Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5185/16.1T8OER-A.L1-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
NOTIFICAÇÃO
FORMALIDADES LEGAIS
INOBSERVÂNCIA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - No procedimento de injunção, não havendo domicílio convencionado, a notificação do requerimento de injunção ao Requerido efectua-se mediante carta registada com aviso de recepção, sendo aplicáveis as disposições relativas à citação.
II - A mera menção de existência de domicílio convencionado feita pelo Requerente no requerimento de injunção, não existindo convenção escrita, é irrelevante;
III - Por inobservância das formalidades legais prescritas, padece de nulidade a notificação do Requerido em procedimento de injunção realizada através de simples carta postal quando inexiste convenção de domicílio;
IV - Com a declaração de nulidade da notificação do Requerido, o requerimento de injunção, com a aposição da fórmula executória, é inválido e inexequível.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
Por apenso à execução contra si intentada por A veio a embargante B deduzir oposição à execução, peticionando a extinção da acção executiva e o levantamento das penhoras efectuadas.
Para o efeito, invocou:
(i) a inexequibilidade do título executivo, alegando, para o efeito, em síntese útil, que: consta do requerimento executivo, que a 22/09/2016, a ora exequente/embargada deu entrada de processo de injunção, sem que a ora executada/embargante, tenha deduzido oposição, pelo que ao procedimento de injunção foi aposta fórmula executória a 23/11/2016; porém, no requerimento de injunção, no local destinado a “Domicilio Convencionado”, a ora exequente colocou “Sim”; por isto, o ora executado foi notificado da injunção nos termos do art.  12º-A do Anexo ao DL 269/98, de 01/09, ou seja, através de via postal simples, enviada para a morada constante dos autos, sendo que a respectiva carta foi depositada no receptáculo postal dessa morada a 06/10/2016; porém, só no caso de existir um contrato redigido a escrito, em que as partes expressamente declararam um domicílio convencionado, o Requerido é notificado através de carta simples, conforme dispõe o mencionado art. 12º A; inexistindo um contrato celebrado entre as partes, onde se convencione o domicílio, a citação do requerimento de injunção ao executado é efectuada através de carta registada com aviso de recepção, sendo que, neste caso, são aplicáveis as disposições relativas à citação, nos termos do art. 12º, nºs 1 e 2 daquele diploma; no caso dos autos, a exequente e a executada não celebraram qualquer contrato escrito onde tenham convencionado domicílio, pelo que, não podia a exequente indicar no seu requerimento injuntivo “domicílio convencionado”; por isto, não tendo sido observado o modo de notificação previsto no citado art. 12º (carta registada com aviso de recepção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei, nos termos dos arts. 191º, nº 1, 726º, nº 2, al. a) e 734º do Cód. Proc. Civil; a notificação do requerimento de injunção ao ora executado foi efectuada através de correio simples com prova de depósito, não tendo tal notificação chegado ao seu conhecimento, o que lhe negou o direito à sua defesa, pelo que a falta cometida prejudicou-o, verificando-se falta de citação nos termos dos arts. 191º e 195º do Cód. Proc. Civil, e, em consequência, a nulidade de todo o processado após a apresentação do requerimento de injunção nos autos principais, nos termos do art. 188º, nº 1, al. a) do Cód. Proc. Civil; por isto, sendo o requerimento de injunção nulo, não estava o mesmo em condições de lhe ser aposta fórmula executória, pelo que o título executivo, não tendo sido regularmente constituído, é inválido e inexequível;
(ii) impugnou a factualidade invocada, alegando, em síntese útil, que: a exequente nunca interpelou a executada para que este procedesse ao pagamento de qualquer quantia; e, em Dezembro de 2018, após a executada ter tido conhecimento dos montantes em dívida, fez de imediato o pagamento, pelo que nada deve.
A embargada contestou, pugnando pela improcedência da oposição à execução.
