Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2360/06.0YXLSB.L1-7
Relator: LUÍS LAMEIRAS
Descritores: TELECOMUNICAÇÕES MÓVEIS
PRESCRIÇÃO
CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – O direito ao pagamento do preço pela prestação do serviço móvel de telefone, pres-creve no prazo de seis meses (artigo 10º, nº 1, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho), sendo essa prescrição de natureza liberatória ou extintiva;
II – Se, no concernente contrato, as partes estipularam uma cláusula de fidelização ao serviço, por certo período de tempo, a preterição dessa cláusula é susceptível de acar-retar, para o utente, obrigação de indemnizar (artigo 798º do Código Civil);
III – Ao abrigo da autonomia da vontade é permitido às partes estipularem, por acordo, uma cláusula penal prevenindo a hipótese do incumprimento do vínculo de fideliza- ção firmado (artigo 810º, nº 1, do Código Civil);
IV – O direito ao recebimento dessa indemnização (da quantia estipulada como cláusula penal) não está sujeita à prescrição de seis meses, referida em I –, mas antes ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309º do Código Civil).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1.
1.1. T… SA propôs, em 28 de Abril de 2006, acção declarativa, de forma sumária, contra E…, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 5.050,81 € e juros até efectivo pagamento, liquidando vencidos na importância de 204,45 €.
Alega, em síntese, que contratou com o réu a prestação de serviço mó-vel terrestre, com base em dois contratos, obrigando-se este a manter o vínculo pelo período de trinta meses, e com a cominação de lhe pagar a quantia equi-valente ao valor das mensalidades contratadas para os meses de vinculação. O valor mensal ajustado era de 114,00 €. E o réu utilizou os serviços móveis. Nessa sequência, apresentou-lhe a pagamento facturas, a vencer entre Agosto e Dezem-bro de 2002, na importância total de 1.840,19 €; mas que o réu não pagou. Dessa maneira, emitiu as facturas de indemnização por incumprimento, que enviou ao réu, a vencer entre Fevereiro e Maio de 2003, na importância total de 3.210,62 €; mas que também o réu não pagou.

1.2. O réu foi citado editalmente.
E, em sua representação, também o Ministério Público.
Este, apresentou contestação. No essencial, excepcionou a prescrição; disse ser de seis meses o prazo prescricional relativo ao crédito pelo serviço móvel; e que essa prescrição atinge a indemnização do incumprimento pela quebra do compromisso de permanência (a cláusula penal firmada é acessória e dependente); terminando a concluir pela absolvição do réu do pedido.

1.3. A autora respondeu. Há facturas apenas de indemnização, concer-nentes à cláusula penal estipulada. Por outro lado, cedeu ao réu equipamentos de telecomunicações de topo de gama, no quadro contratual que ajustou. O período de fidelização tem por fim a amortização económica destes equipamentos. E foi por não cumprir esse período que foram emitidas facturas; sendo a cláusula penal compensatória. Em suma, não vale para esta o prazo prescricional próprio da prestação do serviço telefónico. E, por conseguinte, improcede o excepcionado no que se refere às concernentes facturas.

2. A instância declaratória desenvolveu-se e foi proferido saneador sentença que, julgando procedente a excepção de prescrição, quer quanto à obrigação principal, quer quanto às conexas de indemnização e juros, absolveu do pedido o réu.

3.
3.1. Mas a autora, inconformada, interpôs recurso de apelação. E, na alegação de recurso, formulou as seguintes conclusões:

