Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2574/14.0TTLSB.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: SUMÁRIO:

I. Ocorre a descaracterização do acidente de trabalho quando o acidente, embora mantendo as características de um acidente de trabalho, não dá lugar à sua reparação, nas situações consignadas no artigo 7º, da Lei nº100/97, de 13/09.
II. Para a descaracterização de um acidente numa situação de negligência grosseira por parte do sinistrado, exige-se que o acidente tenha resultado, exclusivamente, dessa actuação, isto é, sem concurso de uma outra acção - b) n.º1 do artigo 7º da Lei acima mencionada.
III. O n.º2 do artigo 8º do DL n.º143/99, de 30 de Abril (Regulamenta a Lei n.º100/97), estabelece o que se entende por negligência grosseira,  como o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ou perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.”
IV. Ao qualificar deste modo a negligência de grosseira, o legislador quis afastar a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considerou os prós e os contras.
V. O sinistrado, num gesto de boa vontade, ao pretender soltar as lanças das gruas presas, caminhou pela lança da grua até sua extremidade procurando soltar o cabo de elevação das gruas, tendo acabado por cair ao solo.
VI. O sinistrado ao não colocar o cinto de segurança que estaria à sua disposição e que lhe poderia ter evitado a queda em altura, confiou na sua perícia e experiência profissional, não se nos afigurando que tal gesto de imprudência e irreflexão possa configurar uma negligência grosseira da sua parte.
VII. Por outro lado, resultou provado, que a Ré/entidade empregadora, na sequência do acidente foi condenada pela prática de uma contra-ordenação por violação das precauções exigíveis na área o perímetro ocupado pelas gruas que se cruzaram. Esta conduta da 2ª ré contribuiu para a ocorrência do acidente, não podendo, por isso, concluir-se pela exclusividade da actuação do sinistrado na sua ocorrência, pelo que o acidente dos autos nunca poderia ter sido descaracterizado ao abrigo de uma actuação exclusiva do sinistrado.

(Sumário elaborado pela Relatora)  
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA,por si e, em representação da filha BB, nascida em 04.02.1997;
CC,
DD e
EE, todos residentes em Ruilstraat, 66 A, 3023 XW Rotterdam, Holland, intentou a presente acção emergente de acidente de trabalho contra :
- Companhia de Seguros (…), SA, agora Companhia de Seguros FF S.A.
- GG, SA com sede na Rua (…), n.º 41, 4º Direito, (…) Lisboa, formulando os seguintes pedidos:
- a condenação da 1ª ré a pagar a AA, na qualidade de pessoa em união de facto, pensão no montante de € 5.067,48, até perfazer a idade de reforma e de € 6.756,64, a partir da idade de reforma ou doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
- a condenação da 1ª ré a pagar a cada um dos filhos BB, CC, DD e EE, a pensão de € 2.111,45, até à data em que tiver atingido 18, 22 ou 25 anos, enquanto aos dois último caso, frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino universitário;
- a condenação da 2ª ré a pagar aos autores a pensão anual e vitalícia de € 3.378,32, a ratear, com o direito de acrescer entre si;
- a condenação da 2ª ré a pagar aos filhos BB, CC, DD e EE a quantia de € 27.000,00 (vinte e sete mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais e € 40.000,00 (quarenta mil euros) a título de indemnização pela lesão do direito à vida;
- a condenação da 2ª ré a pagar à autora AA e a cada um dos autores BB, CC, DD e EE, a indemnização de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais próprios sofridos pela morte do companheiro e pai, respectivamente.
Alegam que o sinistrado trabalhava desde Dezembro de 2000 sob as ordens, direcção e fiscalização da 2ª ré, auferindo a quantia mensal de € 226.173$00, tendo sofrido no tempo e local de trabalho um acidente de trabalho que provocou a morte. À data da admissão o sinistrado vivia em união de facto com a autora AA e era pai dos demais autores, encontrando-se todos os filhos a seu cargo.
 