Alegou, para o efeito, em síntese útil, que: é verdade que entre as partes não existia um contrato escrito de prestação de serviços, mas contratos verbais de adjudicação e aceitação de serviços; no processo injuntivo foi remetida carta, com registo simples, para citação da Requerida/Executada/Embargante para a sede de tal sociedade: Praceta …, n º 2 – 3º Esq., 2845-437 Amora – Seixal; esta morada consta em todos os documentos da sociedade; encontram-se nos autos certidões da AT, de registos de veículos automóveis da empresa, certidão comercial, constando em todos eles como morada da sede a mencionada; também é esta a morada que consta da procuração que a empresa emite a favor da própria mandatária no presente processo; também os documentos que foram juntos com os embargos deduzidos, foram emitidos pela embargada, remetidos à embargante e por esta recebidos constando dos mesmos aquela morada; é em tal morada que a embargante tem que ser notificada para pagar as suas dívidas e para receber toda a correspondência; a executada/embargante foi citada para o processo executivo na Rua..., em Lisboa, pela Exma Srª Solicitadora de Execução, porque a Ilustre Mandataria da embargante lhe remeteu um email a solicitar que a mesma seja citada em tal morada; sendo uma citação de pessoa colectiva, a carta tem que ser remetida para a morada da sede da empresa e não sendo a mesma devolvida, forçoso é de concluir que a empresa a recebeu e foi conhecedora da mesma; só se verifica a nulidade do requerimento injuntivo, ao qual foi aposta fórmula executória, quando do mesmo advém prejuízo sério para a requerida da injunção, ou se os fundamentos da mesma não foram válidos/verdadeiros; não está a embargante no presente processo, apesar do título executivo, impedida de se defender devidamente, sendo a mesma admitida com os mesmos fundamentos de um processo declarativo, se a ele tivesse havido lugar; não foi negado qualquer direito de defesa à embargante; no processo injuntivo, a ora embargante não deduziu oposição, porque não podia, porque não tinha fundamentos, porque a dívida existia, tanto que dois anos depois a pagou.
Foi dispensada audiência prévia, tendo sido proferido saneador sentença, com o seguinte teor:
“A manifesta simplicidade da causa impõe que, desde já, se dê cumprimento ao nº 3 do referido art. 567º do CPC.
Deste modo, encontra-se assente que no requerimento de injunção apresentado como título executivo o exequente mencionou a existência de domicílio convencionado, e, por outro lado, que o executado apenas tomou conhecimento do procedimento de injunção ao ser citado para os termos do processo executivo.
Segundo dispõe o art. 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, a notificação do requerido é feita por carta registada com aviso de recepção, estabelecendo o nº 2 do mesmo preceito que à notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231º e 232º, nos nºs 2 a 5 do art. 236º e no artigo 237º do Código de Processo Civil (CPC).
Contudo, sempre que as partes, nos contratos reduzidos a escrito que possam desencadear tal procedimento de injunção, convencionem o local onde se consideram domiciliadas para efeitos de realização de citação ou notificação, em caso de litígio, a notificação do requerimento é efectuada mediante o envio de carta simples dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionados – art. 12º-A do mesmo diploma.
Nos termos do nº 3 deste preceito “o distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa de correio do notificando e certifica a data e o local exacto em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria.”
Está provado que o requerente da injunção indicou que a morada do executado correspondia a domicílio convencionado pelas partes.
Nos termos do art. 2º nº 1 do Decreto Lei nº 269/98 de 1/9 – aplicável à injunção por força do seu art. 10º nº 2 c) - “nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeitos de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio”.
Ora, incumbia ao exequente provar que as partes convencionaram o local onde se consideram domiciliadas para efeitos de notificação, por referência ao contrato que motivou a apresentação do procedimento de injunção.
De tal conclusão decorre, forçosamente, a consideração de que foi indevidamente aplicado o regime de notificação por carta simples previsto no art. 12º-A nº 1 e 3 do referido diploma.
Na verdade, conforme se considerou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-09-2012, proferido no proc. 276/11.8TBPDL-A.L1-8, disponível em www.dgsi.pt, «é ao requerente da injunção que indicou a existência de domicílio convencionado que incumbe a prova de tal convenção. Caso contrário, o requerido ficaria à mercê da requerente que poderia indicar a existência de tal domicílio convencionado sem que as partes jamais tenham acordado na mesma e conduzindo assim à não notificação do requerido e consequente atribuição de força executiva ao requerimento de injunção – art. 14º nº 1.».
No caso em apreço, não foram observadas as formalidades prescritas na lei para que o executado pudesse ser considerado devidamente notificado do requerimento de injunção.