            i. A autora intentou a acção contra o réu com vista a que ele procedesse ao pagamento da quantia de 5.050,81 € e respectivos juros de mora, valor que corresponde a cinco facturas de serviço de telefone móvel (docs fls. 18 a 22) e três facturas de indemnização por incumprimento contratual (docs fls. 23 a 25);
            ii. Em contestação foi invocada, além do mais, a excepção da prescrição dos créditos reclamados pela autora, à luz do disposto no artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho;
            iii. Foi proferido saneador sentença que absolveu o réu do pedido com o fundamento de que o crédito que a autora peticiona se encontra prescrito ao abrigo do disposto na Lei nº 23/96, de 26 de Julho;
            iv. As facturas que o artigo 12º da petição inicial identifica (docs fls. 23 a 25) constituem facturas de indemnização por incumprimento contratual, emitidas ao abrigo do disposto da cláusula 1ª dos aditamentos aos contratos (docs fls. 9 a 17); não constituem qualquer serviço de telefone móvel prestado pela autora, mas tão só a consequência do accionamento por parte desta das cláusulas penais livremente estipuladas nos contratos;
            v. A autora e o réu não se limitaram a celebrar um mero contrato de prestação de serviços de telecomunicações móveis; tendo a primeira cedido ao segundo um total de três equipamentos de telecomunicações de topo de gama;
            vi. Como contrapartida da cedência dos mencionados equipamentos de telecomunicações, o réu mantém-se fidelizado aos serviços de telecomunicações que a autora presta, por um período minimamente suficiente que possa permitir a amortização económica do valor desses equipamentos, através do pagamento das chamadas telefónicas que iriam ser realizadas, no caso vertente dos autos, por 30 meses, a contar da data de celebração dos contratos (docs fls. 9 a 17);
            vii. A circunstância de o réu poder usar equipamentos de valor económico elevado, de características mais sofisticadas, sem ter de os pagar à partida, foi um dos motivos mais importantes na formação da sua vontade de contratar com a autora, motivo pelo qual o período de fidelização está, assim, directamente relacionado com o custo do equipamento fornecido por esta àquele e com a amortização do preço ao longo do tempo;
            viii. As cláusulas penais que se encontram na base da emissão das facturas em apreço tem natureza compensatória, devidas pelo réu à autora, e não assumem a natureza de qualquer contraprestação serviços, tratando-se de uma indemnização pelo não cumprimento do contrato, mais concretamente, do período de fidelização; e jamais poderão encontrar-se sujeitas ao prazo prescricional especial da prestação de serviço telefónico, mas tão só ao prazo geral;
            ix. Pelo que, no que a estas facturas diz respeito, jamais poderá ser aplicado o prazo de prescrição de seis meses, previsto na Lei nº 23/96, de 26 de Julho, mas tão só o prazo de prescrição geral constante do artigo 309º do Código Civil;
            x. Ao contrário do fundamentado na sentença recorrida, o prazo de prescrição dos créditos de que a autora é titular no que concerne às facturas de indemnização por incumprimento contratual, porquanto as mesmas correspondem a responsabilidade contratual, é o prazo geral constante do artigo 309º do Código Civil;
            xi. A sentença recorrida violou o disposto na alínea a), do nº 2, do artigo 669º, do Código de Processo Civil, porquanto aplicou aos presentes autos norma jurídica inaplicável (Lei nº 23/96, de 26 de Julho);
            xii. A sentença recorrida deve ser substituída por outra que condene o réu no pagamento das facturas de indemnização por incumprimento contratual, identificadas no artigo 12º da petição inicial e respectivos juros de mora vencidos e vincendos.

3.2. Respondeu o Ministério Público; e concluiu:

            i. Os efeitos da prescrição decretada nos autos englobam não só os créditos relativos à prestação do serviço de telecomunicações propriamente dito, mas também à indemnização atinente ao incumprimento contratual, por quebra do compromisso de permanência na rede móvel da autora;
            ii. O valor relativo a indemnização contratual funda-se no incumprimento do contrato por parte do réu, que terá causado a extinção do mesmo antes de decorrido o prazo acordado de vigência; já que, aquando da subscrição do aditamento à proposta de adesão, o réu se obrigou a manter o seu vínculo contratual ao serviço móvel terrestre da autora por 30 meses;
            iii. Mais ficou convencionado que, em caso de incumprimento, o réu procederia ao pagamento da quantia equivalente ao valor das mensalidades fixas contratadas relativas aos meses de vinculação, deduzidas das já pagas;
            iv. A cláusula pela qual se fixou tal indemnização assume manifestamente a natureza de cláusula penal;
            v. A ratio subjacente à estipulação da cláusula penal prende-se com a determinação pelas partes das consequências do incumprimento ou da mora no cumprimento de determinada obrigação;
            vi. A cláusula penal tem natureza acessória, dependente e instrumental relativamente à obrigação principal, pelo que se esta deixar de ser judicialmente exigível (por exemplo, em virtude da prescrição), o pagamento da pena convencional também o não será;
            vii. Por essa razão é que o artigo 810º, nº 2, do Código Civil, estabelece que a cláusula penal está sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal, e é nula se for nula esta obrigação; a cláusula penal encontra-se sempre ligada à obrigação de que provém o incumprimento: tem carácter acessório;
            viii. A extinção da obrigação acessória (cláusula penal) não ocorre de forma autónoma e independente da obrigação principal (v.g. por estar prescrita, nos termos do nº 1, do artigo 10º, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, e do nº 4, do artigo 9º, do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro);
            ix. A extinção da obrigação acessória ocorre em virtude da extinção da obrigação principal, e não em virtude de, por si própria, se encontrar prescrita;
            x. A sentença recorrida efectuou, assim, uma correcta interpretação do direito, decidindo com justiça e ponderação.