A 1ª ré contestou alegando que o acidente ficou a dever-se exclusivamente a comportamento do sinistrado. A 2ª ré contestou por excepção a ilegitimidade activa, a caducidade do direito de acção e por impugnação os factos alegados pelo autor.

Após a audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente e, em consequência absolvo as rés “FF– Companhia de Seguros, SA” e “GG, SA” do pedido.

Os autores, inconformados interpuseram recurso (fls. 1561 a 1632), tendo suscitado, nas respectivas conclusões, as seguintes questões:
-Impugnação da matéria de facto
-Descaracterização do acidente 
- Valor da acção

Apenas, a ré Obrecol apresentou contra-alegações.
O ExmºProcurador-geral Adjunto deu parecer no sentido da revogação da decisão recorrida.

Cumpre apreciar e decidir
I. As questões suscitadas no recurso interposto são :
a) Impugnação da matéria de facto
b) Descaracterização do acidente de trabalho
c) Valor da acção

          II. Fundamentos de facto  
          Foram considerados provados.
1. HH faleceu no dia 22 de Novembro de 2001 – (A).
2. BB nasceu no dia 14 de Outubro de 1983 e está registado como filho de HH e AA – (B).
3. CC nasceu no dia 28 de Abril de 1985 e está registado como filho de HH e de AA – (C)
4. DD dos Santos nasceu no dia 06 de Maio de 1986 e está registado como filho de HH e de AA – (D)
5.– EE nasceu no dia 04 de Janeiro de 1997 e está registada como filha de HH e de AA - (E).
6. Em Dezembro de 2000 a ré “GG, SA” admitiu o sinistrado HH a trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização com a categoria profissional de condutor manobrador nível II, no local da obra 317-164, Fogos EPUL, em Telheiras, Lisboa – (F)
7. …E pelo horário de trabalho de 40 horas por semana e oito horas por dia, das 08h00 às 17h00 – (G)
8. No dia 22 de Novembro de 2001, cerca das 08h50m, em Telheiras – Lisboa, o sinistrado HH desempenhava a sua actividade de condutor manobrador da grua torre “Liebherr 45 N C-mht-03-14”, ao serviço da sua entidade empregadora a sociedade “GG, SA” – (H).
9. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na alínea H) o sinistrado encontrava-se na cabine da referida grua – (G).
10. Nas circunstâncias de tempo e lugar já havia sido posta a funcionar  junto à sita grua torre “Liebherr 45 N-mht-03-14” uma outra grua torre – (H)
11. Com lança cujos raios de acção apresentavam zona de intercepção com os raios de acção da lança da grua torre “Liebherr 45 N C-mht-03-14” – (I).
12. Na manhã do dia 22 de Novembro de 2001, o sinistrado HH realizava o transporte de uma palete de telhas que se encontrava junto à torre por si manobrada – (J).
13. Com o auxílio dessa “sua” grua torre e de acordo com o que lhe havia sido transmitido – (L)
14. Não havia comunicação rádio entre o sinistrado HH e o condutor-manobrador da grua “Metro” – (M)
15. O sinistrado HH e o condutor-manobrador da grua torre do estaleiro do “Metro” tentaram desprender o cabo de aço da extremidade das lanças envolvidas – (N)
16. Através de manobras que consistiam em imprimir movimentos de rotação a cada uma das gruas das torres em causa – (O)
17. Sem lograr realizar o objectivo de soltar as lanças das gruas presas – (P)          
18. O sinistrado HH saiu da cabine da grua torre manobrada, caminhou pela lança dessa grua e foi até à respectiva extremidade – (Q)
19. …E dali procurou soltar o cabo de elevação da grua que se encontrava preso na lança da grua do “Metro” – (R)
20. O sinistrado caiu para o solo – (S)
21. Em consequência da queda o sinistrado sofreu as lesões corporais descritas no relatório da autópsia de fls. 36 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e que lhe provocaram a sua morte como efeito necessário e directo – (T).
