou qualquer outra).
Por não o podermos fazer de forma mais clara e acertada, limitamo-nos aqui a citar a decisão singular proferida pelo Sr. Desembargador Falcão de Magalhães do Tribunal da Relação de Coimbra em 12/12/2017 no processo 1638/08.3TBACB-C.C1 (www.dgsi.pt) :
“Ao recurso de decisão da 1ª instância que ponha termo “incidente processado autonomamente”, ainda que tal decisão seja proferida depois daquela que colocou termo à causa principal, aplica-se o prazo de interposição de 30 dias, “ex vi” do nº 1, a) do artº 644º e da 1ª parte do nº 1 do artº 638º, ambos do NCPC, não havendo que chamar à colação o disposto na nº 2, g) desse artº 644º, nem, consequentemente, o prazo de 15 dias previsto na parte final do citado artº 638º, nº 1.”
“I - O incidente da reclamação da conta deve ser entendido, face a sua tramitação própria relativamente ao processado que conduz à decisão final da ação, como um “incidente processado autonomamente”, para efeitos do disposto no 644, n°1, al. a) parte final do nCPC.
IV - A disposição do nº 2, g) do artº 644º visa disciplinar todos os recursos proferidos depois da decisão final que não tenham integração no nº1 desse artigo, ou numa das outras alíneas do nº2 do mesmo.
V - Ao recurso de decisão da 1ª instância que ponha termo a “incidente processado autonomamente”, ainda que tal decisão seja proferida depois daquela que colocou termo à causa principal, aplica-se o prazo de interposição de 30 dias, “ex vi” do nº 1, a) do artº 644º e da 1ª parte do nº 1 do artº 638º, ambos do NCPC, não havendo que chamar à colação o disposto na nº 2, g) desse artº 644º, nem, consequentemente, o prazo de 15 dias previsto na parte final do citado artº 638º, nº 1.”
Conhecendo: (artº 643º nº 4)
As questões trazidas à apreciação deste Tribunal resumem-se a decidir se:
A- No processo executivo é aplicável ao recurso do incidente de reclamação de conta o disposto no artº 644ºnº 2 g) do CPC.
B- Se o incidente de reclamação da conta no processo executivo deve considerar-se como incidente autónomo para efeitos do disposto no artigo 644º nº 1 do CPC
Fundamentação de facto pertinente:
1. Nos presentes autos de execução foi deduzido incidente de reclamação da conta da Agente de Execução que foi julgado procedente.
Inconformada, veio a mesma interpor recurso, que acompanha esta reclamação nos termos do n.º 3 do artigo 643.º
O despacho recorrido foi notificado à recorrente a 11 de Setembro de 2019.
A recorrente interpôs o seu recurso a 7 de Outubro.
O Mmº Dr. Juiz ad quo entendeu que,  ao caso, se aplica o disposto na segunda parte do nº 1 do art. 638º, com referência ao art. 644º nº 2 al. g), por se tratar de uma decisão proferida após a decisão final,  pelo que é de 15 dias o prazo de interposição de recurso, logo é o mesmo extemporâneo
Fundamentação de Direito.
A lei processual distingue o prazo do recurso conforme se está,  antes da decisão final, ou após a decisão final, sendo este ultimo caso um daqueles em que o prazo para recorrer é reduzido  para 15 dias (cfra artº 638º)
A decisão final   no processo declarativo equivale a sentença na definição do artigo 152º nº 2 do CPC “ Diz-se sentença “o acto pelo qual o juíz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa”
No processo executivo a decisão final corresponde  à extinção da execução, pelo pagamento,  quitação, perdão ou qualquer outro facto extintivo (cfra artigo 846º e 849º).
Dada a especial natureza  e fins do processo executivo o  momento em que é elaborada a conta precede a decisão final e ocorre com o despacho que susta a execução (artº 846º nº 4 do CPC)
Efectivamente, tendo as custas e mais encargos do processo executivo pagamento precípuo sobre o produto dos bens penhorados (conforme o artigo 541º do CPC), antes de ser extinta a execução há que apurar o montante em divida neste segmento.
Só assim, se, pode concluir pela existência ou não de saldo suficiente para o pagamento quer das custas e demais encargos quer da quantia exequenda ou apenas daqueles se o pagamento da divida  se não obteve através de meio conducente ao depósito nos autos.
Repare-se que,  nos termos  conjugados do disposto nos  artº  846º e 847º ,  quando haja lugar à liquidação da responsabilidade do executado, se não houver  valor suficiente, para o pagamento integral,  terá aquele de depositar as verbas em falta fazendo-se nova liquidação. (art 847 nº 3 a 5).
Do exposto decorre que não pode entender-se no processo executivo que a conta é posterior à decisão final, (sendo este processamento diverso do que ocorre no processo declarativo em que a conta é elaborada após o trânsito da decisão final (artº 29º nº 1 do RCP)
Daqui que assiste razão à reclamante quando sustenta que não é aplicável a este recurso a alínea g) do nº 2 artigo 644º.
 O conceito de “incidente autónomo” constante do artigo 644º nº 1   alínea a) do cpc e a sua não aplicação à conta e incidente de reclamação à mesma no processo executivo.
O  teor do artº 644º nº 1 alínea a) éo seguinte: “  Da decisão proferida em 1ª instancia que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente”.
O  incidente  processual diz-se autónomo por referência à causa de que é dependência.
São autónomos os incidentes que não são tramitados na causa principal, que têm uma tramitação independente desta  e que como tal correm por apenso.
É esse o entendimento do Ac do TRG de 23.11.2017 in proc 258/05.9T8TMC-A  e do Ac desta Relação de 28.02.2019 in proc 2747/14.5T8ALM-H.L1-6, ambos em dgsi   lendo-se neste ultimo que:  “incidente que é processado autonomamente,  o mesmo é dizer,  “incidente da instância”, que não a um qualquer e mero incidente processual (…) (…)Com a nova redacção da alínea a), do nº1, do artº 644º, como que veio o legislador a clarificar qual a solução adequada e querida, empregando agora a expressão “processado autonomamente” com o claro propósito de limitar a apelação imediata às decisões que ponham termo aos incidentes com autonomia em relação à causa principal, designadamente aos que em regra são processados por apenso (caso do incidente de embargos de terceiro ou de habilitação ) e aos efectivos “incidentes da instância , ou seja, aos que como tal são legalmente qualificados e regulados no CPC , v.g nos artºs 292º a 36º1  [ v.g. verificação do valor da causa, intervenção principal, espontânea ou provocada, intervenção acessória, provocada e do MºPº, assistência, oposição espontânea, provocada e liquidação ], que não a quaisquer outros incidentes ou ocorrências processuais, anómalas ou não”.
Citando Armindo Ribeiro Mendes (, in a Regulamentação Dos Recursos No Futuro Código De Processo Civil, in Texto de exposição oral feita no Centro de Estudos Judiciários em 26 de Abril de 2013, no Curso de Especialização “Temas de Direito Civil), ao empregar o legislador uma expressão prossegue o  citado aresto [ “incidente processado autonomamente” ] que não figurava no Código de Processo Civil pretérito [ cfr. art. 691.º, n.º 2, alíneas j) e l) ] , “ aparentemente, o legislador pretendeu limitar a apelação aos incidentes com autonomia em relação à causa principal, em regra por apenso (caso do incidente de embargos de terceiro ou de habilitação) “.
Perfilhando este entendimento In Recursos em Processo Civil , 2014, 2ª edição, Almedina, pág158,  Abrantes Geraldes é citado no mesmo aresto.
Ora, a  reclamação  à conta é processada  nos termos  do artº 31º do RCP,  nos próprios autos não cabendo  desde logo e, por isso, na noção de incidente autónomo e como tal fica afastado o seu enquadramento no âmbito do disposto  na  alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º.
Finalmente, o regime legal deste recurso.
O regime dos recursos no  processo de execução é o previsto nos artigos 852º e 853º  importando para aqui o disposto no nº 1 do 853º que prescreve que “ É aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da acção executiva”.
Remetendo as normas executivas nesta matéria para o regime do processo declarativo retomamos o artigo 644º, desta feita porque já excluímos o nº1 alínea a) e o recurso não cabe na alínea b), convocamos os restantes números do preceito.
Trata-se de recurso que não cabe em nenhuma das alíneas a) a h) do nº 2 pelo que resta-nos a alinea i).
Ora o recurso da reclamação da conta está previsto no artº 31º nº 6 do RCP, pelo que dispondo esta alínea i) do artº 644 nº 2 sobre “os demais casos especialmente previstos na lei”, é aqui que encontramos a previsão aplicável ao recurso dos autos.
Neste segmento a recorrente convocou a decisão sumária do TRC  de 12.12.,2017 no processo 1638/08.3TBACB-C.C1 no entendimento que ali é perfilhado de que a reclamação da conta é um incidente autónomo para efeitos do disposto no artº 644º nº 1 alínea a).
Sucede é que a situação objecto da decisão sumária reporta-se a reclamação da conta elaborada após o trânsito da decisão final proferida no processo declarativo,  não tem  por essa razão, o ali expendido quanto ao momento processual, aplicação aos presentes autos.
Por outro lado, dissentimos daquele entendimento quanto á questão enunciada de que se trata de incidente autónomo, pelas razões supra aduzidas.
Quanto ao prazo  para recorrer, estabelece o artº 638º  (segunda parte ) “ O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão reduzindo-se para  15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no artº 644ºnº 2 e 677º”
Da concreta matéria dos autos:
A Recorrente foi notificada da decisão em 11.9.2019
Interpôs  o recurso a 7.10.2019.
Nesta data já tinha sido ultrapassado o prazo de 15 dias (o que não põe em causa, já que apenas reclama a aplicação do prazo de 30 dias) para recorrer
Daí a intempestividade do recurso e a legalidade do seu indeferimento face ao disposto no artº 641º nº 2 a)
Sumário
A decisão final   no processo declarativo equivale a sentença na definição do artigo 152º nº 2 do CPC.
No processo executivo a decisão final corresponde  à extinção da execução, pelo pagamento, quitação, perdão ou qualquer outro facto extintivo (cfra artigo 846º e 849º).
Dada a especial natureza  e fins do processo executivo o  momento em que é elaborada a conta precede a decisão final e ocorre com o despacho que susta a execução (artº 846º nº 4 do CPC).
Tendo as custas e mais encargos do processo executivo pagamento precípuo sobre o produto dos bens penhorados (conforme o artigo 541º do CPC), antes de ser extinta a execução há que apurar o montante em divida neste segmento.
Uma vez elaborada  a conta, a  reclamação apresentada  à mesma, é processada  nos termos  do artº 31º do RCP,  nos próprios autos, pelo que, não se trata de incidente autónomo.
Por essa razão, o regime do prazo do recurso não é o da  alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.
O recurso da reclamação da conta  de processo executivo, uma vez,  que está previsto no artº 31º nº 6 do RCP, cabe,  isso sim, na alínea i) do artº 644 nº 2 sobre “os demais casos especialmente previstos na lei”, sendo o prazo do recurso de 15 dias  conforme art 638º (2ª parte) do CPC.
                                            ***
Decisão
Indefere-se a reclamação.
Custas pela Reclamante
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2020
Isoleta de Almeida Costa