4. Delimitação do objecto do recurso.
É jurisprudência pacífica a de serem as conclusões do apelante a delimitar as questões decidendas que constituem o objecto do recurso.
No caso concreto dos autos, a apelante precisamente restringe esse o-bjecto estritamente ao assunto da prescrição do crédito que reclama do apelado concernente à obrigação indemnizatória, por incumprimento de contrato, docu-mentada nas três facturas que, em Janeiro e Abril de 2003, emitiu em nome deste (docs fls. 23 a 25) (artigo 684º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Por conseguinte, pode ser assim enunciada a única questão deciden-da que, em recurso de apelação, vem colocada:
Saber se é, ou não, aplicável, ao crédito indemnizatório emergente da preterição do período de fidelização aos serviços de telefone móvel, o prazo de prescrição próprio do crédito do preço pela prestação desses serviços.


II – Fundamentos

            1. É o seguinte o contexto factual, que é alegado pela autora, e que há-de servir de sustentáculo ao adequado enquadramento jurídico-normativo:
            i. A apelante e o apelado firmaram, em 15 de Janeiro de 2002, um acordo mediante o qual, contra pagamento, aquela facultaria a este o acesso ao seu serviço móvel terrestre, através de cartão electrónico com o nº ...34 (doc fls. 9 a 11);
            ii. E em 17 de Maio de 2002 firmaram acordo similar, sendo neste ajustado que o acesso ao serviço móvel era feito através dos cartões electrónicos com os nºs ...75 e 96. 849.25.70 (doc fls. 12  a 17);
            iii. Em qualquer de tais acordos o apelado se comprometeu a manter o seu vínculo contratual por um período de 30 meses (cláusulas 1ª e 2ª);
            iv. E ainda que em caso de incumprimento pagaria à apelante a quantia equivalente ao valor das mensalidades fixas contratadas relativas aos meses de vinculação, deduzido das já pagas (cláusula 4ª);
            v. O apelado utilizou os serviços de telefone móvel da apelante;
            vi. A apelante emitiu as facturas concernentes ao respectivo custo, que enviou ao apelado, nº 122567490, com limite de pagamento em 26.8.2002, no valor de 357,07 € (doc fls. 18), nº 122886843, com limite de pagamento em 26.9.2002, no valor de 732,02 € (doc fls. 19), nº 123205655, com limite de pagamento em 28.10.2002, no valor de 660,66 € (doc fls. 20), nº 123527353, com limite de pagamento em 26.11.2002, no valor de 45,22 € (doc fls. 21) e nº 123848699, com limite de pagamento em 26.12.2002, no valor de 45,22 € (doc fls. 22);
            vii. O apelado não pagou à apelante as quantias dos custos mencionadas nas facturas;
            viii. Em consequência, a apelante desactivou o acesso, através dos cartões referidos em i. e ii., ao serviço móvel;
            ix. E emitiu, em nome do apelado, concernente ao cartão nº ...75, a factura nº 139601927, referida a indemnização por incumprimento contratual, na importância de 1.085,28 € e com data limite de pagamento em 21.2.2003 (doc fls. 23);
            x. Emitiu, em nome do apelado, concernente ao cartão nº ...34, a factura nº 139610579, referida a indemnização por incumprimento contratual, na importância de 949,62 € e com data limite de pagamento em 21.5.2003 (doc fls. 24);
            xi. E emitiu, em nome do apelado, concernente ao cartão nº ...70, a factura nº 139610645, referida a indemnização por incumprimento contratual, na importância de 1.175,72 € e com data limite de pagamento em 21.5.2003 (doc fls. 25).