22. Em 22 de Novembro de 2001 a ré “GG, SA” tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho transferida para a ré “FF– Companhia de Seguros, SA” por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 20779682 pela retribuição anual de Esc. 1.830.000$00/€ 9.128,00 (Esc. 115.000$00 x 14 meses acrescido de Esc. 20.000$00 x 11 meses a título de subsidio de alimentação) – (U).
23. A segunda grua referida na alínea H) operava sob a autoridade, direcção e fiscalização da empresa “Zagope – Tamega – MSF, ACE” por um condutor a esta afecto.
24. Em circunstâncias não concretamente apuradas o cabo da grua manobrada pelo sinistrado prendeu-se à lança de uma segunda grua existente no local.
25. À data da sua morte o sinistrado vivia com a autora AA partilhando o mesmo leito, habitação e suportando as despesas do agregado.
26. O sinistrado era uma pessoa alegre, trabalhador e muito amigo da companheira e dos quatro filhos.
27. No momento que imediatamente antecedeu a sua morte o autor sentiu medo.
28. O sinistrado não estava autorizado a ir à lança da grua, fosse porque motivo fosse.
39. A 2ª ré tinha técnicos especializados para intervirem em toda e qualquer assistência que implicasse a deslocação física às lanças das gruas.
40. A grua estava equipada com um cabo de aço que percorria a lança da grua denominado «linha de vida», a fim de nele ser engatado um cinto de segurança, o qual existia na cabina da grua.
41. O sinistrado ao deslocar-se por sua iniciativa e sem autorização à lança da grua resolveu não utilizar o cinto de segurança existente na cabina.
42. …E decidiu não utilizar a «linha de vida» existente na referida lança.
43. Acabando por originar a sua própria queda.
44. O sinistrado era um manobrador de nível II, experiente e com formação para tais funções.     
45. As funções do sinistrado incluíam algumas tarefas de verificação e manutenção da grua, mas só ao nível do solo, da torre no percurso de acesso ao seu posto e da cabina da grua.
46. Ao sinistrado estava expressamente vedado qualquer deslocação à lança da grua.
47. O que era tudo do seu conhecimento.
48. Em 25 de Maio de 2001, a 2ª ré promoveu uma acção de formação a todos os trabalhadores da obra onde veio mais tarde a ocorrer o acidente, relativa a Higiene e Segurança no Trabalho e sob o tema “Quedas em Altura – Utilização de EPI’s, Movimentação de Cargas”, na qual participou o sinistrado.
49. Quando foi montada a grua que era comandada pelo sinistrado, a segunda grua não estava montada nem a 2ª ré sabia que tal viria a acontecer.
50. As lanças das duas gruas distavam em altura cerca de 3 metros.
51. Qualquer das duas gruas distava das torres das gruas opostas, na sua localização mais aproximada, mais de 2 metros.
52. O sinistrado teve “Muito Bom” em avaliação feita pela ré o justificou renovação do contrato em Julho de 2001.
53. A grua montada, no estaleiro contíguo ao da “FF”, pertencente ao agrupamento complementar de empresas adjudicatário da empreitada do Metro, para além de funcionar a cotas diferentes das existentes na obra onde ocorreu o acidente, existia coordenação mútua de movimentos e manobras entre os respectivos condutores.
54. Tendo a 2ª ré estipulado a movimentação das gruas e o cumprimento dos procedimentos a tomar na movimentação das cargas.
55. O sinistrado conhecia as “condições técnicas” de montagem e funcionamento das gruas torre que se encontravam montadas, porquanto a FF facultou aos gruístas, entre os quais se encontrava o trabalhador sinistrado um “Manual de Instruções” contendo informação detalhada e esclarecimentos técnicos.
56. Perante a tentativa sem sucesso, de libertar o cabo de aço da grua que manobrava e que se prendera, o trabalhador/sinistrado deveria ter paralisado de imediato o equipamento e os trabalhos em curso, o que não fez.
57. A “FF” por liberalidade custeou integralmente o funeral do trabalhador sinistrado à data no valor de Esc. 292.590$00/€ 1.495,43.
58. À data do acidente o sinistrado auferia a quantia mensal de € 573,62.