O vício verificado torna, pois, nulo o acto de notificação do executado para o procedimento de injunção, por não terem sido observadas, na sua realização, as formalidades prescritas na lei, as quais impossibilitaram a dedução de oposição ao requerimento apresentado – art. 188º, nºs 1 e 4, do Código de Processo Civil (CPC).
E tal nulidade compromete, necessariamente, a aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção (art. 195º, nº 2, do CPC), o qual não tem, por conseguinte, aptidão para servir como título executivo, dado que não se verifica o pressuposto do nº 1 do art. 14º do já referido Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro: a notificação regular do requerido, ora executado.
Nestes termos, sendo nula a notificação do executado para o procedimento de injunção, nula é, igualmente, a aposição da fórmula executória ao requerimento apresentado pela exequente, pelo que não dispunha esta de título que lhe permitisse intentar a acção principal de execução com base no mesmo.
Por conseguinte, procedem os embargos deduzidos.
*
DECISÃO
Em face de todo o exposto:
Julgo procedentes os embargos de executado deduzidos, e, em consequência, determino a extinção da instância principal de execução.
Custas pelo exequente – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
Registe e notifique.”
Inconformada, a embargada recorre desta decisão, requerendo a sua revogação e substituição por outra que julgue improcedente a oposição à execução. Termina as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1º - A Recorrente não concorda com a decisão proferida nos autos, que julgou procedentes os embargos deduzidos pela Executada/Embargante, por falta de citação no requerimento injuntivo
2º - Em 17/12/2016, a Exequente deu entrada de requerimento executivo, tendo por base titulo executivo consubstanciado numa injunção datada de 26.11.2016.
3º - A injunção foi remetida para a morada da sede da Executada, morada oficial e fiscal conforme documentos que se encontram nos autos,
4º - Também é essa a morada que consta na procuração junta aos autos e emitida a favor da mandatária constituída pela Executada.
5º - Efectivamente por lapso, na injunção foi assinalado pela Exequente, que as partes tinham convencionado domicilio,
6º - Mas a verdade é que a Requerida na data recebeu a injunção, porque remetida para a sede da sociedade, por isso não foi devolvida, não deduziu oposição porque nada havia a contestar,
7º - Tanto assim que após a entrada do processo executivo e quando teve conhecimentos da penhora de conta bancaria, em 07.12.2018, vem pagar o valor das faturas em divida, mas apenas este, nada mais.
8º - Se o processo de Injunção foi remetido para a sede oficial da Executada, se não foi devolvida, deve ser entendido que a mesma foi citada em conformidade,
9º - Evidenciando mesmo má-fé processual, a aposição que a Embargante defendeu nos autos, defendendo que aquela não era afinal a morada da empresa,
10º - Vem a Executada, faltando á verdade, afirmar que apenas teve conhecimento do processo quando a senhora agente de execução a citou na Rua... em Lisboa,
11º - Mas a verdade é que no processo executivo a Executada só e citada noutra morada, que não a da sede, porque a ilustre mandataria da Embargante lhe remete um email a solicitar que a mesma seja citada na Rua... em Lisboa
12º - Esta indicação foi junta aos autos principais pela senhora Agente de Execução em 23/05/2019, referência: 14771563,
13º - Esta “manobra” da Embargante, apenas teve por fim ludibriar o tribunal.
14º - Mas esta posição prova claramente que a Executada já tinha conhecimento do processo injuntivo.
15º - Não há qualquer nulidade do título executivo, a Embargante foi citada na sua sede oficial, a injunção não foi devolvida, os motivos invocados no título eram verdadeiros e a sua defesa não foi prejudicada, podendo no processo executivo contestar com os mesmos fundamentos que o faria no processo declarativo.
16º - A Requerida/Executada/ Embargante deve ser considerada corretamente e regularmente citada no processo injuntivo.
17º - Salvo o devido respeito pelo Meritíssimo Juiz a quo, entendemos que julgou mal os embargos deduzidos pela Embargante
18º - A decisão de que se recorre ao decidir como decidiu violou, por erro de interpretação e de apreciação da prova produzida, o disposto no artigo art. 188º, nºs 1 do Código de Processo Civil (CPC).
19º - A Sentença proferida pela 1ª instância deve ser revogada e em consequência, devem os Embargos improceder e a Execução prosseguir seus termos.”.
A embargante apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objecto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º, n.º 2 do mesmo diploma). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 114-116.