            2. O mérito do recurso.

            2.1. Enquadramento inicial.
            A apelante, operadora de serviço de telefone móvel, funda a acção em contratos, firmados com o apelado, cuja prestação consistia precisamente no acesso deste a um tal serviço; com vínculo do segundo a um período temporal de fidelização. Houve custos, vencidos entre Agosto e Dezembro de 2002, que não foram satisfeitos pelo utente (apelado); houve preterição do período de fideliza-ção; e foram accionadas pela prestadora (apelante) as cláusulas que haviam sido acordadas a estabelecer as consequências próprias para esse incumprimento.
            Gerou-se, assim, na esfera do utente uma obrigação de indemnizar; e com o conteúdo que a prestadora define em três facturas, na importância global de 3.210,62 €, vencidas em Fevereiro e Maio de 2003 (docs fls. 23 a 25).
            A acção chega a juízo em Abril de 2006. E em saneador sentença de-cide-se em julgar todos os créditos prescritos; em particular no que à obrigação indemnizatória concerne, por se entender que não sendo exigível a obrigação principal também o não são as obrigações com ela conexas relativas a indemnização por incumprimento contratual.
            Esta a súmula da situação; importando notar que, nesta fase e atenta a índole da acção, o suporte factual é estritamente obtido do alegado – e carente ainda de prova – pela apelante, em petição inicial. Vejamos. O apelado foi citado editalmente, e mostra-se representado pelo Ministério Público; por conseguin-  te, todos os factos alegados se acham necessitados de prova (artigos 490º, nº 4, e 513º, final, do Código de Processo Civil). A decisão recorrida conheceu do mé-rito, no saneador, a coberto do artigo 510º, nº 1, alínea b), e nº 3, final, do Código de Processo Civil. A ser procedente a apelação, a consequência, para lá do al-cance substitutivo a propósito da estrita questão prescricional, não se poderá re-percutir no restante mérito, ainda carente de ser conhecido, por aí não estar o tri-bunal superior habilitado ainda com os concernentes elementos (desde logo o sustentáculo factual necessário) (artigo 715º, nº 2, final, do Código de Processo Civil).
            Por fim, a apelante conformou-se com o extracto decisório relativo à prescrição dos créditos concernentes ao custo do serviço de telefone móvel de que o apelado usufruiu. Aí em causa, os valores documentados nas cinco factu-ras, vencidas entre Agosto e Dezembro de 2002 (docs fls. 18 a 22), na impor-tância global de 1.840,19 €. Quanto a esse extracto, excluído pela apelante do o-bjecto do recurso, está consolidada a decisão da primeira instância, em caso jul-gado material (artigo 671º, nº 1, início, do Código de Processo Civil).
            Com o que seguiremos, apenas, com a análise da obrigação de inde-mnizar, e com a questão central da sua, ou não, extinção por prescrição.

            2.2. O serviço de telefone móvel e a prescrição.
            A Lei nº 23/96, de 26 de Julho, criou no ordenamento jurídico portu-guês um conjunto de mecanismos destinados a proteger o utente de serviços pú-blicos essenciais (artigo 1º, nº 1). Na sua redacção original considerava serviço público abrangido, além do mais, o serviço de telefone (artigo 1º, nº 2, alínea d)); sendo então controversa a questão de saber se, aí, se deviam, ou não, incluir, a-lém do mais, os serviços móveis de telefone.[1]
            Curiosamente, o serviço de telefone veio a ser excluído do âmbito de aplicação da Lei nº 23/96, pelo artigo 127º, nº 2, da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, com entrada em vigor no dia seguinte (artigo 128º, nº 1).
            Mas, em 26 de Fevereiro de 2008, é publicada a Lei nº 12/2008, de te-or inovatório; que, alterando o normativo da Lei nº 23/96, nesta reintegrou aque-le serviço, embora agora sob a veste mais genérica de serviço de comunicações electrónicas, como passou a constar da alínea d), nº 2, do artigo 1º, desta Lei.
            De notar que a Lei nº 12/2008, entrada em vigor 90 dias após a sua publicação (artigo 4º), se afirmou aplicável às relações subsistentes à data dessa entrada em vigor (artigo 3º). O que significou, na nossa óptica; por um lado, a a-plicação ao serviço de telefone, constituído antes da entrada em vigor da Lei 5/2004 e daquele constituído após essa data que subsistisse à data da entrada em vigor da Lei 12/2008; por outro lado, a exclusão desse mesmo serviço, se cons-tituído após a Lei 5/2004 e findo antes da entrada em vigor da Lei 12/2008.
            Seja como for; ao que aos autos importa, a relação jurídica da pres-tação do serviço de telefone móvel constitui-se em Janeiro e Maio de 2002 e ex-tinguiu-se, segundo se intui, ainda no ano de 2003; tudo portanto, antes mesmo da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, e em plena vigência da redacção primitiva da Lei nº 23/96, de 26 de Julho;
            Sendo a versão original desta Lei, portanto, a única a relevar.
            Dito isto; dissemos ser neste quadro normativo controversa a inclusão do serviço móvel na concernente disciplina. A este respeito, a doutrina já se pro-nunciara, em sentido que julgamos largamente maioritário, por essa inclusão. A-cabando o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão Uniformizador de Juris-prudência de 3 de Dezembro de 2009,[2] e a propósito da questão concreta do pra-zo prescricional do direito ao pagamento do preço do serviço móvel, por vir a confirmar essa mesma inclusão; assim dissipando, a respeito, todas as hesitações.
            Em suma; reportando ao vertente caso, e no concreto assunto da pres-crição do crédito do preço do serviço móvel de telefone, é o mesmo enquadrável no artigo 10º, nº 1, da Lei 23/96,[3] interpretado pelo Acórdão Uniformizador men-cionado;[4] sendo o regime assim encontrado, aliás, perfeitamente consonante com o que resultava já do artigo 9º, nº 4, do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de De-zembro (diploma regulamentador do acesso à actividade do serviço público de telecomunicações). Não significando isso mais do que o prazo de prescrição do mencionado crédito é de seis meses.
            Uma nota ainda a propósito desta prescrição; que, por ser de prazo al-go curto, pode suscitar a dúvida àcerca da sua natureza: presuntiva ou extintiva.
            Em bom rigor, a prescrição propriamente dita é uma só – a extintiva ou liberatória. É esta que constitui a regra, por razões de interesse e ordem públi-ca, com a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico.[5]  O instituto da prescrição tem em vista obrigações jurídicas civis. Completada, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento delas ou de se opor, de qualquer modo, ao exercício do concernente direito (artigo 304º, nº 1, do Código Civil). O seu efeito não é extintivo da obrigação; pois se o interessado a assim não invocar, subsiste ela (a obrigação) na sua plena integridade; e apenas essa invocação tem a virtualidade de a fazer extinguir, como vínculo civil, e de a fazer subsistir meramente como vínculo natural.[6]
            É também desta natureza a prescrição estabelecida para o crédito que nos interessa;[7] aquele que tem por objecto a solvência do custo do serviço de telefone móvel prestado. Nada permite intuir, no que lhe respeita, qualquer pre-sunção de cumprimento; cuja de natureza excepcional sempre levaria, em caso de dúvida, à regra da prescrição extintiva.

            2.3. O caso concreto dos autos.
            2.3.1. Como antes dissemos, o único crédito que subsiste da apelante é o indemnizatório, emergente da circunstância de o apelado não haver respeitado o período de vínculo contratual, a que se comprometera (vínculo de fidelização). Ora, para essa hipótese, ajustaram as partes que o segundo pagaria à primeira a quantia equivalente ao valor das mensalidades fixas contratadas relativas aos meses de vinculação, deduzido das já pagas.
            É claramente domínio da responsabilidade contratual.
            Vejamos. Os contratos devem ser pontualmente cumpridos (artigo 406º, nº 1, do Código Civil); e esse cumprimento ocorre quando o devedor reali-za a prestação a que se vinculou (artigo 762º, nº 1, do Código Civil). Se o deve-dor falta ao cumprimento, então se presumindo a culpa, torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao credor (artigos 798º e 799º, nº 1, do Código Civil).
            O prejuízo constitui sempre uma compressão na esfera jurídica do lesado; que este, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, deve demonstrar. É essa compressão, ou dano, que o agente do incumprimento tem de reparar (artigos 562º, 563º e 566º, nº 2, do Código Civil). A obrigação de inde-mnizar deve reconstituir a esfera lesada, repondo-a no estado em que se encon-traria se os compromissos contratuais não tivessem sido preteridos.
            Mas então naturalmente importa conhecer os contornos da compres-são, da contracção, a reparar; interessa previamente configurar como seria a situ-ação da esfera jurídica lesada, sem o constrangimento que se pretende suprimir.
            É a tarefa probatória de apuramento do dano.
            Porém; facilitando-lhes essa tarefa, a lei concede às partes a faculdade de, antecipadamente, poderem definir os contornos, que tenham por ajustados, de uma concreta compressão; e que será, em caso de ser accionado o dever de re-paração, o seu modelo específico e concreto; sendo essa a sua função própria. É o que pode designar-se por configuração antecipada do dano, a fixação por acordo do montante da indemnização exigível; e que tecnicamente se designa por cláu-sula penal (artigo 810º, nº 1, do Código Civil). Através da cláusula penal permi-te-se, então, que as partes, por acordo, liquidem antecipadamente os danos exigí-veis em caso de incumprimento do contrato; determinando previamente o mon-tante desses danos; e contribuindo assim para evitar dúvidas futuras e litigios entre elas quanto a essa determinação.[8]  E, seja como for, uma coisa é certa; a de que a estipulação do montante pecuniário se destina a estabelecer as conse-quências de certa obrigação não ser cumprida; por conseguinte, a densificar o conteúdo de obrigação indemnizatória emergente da responsabilidade contratual a que haja lugar (artigo 798º, final, do Código Civil).
            Dito isto.
Nesta hipótese, há a obrigação principal (a de que se projecta o não-cumprimento) e há a estipulação do concreto montante pecuniário (a cláusula penal).
            Ora, qual o critério de concretização do montante pecuniário?
            Para lá dos excessos manifestos, que sempre são de censurar (artigo 812º, nº 1, do Código Civil), o princípio é de que a estipulação da medida da cláusula penal cabe no domínio da autonomia da vontade privada e do império da liberdade contratual das partes (artigo 405º, nº 1, do Código Civil). Quer di-zer, não há critérios pré-estabelecidos, sendo às partes que competirá, segundo os interesses substanciais que visem prosseguir, fixar livremente os contornos e o montante da indemnização que, para o caso de preterição obrigacional, cada uma possa exigir.
            E tudo isto a propósito do caso vertente nos autos.
            Vejamos. A obrigação contratual principal, cuja preterição as partes anteciparam, foi a do vínculo de fidelização, de parte do apelado, contida nas cláusulas 1ª e 2ª de cada um dos contratos firmados. Estipularam depois, na cláu-sula 4ª sequente, um certo valor – o equivalente ao valor das mensalidades fixas contratadas relativas aos meses de vinculação, deduzido das já pagas – para a hipótese do seu incumprimento; não merecendo dúvida ter esta estipulação a natureza de cláusula penal.
            Pois bem. Desta maneira, a obrigação do apelado, com o conteúdo de entregar à apelante os custos pela utilização do serviço de telefone móvel, não é confundível com a obrigação principal (de que é acessória a cláusula penal) a que nos reportamos.
O crédito ao recebimento do preço, é uma coisa; o vínculo de fidelização, outra diferente. Quer uma, quer outra, retratam prestações debitó-rias emergentes do contrato. Mas só a segunda está aqui em causa, para o efeito de apurar sobre se, sim ou não, foi cumprida; e como facto com a virtualidade de poder desencadear o funcionamento do instituto da cláusula penal. É aliás o que resulta evidente da circunstância de poder ser perfeitamente configurável um cumprimento pontual da entrega do preço, por banda do utente, e ao mesmo tempo o incumprimento do vínculo de fidelização; hipótese em que funcionaria, da mesma exacta maneira, o mecanismo firmado da cláusula penal.
            Há portanto, por um lado, o crédito do preço dos serviços de telefone móvel; há, por outro lado, o crédito indemnizatório resultante do incumprimento do vínculo de fidelização.
Agora; é certo que foi o valor próprio daquele (das prestações periódicas correspondentes) que foi matriz e referencial para a estipulação concreta do montante da indemnização exigível, como conteúdo deste; mas apenas isso. Quer dizer, as partes escolheram livremente a cláusula penal, com os contornos que quiseram estabelecer; o que fizeram sem poder merecer qualquer nota de reparo, uma vez que se estava no domínio da sua autonomia da vontade.
            Em suma, uma coisa é o crédito do preço, próprio da execução do contrato; outra coisa, dessa diferente, o crédito de indemnização emergente do incumprimento do vínculo de fidelização; este com conteúdo estipulado em cláusula penal.
A cláusula é acessória deste vínculo; não daquele crédito (do preço).

            2.3.2. Qual então o prazo prescricional aplicável ao crédito indemniza-tório, emergente do incumprimento do vínculo de fidelização (afinal, não mais do que o crédito a haver o montante da cláusula penal estipulada)?
            No concernente ao direito ao pagamento do preço dos serviços de te-lefone móvel, o prazo prescricional é de seis meses após a sua prestação; é o que resulta do quadro legal aplicável, a que antes nos referimos, e no essencial e-mergente do artigo 10º, nº 1, da Lei nº 23/96, na redacção originária, interpretado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (uniformizador de jurisprudência) nº 1/2010, de 3 de Dezembro de 2009.
Como vem sendo sublinhado, um tão curto prazo tem aqui por fundamento a ordem pública de protecção ou ordem pública social, própria da tutela do utente (consumidor), e tirado da necessidade de prevenir a acumulação de dívidas (de fácil contracção), que o mesmo pode (deve) pagar periodicamen-te, mas encontrará dificuldades em solver se excessivamente agregadas; ao mesmo tempo, responsabilizando os prestadores de serviços em manter uma organização que lhes permita a cobrança em momento próximo do respectivo consumo; e sancionando-lhes a inércia e a negligência decorridos seis meses após a prestação do serviço.[9]
Mas, como vimos dizendo, não é esse o crédito que aqui directamente nos concerne. O que mais nos importa é o direito à indemnização por incum-primento do vínculo de fidelização, consubstanciado no percebimento da cláusu-la penal estipulada. Este, porém, com a natureza estritamente reparatória que lhe é própria, sem que consiga comportar aquela justificação, que motiva o estreito prazo de prescrição.
Ademais; e mais simples, até, do que isso, em bom rigor, nem a redacção normativa do artigo 10º, nº 1, citado, seja na versão inicial – referindo-se ao direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado –, seja no texto da Lei nº 12/2008 – reportando-se ao direito ao recebimento do preço do serviço prestado –, este como direito interpretativo, permitiria reconhecer o respectivo enquadramento.
Ao que, resta concluir. Afastado o prazo atribuído para o direito de indemnização, por responsabilidade aquiliana (artigo 498º, nº 1, do Código Civil), inaplicável à responsabilidade contratual;[10] fica esta, estritamente, sujeita às regras gerais da prescrição; e, por conseguinte, ao prazo ordinário de vinte anos, estabelecido pelo artigo 309º do Código Civil
            Que é, então, o aplicável ao questionado crédito indemnizatório.[11]

            2.3.3. Isto dito.
            Segundo se intui, o incumprimento do vínculo de fidelização, de ban-da do apelado, terá tido lugar ainda no ano de 2002; gerando-se aí a questiona-  da obrigação de indemnizar. É o termo a quo do início do curso da prescrição
            A acção foi interposta em 28 de Abril de 2006. E a prescrição interrompida cinco dias depois (artigo 323º, nº 2, do Código Civil); assim se mantendo até ao presente (artigo 327º, nº 1, do Código Civil).
            Com o que direito à indemnização não prescreveu.
E procedem as conclusões do recurso.

            3. As custas da apelação são da responsabilidade do apelado, por virtude do decaimento; não valendo a isenção estabelecida no artigo 2º, nº 1, a-línea a), do Código das Custas Judiciais.[12]

            4. Síntese conclusiva.
            É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:

            I – O direito ao pagamento do preço pela prestação do serviço móvel de telefone, prescreve no prazo de seis meses (artigo 10º, nº 1, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho), sendo essa prescrição de natureza liberatória ou extintiva;
            II – Se, no concernente contrato, as partes estipularam uma cláusula de fidelização ao serviço, por certo período de tempo, a preterição dessa cláusula é susceptível de acarretar, para o utente, obrigação de indemnizar (artigo 798º do Código Civil);
            III – Ao abrigo da autonomia da vontade é permitido às partes estipu-larem, por acordo, uma cláusula penal prevenindo a hipótese do incumprimento do vínculo de fidelização firmado (artigo 810º, nº 1, do Código Civil);
            IV – O direito ao recebimento dessa indemnização (da quantia estipulada como cláusula penal) não está sujeita à prescrição de seis meses, refe-rida em I –, mas antes ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309º do Código Civil).