III. Fundamentos de direito
 
a) Impugnação da matéria de facto
(…)
b) Descaracterização do acidente
Encontrando-se definida a relação laboral entre o autor e a ré “GG”, tendo o acidente ocorrido no local e tempo de trabalho, produzindo lesões corporais no autor de que resultou a sua morte, a sentença recorrida qualificou, e bem, o acidente como de trabalho. No entanto, considerou que o sinistrado adoptou um comportamento temerário em alto grau ao deslocar-se à lança – comportamento que lhe estava vedado – sem ter utilizado o cinto de segurança, que se encontrava na cabina, bem como a linha de vida existente na lança que percorreu, actuando desse modo com negligência grosseira. Concluiu no sentido da descaracterização do acidente e, assim, considerou não haver direito a reparação, tendo julgado prejudicada apreciação das demais questões.
Entendimento que os recorrentes repudiam.
Comecemos pela análise conceito de descaracterização de acidente de trabalho.
Ocorre a descaracterização do acidente de trabalho quando o acidente, embora mantendo as características de um acidente de trabalho, não dá lugar à sua reparação, pretendendo-se sancionar as faltas consideradas indesculpáveis de quem trabalha, ou quando devido a forças inevitáveis da natureza. Assim, estabelece o art.º7, nº1 da Lei nº100/97, de 13/09:
Não dá direito a reparação o acidente:
a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;
b) Que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Que resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se tal privação...
d) Que provier de caso de força maior.”
O tribunal recorrido entendeu que o sinistrado teve um comportamento temerário em alto grau ao deslocar-se à lança – comportamento que lhe estava vedado, não tendo utilizado o cinto de segurança que se encontrava na cabina, nem a linha de vida da lança, tendo, por isso, actuado de forma negligente, qualificando-a como uma negligência grosseira.
O n.º2 do art.º8 do DL n.º143/99, de 30 de Abril (Regulamenta a Lei n.º100/97), estabelece o que se entende por negligência grosseira: O comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ou perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão. Sendo certo que a prova dos pressupostos que permitem a descaracterização do acidente cabe à entidade responsável, ao abrigo do n.º2 do art.º 342º, CC.
Ao qualificar daquele modo a negligência de grosseira, o legislador quis assim afastar a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considerou os prós e os contras – cf. Carlos Alegre - Acidente de Trabalho e Doenças profissionais - Regime Jurídico anotado 2ª edição fls. 63.
Todavia, para que se possa verificar a descaracterização de um acidente numa situação de negligência grosseira por parte do sinistrado, exige-se que o acidente tenha resultado, exclusivamente, dessa actuação, isto é, sem concurso de uma outra acção.
Vejamos o caso em análise.
Com relevância para apreciação da conduta do sinistrado, resultou provado: - Na manhã do dia 22 de Novembro de 2001, o sinistrado HH realizava o transporte de uma palete de telhas que se encontrava junto à torre por si manobrada de acordo com o que lhe havia sido transmitido; em circunstâncias não concretamente apuradas o cabo da grua manobrada pelo sinistrado prendeu-se à lança de uma segunda grua existente no local. Esta segunda grua operava sob a autoridade, direcção e fiscalização da empresa II –grua do estaleiro do Metro, por um condutor afecto a esta. Não havia comunicação rádio entre o sinistrado HH e o condutor-manobrador da grua “Metro”. No entanto, o sinistrado e o condutor-manobrador da grua torre do estaleiro do “Metro” tentaram desprender o cabo de aço da extremidade das lanças envolvidas, através de manobras que consistiam em imprimir movimentos de rotação a cada uma das gruas das torres em causa. Sem lograr realizar o objectivo de soltar as lanças das gruas presas, o sinistrado saiu da cabine da grua que manobrava, caminhou pela lança dessa grua e foi até à respectiva extremidade, dali procurou soltar o cabo de elevação da grua que se encontrava preso na lança da grua do “Metro, tendo caído ao solo, sem que se tenha apurado a razão da queda.
Como já se referiu, na sentença recorrida foi considerado que o sinistrado ao deslocar-se, por sua iniciativa e sem autorização, à lança da grua, sem utilizar o cinto de segurança existente na cabina e a «linha de vida» da referida lança, teve um comportamento altamente temerário, e qualificou essa conduta com negligência grosseira a qual acabou por determinar a sua queda no solo.