Nestes termos, no caso em análise, as questões a decidir são:
- a impugnação da matéria de facto;
- o mérito da decisão recorrida.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida não especificou de forma discriminada a factualidade em que assenta, mas dela resulta que relevou os seguintes factos, constantes das peças processuais juntas ao processo de execução de que estes autos são apenso:
1. A exequente, ora embargada, instaurou a acção executiva para pagamento de quantia certa a que coube o nº 5185/16.1T8OER-A.L1, de que estes autos são apenso, contra a executada, ora embargante, apresentando como título executivo um requerimento de injunção com o nº 97457/16.7YIPRT, dirigido, em 22 de Setembro de 2016, ao Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções, no qual a ali Requerente, ora exequente/embargada, solicitou a notificação da ali Requerida, ora executada/embargante, indicando como domicílio desta a Praceta …, nº .., 3º  Esq. - 2845-437 Amora, no sentido de lhe pagar a quantia de € 22.306,25, sendo € 21.953,25 de capital, € 200,00 de “outras quantias”, e € 153,00  de taxa de justiça paga (cfr. documentos 11 e 22 aludidos no e-mail de 26/03/2020, junto a estes autos sob a Referência Citus nº 16628651);
2. No requerimento de injunção aludido em 1., a seguir à menção “Domicílio Convencionado” consta a menção “Sim” aí aposta pela ali Requerente, aqui exequente e embargada (cfr. documentos 11 e 22 aludidos no e-mail de 26/03/2020, junto a estes autos sob a Referência Citus nº 16628651);
3. Nesta sequência, em 4 de Outubro de 2016, foi remetida pelo Balcão Nacional de Injunções carta registada com prova de depósito para citação da ali Requerida, aqui executada e embargante, na morada “Praceta …, nº ... - 3º  Esq. - 2845-437 AMORA (cfr. documento 33 aludido no e-mail de 26/03/2020, junto a estes autos sob a Referência Citus nº 16628651);
4. A carta aludida em 3. foi depositada em 6 de Outubro de 2016 no “Receptáculo Postal Domiciliário” por referência à morada para onde foi endereçada (cfr. documento 66 aludido no e-mail de 26/03/2020, junto a estes autos sob a Referência Citus nº 16628651);
5. Face à não apresentação de qualquer oposição por parte da ali Requerida, ora executada/embargante, em 23 de Novembro de 2016, foi aposta fórmula executória no requerimento de injunção aludido de 1. a 4. (cfr. documentos 44 e 55 aludidos no e-mail de 26/03/2020, junto a estes autos sob a Referência Citus nº 16628651);
6. Nas relações comerciais que estabeleceram entre si em data anterior ao aludido requerimento de injunção, a Requerente e a Requerida de tal requerimento (respectivamente, aqui exequente/embargada, e aqui executada/embargante) não celebraram entre si qualquer contrato escrito, nem convencionaram entre si por escrito a existência de um “Domicílio Convencionado” (confissão da aqui exequente/embargada, máxime nos arts. 6º e 7º da contestação apresentada nestes autos).
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
No Ponto I das motivações de recurso, declara a apelante que “visa por via do presente recurso, não somente discutir o direito aplicável, mas também a reapreciação da matéria de facto constante da prova documental junta aos autos”. Após, esta afirmação expressa no ponto I das motivações, a apelante, quer nas motivações de recurso que enuncia nos pontos II e III, quer nas conclusões de recurso, que enuncia no ponto IV, nada mais invoca, nem alega, de concreto, quanto à factualidade que considera dever ser objecto de reapreciação por este tribunal.
Cumpre decidir.
Nos termos do disposto no art. 662º, nº 1 do Cód. Proc. Civil: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Dispõe, por sua vez, o art. 640º, nº 1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Resulta deste preceito legal, como é entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência, a consagração do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser fundamentados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida. O que significa que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou. O recorrente deve, também, consignar na motivação do recurso a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada uma das concretas questões de facto que impugna, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que é exigido ainda por referência ao ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
Sumariando os ónus impostos pelo citado preceito, ensina Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, p. 165-166:
“(…) podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso, e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente aos pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além das especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) (…)”.
Não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art. 640º do Cód. Proc. Civil, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 daquele diploma – cfr., neste sentido, na doutrina, Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 167 (“não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento”); e, na jurisprudência, por todos, Acórdãos: do STJ de 27/10/2016, Ribeiro Cardoso; de 27/09/2018, Sousa Lameira; e de 03/10/2019, Maria Rosa Tching;  e do TRG de 19/06/2014, Manuel Bargado; de 18/12/2017, Pedro Damião e Cunha; e de 22/10/2020, Maria João Matos – todos, acessíveis em www.dgsi.pt.
No caso dos autos, compulsadas as motivações e conclusões das alegações de recurso, é manifesto que a apelante desrespeita os ónus impostos no citado nº 1 do art. 640º do Cód. Proc. Civil.
Na verdade, a apelante não especifica – nem em sede das motivações do recurso, nem em sede das conclusões do mesmo: (i) que concreta factualidade considera incorrectamente julgada; (ii) quais os meios de prova constantes do processo  que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto aos factos que o tribunal a quo considerou como assentes na decisão recorrida (nomeadamente, e por exemplo, que concretos documentos juntos aos autos impõem decisão diversa); (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (que não enuncia, como se disse). Donde, é cristalino que não se encontram respeitados os ónus impostos pelas als. a), b) e c) do nº 1 do citado art. 640º do Cód. Proc. Civil.
Como resulta do que acima deixámos dito, o incumprimento dos ónus impostos pelo citado preceito legal implica a rejeição do recurso da matéria de facto ora em referência, prejudicando a apreciação por esta Relação da modificabilidade da decisão de facto em causa. Desta forma, rejeita-se o recurso sobre a decisão da matéria de facto, improcedendo a apelação nesta parte. O que se decide.
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Do mérito da decisão recorrida
Como decorre do disposto no art. 10º, nº 5 do Cód. Proc. Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
No caso dos autos, estamos perante uma execução fundada em injunção, documento que pode configurar título executivo nos termos do art. 703º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil e do art. 14º do Anexo ao Decreto-Lei n° 269/98, de 01/09.
A decisão recorrida julgou nula a notificação que teve lugar no procedimento de injunção e ineficaz a fórmula executória que serve de título à execução, por haver constatado que, contrariamente ao indicado pela Requerente/exequente/embargada no requerimento de injunção, não vigorou entre as partes qualquer convenção de domicílio e, assim, a notificação da ora apelada, realizada por carta simples, não observou as formalidades que a lei exige para a notificação do requerimento de injunção em que as partes não hajam convencionado domicílio, como se verifica ser o caso.
A apelante insurge-se contra esta decisão, alegando que a notificação da Requerida/ora apelada na injunção é válida, e por isso é válido o título executivo, uma vez que a morada para onde o Balcão Nacional de Injunções remeteu a carta de notificação é a morada da sede da Requerida/ora apelada.
Apreciemos.
À data da interposição do requerimento de injunção que consubstancia o título executivo dado à execução – em 22 de Setembro de 2016 -, encontrava-se em vigor o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15000,00 e injunção aprovado pelo Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, na redacção anterior à Lei nº 117/2019, de 13/09.
A notificação do requerimento de injunção à parte contrária encontra-se disciplinada nos arts. 2º, nº 1 (por força da al. c) do nº 2 do art. 10º), 12º e 12ºA, todos do Anexo ao mencionado Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 107/2005, de 01/07, rectificado pela Declaração de Rectificação nº 63/2005, de 19/08, nos seguintes termos – para o que aqui interessa:
“Art. 2º
Fixação de domicílio das partes
1 - Nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio.”
“Art. 12º
Notificação do requerimento
1 - No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.
2 - À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.ºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil.
3 - No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação.
4 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo seguinte.
5 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sedes, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.”
“Artigo 12.º-A
Convenção de domicílio
1 - Nos casos de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular, a notificação do requerimento é efectuada mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionado.
2 - O funcionário judicial junta ao processo duplicado da notificação enviada.
3 - O distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa de correio do notificando e certifica a data e o local exacto em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria.”.
A propósito deste regime de notificações dos requerimentos de injunção, esclarece José Henrique Delgado de Carvalho, in “Nulidade da notificação do requerimento de injunção”, blog do IPPC em 12/02/2015, acessível em http://blogippc.blogspot.pt/2015/02/nulidade-da-notificacao-do-requerimento.html:
“1. Os procedimentos de notificação no âmbito do procedimento de injunção dependem da existência de convenção de domicílio para efeito de realização da notificação do requerimento de injunção em caso de litígio:
– Tendo sido convencionado domicílio, esta notificação é efetuada mediante o envio de carta simples, remetida para o domicílio convencionado, considerando-se a notificação feita na pessoa do requerido com o depósito da carta na caixa do correio deste (art. 12.º-A, n.º 1, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98);
– Em contrapartida, não havendo domicílio convencionado, a notificação do requerimento de injunção é efetuada por carta registada com aviso de receção, sendo aplicável as disposições relativas à citação (art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo regime jurídico).
 Nesta última hipótese, no caso de se frustrar a notificação por via postal, a secretaria do BNI obtém informação sobre a residência ou sede do requerido, mediante pesquisa nas quatro bases de dados referidas no nº 3 do art. 12.º do mesmo regime, e, se obtiver resultados, remete notificação por via postal simples para cada um dos locais encontrados (n.ºs 4 e 5 do citado art. 12.º).
A convenção de domicílio, para ser válida e eficaz, tem de ser reduzida a escrito (arts. 84.º e 364.º, n.º 1, ambos do CC), não bastando o preenchimento do quadrado existente no formulário da injunção relativo à existência de uma tal estipulação.
2. No caso de não existir convenção pela qual as partes tenham estipulado determinado local para, em caso de litígio, serem notificadas ou citadas, a secretaria do BNI deve observar a modalidade de carta registada com aviso de receção, em lugar de realizar a notificação por via postal simples (art. 12.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98). Nesta hipótese, o depósito da carta não é elemento decisivo para que o requerido/notificando tenha conhecimento efetivo da notificação, já que esta modalidade de notificação pressupõe, como se disse, a existência de convenção de domicílio (cfr. art. 12.º-A do mesmo regime jurídico).”.
Entende-se como “domicílio convencionado” para efeitos do mencionado art. 12ºA, aquele que “é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes. Dir-se-á que o domicílio convencionado é o que visa o accionamento para a demanda que seja motivada pelo incumprimento do contrato em causa por algum dos respectivos outorgantes.” - Salvador da Costa, in “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6ª ed., p. 56, Almedina.
No caso dos autos, a Requerente/exequente/embargada indicou no requerimento de injunção a existência de um domicílio convencionado. Por isto, procedeu o Balcão Nacional de Injunções à notificação da Requerida/executada/embargada mediante carta simples enviada e depositada na morada daquele domicílio, nos termos do mencionado art. 12º-A do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09.
Porém, ficou provado nestes autos que, ao contrário do mencionado no requerimento de injunção, entre a Requerente/exequente/embargada e a Requerida/executada/embargada não foi convencionado por escrito qualquer domicílio com o sentido atrás enunciado – aliás ficou provado que nem sequer foi celebrado qualquer contrato escrito entre as partes (donde, muito menos, a convenção escrita de domicílio).
Assim, conclui-se que foi incorrectamente utilizado o regime de notificação por carta simples previsto no art. 12º-A, nºs 1 e 3 do referido Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, ao invés de ser cumprido o regime de notificação por carta registada com aviso de recepção previsto no art. 12º daquele Anexo.
Por outras palavras: não tendo sido, no caso dos autos, convencionado domicílio entre as partes, a notificação do requerimento de injunção teria de ser efectuada nos termos do mencionado art. 12º (por carta registada com aviso de recepção) e não nos termos do mencionado art. 12º-A (por carta simples, registada, com prova de depósito), como foi. Donde, conclui-se pela verificação da preterição de formalidades essenciais prescritas naquele art. 12º, porquanto, e como se escreve no Ac. do TRC de 29/05/2012, Barateiro Martins, acessível em www.dgsi.pt: “a lei processual, no âmbito das citações e notificações, ao mencionar determinados cuidados e advertências, não está a estabelecer procedimentos mais ou menos facultativos e indicativos, mas sim a estabelecer prescrições que, em face das consequências e significado de tais actos processuais, devem ser escrupulosamente cumpridas.”.
Em suma, verifica-se, in casu, a preterição de formalidades prescritas no art. 12º do regime Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09.
A notificação do Requerido no procedimento de injunção é o acto pelo qual se lhe dá conhecimento que contra si foi proposto o procedimento e pelo qual este é chamado ao procedimento para se defender (cfr. citados arts. 12º, nº 1 e 13º a 15º, todos do Anexo ao mencionado Decreto-Lei nº 269/98), ou seja, reveste materialmente a natureza de citação (cfr. art. 219º, nº 1 do Cód. Proc. Civil) e justifica, por isso, que a preterição de formalidades prescritas na lei para a sua realização tenha os efeitos que tem a preterição de formalidades prescritas na lei para a citação, não só porque assim o permite o art. 549º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, mas também porque identidade de razões da proibição da indefesa o impõem.
Assim sendo, no caso dos autos, a referida preterição de formalidades prescritas no art. 12º do regime Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, não pode deixar de conduzir à nulidade da notificação efectuada à Requerida/executada/embargada nos termos do art. 191º, nº 1 do Cód. Proc. Civil.
A este propósito e porque as subscrevemos na íntegra, aqui transcrevemos as esclarecedoras palavras de José Henrique Delgado de Carvalho, in artigo e local citados:
“Se, por hipótese, não for observado o modo de notificação previsto no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (carta registada com aviso de receção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1, do nCPC). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (arts. 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do nCPC).
Poder-se-á argumentar que, por aplicação das regras da citação (em concreto, do n.º 4 do art. 191.º do nCPC), esta nulidade só pode ser atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do notificando. Esta norma parece fazer recair sobre o citando o ónus de provar que a formalidade não observada prejudicou realmente o seu direito de defesa. Repare-se que, no âmbito da ação declarativa comum, o regime da citação, quando haja convenção de domicílio, não dispensa o envio de nova carta registada com aviso de receção ao citando, sempre que o expediente relativo à primeira carta de citação tenha sido devolvido por o destinatário não ter procedido, no prazo legal, ao seu levantamento no estabelecimento postal (cfr. art. 229.º, n.º 4, do nCPC).
A aplicação do n.º 4 do art. 191.º do nCPC à notificação do requerido, a que alude o artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 só poderia basear-se num argumento de identidade de razões. No entanto, esta identidade não existe na situação em apreço, pois que, no caso de, no procedimento de injunção, se frustrar a notificação por via postal registada, realiza-se a notificação por via postal simples com prova de depósito (art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º269/98).
Dito de outro modo: a aplicação do disposto no n.º 4 do art. 191.º do nCPC só seria pensável se a notificação do requerido seguisse o regime da citação do réu.
Não é isso, todavia, que sucede: no caso de se frustrar a notificação por carta registada com aviso de receção, há que observar o disposto no art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98. Assim, há que concluir que a falta do cumprimento do estabelecido em qualquer destes preceitos gera, automaticamente, a nulidade da notificação do requerido.
Por consequência, o juiz, face à preterição de alguma das formalidades legais previstas no art. 12.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, deve julgar procedente a nulidade da notificação, mesmo que o requerido, em embargos deduzidos à execução, não tenha cumprido o ónus da prova do prejuízo resultante dessa preterição para a sua defesa.”.
Neste sentido, pronunciaram-se os Acórdãos: do TRL de 13/03/2008, Olindo dos Santos Geraldes; de 17/09/2009, Teresa Soares; de 13/09/2012, António Valente; e de 16/05/2013, Fernanda Isabel Pereira; do TRC de 29/05/2012, Barateiro Martins; e de 10/05/2016, Sílvia Pires; e do TRE de 23/04/2020 - todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Perante este entendimento a que vimos aludindo, é cristalina a improcedência da argumentação da apelante no sentido de a notificação do requerimento de injunção à Requerida/executada/embargante ter sido correctamente efectuada porquanto: trata-se de pessoa colectiva, com sede registada, sendo essa a sua morada oficial, devendo ser nessa morada notificada e citada; a carta de notificação foi remetida para a morada da respectiva sede, morada oficial e fiscal, morada que consta na procuração junta aos autos e emitida a favor da mandatária constituída por aquela; tal carta de notificação não foi devolvida, pelo que, deve ser concluído que a Requerida/executada/embargante recebeu tal carta e foi conhecedora da mesma, encontrando-se, por isto, citada. Com efeito, como vimos, o que está em causa é a preterição de formalidades expressamente prescritas na lei quanto ao modo de efectuar a notificação à Requerida e tais formalidades não foram, no caso, respeitadas, na medida em que – repete-se e salienta-se - se procedeu à notificação por carta simples, ao invés de ser por carta registada com A/R, independentemente de a morada para onde foi endereçada tal carta simples corresponder ou não à sede da notificanda. Tal facto – tratar-se da morada da sede da notificanda - só assumiria relevância se a notificação fosse feita nos termos do art. 12º, nºs 3 e 4 do Anexo ao Dec. Lei nº 269/98, de 01/09, e esse fosse o procedimento adequado, o que não é o caso, face à indicação de domicílio convencionado feita pela própria apelante no requerimento de injunção. Acresce que, como também vimos, no caso dos autos, o mero depósito da carta no receptáculo postal não é elemento decisivo para que a Requerida/notificanda “tenha conhecimento efectivo da notificação, já que esta modalidade de notificação pressupõe a existência de convenção de domicílio (cfr. art. 12º-A do mesmo regime jurídico).”.
Aqui chegados, e pelo exposto, acompanhamos a decisão recorrida quando conclui pela existência de nulidade da notificação levada a cabo no processo de injunção e quando aduz: “E tal nulidade compromete, necessariamente, a aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção (art. 195º, nº 2, do CPC), o qual não tem, por conseguinte, aptidão para servir como título executivo, dado que não se verifica o pressuposto do nº 1 do art. 14º do já referido Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro: a notificação regular do requerido, ora executado.
Nestes termos, sendo nula a notificação do executado para o procedimento de injunção, nula é, igualmente, a aposição da fórmula executória ao requerimento apresentado pela exequente, pelo que não dispunha esta de título que lhe permitisse intentar a acção principal de execução com base no mesmo.”.
Dito isto, e em suma, é cristalina a conclusão de que, no caso dos autos, demonstrada a falta de notificação da Recorrida/executada/embargante mostra-se viciado o procedimento injuntivo e a constituição do próprio título executivo, ou seja, perante a nulidade da notificação da Recorrida/executada/embargante na injunção, não pode a mesma ser executada na acção executiva a que estes autos estão apensos, por não se ter formado título executivo, o que conduz à necessária procedência dos embargos de executado e à extinção da execução, como concluiu a decisão recorrida – arts. 729º, als. a) e d), 731º e 732º, nº 4, todos do Cód. Proc. Civil; cfr., neste sentido, os Acórdãos acima citados e, ainda, o Acórdão do TRC de 28/05/2019, Vítor Amaral, igualmente acessível em www.dgsi.pt.
Por todo o exposto, é de manter a decisão recorrida.
Resta fazer umas breves considerações quanto ao demais aduzido nas alegações e conclusões do recurso, pese embora a improcedência de todos esses argumentos resulte já evidenciada de tudo o que anteriormente se deixou explanado:
- invoca a apelante que a Requerida/executada/embargante não deduziu oposição no procedimento de injunção “porque nada havia a contestar”, “tanto assim que após a entrada do processo executivo e quando teve conhecimentos da penhora de conta bancária, em 07.12.2018, vem pagar o valor das faturas em divida, mas apenas este, nada mais”.
Esta argumentação é irrelevante para a questão aqui em análise – de (ir)regularidade da notificação concretamente realizada no procedimento de injunção -, porquanto a circunstância de a ora apelada ter conhecimento da existência da dívida e de a liquidar (pese embora parcialmente, na versão da apelante) na pendência da execução, não é sinónimo de saber que - ao tempo - contra si corria o procedimento de injunção e de conhecer o prazo para a sua defesa.
- é também irrelevante para a questão aqui em análise – de (ir)regularidade da notificação concretamente realizada no procedimento de injunção -, a argumentação da apelante referente à citação da ora apelada para a execução de que estes autos são apenso, porquanto se tratam de actos processuais praticados em processos distintos e em momento temporal diverso.
- alega a apelante que a defesa da Requerida/executada/embargante “não foi prejudicada, podendo no processo executivo contestar com os mesmos fundamentos que o faria no processo declarativo”.
Porém, este argumento é improcedente, porquanto não distingue a defesa no procedimento de injunção da defesa na execução, nem é motivo para considerar sanada a nulidade da notificação realizada na injunção.
Por todo o exposto, a apelação improcede, sendo de manter, in totum, a decisão recorrida.
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As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.
V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a presente apelação improcedente, e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Lisboa, 6 de Julho de 2021
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
Ana Resende