           
III – Decisão
           
            Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:

            1.º julgar a apelação procedente;

2.º revogar o saneador sentença recorrido, na parte que julgou pro-cedente a excepção da prescrição do direito à indemnização da apelante, por incumprimento contratual do apelado, e substitui-lo, nessa parte, por outro, a julgar improcedente a excepção da prescrição;

3.º determinar o seguimento da acção, nessa parte (que é a relativa às quantias indemnizatórias, documentadas nas facturas 139601927, 139610579 e 139610645, referidas supra em II.1.ix., x. e xi.), caso outro obstáculo não exista a esse seguimento.
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            Custas a cargo do apelado.

Lisboa, 7 de Junho de 2011
 
Luís Filipe Brites Lameiras
Jorge Manuel Roque Nogueira
António Santos Abrantes Geraldes
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[1] A este respeito, a anotação de Calvão da Silva aos Acórdãos da Relação de Lisboa de 9 de Julho de 1998 e da Relação do Porto de 28 de Junho de 1999, publicada na Revista de Legislação e de Jurisprudên-cia, ano 132º, nºs 3901 e 3902, páginas 138 a 160.
[2] Acórdão nº 1/2010 publicado no Diário da República, 1ª série, de 21 de Janeiro de 2010, páginas 217 a 224.
[3] A versão original deste número veio a ser alterada pela citada Lei nº 12/2008.
[4] Antes mesmo da produção deste Acórdão, e coerentemente com o que nele haveria de vir a ser consa-grado, já Calvão da Silva escrevia que aos serviços de telefone … móvel prestados antes da entrada em vigor da Lei nº 5/2004 aplicam-se as regras da Lei nº 23/96, com a nova redacção dada à al. d) do nº 2 do art. 1º pela Lei nº 12/2008 a revestir natureza interpretativa (art. 13º do Código Civil) relativamente à controvertida inclusão do serviço de telefone móvel, porque consagra um entendimento doutrinário e jurisprudencial já no domínio da anterior redacção e assim põe termo à incerteza ou controvérsia inter-pretativa (“Serviços públicos essenciais: alterações à Lei nº 23/96 pelas Leis nºs 12/2008 e 24/2008” in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 137º, nº 3948, página 168).
[5] Calvão da Silva, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 132º, nºs 3901 e 3902, citada, página 152.
[6] É a eficácia própria do instituto da prescrição, que a doutrina comummente destaca; veja-se Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, volume I, tomo IV, 2007, página 172.
[7] Veja-se o Acórdão Uniformizador nº 1/2010, DR citado, página 223.
[8] Sobre este assunto, e com outros desenvolvimentos, vejam-se Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume II, 3ª edição, páginas 74 a 75; Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, volume I, tomo I, 1999, páginas 465 a 466; e Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vo-lume II, 6ª edição, páginas 288 a 289.
[9] Veja-se o Acórdão Uniformizador, citado, in DR, 1ª série, de 21 de Janeiro de 2010, página 224; e Calvão da Silva, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 132º, nºs 3901 e 3902, citado, páginas 154 a 155.
[10] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume I, 4ª edição, página 505.
[11] A jurisprudência segundo a qual à indemnização decorrente da violação da cláusula de fidelização contida nos contratos de prestação de serviço telefónico se aplica o prazo prescricional ordinário do artigo 309º do Código Civil é a maioritária no Tribunal da Relação de Lisboa; vejam-se os Acórdãos de 12 de Janeiro de 2010, proc.º nº 39069/03.9 YXLSB.L1-1, de 16 de Março de 2010, proc.º nº 1405/08.4TJLSB.L1-1, e de 15 de Fevereiro de 2011, proc.º nº 3084/08.0YXLSB-A.L2-7, este relatado pelo Exm.º Desembargador Gouveia de Barros e subscrito pelo relator do presente acórdão, como adjunto, todos in www.dgsi.pt. Porém, contra, entendendo aplicável o exíguo prazo de seis meses, veja-se o Acórdão da mesma Relação de 25 de Fevereiro de 2010, proc.º nº 1591/08.3TVLSB.L1-6, também in www.dgsi.pt.
[12] Salvador da Costa, “Código das Custas Judiciais anotado e comentado”, 7ª edição, página 74.