Não nos parece, contudo, que a actuação do sinistrado possa ser assim qualificada. Na verdade, num gesto de boa vontade, ao pretender soltar as lanças das gruas presas, o sinistrado caminhou pela lança da grua até sua extremidade procurando soltar o cabo de elevação das gruas, tendo acabado por cair ao solo, assim, o sinistrado ao não colocar o cinto de segurança que estaria à sua disposição e que lhe poderia ter evitado a queda em altura, confiou na sua perícia e experiência profissional - teve “Muito Bom” em avaliação feita pela ré – pelo que tal conduta ainda que revelando alguma imprudência e irreflexão não é suficiente para poder configurar uma negligência grosseira da sua parte. Na verdade, o sinistrado era um manobrador de nível II, experiente e com formação para tais funções, as suas funções incluíam algumas tarefas de verificação e manutenção da grua, ao nível do solo, da torre no percurso de acesso ao seu posto e da cabina da grua, pelo que o seu comportamento, ainda que algo temerário, consubstancia, antes, um acto de boa vontade resultante da confiança na sua perícia e experiência profissional, não podendo por isso ser enquadrado na definição legal de negligência grosseira, acima referida.
Por outro lado, resultou ainda provado, face ao relatório da Inspecção Geral do Trabalho – junto a fls. 603 a 618 - que a 2ª Ré, na sequência do acidente em causa, foi condenada pela prática de uma contra-ordenação por violação das precauções exigíveis na área o perímetro ocupado pelas duas gruas da 2ª ré e uma terceira grua, por não terem sido observadas as medidas de prevenção na área do perímetro ocupado pelas duas gruas, uma pertença da GG e uma outra pertença da ACE, sendo que após o acidente e com a intervenção da IGT foi aprovado um código de conduta entre as referidas empresas que passou a prever equipamento de comunicação entre os dois condutores manobradores que operam as duas gruas, anteriormente manobradas pelo sinistrado e um outro gruíste, e concluiu o referido relatório que : “ Não restam dúvidas que foi a falta de actuação quanto às precauções exigíveis na área do perímetro ocupado pelas gruas em causa que contribuiu para que as mesma se tivessem cruzado inadvertidamente em enlace do cabo de aço à extremidade da lança da outra grua, acontecimento que veio a dar causa ao acidente, e condenou a ré, GG, no pagamento de uma coima pela contra-ordenação em causa, coima que a referida ré pagou - fls. 603 e seguintes.
Resulta, assim, que esta conduta da 2ª ré contribuiu para a ocorrência do acidente que vitimou o sinistrado, não se podendo concluir pela exclusividade da sua actuação na ocorrência do acidente, pelo que nunca poderia a sentença recorrida ter descaracterizado o acidente dos autos.
Assim sendo, concede-se razão aos recorrentes quanto à revogação da descaracterização do acidente em análise, devendo os autores serem indemnizados, nos termos do disposto nos artigo 20º, alíneas a) e c) e artigos 21º e 22º da Lei 100/97, ficando as indemnizações a cargo da 1ª ré/Seguradora, uma vez que a ré “GG, SA” tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho transferida para a Seguradora, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º20779682 pela retribuição anual de Esc. 1.830.000$00/€ 9.128,00 (Esc. 115.000$00 x 14 meses acrescido de Esc. 20.000$00 x 11 meses a título de subsidio de alimentação) - facto n.º22, retribuição que se provou ser a auferida pelo sinistrado ao serviço da 2ª ré/entidade empregadora - facto n.º58 (nova redacção).
Deste modo, a Ré/Seguradora deve ser condenada a pagar à autora AA a pensão anual no valor de €2 738.40, até perfazer a idade da reforma e de € 3 651.20 a partir de da idade da reforma ou de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho – cf. art.º 20 n.º1, a) da Lei n.º00/97.
A cada um dos filhos do sinistrado, BB, CC, DD e EE, a pensão anual de € 1 141,00 ao abrigo da d) do 20 da Lei 100/97, até à data em que tiverem atingido 18, 22,e 25 anos, nos dois últimos casos enquanto frequentaram o ensino secundário, o curso equiparado ou o ensino universitário, devendo estas as pensões serem sujeitas rateio enquanto o montante se mostrar excedido a 80% da retribuição do sinistrado, nos termos do art.º 21 do mesmo diploma.       
As pensões serão actualizadas, nos termos do art.º39 da mesma Lei 100/97, de 13 de Setembro.
 Deverá ainda a Seguradora proceder ao pagamento do subsídio por morte, igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, nos termos do artigo 22º da mesma Lei, bem como o pagamento do subsídio por despesas de funeral, ao abrigo do mesmo dispositivo.  
- Todas as prestações referidas vencerão juros de mora vencidos e vincendos desde a data dos respectivos vencimentos, até integral pagamento.  

Quanto à reparação do acidente, ao abrigo do art.º18 da Lei n.º 100/97 pedida à 2ª ré, não podem proceder os respectivos pedidos, dado não se ter apurado que o acidente em causa tenha sido provocado pela entidade empregadora ou tenha resultado da falta de observação das regras de segurança no trabalho, ainda que se tenha apurado que à ré entidade empregadora lhe foi imputada a prática de uma contra-ordenação nesse âmbito, mas sem se ter apurado o nexo de causalidade adequada entre esse violação e o acidente em causa, pois apenas se pode concluir que essa violação concorreu para a ocorrência do acidente que vitimou o sinistrado. 

b) O Valor da acção
Este será o que resultar da aplicação do disposto no artigo 120º do CPT, devendo o respectivo cálculo ser efectuado pela secção.

IV. Decisão
1º Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelos autores no que respeita à descaracterização do acidente em causa e condena-se a Ré Companhia de Seguros FF S.A., nos seguintes termos:
A) A pagar à autora AA a pensão anual no valor de €2 738.40, até perfazer a idade da reforma e de € 3 651.20 a partir de da idade da reforma ou de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho – cf. artigo 20º n.º1, a) da Lei n.º100/97.
B) A cada um dos filhos do sinistrado, BB, CC, DD e EE a pensão anual de € 1 141,00 ao abrigo da alínea d) do artigo 20º da Lei n.º 100/97, até à data em que tiverem atingido 18, 22,e 25 anos, nos dois últimos casos enquanto frequentaram o ensino secundário, o curso equiparado ou o ensino universitário; devendo estas as pensões serem sujeitas rateio enquanto o montante se mostrar excedido a 80% da retribuição do sinistrado, nos termos do art.º 21 do mesmo diploma.      
C) As pensões serão actualizadas, nos termos do art.º39 da mesma Lei n.º100/97, de 13 de Setembro.
D)  Deverá ainda a ré/Seguradora proceder ao pagamento do subsídio por morte, igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 22º da mesma Lei, bem como o pagamento do subsídio por despesas de funeral, nos termos do n.º3 do mesmo dispositivo. 
E) Toadas as prestações referidas vencerão juros de mora vencidos e vincendos desde a data dos respectivos vencimentos, até integral pagamento
2º Absolve-se a entidade empregadora dos pedidos contra si formulados.
3º O Valor da acção será o decorrente da aplicação do disposto no artigo 120º do CPT, devendo o respectivo cálculo ser efectuado pela secção.
          Custas pela Seguradora.


Lisboa, 25 de Março de 2015

Paula Sá Fernandes
Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso

 
Decisão Texto Integral: